RESUMO Em Abril de 1852, o matemático Arthur Cayley (1821-1895), recém eleito membro da Royal Society of London, apresentou seu primeiro trabalho para a Philosophical Transactions of Royal Society of London: “Analytical Researches Connected with Steiner´s Extension of Malfatti´s Problem”. Em seu artigo, fez uso da Geometria Analítica para investigar a generalização de Steiner. George Peacock (1791-1858) foi chamado pelo Conselho da Royal Society of London para dar o parecer no artigo de Cayley e destaca que esse trabalho seria mais pertinente a alguma revista matemática, como as revistas de Cambridge e o Crelle (Alemanha). Entretanto, apesar desse comentário, Peacock finaliza o aceite do artigo resultando em sua publicação. O objetivo desse trabalho é apresentar o parecer recebido por Arthur Cayley em sua primeira publicação na Philosophical Transactions of Royal Society of London, discutir as ideias presentes nos comentários de Peacock e buscar entender o que motivou Peacock a aceitar o artigo de Cayley. O artigo ainda relata um breve panorama dos critérios científicos da Royal Society of London no período de submissão do artigo de Cayley ao Conselho.
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RESUMO
Em Abril de 1852, o matemático Arthur Cayley (1821-1895), recém eleito membro da
Royal Society of London, apresentou seu primeiro trabalho para a Philosophical
Transactions of Royal Society of London: “Analytical Researches Connected with
Steiner´s Extension of Malfatti´s Problem”. Em seu artigo, fez uso da Geometria Analítica
para investigar a generalização de Steiner. George Peacock (1791-1858) foi chamado pelo
Conselho da Royal Society of London para dar o parecer no artigo de Cayley e destaca
que esse trabalho seria mais pertinente a alguma revista matemática, como as revistas de
Cambridge e o Crelle (Alemanha). Entretanto, apesar desse comentário, Peacock finaliza
o aceite do artigo resultando em sua publicação. O objetivo desse trabalho é apresentar o
parecer recebido por Arthur Cayley em sua primeira publicação na Philosophical
Transactions of Royal Society of London, discutir as ideias presentes nos comentários de
Peacock e buscar entender o que motivou Peacock a aceitar o artigo de Cayley. O artigo
ainda relata um breve panorama dos critérios científicos da Royal Society of London no
período de submissão do artigo de Cayley ao Conselho.
UM BREVE PANORAMA
O geômetra italiano Gian Francesco Malfatti (1731-1807), colocou o problema da
construção de três círculos em um triângulo dado, cada um deles tocando os outros dois
círculos e dois lados do triângulo (Figura 1).
Sua solução foi publicada em 1803, entretanto, o problema e suas variantes
ganhou uma sequência entre os matemáticos. Segundo Crilly (2006), o geômetra suíço
Jacob Steiner (1796-1863), apresentou uma generalização em que ele substituiu as três
linhas retas por três secções de uma superfície quádrica e resolveu utilizando apenas
“geometria pura”.
O matemático Arthur Cayley se interessou por esse problema e em abril de 1852
submeteu seu primeiro trabalho para a Philosophical Transactions of Royal Society of
London, intitulado, “Analytical Researches Connected with Steiner´s Extension of
Malfatti´s Problem”. Em seu artigo, Cayley fez uso da geometria analítica para investigar
essa generalização de Steiner.
Figura 1 – Círculos de Malfatti
Fonte: http://mathworld.wolfram.com/MalfattiCircles.html, Acesso em 05/09/16
Entretanto, para publicar na Philosophical Transactions of Royal Society of
London a condição mínima necessária era ser membro da sociedade científica Royal
Society of London. Portanto, o artigo de Cayley foi analisado concomitantemente ao seu
processo de adesão na Sociedade, visto que de acordo com Crilly (2006) duas semanas
após a submissão de seu artigo na Royal Society, o nome do matemático foi incluso numa
lista de 15 candidatos propostos pelo Conselho para serem submetidos à eleição de novos
membros da Sociedade.
A proposta de adesão do matemático para entrar na Royal Society não se deu por
acaso, ele já havia sido convidado para adentrar a sociedade três anos antes, em virtude
da necessidade da Royal Society eleger cientistas ativos e matemáticos nos primeiros anos
após reforma de 1847 (CRILLY, 2006).
Essa reforma da Royal Society of London em 1847 foi o resultado de um processo
iniciado em meados do século XIX de recuperar o prestígio da Sociedade em relação as
demais sociedades científicas da época, pois, durante o século XVIII e a primeira metade
do século XIX, a Royal Society foi duramente questionada quanto ao seu prestigio
cientifíco tanto internamente pelos seus membros científicos1 e tanto externamente pelos
jornais da época. A principal crítica era em relação a quantidade de membros não
científicos na sociedade. Babbage (1830), apresenta uma comparação em relação ao
número de membros da Royal Society of London com outras três comunidades científicas
ilustres da Europa: Institute of France, Royal Academy of Berlin e a Italian
Academy of Forty.
Tabela 1: Quadro comparativo entre quatro sociedades científicas européias
1 As sociedades científicas da época eram geralmente compostas por membros científicos e membros não
científicos. Os integrantes que não possuíam estudos (membros não científicos) não tinham a prática de
produção científica, mas eram fundamentais para ajudar no custeamento dos projetos desenvolvidos por
aqueles que tinham estudos e produziam conhecimento científico (membros científicos). Além disso, os
membros não científicos em alguns casos também doavam terras e eram importantes devido a serem os
detentores do poder aquisitivo para manutenção da Sociedade.
Ao longo do século XVIII e meados do século XIX, a Royal Society estava
intimamente ligada com os interesses aristocráticos. As críticas em relação a essa grande
quantidade de membros não científicos, enfatizavam que a Royal Society of London
priorizava a riqueza ao invés de verdadeiros conhecimentos científicos.
Uma das críticas apontou que se a sociedade mantivesse a primazia de pessoas
com boas condições financeiras como critério de admissão, ela poderia “boast of being
the richest scientific association in Europe, but . . . never . . . the most learned”
(GLEASON, 1991, p.5).
Gleason (1991), ainda informa que o journal Westminster Review, continua
falando que a ciência "was not properly an object of cultivation in England. If it were, it
would be respected, courted, applauded” (GLEASON, 1991, p.5). Finalizando a crítica,
os editores concluíram que ao invés dos indivíduos, o maior problema era o sistema que
vinha sendo adotado pela sociedade.
O sistema criticado pela revista, se refere à priorização e facilidade para membros
não-científicos adentrassem ao corpo de membros da Royal Society of London desde que
possuíssem uma grande influência na sociedade inglesa ou ser provido de muitas
riquezas.
Fonte: (BABBAGE, 1830, p. 31)
Entretanto, como apontado anteriormente, Arthur Cayley iniciou seu processo de
adesão na Sociedade juntamente com a submissão de seu trabalho em abril de 1852, ou
seja, pouco tempo após a Reforma de 1847 que passou a priorizar a entrada de membros
científicos para viabilizar a recuperação do prestígio científico da Sociedade.
Crilly (2006) comenta que o grande parceiro de Charles Darwin (1809-1882), o
biólogo Thomas Henry Huxley (1825-1895), foi eleito no ano anterior a Cayley e fez uma
nota em seu diário comentando que ele foi eleito para a Royal Society of London em um
momento em que se tornar membro dela é a fase mais difícil do que qualquer outro
período na história da Sociedade.
Após as reformas, o governo britânico começou a reconhecer a importância da
posição detida pela Royal Society e passou a fornecer modestas doações monetárias para
apoio à pesquisa.
Arthur Cayley leu seu artigo sobre o problema de Malfatti para a Royal Society
em maio 1852. Na reunião do Conselho, realizada em 3 de Junho de 1852, ele foi eleito
a Fellow no primeiro escrutínio. O matemático James Joseph Sylvester (1814-1897) foi
o seu principal proponente, e também era um dos Conselheiros da Sociedade naquele
período.
Em sua qualificação para a adesão, Cayley foi listado como o autor de "various
papers" da Cambridge Philosophical Transactions, Crelle´s Journal, Liouville´s Journal,
Cambridge and Dublin Mathematical Journal, e Philosophical Magazine. Quando
perguntado sobre: “Discoverer of?”, Sylvester simplesmente interviu e disse:
"Hyperdeterminants" e para a questão: Eminent as a?, novamente, Sylvester acrescentou:
"Geometer and Analyst". Como seria de esperar, a lista de apoiantes da candidatura de
Cayley não era pequena, e não menos que 21 membros do Conselho assinaram sua
certificação (CRILLY, 2006, p.180).
O PARECER DE PEACOCK
Em Outubro de 1838, Arthur Cayley recém advindo do King´s College of London
passou a residir no Trinity College, em Cambridge. Durante seu primeiro ano na
universidade, Cayley teve como tutor George Peacock (1791-1858). De acordo com
Crilly (2006), Peacock atuou como professor de matemática no Trinity desde 1815 e tutor
universitário a partir de 1823.
Em sua juventude, George Peacock tinha sido um membro da influente Sociedade
Analítica em Cambridge. Em seu Treatise on Algebra (1830), os alunos foram orientados,
nos "principles of symbolic calculation". No ano que Cayley ingressou em Cambridge,
Peacock estava no ponto de codificar ainda mais essas ideias. Embora ocupado com isso,
sua carreira acadêmica e profissional da igreja foram avançando. Ele havia sido nomeado
Professor Lowndeano2 em 1837 e Deão3 da Catedral de Ely em 1839. Peacock foi a porta
de entrada em estudos matemáticos do jovem Arthur Cayley no Trinity College
(CRILLY, 2006).
Dentre os professores de matemática da universidade, James Challis4 (1803-1882)
e Peacock, ambos eram professores recém-nomeados. Peacock foi eleito para a cadeira
de "Astronomia e Geometria", resistente, mas obedientemente ele deu suas primeiras
aulas sobre Astronomia, mas Matemática Pura foi seu forte. Levando isso em conta, ele
chegou a um acordo com Challis que ele iria restringir-se à "Geometria" de seu título.
Assim, em Outubro de 1838, quando Cayley chegou como um calouro, é provável que as
aulas de Peacock tenham sido somente apenas de Álgebra e Geometria. O conteúdo dos
dois volumes do Treatise on Algebra, publicados em 1842 e 1845, contêm a maturação
de seus pensamentos sobre o fundamento da álgebra. Ele fez frequentes referências às
obras de matemáticos do continente europeu, uma continuação de sua missão de trazer
obras Continentais5 a Cambridge e enfatizou a importância da álgebra aplicada à
geometria (CRILLY, 2006).
2 Estabelece que o professor titular deveria ministrar dois cursos de vinte aulas a cada ano, um em
Astronomia e o outro em Geometria, e passar no mínimo seis semanas realizando observações
astronômicas. 3 Dignidade eclesiástica a que está inerente à presidência da Corporação dos cónegos de sé. 4 Professor Plumiano de Astronomia e Filosofia Experimental, esse professor tinha o objetivo de erigir um
observatório e adquirir utensílios e instrumentos (quadrantes, telescópios, etc.), para uso dele e de seus
sucessores. 5A Grã-Bretanha é uma ilha, portanto, separada do continente. Na época, o termo “continente” e suas
variações eram utilizados para se referir a Europa Continental que contempla os demais países do
território europeu. Em termos científicos, as outras potências da época eram França, Alemanha e Itália.