IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017 1 RETALHOS ANIMADOS: Tapetes tridimensionais de histórias nas narrativas e produções audiovisuais das crianças Daniela Fossaluza Do livro ao tapete, do manuseio à performance, da costura ao diálogo, da câmera às telas, do projeto à ação. O intuito desta pesquisa é refletir sobre os impactos que a linguagem dos tapetes tridimensionais criados e confeccionados artesanalmente com panos e retalhos a partir de livros de literatura infanto-juvenil pode ter na produção de vídeos de narração de historias elaborados pelas crianças. Tenho como objetivo identificar as apropriações feitas por elas e a relevância de processos dessa natureza, apostando num diálogo entre um fazer apoiado numa lógica artesanal, mas que se utiliza das tecnologias. Esse artigo apresenta as primeiras aproximações tecidas a partir da inserção no campo de pesquisa e as questões que se evidenciaram na interação com as crianças. O TAPETE DE HISTÓRIAS – UMA LINGUAGEM PARTICULAR A ideia de transpor uma proposta literária ricamente ilustrada em livro para cenários de pano interativos concretizados como tapetes tridimensionais foi da educadora Clotilde Hammam, em meados da década de 1980. "Para ajudar as crianças a se familiarizarem com o livro, procuramos um meio lúdico, estético, afetuoso e tátil, que facilitasse essa aproximação e fizesse com que elas descobrissem a felicidade da leitura-prazer. Assim nasceram os Raconte-Tapis." (Hammam, 1998). A Arte de Contar Histórias com Tapetes consiste num alinhavo entre o teatro, a música, a literatura e as artes plásticas. É uma prática que teve origem na França e que encontrou sensível e promissor terreno no Brasil para se desenvolver com resultados positivos em seus propósitos desde 1998, estimulando o interesse pelo livro através de uma linguagem dinâmica, poética e interativa, uma prática apoiada na oralidade, na performance, nos materiais têxteis e nos conteúdos dos livros. A iniciativa vem sendo difundida como projeto de fomento à leitura em vários países da Europa através do pedagogo, diretor teatral e artista plástico Tarak Hammam, filho de Clotilde. Dando continuidade ao trabalho da mãe, o artista ministrou estágios e oficinas sobre a linguagem nos anos de 1998 a 2001 através do Departamento de Extensão do Centro de Letras e Artes da Uni- Rio, introduzindo o Raconte-Tapis no Brasil, um projeto do qual participei ativamente como
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IX Seminário Internacional Redes Educativas e Tecnologias. Rio de Janeiro, de 05 a 08 de junho de 2017 1
RETALHOS ANIMADOS: Tapetes tridimensionais de
histórias nas narrativas e produções audiovisuais das
crianças
Daniela Fossaluza
Do livro ao tapete, do manuseio à performance, da costura ao diálogo, da câmera às telas, do
projeto à ação. O intuito desta pesquisa é refletir sobre os impactos que a linguagem dos tapetes
tridimensionais criados e confeccionados artesanalmente com panos e retalhos a partir de livros de
literatura infanto-juvenil pode ter na produção de vídeos de narração de historias elaborados pelas
crianças. Tenho como objetivo identificar as apropriações feitas por elas e a relevância de processos
dessa natureza, apostando num diálogo entre um fazer apoiado numa lógica artesanal, mas que se
utiliza das tecnologias. Esse artigo apresenta as primeiras aproximações tecidas a partir da inserção
no campo de pesquisa e as questões que se evidenciaram na interação com as crianças.
O TAPETE DE HISTÓRIAS – UMA LINGUAGEM PARTICULAR
A ideia de transpor uma proposta literária ricamente ilustrada em livro para cenários de pano
interativos concretizados como tapetes tridimensionais foi da educadora Clotilde Hammam, em
meados da década de 1980.
"Para ajudar as crianças a se familiarizarem com o livro, procuramos um meio lúdico,
estético, afetuoso e tátil, que facilitasse essa aproximação e fizesse com que elas
descobrissem a felicidade da leitura-prazer. Assim nasceram os Raconte-Tapis."
(Hammam, 1998).
A Arte de Contar Histórias com Tapetes consiste num alinhavo entre o teatro, a música, a
literatura e as artes plásticas. É uma prática que teve origem na França e que encontrou sensível e
promissor terreno no Brasil para se desenvolver com resultados positivos em seus propósitos desde
1998, estimulando o interesse pelo livro através de uma linguagem dinâmica, poética e interativa,
uma prática apoiada na oralidade, na performance, nos materiais têxteis e nos conteúdos dos livros.
A iniciativa vem sendo difundida como projeto de fomento à leitura em vários países da
Europa através do pedagogo, diretor teatral e artista plástico Tarak Hammam, filho de Clotilde.
Dando continuidade ao trabalho da mãe, o artista ministrou estágios e oficinas sobre a linguagem
nos anos de 1998 a 2001 através do Departamento de Extensão do Centro de Letras e Artes da Uni-
Rio, introduzindo o Raconte-Tapis no Brasil, um projeto do qual participei ativamente como
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integrante e como aluna bolsista, uma vivência tão significativa que fiz da experiência a minha
profissão.
Com inspiração no modelo francês, porém introduzindo aspectos particularmente
significativos de nossa cultura como: as específicas musicalidades brasileiras, as histórias de
tradição oral, mitos indígenas, contos e poemas de autores brasileiros, entre eles Guimarães Rosa,
Ruth Rocha, Fabio Sombra, Ana Maria Machado, Silvia Ortof, Vinicius de Moraes, Cecília
Meirelles e outros, idealizei o projeto artístico-pedagógico Costurando Histórias. Ao longo de
quinze anos de atividades dirigindo o grupo composto por atores, músico e pedagogos, aperfeiçoei-
me no trabalho com os tapetes, aprofundando-me nos aspectos que envolvem a técnica de criação
dos cenários, a dramaturgia, as encenações e às interações com os públicos. Em nossa prática
regular, visitamos intensamente instituições de ensino públicas e privadas, feiras e festivais
literários, teatros e espaços culturais, realizando sessões de histórias, exposições interativas e
oficinas, atendendo crianças e jovens dos segmentos de educação infantil e ensino fundamental.
Hoje, a prática é também desenvolvida em vários estados brasileiros, através de artistas e
professores, como desdobramentos das capacitações que realizamos.
No primeiro estudo acadêmico tendo como objeto o tapete de histórias, finalizado em 2008,
argumentei teoricamente sobre os impactos positivos que a linguagem em questão pode exercer nos
processos de alfabetização e formação de jovens leitores. A monografia elaborada teve o título “A
Arte de Contar História com Tapetes: um alinhavo entre leitura de mundo e mundo da leitura” e foi
orientada pela Profª Dra. Mônica Amim (UFRJ). Argumentei, além de apresentar informações sobre
a origem da ideia, seu desenvolvimento e sobre os processos de criação dos tapetes, principalmente,
sobre os impactos positivos que o oferecimento desta linguagem pode exercer na primeira infância,
servindo como estímulo não apenas no despertar e no interesse relacionado ao processo de
letramento, mas também sobre a percepção das narrativas e dos livros como fonte de conhecimento
e inspiração a ser buscada e compartilhada durante toda a vida, numa perspectiva ampla de
desenvolvimento.
O livro infanto-juvenil (em sua rica e diversificada produção nacional e estrangeira) é parte
integrante, propulsora e fundamental na produção artística do trabalho que desenvolvo. Os livros,
assim apresentados às crianças, de forma lúdica, mostram-se como ótimos mestres e amigos,
capazes de nos conduzir nos percursos imaginários, ajudando na elaboração do pensamento,
aguçando a curiosidade e o interesse pelo mundo e pela vida que nos cerca. Os livros (texto e
ilustração) também podem apresentar novas perspectivas, indagar sobre antigos pontos de vista e,
acima de tudo, a leitura de diferentes obras exercita o olhar e o pensar.
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O tapete-cenário nasce da sugestão do livro, concretiza-se através dos panos e formas, e
desenvolve-se como se os personagens saltassem das páginas dos livros, ganhando vida nas mãos,
corpos e vozes dos narradores. O tapete é apresentado como um ambiente onde ela pode brincar,
elaborando narrativas, a serviço do imaginário.
O que é um raconte-tapis? Cada tapete de histórias é um espaço organizado, uma porção do
mundo em miniatura que contém a promessa de uma história a ser descoberta no livro que o
acompanha. Essa combinação - mundo em miniatura e promessa de história - age como
uma alavanca na relação criança-livro-adulto: ela instiga o interesse em ler, oferecendo ao
adulto um meio simples de conduzi-las também ao domínio da língua oral, sendo ela um
apoio suplementar ao apetite literário e ao prazer que a criança prova nos livros de imagens
e, finalmente, na escrita. (Hammam, 1998)
A proximidade estabelecida entre artistas e o público - que se dispõe sentado em torno dos
tapetes, formando uma roda e sendo convidado a participar ativamente, expressando-se, é fator a ser
destacado. O público não interage passivamente, o próprio modo como a situação se configura e o
narrador convida seus ouvintes permitem essa troca. As reações do público influenciam o contador
de histórias, numa via de mão dupla. As reflexões de Walter Benjamim em relação à especificidade
das situações de transmissão oral e a possível “aura” dessas experiências únicas, não reproduzíveis
tecnicamente (BENJAMIM, 1935), podem embasar a relevância de eventos dessa natureza, onde as
trocas acontecem através da materialidade dos encontros, onde o “toque” é peculiar. A possibilidade
de, após cada apresentação (momento de maior contemplação), os públicos manipularem os
materiais de cena (interação motora), possibilita que novos sentidos sejam elaborados através da
brincadeira coletiva, numa perspectiva de aprendizado, onde cada participante treina a fala, a escuta
e a ação.
É nesse momento, em que identifiquei o embrião para uma nova pesquisa, ou seja, no
instante em que a criança toma a cena, segura os personagens nas mãos e mergulha na linguagem,
reproduzindo, ao seu modo, as narrativas que acabaram de escutar ou ler. A criança se apropria dos
materiais, tomando para si o sentido da brincadeira, uma experiência que deve ser permitida e
apoiada. Nas palavras de Paulo Freire:
(...) conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto recebe dócil e
passivamente os conteúdos que outro lhe dá ou lhe impõem. O conhecimento, pelo
contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação
transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante. Implica invenção e
reinvenção. (FREIRE, 1983)
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Oficina oferecida para crianças de 6 a 9 anos – SESC Paraty. Janeiro de 2016
Foto: Marcus Prado. Fonte: www.facebook.com/grupocosturandohistorias/
Por se basear na transmissão oral realizada “olho no olho”, contar histórias usando materiais
artesanais é uma arte que navega na contracorrente do cânone vigente, já que estamos frente a uma
modernidade onde o audiovisual e as trocas virtuais tomam cada vez mais volume na formação de
crianças. Porém, as crianças não se conformam mais em apenas serem espectadoras ou leitoras
tradicionais, elas querem produzir e se comunicar inclusive através dos meios tecnológicos e das
redes sociais. Novas formas de produção e transmissão de conhecimento estão emergindo,
principalmente nos ambientes urbanos.
FILMAR AS PERFORMANCES COM OS TAPETES: UMA NOVA PROPOSTA DE
INTERAÇÃO
Nas apresentações e oficinas que realizo em instituições de ensino e espaços culturais, atesto
o interesse das crianças que querem participar das experiências, filmando e fotografando
intensivamente as atividades quando isto é permitido. Ao indagar a elas sobre os motivos,
identifiquei em seus relatos o desejo de registrar para poder compartilhar e rever as experiências e
conteúdos, além de perceber que elas têm especial interesse por brincarem com as câmeras,
exercitando ângulos e discursos. Gostam de assistir ao que filmam. Identifico, também, que ao
manusearem os cenários e personagens, após ouvirem as histórias contadas pelos artistas e
professores, as crianças reproduzem as narrativas incorporando gestos e falas próprias, dando novos