Reserva Natural das Ilhas Selvagens Neste documento estão condensados uma série de artigos que foram publicados em 2011, pelo Serviço do Parque Natural da Madeira, ano em que a Reserva Natural das Ilhas Selvagens celebrou o seu 40º aniversário. Vários temas são abordados ao longo de vários artigos, dando a conhecer as particularidades e riquezas destas ilhas, desde: - Descoberta das ilhas - Cagarra – ex-líbris da reserva - Exploração das plantas - Tentativas de colonização - Farol - Jaques -Soberania Portuguesa -Galardões - Geologia - Cagarra - Aves marinhas - Osga -Recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande - Lenda do Ccapitão Kidd -Visitantes
Neste documento estão condensados uma série de artigos que foram publicados em 2011, pelo Serviço do Parque Natural da Madeira, ano em que a Reserva Natural das Ilhas Selvagens celebrou o seu 40º aniversário.
Welcome message from author
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
Neste documento estão condensados uma série de artigos que foram publicados em
2011, pelo Serviço do Parque Natural da Madeira, ano em que a Reserva Natural das Ilhas
Selvagens celebrou o seu 40º aniversário.
Vários temas são abordados ao longo de vários artigos, dando a conhecer as
particularidades e riquezas destas ilhas, desde:
- Descoberta das ilhas
- Cagarra – ex-líbris da reserva
- Exploração das plantas
- Tentativas de colonização
- Farol
- Jaques
-Soberania Portuguesa
-Galardões
- Geologia
- Cagarra
- Aves marinhas
- Osga
-Recuperação dos habitats terrestres da Selvagem Grande
- Lenda do Ccapitão Kidd
-Visitantes
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
A descoberta
Diogo Gomes foi o descobridor oficial destas ilhas, em 1438, mas segundo algumas fontes, na
Antiguidade já eram referenciadas duas Selvagens conhecidas pelos nomes de Heres e de
Antoloba e, em registos de 1345, aparecem incluídas no grupo das treze Ilhas de Canárias.
Porquê Selvagens?
Segundo Gaspar Fructuoso ( In Saudades da Terra), assim foram chamadas “por serem hermas
e desconversáveis assi de navegação como de gente, e com huns perigosos baixios, em
distância de trinta léguas entre huma e outra, as quais pode ser que sejam do número das doze
que, segundo o historiador João Barros, se dizem Canárias”.
Proprietários das Ilhas
As Selvagens foram incorporadas na Ordem de Cristo, durante o reinado de D. Manuel, tendo
sido feitas concessões das Ilhas a fidalgos e guerreiros que se distinguiam nos feitos das
conquistas e guerras na época do expansionismo português. Desde esta data passaram a
pertencer ao Estado Português, estando sob a administração territorial da Região Autónoma
da Madeira.
Presença humana…
Várias tentativas de colonização foram feitas, das quais ainda existem alguns vestígios na
Selvagem Grande - muros de pedra, uma velha cisterna e respectivos canais – mas nunca
foram colonizadas devido à inexistência de água e à inospicidade do local.
…e suas actividades
As Ilhas, desde cedo, foram exploradas para a recolha de Barrilha para ser utilizada na
produção de soda e de Urzela, um líquen usado na tinturaria, que imprimia uma cor púrpura
nos tecidos e papel, cujo comércio prosperou no século XVIII, tendo sido exportado para a
Inglaterra e Flandres.
Outras boas fontes de rendimento eram a pesca e salga do peixe, que era vendido na Ilha da
Madeira, assim como a extracção de estrume resultante da acumulação de excrementos de
Cagarra, usado na fertilização das terras agrícolas na Ilha mãe.
No século XV foram introduzidos na Selvagem Grande cabras e coelhos que serviam de
alimento às pessoas envolvidas nessas actividades. Segundo alguns relatos, de Agosto a
Setembro, os proprietários das Ilhas exploravam a caça ao coelho, cuja carne salgavam e as
peles eram secas para exportação.
A caça da Cagarra
A actividade mais lucrativa na história das Selvagens foi a caça das cagarras, ave marinha que
nidifica nestas Ilhas. De Setembro a Outubro de cada ano, ou no fim da época de reprodução,
eram organizadas expedições a estas ilhas com o intuito de capturar o máximo possível de
juvenis. Os animais eram mortos e aproveitados para serem utilizados de várias formas:
consumo humano, fabrico de colchões com as penas e outros fins. Estas actividades foram
mantidas de uma forma controlada até se iniciar a utilização de barcos a motor, altura em que
a colónia começou a mostrar fortes indícios de regressão. A última expedição às Ilhas
Selvagens para a matança dos juvenis da cagarra, partiu do Funchal a 15 de Setembro de 1967.
Necessidade de proteger…
E foi com base na urgente necessidade de acabar com o declínio da população de cagarras e
preservar aquelas Ilhas, possuidoras de valiosíssimo e inigualável património natural que foi
criada a primeira reserva natural de Portugal!
A 29 de Outubro de 1971 é reconhecida a importância das Ilhas Selvagens e do seu Património
Natural levando-as à classificação de Reserva Natural Integral. Esta área protegida contempla
toda a parte terrestre assim como a parte marinha envolvente até à batimétrica dos 200m de
profundidade.
Trabalhos de investigação e monitorização
O estudo da flora das Ilhas Selvagens despertou o interesse de botânicos e naturalistas de todo
o Mundo, como foi o caso do capelão e botânico inglês Richard Thomas Lowe que em 1869
publicou a primeira lista sistemática conhecida das plantas das Ilhas Selvagens, que foi
actualizada e publicada, após 55 anos, por Carlos Azevedo de Menezes.
Ao nível da fauna, os trabalhos começaram em 1963 com a nidificação de aves e em 1968, o
notável naturalista Paul Alexander Zino, começou o primeiro trabalho de anilhagem de
Cagarras, que teve continuidade até à presente data.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
Na origem da criação desta Reserva esteve a sobrexploração daquela ave que é o seu ex –
libris: a Cagarra.
A caça da Cagarra leva à criação da Reserva Natural
A criação da Reserva Natural das Ilhas Selvagens está intimamente ligada à caça da Cagarra.
Esta foi a atividade mais lucrativa na história destas ilhas e foi a sobrexploração da população
desta ave marinha que originou os primeiros esforços para a criação da referida Reserva. No
fim dos anos 60, Paul Alexander Zino adquiriu os direitos de caça destas ilhas com a intenção
de as proteger. Foi este o primeiro passo que conduziu à criação da Reserva Natural das Ilhas
Selvagens…
Quando começou…
A caça a estas aves remonta muito provavelmente a muito antes de 1841, já que nessa data
Berthelot afirmava ter havido uma caçada anual de 30 mil aves e que era considerada uma
“boa caçada”.
Em 1901, o padre Ernest Shmitz referia que eram caçadas 20 a 22 mil aves por ano mas que o
seu número não diminuía comprovando a elevada densidade da população e, em 1921, já
havia quem afirmasse existir uma população de 60 mil aves!
Expedição e sua preparação…
De Setembro a Outubro de cada ano, ou no fim da época de reprodução, eram organizadas
expedições a estas ilhas com o intuito de capturar o máximo possível de juvenis.
Os preparativos para as expedições eram um processo moroso e longo, em que era necessário
angariar e escolher o pessoal que iria caçar, os mantimentos para uma estadia que demoraria
cerca de um mês e meio a dois meses, barris para guardar as aves, sal para a sua conservação,
cestos, embalagens, etc.
O grupo de pessoas que compunha a expedição era cerca de 15 a 20 homens, que provinham
especialmente da Freguesia de São Gonçalo e Caniço, perto do Funchal.
A viagem até à Selvagem Grande levava cerca de 2 a 4 dias, com a navegação à vela,
dependendo do favorecimento dos ventos e o navio após deixá-los em terra, voltava ao
Funchal.
A caça
Depois eram organizados em grupos de 8 orientados por um “assistente”. A estratégia
baseava-se em se colocarem em linha e passarem pelos ninhos, onde iam retirando os juvenis
dos ninhos e matando-os.
O aproveitamento…
Os animais depois de mortos eram aproveitados para serem utilizados de várias formas:
consumo humano inclusive os pescoços que eram considerados uma iguaria, a gordura que era
posta ao sol e derretida transformando-se em óleo, fabrico de colchões com as penas que
também eram usadas para confecionarem flores artificiais, e outros fins, tal como o engodo.
A carne da Cagarra era vendida nos concelhos do Funchal, Santa Cruz e Machico e consisti num
importante suplemento no consumo alimentar das populações menos favorecidas.
Duração
A expedição durava cerca de 3 semanas, de manhã à noite, até ao navio voltar e levar de volta
os homens para a Madeira.
No entanto, a população de Cagarras mantinha-se estável pois o número de juvenis que
escapavam era suficiente para repor o equilíbrio na população.
Fim da atividade
Estas atividades foram mantidas de uma forma controlada até se iniciar a utilização de barcos
a motor, altura em que a colónia começou a mostrar fortes indícios de regressão, pois as
Cagarras eram indiscriminadamente caçadas furtivamente à revelia dos proprietários das ilhas,
caçando juvenis e adultos!
A última expedição às Ilhas Selvagens para a matança dos juvenis da Cagarra, partiu do Funchal
a 15 de Setembro de 1967, a bordo do barco “Milano”.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
No passado explorou-se nestas ilhas tudo o que era possível ser fonte de rendimento, como
foi o caso das plantas naturais!
A exploração de plantas naturais
Logo após a descoberta, os homens tentaram rentabilizar todos os recursos disponíveis nas
Ilhas Selvagens. Como exemplo temos a recolha de plantas naturais para utilização na indústria
da tinturaria e dos curtumes, como sejam a urzela, o pastel e o sumagre.
A Urzela…
As Ilhas Selvagens foram exploradas para a recolha de urzela, um líquen que cresce
espontaneamente nas escarpas.
O seu comércio tornou-se muito próspero no século XVIII e os proprietários das ilhas
celebraram contratos temporários para esse fim. A urzela era muito usada na tinturaria,
imprimindo uma cor púrpura nos tecidos e papel, e era exportada por caravelas para a
Inglaterra e Flandres.
Utilização da Urzela…o seu incremento e declínio…
Segundo o autor das “Ilhas de Zargo”, a aplicação deste líquen à tinturaria fazia-se depois de
«convenientemente preparado com adicionamento de urina para o curtimento, (uma vez)
libertada do amoníaco pela ação da cal, e reduzida a uma pasta de consistência sólida, tendo a
coloração violeta avermelhada».
Continuando o mesmo autor, «tomou tanto incremento o comércio de urzela no arquipélago
madeirense que suscitou uma legislação especial, constituiu monopólio do Estado, foi empresa
de contratadores e traficância de contrabandistas quando, por proteção à urzela de Cabo
Verde, se desacreditou intencionalmente a da Madeira, depois de aceita e preferida em toda a
Europa como a melhor no mercado; e proibiu-se a sua exportação com grande prejuízo dos
Municípios». (…). «Nem a qualidade do produto, nem as providências dos Governadores
resolveram o problema, porque o trabalho dos negros em Cabo Verde e a Descoberta das
anilinas na Europa deram o golpe de morte na urzela da Madeira retirando a importância
comercial da também colhida nas Selvagens».
O Pastel
Um outro produto natural de igual riqueza comercial na Europa, que valorizou as ilhas
Selvagens a partir do século XV, foi o pastel, planta glauca, de cujas folhas se extraía um líquido
azul empregado na coloração de panos comerciais. Segundo relatos: «Teve o pastel muito
emprego no continente europeu desde João Gonçalves Zarco. Exportava-se, já seco ao sol ou
amassado em bolas depois de sua fermentação».
O Sumagre
O sumagre foi muito explorado nestas ilhas, pois empregava-se esta planta no curtimento de
couros e peles destinados à indústria de calçado, muito usado pelo povo da época. O curtume
era feito com as folhas e casca da referida planta que era muito consumida na Europa.
A Barrilha
Outras plantas eram igualmente exploradas nestas ilhas, mais conhecidas por Barrilha,
colhidas para serem utilizadas no fabrico de sabão. Extraía-se a soda destas plantas, pondo-as
a secar ao sol e queimando-as depois dentro de covas feitas no terreno. Depois de queimados
os corpos que entram na composição da barrilha, ficava pelo arrefecimento uma substancia
dura e alcalina denominada soda bruta, e a que os madeirenses chamavam pedra de barrilha
ou pedra de fazer sabão. A soda bruta era descarbonatada pela cal.
Note-se que existem registos da existência de um forno de soda na Selvagem Grande, tal era a
exploração destas plantas e que todas as atividades referidas constituíam excelentes fontes de
rendimento.
Reserva Natural das Ilhas Selvagens
As ilhas foram alvo de várias tentativas de colonização mas, devido à inospicidade e,
principalmente, falta de água, nunca passaram disso mesmo: de tentativas!
As tentativas de colonização…
Desde a sua descoberta no século XV, que as Ilhas Selvagens foram várias vezes alvo de
tentativas de colonização mas tal não aconteceu devido à falta de água e por serem um local
inóspito.
Desses períodos, na Selvagem Grande, ficaram alguns vestígios, tais como: muros de pedra
que serviam de suporte à proteção das culturas, construídos pelos colonos originários do
Minho e do Algarve, uma velha cisterna e respetivos canais.
A falta de água…
Já no séc. XVI aparecem registos relativos a uma fonte de água, atualmente designada por
Furna da Água. Esta nascente não é mais do que uma pequena gruta, onde saem do teto
aproximadamente dois pingos de água doce de sete em sete segundos. Segundo Frutuoso
(1968), “…uma fonte, que enche somente, cada dia, três ou quatro jarras de três canadas de
água doce nas botijas, chamadas meias arrobas…”.
Tudo leva a crer que houve tentativas de armazenamento e transporte testemunhado pelos
vários fragmentos de cerâmica que foram encontrados nas proximidades desta fonte.
Os proprietários das ilhas
Desde o século XVI, como território de privados, as Ilhas Selvagens foram mudando de posse
por herança. Ficou na família do banqueiro Luís da Rocha Machado de 1904 até ao início dos
anos 70 e na tentativa de controlar as visitas às ilhas, deu-se o direito de coutada aos seus
proprietários.
Paul Alexander Zino
Este direito de coutada foi vendido a Paul Alexander Zino, em 1967, cuja intenção foi a de pôr
fim ao abate anual de aves. Neste mesmo ano, conseguiu também uma licença para construir
uma casa.
Criação da Reserva
Em 1971, as Ilhas Selvagens ficam sob a administração territorial da Região Autónoma da
Madeira e são classificadas como Reserva. Desta forma as Selvagens passaram a ser uma
Reserva, "essencialmente ornitológica", como uma das mais importantes áreas de nidificação
de aves marinhas de todo o Atlântico Norte.
1976…período “conturbado”
No período de mudança de regime político em Portugal (1974/75), as Selvagens foram
também “alvo desta época revolucionária” da história do País, não sendo imunes aos
"excessos" próprios deste período. Assim, em 1976, populares "conhecedores das ilhas" em
embarcações de pesca desembarcaram na Selvagem Grande e destruíram as casas existentes.
Estes, alegando chavões políticos relacionados com o direito à propriedade, exigiam a
liberdade da apanha das cagarras, não licenciada nem autorizada por força da lei da Reserva
Natural, tendo sido impedidos pela acção de Paul Alexander Zino e dos guardas que este tinha
contratado na altura.
Necessidade de vigilância…os guardas das Ilhas
Consequentemente, desde 1976, a Selvagem Grande tem vigilância permanente, tendo sido
construída uma casa de abrigo para os guardas da Ilha na altura.
Nestes homens, destaca-se um, Fernando Almada, pela forma contínua que efetivou constante
vigilância nas Ilhas. Vários foram os seus parceiros, mas estes acabariam sempre por desistir,
pois não estava só em causa o isolamento mas as condições de estada que eram parcas ou
mesmo inexistentes.
Depois de várias tentativas para arranjar um companheiro para formar equipa com Almada,
surge então Jacques da Mata e o próprio filho de Almada, Filipe Almada (hoje, ambos
Vigilantes da Natureza!) que dariam seguimento ao projeto de proteção e a ligação com os
futuros Vigilantes da Natureza.
Corpo de Vigilantes da Natureza
Posteriormente, em 1982, o Parque Natural da Madeira foi criado, dando início à gestão da
Reserva Natural das Ilhas Selvagens apenas em 1991. Desde então, os guardas das ilhas
passam a incorporar o Corpo de Vigilantes da Natureza, os quais hoje em dia continuam a
desempenhar um papel fundamental nas demais ações de conservação como sejam, a
fiscalização e vigilância da Reserva, a manutenção do estado de conservação da
biodiversidade, a divulgação dos programas de investigação desenvolvidos nesta área
protegida bem como a receção, explicação e transmissão de valores aos visitantes.