Ministério Público Estadual Promotoria de Justiça de Miguel Calmon Processo n. 0000331-66.2014.805.0166 (n. novo) RESE – Recurso em Sentido Estrito – Rejeição da denúncia Violência domestica – Crime de desobediência ou outro – STJ tem duas posições Jurisprudência não consolidada – Omissão do Magistrado a quo – MP denunciou por dois crimes e não somente por desobediência EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MIGUEL CALMON – BAHIA e EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTORES DESEMBARGADORES DO TJ - BA Processo n. 0000331-66.2014.805.0166 (n. novo) Recorrente: Ministério Público Estadual – Recorrido: Reinaldo Lima Damazio RESE – Recurso em Sentido Estrito – Rejeição da denúncia – Suposta atipicidade da conduta Ementa: Violência domestica – Crime de desobediência ou outro – STJ tem duas posições – Adoção pelo Insigne Magistrado de jurisprudência não consolidada – Omissão do Magistrado a quo – MP denunciou por dois crimes e não somente por desobediência – Denunciou também pelo crime de ameaça – Decisão que nada falou sobre tal crime O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio do Promotor de Justiça que a este subscreve, nos autos da Ação Penal tombada sob o n. 0000331-66.2014.805.0166, instaurada em desfavor de REINALDO LIMA DAMAZIO, brasileiro, maior, viúvo, gari, portador do R. G. n. 2324433, expedido pela SSP/BA, natural de Mundo Novo- Ba, nascido no dia 06.08.1955, filho de Nemésio Damazio e Alice Moreira Lima, residente e domiciliado na Rua Virgílio Almeida, s/n, Bairro São Vicente, Município de Miguel Calmon, vem, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal, com fulcro no art. 581, inciso I, do Código de Processo Penal, interpor, tempestivamente, RESE – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, contra a decisão de fl. 21, que não recebeu a denúncia formulada pelo Parquet, ao argumento de que o acusado já teria sido preso preventivamente em razão do descumprimento das medidas protetivas de urgência e que processá-lo criminalmente pelo crime de desobediência seria “uma
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RESE - Rejeição da denúncia - Miguel Calmon - 2014 - Proc ...
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Ministério Público Estadual Promotoria de Justiça de Miguel Calmon
Processo n. 0000331-66.2014.805.0166 (n. novo) RESE – Recurso em Sentido Estrito – Rejeição da denúncia
Violência domestica – Crime de desobediência ou outro – STJ tem duas posições Jurisprudência não consolidada – Omissão do Magistrado a quo – MP denunciou por dois crimes e não somente por desobediência
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MIGUEL CALMON – BAHIA e EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DOUTORES DESEMBARGADORES DO TJ - BA
Processo n. 0000331-66.2014.805.0166 (n. novo) Recorrente: Ministério Público Estadual – Recorrido: Reinaldo Lima Damazio RESE – Recurso em Sentido Estrito – Rejeição da denúncia – Suposta atipicidade da conduta Ementa: Violência domestica – Crime de desobediência ou outro – STJ tem duas posições – Adoção pelo Insigne Magistrado de jurisprudência não consolidada – Omissão do Magistrado a quo – MP denunciou por dois crimes e não somente por desobediência – Denunciou também pelo crime de ameaça – Decisão que nada falou sobre tal crime
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por
intermédio do Promotor de Justiça que a este subscreve, nos autos da Ação Penal
tombada sob o n. 0000331-66.2014.805.0166, instaurada em desfavor de
REINALDO LIMA DAMAZIO, brasileiro, maior, viúvo, gari, portador do R. G. n.
2324433, expedido pela SSP/BA, natural de Mundo Novo- Ba, nascido no dia
06.08.1955, filho de Nemésio Damazio e Alice Moreira Lima, residente e
domiciliado na Rua Virgílio Almeida, s/n, Bairro São Vicente, Município de Miguel
Calmon, vem, perante Vossa Excelência, dentro do prazo legal, com fulcro no art.
581, inciso I, do Código de Processo Penal, interpor, tempestivamente, RESE – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, contra a decisão de fl. 21, que não recebeu a
denúncia formulada pelo Parquet, ao argumento de que o acusado já teria sido
preso preventivamente em razão do descumprimento das medidas protetivas de
urgência e que processá-lo criminalmente pelo crime de desobediência seria “uma
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dupla punição pelo mesmo fato”, bem como tendo em vista recente decisão do
STJ, a qual, todavia, não é majoritária nem mesmo no STJ.
Requer, ademais, que o RESE sob comento seja processado
nos próprios autos principais, tombado sob o n. 0000331-66.2014.805.0166, em
atendimento ao disposto no art. 583, inciso II, do CPP, razão pela qual deixa de
formar o instrumento.
REITERA, TODAVIA, O REQUERIMENTO JÁ FORMULADO, À FL. 20, DE “JUNTADA AOS AUTOS SOB COMENTO DE CÓPIA DOS AUTOS N. 0000740-76.2013, 0000746-83.2013, 0000019-90.2014 E 0000995-34.2013. Assim, requer que o escrivão da Vara Crime providencie a juntada destes documentos, na forma do art. 587 e 588 do CPP.
No mais, pugna pelo recebimento da presente irresignação
recursal, uma vez que atendidos os pressupostos de admissibilidade pertinentes,
bem como que seja o RESE sob comento encaminhado ao Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado da Bahia, o qual deverá analisar a questão, provendo o recurso.
Miguel Calmon, 29 de agosto de 2014.
Pablo Antonio Cordeiro de Almeida
PROMOTOR DE JUSTIÇA Titular da Promotoria Regional Ambiental de Jacobina
Substituto em exercício das Promotorias de Miguel Calmon Substituto em exercício Regional Ambiental de Irecê
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RAZÕES DE RESE PROCESSO N. 0000331-66.2014.805.0166 (N. NOVO) RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – RECORRIDO: REINALDO LIMA DAMAZIO RESE – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA EMENTA: VIOLÊNCIA DOMESTICA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA OU OUTRO – STJ TEM DUAS POSIÇÕES – ADOÇÃO PELO INSIGNE MAGISTRADO DE JURISPRUDÊNCIA NÃO CONSOLIDADA – OMISSÃO DO MAGISTRADO A QUO – MP DENUNCIOU POR DOIS CRIMES E NÃO SOMENTE POR DESOBEDIÊNCIA – DENUNCIOU TAMBÉM PELO CRIME DE AMEAÇA – DECISÃO QUE NADA FALOU SOBRE TAL CRIME
Egrégio Tribunal de Justiça – BA
Colenda Câmara – Turma
Insigne Desembargador Relator
Preclaro Procurador de Justiça
RAZÕES DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
1 - DO RELATÓRIO;
O Ministério Público do Estado do Bahia propôs ação penal
contra REINALDO LIMA DAMAZIO, brasileiro, maior, viúvo, gari, portador do R.
G. n. 2324433, expedido pela SSP/BA, natural de Mundo Novo- Ba, nascido no dia
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06.08.1955, filho de Nemésio Damazio e Alice Moreira Lima, residente e
domiciliado na Rua Virgílio Almeida, s/n, Bairro São Vicente, Município de Miguel
Calmon, IMPUTANDO-LHE A PRÁTICA DE TRÊS CRIMES, DOIS DELITOS DE DESOBEDIÊNCIA E UM DE AMEAÇA.
A denúncia assim registrou – fls. 02/03:
“Segundo restou apurado, o denunciado, no dia
26/05/2014, por volta das 13:00 horas, se
aproximou da casa da sua ex-companheira,
localizada à Rua Anacleto Leal, n. 10, Bairro São
Vicente, Miguel Calmon, Bahia, à menos de 50
(cinquenta) metros, desrespeitando, assim,
decisão judicial, exarada nos autos do processo n.
0000746-83.2013.805.0166, que concedeu medidas
protetivas de urgência em desfavor do Sr. Reinaldo
e em beneplácito da vítima, perpetrando, assim,
crime de desobediência. Não bastasse isso, o
denunciado, além de se aproximar de Edinalva,
desrespeitando, assim, ordem judicial, ameaçou a
vítima com gestos intimidatórios graves. Neste
mesmo dia, hora e local, o denunciado sentou na
calçada em frente à casa da vítima, pegou uma
faca que estava em sua cintura e começou a
passar na calçada, como se estivesse afiando-a.
Dias antes, em 24/05/2014, por volta das 10:00 hs,
Marta Brito de Almeida, uma vizinha da vítima,
afirmou que presenciou o denunciado, mais uma
vez, desrespeitando a ordem judicial, se
aproximando com uma faca da casa de Edinalva.
Ex positis, está o denunciado incurso nas penas do
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artigo 330 (desobediência) do CPB, duas vezes, em
concurso material, em concurso material também com
o crime de ameaça, previsto no art. 147, todos do
Código Penal, REQUERENDO O MP, por conta disso,
após o recebimento e autuação da presente denúncia,
que sejam adotadas as seguintes providências: (...).
O MM Dr. Juiz, pela decisão de fl. 21, não recebeu a
denúncia formulada pelo Parquet, ao argumento de que o acusado já teria sido
preso preventivamente em razão do descumprimento das medidas protetivas de
urgência e que processá-lo criminalmente pelo crime de desobediência seria “uma
dupla punição pelo mesmo fato”, bem como tendo em vista recente decisão do
STJ, a qual, todavia, não é majoritária nem mesmo no STJ. A decisão do Insigne
Magistrado assim consignou:
(...) 2 – A 6a Turma do Superior Tribunal de Justiça ao
analisar o recurso de um réu de Minas Gerais, definiu que a
previsão em lei de punição administrativa ou civil para a
hipótese de desobediência a ordem legal afasta o crime
previsto no art. 330 do Código Penal, salvo quando houver
expressa cumulação. Observando as peculiaridades do
caso, o Ministro asseverou que a Lei Maria da Penha,
dentre outras medidas, estabeleceu sanção pecuniária para
o caso de descumprimento de medida protetiva de
urgência.No caso paradigma essa sanção foi prevista pelo
Juiz do caso quando da aplicação da medida. Assim,
concluiu o Ministro, “se o juiz comina pena pecuniária para o
descumprimento de preceito judicial, a parte que desafia tal
ameaça não comete crime de desobediência”. (...)
4 – No caso em tela, o ora denunciado foi preso em virtude
do descumprimento das medidas protetivas, motivo pelo
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qual já lhe foi imposta sanção ais gravosa do que a própria
multa. Se já houve sanção pelo descumprimento, resta
prejudicada análise do crime de desobediência , por
inexistência do mesmo, sob pena de dupla punição pelo
mesmo fato. 5 – Assim, ante o exposto, com fulcro no art.
395, III, do Código de Processo Penal, não recebo a
presente denúncia, determinando o arquivamento do feito.
Inconformado, o Ministério Público interpõe agora o presente
recurso em sentido estrito, juntando, desde logo, as suas razões recursais.
É o relatório.
2. DAS RAZÕES RECURSAIS;
2.1 – NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA EM RAZÃO DA SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA – MAGISTRADO ENTENDE QUE NÃO RESTOU
CARACTERIZADO O DELITO DE DESOBEDIÊNCIA – TODAVIA, A DENÚNCIA RELATOU PELO MENOS DOIS TIPOS DE CRIMES – DESOBEDIÊNCIA E
AMEAÇA – MESMO QUE NÃO RESTASSE CARACTERIZADA A DESOBEDIÊNCIA, COM O QUE NÃO CONCORDAMOS, FRISE-SE,
SUBSISTIRIA O CRIME DE AMEAÇA – IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO TOTAL DA DENÚNCIA – SERIA O CASO, NO MÍNIMO, DE RECEBIMENTO PARCIAL – PRIMEIRA RAZÃO PARA A REFORMA DA DECISÃO A QUO;
Cumpre registrar, preliminarmente, que in casu, mesmo que
prevalecesse a tese do Insigne Magistrado a quo, com a qual não concordamos,
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frise-se, ainda assim seria imperiosa a reforma da decisão a quo. In casu o MM
Magistrado de piso não recebeu a inicial, de maneira total, em razão da suposta
atipicidade da conduta, a qual, no seu entender, não caracterizaria o delito de
desobediência.
TODAVIA, A DENÚNCIA, NA PRESENTE HIPÓTESE, RELATOU A OCORRÊNCIA DE DOIS TIPOS DE CRIMES, QUAIS SEJAM: DESOBEDIÊNCIA A UMA ORDEM JUDICIAL E AMEAÇA.
OU SEJA, MESMO QUE NÃO RESTASSE CARACTERIZADA
A DESOBEDIÊNCIA A UMA ORDEM JUDICIAL, TESE DO INSIGNE MAGISTRADO A QUO, COM A QUAL NÃO CONCORDAMOS, FRISE-SE, SUBSISTIRIA O CRIME DE AMEAÇA, DELITO ESTE PRATICADO SOB A ÉGIDE DA LEI MARIA DA PENHA, O QUAL FORA PRATICADO MESMO APÓS A CONCESSÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA EM FAVOR DA VÍTIMA. ALÉM DISSO, A GRAVIDADE DO FATO É CIRCUNSTÂNCIA DIGNA DE REGISTRO. O ACUSADO AMEAÇOU A SUA COMPANHEIRA COM UMA ARMA BRANCA, COM UMA FACA.
EM RELAÇÃO A ESTE FATO, ESPECIFICAMENTE, O MM
MAGISTRADO A QUO NÃO FEZ NENHUMA CONSIDERAÇÃO. NADA. NÃO HÁ NO DECISUM A QUO NENHUM ARGUMENTO PARA O INDEFERIMENTO DA INICIAL QUANTO AO CRIME DE AMEAÇA.
NÃO HÁ, POIS, QUALQUER MOTIVAÇÃO PARA O
INDEFERIMENTO DA INICIAL NO TOCANTE AO CRIME DE AMEAÇA E, COMO VEREMOS NO TÓPICO A SEGUIR, AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO É VÍCIO QUE INQUINA DE NULIDADE QUALQUER DECISUM. ASSIM, MANIFESTA A IMPOSSIBILIDADE DE REJEIÇÃO TOTAL DA DENÚNCIA.
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SERIA O CASO, NO MÍNIMO, DE RECEBIMENTO PARCIAL. ESTA É, PORTANTO, A PRIMEIRA RAZÃO PARA A REFORMA DA DECISÃO A QUO.
Vejamos os trechos da denúncia relativos ao crime de
ameaça. Vejamos a transcrição:
Não bastasse isso, o denunciado, além de se aproximar de Edinalva, desrespeitando, assim, ordem judicial, ameaçou a vítima com gestos intimidatórios graves. Neste mesmo dia, hora e local, o denunciado sentou na calçada em frente à casa da vítima, pegou uma faca que estava em sua cintura e começou a passar na calçada, como se estivesse afiando-a. Dias antes, em 24/05/2014, por volta das 10:00 hs, Marta Brito de Almeida, uma vizinha da vítima, afirmou que presenciou o denunciado, mais uma vez, desrespeitando a ordem judicial, se aproximando com uma faca da casa de Edinalva.
Além de descrever a conduta relativa ao crime de ameaça, o
MP consignou expressamente na exordial pedido de condenação pelo crime de
ameaça. Vejamos a transcrição da exordial:
Ex positis, está o denunciado incurso nas penas do
artigo 330 (desobediência) do CPB, duas vezes, em
concurso material, EM CONCURSO MATERIAL
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TAMBÉM COM O CRIME DE AMEAÇA, PREVISTO
NO ART. 147, TODOS DO CÓDIGO PENAL
O Ministério Público citou diretamente o art. 147 do Código
Penal, além de descrever a conduta de ameaçar.
NÃO BASTASSE ISSO, NA COTA DA DENÚNCIA O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EXPLICOU E CITOU DOUTRINA QUE AUTORIZARIA O OFERECIMENTO DE DENÚNCIA PELO CRIME DE AMEAÇA NAS CIRCUNSTÂNCIA SOB COMENTO. Vejamos, mais uma vez, a transcrição da peça inaugural do MP – Ba:
“3 – Quanto à ocorrência de ameaças mediante a
realização de gestos, vejamos: O CRIME DE
AMEAÇA É DE NATUREZA FORMAL,
CONSUMANDO-SE NO MOMENTO EM QUE A
VÍTIMA É ALCANÇADA PELA PROMESSA,
MANIFESTADA PELO AGENTE DE FORMA
VERBAL, POR ESCRITO OU GESTO, DE QUE
ESTARÁ SUJEITO A MAL INJUSTO E GRAVE,
INCUTINDO-LHE FUNDADO TEMOR, NÃO
RECLAMANDO SUA CARACTERIZAÇÃO A
PRODUÇÃO DE QUALQUER RESULTADO
MATERIAL EFETIVO.2. AS PALAVRAS "TOMA
CUIDADO COMIGO", PROFERIDAS POR
INVESTIGADO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO,
PRESIDIDO PELA VÍTIMA, E A ESTA DIRIGIDA, SÃO
CAPAZES DE INCUTIR TEMOR AO SEU
DESTINATÁRIO, MORMENTE QUANDO ALUDIDO
PROCEDIMENTO, COM PARECER DA VÍTIMA, FOI
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CONCLUSIVO PELA APLICAÇÃO DE PENA AO
ACUSADO, O QUE REDUNDOU EM SUA
REPROVAÇÃO NO ESTÁGIO PROBATÓRIO E
SUBSEQÜENTE DEMISSÃO. (...) 4. "CONVERGINDO
AS PROVAS ORAIS COLHIDAS NO SENTIDO DE
QUE O RÉU, DE FORMA VELADA E PASSÍVEL DE
ENSEJAR REAL TEMOR, ENDEREÇA PROMESSA
VERBAL CRÍVEL, À VÍTIMA NO SENTIDO DE QUE
PODERIA ATINGI-LA EM SUA INTEGRIDADE FÍSICA
E ATACÁ-LA DE FORMA REFLEXA, RESTA
CONSUMADO O CRIME DE AMEAÇA, ANTE O
ENQUADRAMENTO DA CONDUTA EM QUE
INCORRERA NA DESCRIÇÃO DO TIPO,
DETERMINANDO A SUA APENAÇÃO NO MOLDE
LEGALMENTE DESCRITO" (APJ 20010410080926,
1ª TURMA RECURSAL, REL. JUIZ TEÓFILO
RODRIGUES CAETANO NETO).5. SENTENÇA
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS
FUNDAMENTOS, COM SÚMULA DE JULGAMENTO
SERVINDO DE ACÓRDÃO, NA FORMA DO ARTIGO
82, § 5º, DA LEI Nº 9.099/95.82§ 5º9.09
(20050410013535 DF , Relator: JOSÉ GUILHERME
DE SOUZA, Data de Julgamento: 03/10/2006, Primeira
Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais do D.F., Data de Publicação: DJU
26/02/2007 Pág. : 130)”.
ORA, IN CASU UM AGRESSOR DOMÉSTICO, QUE RESPONDE À DIVERSAS AÇÕES NA JUSTIÇA PELA PRÁTICA DE AMEAÇAS E AGRESSÕES CONTRA SUA EX-ESPOSA, QUE, INCLUSIVE, TEM CONTRA SI DEFERIDAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, PREVISTA NA LEI
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MARIA DA PENHA, SE PROSTRA EM FRENTE À CASA DA SUA EX-COMPANHEIRA, DESRESPEITANDO EXPRESSAMENTE UMA DECISÃO JUDICIAL, SACA DA CINTURA UMA FACA E COMEÇA A RISCAR ESSA PEIXEIRA NO CHÃO, COMO SE ESTIVESSE AFIANDO ESTA. O ACUSADO PERMANECE NA FRENTE DA RESIDÊNCIA DA VÍTIMA ATÉ A CHEGADA DA POLÍCIA. ORA, SE ISTO NÃO CONFIGURAR UMA AMEAÇA O QUE MAIS PODERÁ CONFIGURAR UMA AMEAÇA GESTUAL, ADMITIDA PELA DOUTRINA E PREVISTA EXPRESSAMENTE NA LEI?
O art. 147 do CP assim dispõe:
Ameaça
ART. 147 - AMEAÇAR ALGUÉM, por palavra, escrito OU GESTO, OU QUALQUER OUTRO MEIO SIMBÓLICO, de causar-lhe mal injusto e
grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Neste particular, frise-se, nem mesmo sabemos a razão pela qual o Juiz indeferiu o a Inicial no tocante ao crime de ameaça, o que prejudica, inclusive, o contraditório, por isso, concessa maxima venia, entendemos que a decisão a quo é absolutamente nula, por ausência de fundamentação. Vejamos:
2.1.1 – NULIDADE DA DECISÃO A QUO – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO -
VERIFICA-SE, PRIMA FACIE, QUE A DECISÃO A QUO, ESTÁ
MACULADA, CONCESSA MAXIMA VENIA, PELO VÍCIO DA AUSÊNCIA DE
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FUNDAMENTAÇÃO. Primeiro porque, efetivamente, até o presente momento, o
MP de Miguel Calmon não conhece a fundamentação da decisão a quo no tocante
ao não recebimento da denúncia quanto ao crime de ameaça.
Por essa razão, vislumbramos ofensa à CF, art. 93, inciso IX,
da CF 88, dispositivo que resta, de logo, pré-questionado. In casu, portanto,
concessa maxima venia, estamos diante de decisão judicial absolutamente nula,
por vício no elemento motivação. Trata-se, em verdade, de decisão não motivada.
Essa conclusão decorre também, por óbvio, do disposto no
inciso IX, do artigo 93, da Carta Magna Federal de 1988, o qual comina a pena de
nulidade para todos os julgamentos e decisões dos Órgãos do Poder Judiciário
que não observem a publicidade e a necessidade de fundamentação. Depreende-
se, pois, dos dispositivos antes citados, o inolvidável dever do magistrado em
demonstrar quais os fundamentos que levaram a seu convencimento jurídico e
fático, isto é, quais os fundamentos que o convenceram do acolhimento, ou não,
do pleito analisado.
Como muito bem averbou a ministra Nancy Andrigui1 do STJ:
O CÂNONE HERMENÊUTICO QUE EXIGE QUE A DECISÃO JUDICIAL SEJA FUNDAMENTADA É AQUELE QUE VISA POSSIBILITAR UMA
INTERPRETAÇÃO SÓLIDA, SEGURA E COERENTE DE UM TODO JURÍDICO, ONDE AS PARTES, MESMO NÃO CONCORDANDO,
TENHAM A POSSIBILIDADE DE MANEJAR SEUS RECURSOS, PERFAZENDO A REGRA DA AMPLA DEFESA: (...)
In casu, o MP ainda não conhece qual foi o motivo que levou ao indeferimento da Inicial no tocante ao crime de ameaça,
1 STJ - Min. Nancy Andrigui - REsp 782901/SP - 3ª T. - DJ de 20 jun. 2008.
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dificultando, inclusive, a elaboração de recurso. Frise-se, ademais, que in casu não se trata de decisão sucinta, mas sim de provimento jurisdicional não fundamentado pelo Juiz da causa, pelo menos no tocante ao crime de ameaça.
Ademais, a ausência ou a má fundamentação de uma decisão
judicial traz para a parte o grave prejuízo de não ter identificado contra si os
elementos objetivos, subjetivos, normativos e jurídicos que foram levados em
consideração pelo magistrado quando do julgamento da questão, impedindo,
inclusive, que aquela exerça o direito de recorrer em sua plenitude, uma vez que
na hipótese sob comento não se sabe nem mesmo o que foi levado em
consideração pelo MM Juízo a quo.
Pertinente, ainda, trazer à colação, no que concerne à
obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais, o magistério do
Professor Alexandre de Moraes, in verbis:
A fundamentação constitui pressuposto de legitimidade das decisões
judiciais. A fundamentação dos atos decisórios qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões
emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir grave
transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a conseqüente
nulidade do pronunciamento judicial (RTJ 163/1.059 - STF).2
NESTE PARTICULAR, COMO NÃO SABEMOS CONTRA O
QUE RECORRER, CONTRA QUAL FUNDAMENTO NOS IRRESIGNAR-MOS,
TEMOS CONSTATADA TAMBÉM LESÃO AO POSTULADO DO
2 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada: e Legislação Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 1322.
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CONTRADITÓRIO, NA SUA ACEPÇÃO MATERIAL. A ESSE RESPEITO,
VEJAMOS OS ESCÓLIOS DO PROF. FREDIE DIDIER JÚNIOR, AD LITTERAM:
Democracia no processo recebe o nome de contraditório. Democracia é
participação; e a participação no processo se opera pela efetivação da garantia
do contraditório (...). A faceta básica, que eu reputo a formal, é a da
participação; a garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser
comunicado, poder falar no processo.
(...).
De acordo com o pensamento clássico, o magistrado efetiva, plenamente, a
garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte, ao
deixar a parte falar. Mas não é só isso. Há o elemento substancial dessa
garantia. Há um aspecto, que eu reputo essencial, denominado, de acordo
com a doutrina alemã, de ‘poder de influência’. Não adianta permitir que a parte, simplesmente, participe do processo. É necessário que se permita
que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado3.
Ora, o contraditório do presente recurso está absolutamente
prejudicado, já que não sabemos a motivação do Juiz pelo menos no que tange ao
crime de ameaça.
Assim, requer que o Tribunal de Justiça reconheça a nulidade
do decisum recorrido, em sua integralidade.
Quanto à admissibilidade de recebimento parcial da denúncia,
assim se manifesta a doutrina nacional:
Renato Brasileiro de Lima – é perfeitamente possível a
rejeição parcial da peça acusatória. A título de exemplo,
3 DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009. p . 57.
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suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia em
relação à prática de dois delitos. É possível que haja lastro
probatório quanto a um deles, não havendo justa causa
quanto à outra imputação. (...) Caberá recurso em sentido
estrito contra a rejeição parcial da peça acusatória (CPP,
art. 581, inc. I)4.
Assim, mesmo que prevalecesse a tese do Insigne Magistrado,
subsistiria a Exordial acusatória quanto ao crime de ameaça, sobre o qual o Juízo
de piso não se manifestou, nem implicitamente, já que não determinou a citação
do acusado.
Todavia, esta não é a única razão para a reforma da decisão a
quo.
2.2 – CARACTERIZAÇÃO DE CRIME (ART. 359 DO CP - STJ) EM RAZÃO DO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL DE FIXAÇÃO DE MEDIDAS
PROTETIVAS DE URGÊNCIA – LEI MARIA DA PENHA – A JURISPRUDÊNCIA DO STJ TEM SE CONSOLIDADO NO SENTIDO DE QUE NÃO CARACTERIZA O CRIME PREVISTO NO ART. 330, MAS SIM O DELITO PREVISTO NO ART.
359 DO CÓDIGO PENAL – DECISÃO RECENTE DO STJ – SIMPLES CASO DE EMENDATIO LIBELLI E NÃO DE REJEIÇÃO DA DENÚNCIA;
Cumpre registrar, preliminarmente, que o Insigne Magistrado a
quo fundamentou o seu decisum, em relação à suposta não caracterização do
crime de desobediência (já que em relação ao crime de ameaça não há qualquer
4 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 409/410.
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fundamentação, repita-se), com fulcro em argumentos lançados em recente
julgado do STJ, o qual, todavia, não é unânime e nem majoritário, nem mesmo no
próprio Superior Tribunal de Justiça.
ALÉM DISSO, O STJ, EM DECISÃO RECENTE, AFIRMOU QUE O DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA FIXADAS PELO JUÍZO NÃO CARACTERIZA O CRIME PREVISTO NO ART. 330 DO CP, MAS SIM O DELITO PREVISTO NO ART. 359 DO CÓDIGO PENAL. Vejamos a recente decisão do STJ:
STJ - HC 220392/RJ - Rel. Ministro JORGE MUSSI - QUINTA TURMA - DJe 10/03/2014 DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI 11.340/2006. ALEGADA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 330 DO ESTATUTO REPRESSIVO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INCIDÊNCIA DO TIPO ESPECÍFICO DISPOSTO NO ARTIGO 359. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. 1. Da leitura do artigo 359 do Código Penal, constata-se que nele incide todo aquele que desobedece decisão judicial que suspende ou priva o agente do exercício de função, atividade, direito ou múnus. 2. A decisão judicial a que se refere o dispositivo em
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comento não precisa estar acobertada pela coisa julgada, tampouco se exige que tenha cunho criminal, bastando que imponha a suspensão ou a privação de alguma função, atividade, direito ou múnus. Doutrina. 3. A DESOBEDIÊNCIA À ORDEM DE SUSPENSÃO DA POSSE OU A RESTRIÇÃO DO PORTE DE ARMAS, DE AFASTAMENTO DO LAR, DA PROIBIÇÃO DE APROXIMAÇÃO OU CONTATO COM A OFENDIDA, BEM COMO DE FREQUENTAR DETERMINADOS LUGARES, CONSTANTES DO ARTIGO 22 DA LEI 11.340/2006, SE ENQUADRA COM PERFEIÇÃO AO TIPO PENAL DO ARTIGO 359 DO ESTATUTO REPRESSIVO, UMA VEZ QUE TRATA-SE DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL QUE SUSPENDE OU PRIVA O AGENTE DO EXERCÍCIO DE ALGUNS DE SEUS DIREITOS.
O tipo penal do art. 359 do CPB assim prescreve:
Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito - Art. 359
- Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso
ou privado por decisão judicial: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou
multa.
IN CASU É JUSTAMENTE DISSO QUE SE TRATA. VEJAMOS: DECISÃO DO JUIZ A QUO, DATADA DE 19 DE DEZEMBRO DE
18
2013, PROLATADA NOS AUTOS N. 0000742-46.2013, DECIDIU RELAXAR A PRISÃO DO SR. REINALDO LIMA DAMÁZIO, O QUAL HAVIA SIDO PRESO EM FLAGRANTE DELITO PELA PRÁTICA DO CRIME DE LESÃO CORPORAL SOB A ÉGIDE DA LEI MARIA DA PENHA, CONVERTENDO O SEU ENCARCERAMENTO EM OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. Vejamos o teor da decisão a quo:
“Por todas as razões supra elencadas, (...) concedo liberdade provisória
provisória em favor de Reinaldo Lima Damázio, qualificado alhures, com
imposição das seguintes medidas cautelares: (...)
c) recolhimento domiciliar após as 19:00 horas, durante os dias úteis e,
durante todo o dia, nos finais de semana e dias de folga (...);
d) manter-se a uma distância mínima de duzentos metros da vítima e seus
familiares.
ORA, IN CASU O ACUSADO DESCUMPRIU, PELO MENOS, ESSAS DUAS DETERMINAÇÕES, AS QUAIS ERAM SUSPENSÕES JUDICIAIS DO SEU DIREITO DE LIVRE LOCOMOÇÃO.
A denúncia assim descreveu a conduta:
“Segundo restou apurado, o denunciado, no dia
26/05/2014, por volta das 13:00 horas, se
aproximou da casa da sua ex-companheira,
localizada à Rua Anacleto Leal, n. 10, Bairro São
Vicente, Miguel Calmon, Bahia, à menos de 50
(cinquenta) metros, desrespeitando, assim,
decisão judicial, exarada nos autos do processo n.
0000746-83.2013.805.0166, que concedeu medidas
protetivas de urgência em desfavor do Sr. Reinaldo
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e em beneplácito da vítima, perpetrando, assim,
crime de desobediência. Não bastasse isso, o
denunciado, além de se aproximar de Edinalva,
desrespeitando, assim, ordem judicial, ameaçou a
vítima com gestos intimidatórios graves. Neste
mesmo dia, hora e local, o denunciado sentou na
calçada em frente à casa da vítima, pegou uma
faca que estava em sua cintura e começou a
passar na calçada, como se estivesse afiando-a.
Dias antes, em 24/05/2014, por volta das 10:00 hs,
Marta Brito de Almeida, uma vizinha da vítima,
afirmou que presenciou o denunciado, mais uma
vez, desrespeitando a ordem judicial, se
aproximando com uma faca da casa de Edinalva”.
OU SEJA, NO DIA 26/05/2014 O SR. REINALDO DESCUMPRIU A
ORDEM JUDICIAL QUE SUSPENDIA O SEU DIREITO DE LIVRE LOCOMOÇÃO NO
TERRITÓRIO NACIONAL, SE APROXIMANDO DA SUA EX-ESPOSA.
NO DIA 24/05/2014 O SR. REINALDO DESCUMPRIU NÃO UMA,
MAS DUAS DETERMINAÇÕES JUDICIAIS QUE SUSPENDIAM O SEU DIREITO DE IR
E VIR. ISTO PORQUE, DIA 24 É UM SÁBADO E O MAGISTRADO DETERMINAVA
NOS FINAIS DE SEMANA QUE ESTE FICASSE RECOLHIDO NO SEU LAR. ALÉM
DISSO, SE APROXIMOU NOVAMENTE DA SUA EX-ESPOSA, DESCUMPRINDO
TAMBÉM ORDEM JUDICIAL DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE DIREITO.
ASSIM, A CONDUTA DE REINALDO ERA SIM TÍPICA, SE NÃO
PELA SUBSUNÇÃO AO TIPO DO ART. 330, MAS PELO ART. 359 DO CPB. POR MAIS
QUE O MP TENHA FEITO REFERÊNCIA AO ART. 330 NA DENÚNCIA, SABE-SE QUE
O ACUSADO DEFENDE-SE DOS FATOS QUE LHE SÃO IMPUTADOS E NÃO DA
CAPITULAÇÃO JURÍDICA PROPOSTA NA DENÚNCIA, EIS QUE EM RELAÇÃO A
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ESTA (CAPITULAÇÃO) EXISTE UM INSTITUTO JURÍDICO À DISPOSIÇÃO DO
MAGISTRADO, QUE É O EMENDATIO LIBELLI. ASSIM, NÃO SERIA O CASO DE
REJEIÇÃO DA DENÚNCIA, MAS SIM DE, AO FINAL DO PROCESSO, APLICAR-SE O
EMENDATIO LIBELLI.
ESTAS CONSIDERAÇÕES JÁ SERIAM SUFICIENTES PARA
CONFIRMAR A NECESSIDADE DE REFORMA DA DECISÃO A QUO, MAS, POR
APEGO À ARGUMENTAÇÃO, CABÍVEL, AINDA, ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS RAZÕES QUE O STJ INVOCA PARA DEFENDER A NÃO
APLICABILIDADE DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA AOS CASOS DE
DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, PREVISTAS NA LEI
MARIA DA PENHA.
Cumpre registrar, preliminarmente, que segundo Voltaire:
“Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu
direito de dizê-lá”.
George Orwell , por sua vez, afirmou “Se a liberdade significa
alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não
querem ouvir”.
Fazemos esta introdução para dizer que respeitamos
enormemente a pessoa do Juiz de Direito de Miguel Calmon, brilhante
profissional, primeiro colocado no concurso para o ingresso na Magistratura,
profissional de fino trato, de sapiência jurídica inconteste, que, pessoalmente,
admiro bastante e que faço sempre questão de elogiar publicamente nas sessões
do Tribunal do Júri, bem como faço nesse momento, nesta peça processual.
Profissional extremamente dedicado, produtivo e sensível aos problemas de
Miguel Calmon. Elogios estes extensíveis ao Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, apesar de nutrimos tal admiração, discordamos com veemência dos
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argumentos do STJ, adotados pelo Insigne Juízo de piso (respeito a opção
jurídica, mas discordo). E discordar é também exercício de democracia, mas
principalmente de argumentação.
Então, vejamos a nossa argumentação:
A decisão do Insigne Magistrado assim consignou:
(...) 2 – A 6a Turma do Superior Tribunal de Justiça ao
analisar o recurso de um réu de Minas Gerais, definiu que
a previsão em lei de punição administrativa ou civil para
a hipótese de desobediência a ordem legal afasta o crime previsto no art. 330 do Código Penal, salvo
quando houver expressa cumulação. Observando as
peculiaridades do caso, o Ministro asseverou que a Lei
Maria da Penha, dentre outras medidas, estabeleceu
sanção pecuniária para o caso de descumprimento de
medida protetiva de urgência. No caso paradigma essa
sanção foi prevista pelo Juiz do caso quando da aplicação da medida. Assim, concluiu o Ministro, “se o
juiz comina pena pecuniária para o descumprimento de
preceito judicial, a parte que desafia tal ameaça não
comete crime de desobediência”. (...)
4 – NO CASO EM TELA, O ORA DENUNCIADO FOI
PRESO EM VIRTUDE DO DESCUMPRIMENTO DAS
MEDIDAS PROTETIVAS, MOTIVO PELO QUAL JÁ LHE FOI IMPOSTA SANÇÃO AIS GRAVOSA DO QUE A
PRÓPRIA MULTA. SE JÁ HOUVE SANÇÃO PELO
DESCUMPRIMENTO, RESTA PREJUDICADA ANÁLISE
DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA , POR INEXISTÊNCIA
DO MESMO, SOB PENA DE DUPLA PUNIÇÃO PELO
MESMO FATO. 5 – Assim, ante o exposto, com fulcro no
22
art. 395, III, do Código de Processo Penal, não recebo a
presente denúncia, determinando o arquivamento do feito.
I - Ora, o primeiro argumento do STJ é o seguinte: a Lei Maria
da Penha prevê sanções específicas para os casos de descumprimento de
medidas protetivas de urgência, que seria a multa e a possibilidade de prisão
preventiva do agressor.
Segundo o STJ, estas duas sanções afastariam a incidência do
tipo penal de desobediência. O STJ assim já decidiu:
STJ - AgRg no REsp 1445446/MS - Rel. Ministro MOURA RIBEIRO -
QUINTA TURMA - DJe 06/06/2014
1. O crime de desobediência previsto no art. 330, do CP, somente se
perfaz quando inexistir cumulação de sanção específica de outra natureza
em caso de descumprimento de ordem judicial.
2. Na Lei Maria da Penha, lex speciallis, existe previsão de prisão
preventiva para aquele que descumprir a medida protetiva acauteladora da
integridade da vítima (art. 313, III, do CPP). Por isso não há ensejo para a
incidência do crime de desobediência.
Ora, em primeiro lugar é preciso registrar que prisão cautelar
não é sanção. Prisão cautelar não é antecipação de pena, é apenas uma medida
instrumental. Vejamos a doutrina:
Renato Brasileiro – A prisão cautelar deve estar obrigatoriamente
comprometida com a instrumentalização do processo criminal.
Trata-se de medida de natureza excepcional, que NÃO PODE SER
UTILIZADA COMO INSTRUMENTO ANTECIPADO DE PENA, NA
MEDIDA EM QUE O JUÍZO QUE SE FAZ, PARA A SUA
DECRETAÇÃO, NÃO É DE CULPABILIDADE MAS SIM DE
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PERICULOSIDADE. Como anota o Min. Celso de Mello, a prisão
cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, NÃO PODE
CONVERTER-SE EM FORMA ANTECIPADA DE PUNIÇÃO
PENAL5.
Portanto, não se poderia falar que a previsão de sanção de
“prisão cautelar” afastaria a incidência de crime específico. Mesmo porque “prisão
cautelar “ não é e nem nunca foi sanção. Assim, este argumento do STJ é frágil e,
por isso mesmo, não se sustenta.
ALÉM DISSO, O JUIZ A QUO FALOU QUE IN CASU
TERÍAMOS DUPLA PUNIÇÃO POR UM MESMO FATO, JÁ QUE REINALDO FOI
PRESO PREVENTIVAMENTE E AGORA SERIA PROCESSADO POR CRIME.
ORA, COMO VISTO ACIMA PRISÃO PREVENTIVA NÃO É SANÇÃO, PUNIÇÃO,
ENTÃO NÃO PODERIA SER INVOCADA A PROIBIÇÃO DO NON BIS IN IDEM. A
invocação do princípio foi, pois, concessa maxima venia, inadequada.
Mas não é só isso: O STJ falou também que é prevista
expressamente a sanção de multa para o caso de descumprimento de medida
protetiva de urgência e que isso afastaria a ocorrência do crime de desobediência.
Contra este argumento, temos vários. Vejamos:
PRIMEIRO: O ART. 17 DA LEI MARIA DA PENHA VEDA, EXPRESSAMENTE, A APLICAÇÃO ISOLADA DA PENA DE MULTA AO AGRESSOR DOMÉSTICO. Vejamos: “ART. 17. É VEDADA A APLICAÇÃO, NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, DE PENAS DE CESTA BÁSICA OU OUTRAS DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA,
5 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. Volume 1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 1196.
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BEM COMO A SUBSTITUIÇÃO DE PENA QUE IMPLIQUE O PAGAMENTO ISOLADO DE MULTA”.
Portanto, a interpretação do STJ é manifestamente contra
legem.
Não bastasse isso, a previsão de multa, citada pelo STJ, é uma
norma processual penal, e não de natureza penal, propriamente dita. Portanto,
seria perfeitamente possível a coexistência entre uma punição processual penal
(uma astreintes penal) e a tipificação da conduta como crime, levando-se em
consideração o princípio da independência das instâncias.
Mesmo porque o art. 22 da Lei Maria da Penha faz menção
expressa ao art. 461 do Código de Processo Civil. Ou seja, é uma astreinte
tipicamente processual e não penal. Vejamos a legislação:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a
mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao
agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas
protetivas de urgência, entre outras:
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de
outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da
ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser
comunicada ao Ministério Público.
(...)
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o
disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de
janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de
fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou,
se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o
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resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela
Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado
prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar
as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de
atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento
de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com
requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de
7.5.2002)
§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da
multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído
pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
Trata-se, mais uma vez, de argumento frágil do STJ, o qual não
se sustenta de nenhuma maneira.
Sobre a independência e comunicabilidade entre as instâncias
penal, civil e administrativa, vejamos as brilhantes lições de Emerson Garcia:
OS ATOS ILÍCITOS (...) PODEM ACARRETAR A SUA
RESPONSABILIDADE PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA. (...)
AINDA QUE ÚNICA SEJA A CONDUTA, PODERÁ O AGENTE SOFRER SANÇÕES DE NATUREZA PENAL DESDE QUE HAJA
A INTEGRAL SUBSUNÇÃO DE SEU ATO A DETERMINADA
NORMA INCRIMINADORA; ADMINISTRATIVA, EM RESTANDO CONFIGURADO ALGUM ILÍCITO DESSA NATUREZA; E CIVIL
(...)6;
O ART. 22 DA LEI MARIA DA PENHA FAZ EXPRESSA MENÇÃO AO ART. 461 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NO QUAL, EM VERDADE, É QUE SE ENCONTRA A PREVISÃO GENÉRICA DE APLICAÇÃO
6 GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Adminsitrativa. 6a ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 588.
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DE MULTA – astreintes. OU SEJA, A MULTA NÃO TEM CARÁTER PENAL. ALÉM DISSO, É PRECISO RESSALTAR QUE NA PRESENTE HIPÓTESE O MAGISTRADO A QUO SEQUER FEZ MENÇÃO À SANÇÃO DE MULTA NA SUA DECISÃO, A QUAL, NA PRESENTE HIPÓTESE, SERIA ABSOLUTAMENTE INÓCUA, JÁ QUE REINALDO É POBRE. OU SEJA, A PENA DE MULTA IN CASU REVELARIA PARA A VÍTIMA UMA PROTEÇÃO DEFICIENTE, o que será abordado com maior profundidade no tópico a seguir.
Mas mesmo que a multa citada tivesse natureza penal, com
o que não concordamos, frise-se, é absolutamente comum no preceito secundário da norma penal a cumulação de sanção prisional com sanção pecuniária. Nem por isso esses tipos penais são classificados como inconstitucionais, por ferirem o “non bis in idem”. São incontáveis os tipos penais que preveem a cumulação de sanção prisional com sanção pecuniária. O próprio art. 330 do CP prevê que a pena é de prisão E (não ou) MULTA. Vejamos:
Perigo de contágio de moléstia grave - Art. 131 - Praticar, com o fim de
transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de
produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Calúnia - Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato
definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
Desobediência - Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário
público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.
A DECISÃO DO STJ, APESAR DA RESPEITABILIDADE DA
CORTE E DE SEUS MEMBROS, É, PORTANTO, JURIDICAMENTE RUIM, A
QUAL NÃO TEM EMBASAMENTO CIENTÍFICO NENHUM, CONCESSA MAXIMA
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VENIA, COM TODO RESPEITO DE ESTILO. Trata-se de mais um caso de
solipsismo jurídico.
Em uma de suas obras Lenio Streck assim leciona sobre a
hermenêutica e o solipsismo:
10.5.3 – A hermenêutica e o combate ao solipsismo. Se a
hermenêutica aqui trabalhada tem a função de superar as
concepções objetivistas acerca da interpretação da lei, não
se pode olvidar a sua importância no enfrentamento do
solipsimo judicial. (...) as propostas contidas no movimento
do direito livre – e seus derivados mais ou menos radiciais,
tais como o realismo estadunidense e a jurisprudência dos
interesses alemã – que reivindicam o papel criativo da
interpretação judicial principalmente nos casos de lacunas,
já havia representado uma crítica ao objetivismo exigido
pelas diversas modulações do formalismo. (...) É desse
contexto que nascem os postulados daquilo que hoje
nomeamos como protagonismo judicial. (...) Assim, a
hermenêutica é um poderoso remédio contra teorias que
pretendam reivindicar um protagonismo solipsitas do
judiciário. Esse fator, entretanto, não pode ser entendido
como uma “proibição de interpretar” (...) ou, tampouco,
como uma tentativa de tornar o Judiciário um “poder
menor”. Na verdade, se trata exatamente do contrário. É
justamente porque o Judiciário possui um papel
estratégico nas democracias constitucionais
contemporâneas – CONCRETIZANDO DIREITOS
FUNDAMENTAIS, INTERVINDO, PORTANTO, QUASE SEMPRE NA DELICADA RELAÇÃO ENTRE DIREITO E
POLÍTICA – QUE É NECESSÁRIO PENSAR ELEMENTOS
HERMENÊUTICOS QUE POSSAM GERAR
LEGITIMIDADE PARA AS DECISÕES JUDICIAIS (...).
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Vale dizer, a hermenêutica possibilita aos participantes
da comunidade política, meios para questionar a
motivação das decisões de modo a gerar, nessas
mesmas motivações, um grau muito mais elevado de
legitimidade. (...) Portanto, para além da objetividade
ingênua do positivismo primitivo, mas aquém da subjetividade devoradora das posturas realistas, do
direito livre ou da jurisprudência dos interesses e dos
valores, a HERMENÊUTICA REINVIDICA QUE A
INTERPRETAÇÃO TENHA SENTIDO E QUE ISSO SEJA
DEVIDAMENTE EXPLICITADO7.
EM OUTRA DE SUAS OBRAS, LENIO STRECK ASSIM LECIONA:
PARECE QUE NO BRASIL COMPREENDEMOS DE FORMA INADEQUADA O SENTIDO DA PRODUÇÃO DEMOCRÁTICA
DO DIREITO E O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL.
Tenho ouvido em palestras e seminários que ‘hoje possuímos dois
tipos de juízes’: aquele que se ‘apega’ à letra fria (sic) da lei (e
esse deve desaparecer, segundo alguns juristas) e aquele que
julga conforme os princípios (esse é o juiz que traduziria os valores
– sic – da sociedade, que estariam por baixo da letra fria da lei).
Pergunto: cumprir princípios significa descumprir a lei?
Cumprir a lei significa descumprir princípios? (...) Obedecer à
risca o texto da lei democraticamente construído (já superada
a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver
com a exegese à moda antiga (positivo primitivo). (...) REPITO:
CUMPRIR A LETRA (SIC) DA LEI SIGNIFICA, SIM, NOS MARCOS DE UM REGIME DEMOCRÁTICO COMO O NOSSO,
UM AVANÇO CONSIDERÁVEL. (...) a Constituição não é um
que conteria um finalismo político-social, do qual o direito seria um
instrumento, mas, sim, é o conteúdo jurídico que institucionaliza os
campos com ela intercambiáveis , como a política, a economia e a
7 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10a ed.
29
moral. Portanto, a Constituição é o fundamento normativo; não,
evidentemente, no sentido de fundamentum inconcussum
absolutum veritatis, e, sim, no sentido hermenêutico, com o que se
pode dizer que a autonomia do direito passa a ser a sua própria
condição de possibilidade. MAS ISSO NÃO PODE SIGNIFICAR
QUE O JURÍDICO SEJA AQUILO QUE A JURISDIÇÃO DIGA QUE É. SE ASSIM SE ADMITIR, CORRE-SE O RISCO DE
SUPRIMIR A DEMOCRACIA, SUBSTITUINDO-SE A
ONIPRESENÇA DA VONTADE GERAL PELO GOVERNO DOS JUÍZES8.
A linha de hermenêutica utilizada pelo STJ (ou a ausência
dela), conforme visto acima, ao menos para mim, não faz o menor sentido jurídico,
concessa maxima venia, com todo o respeito de estilo. Refutamos cada um dos
argumentos do STJ e não encontramos na jurisprudência da Corte qualquer
explicação jurídica para a posição adotada, que se sustente diante da
confrontação com o direito. Todas as explicações adotadas são facilmente
refutadas e, por isso mesmo, não se sustentam.
VEJAMOS, AINDA, AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DESTE ENTENDIMENTO DO STJ NUM EXEMPLO HIPOTÉTICO, QUE, DE PROPÓSITO, MUITO SE ASSEMELHARÁ AO CASO SUB EXAMINE:
UM INDIVÍDUO CHAMADO DE TÍCIO AGRIDE SUA ESPOSA
E SUA FILHA COM UMA FACA, CAUSANDO-LHES LESÕES CORPORAIS LEVES. PRESO EM FLAGRANTE DELITO, VÊ A SUA PRISÃO CONVERTIDA EM OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES PENAIS, DENTRE ELAS A PROIBIÇÃO DE SE APROXIMAR DA SUA ESPOSA. INSATISFEITO, TODAVIA,
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. pp. 295 e ss. 8 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica e (pos)positivismo: por que o ensino jurídico continua de(sin)formando os alunos?. In. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do programa de pós-gradução em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado. Org. André Luís Callegari; Lenio Luiz Streck; Leionel Severo Rocha. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2010. pp. 177 e ss.
30
QUEBRANDO COMPROMISSO ASSINADO EM JUÍZO E DESCUMPRINDO DECISÃO JUDICIAL, TÍCIO SE PROSTRA EM FRENTE À CASA DA SUA COMPANHEIRA, COM UMA FACA, DO TIPO PEIXEIRA, SENTA-SE NO MEIO-FIO, PUXA A SUA ARMA E EM FRENTE À CASA DA VÍTIMA COMEÇA A RISCAR O CHÃO, COMO SE ESTIVESSE AFIANDO A SUA FACA.
ORA, SEGUNDO O ENTENDIMENTO DO STJ, ADOTADO
PELO INSIGNE MAGISTRADO A QUO, TAL CONDUTA É ATÍPICA. ASSIM, INDEPENDENTE DO TEMOR CAUSADO NA VÍTIMA, A QUAL RECEIA, INCLUSIVE, SAIR DE CASA (COM TODA RAZÃO, INCLUSIVE), A ESPOSA NÃO PODERÁ CHAMAR A POLÍCIA, JÁ QUE NÃO ESTAMOS DIANTE DE FATO TÍPICO.
O SR. TÍCIO, POR SEU TURNO, MESMO QUE A POLÍCIA VÁ
AO LOCAL, NÃO PODERÁ SER PRESO EM FLAGRANTE DELITO, POIS SUA CONDUTA, SEGUNDO O STJ, É ATÍPICA.
OU SEJA, A ESPOSA TERÁ QUE ESPERAR O SR. TÍCIO
RESOLVER IR EMBORA, DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE, PARA ENTÃO PROCURAR O FÓRUM, JÁ QUE TÍCIO NÃO PODERÁ SER PRESO EM FLAGRANTE, ENQUANTO RISCA A FACA EM FRENTE À CASA DA VÍTIMA, PARA NOTICIAR O DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA PROTETIVA.
AÍ, NOTICIANDO O DESCUMPRIMENTO, O MP TERÁ QUE
REPRESENTAR CONTRA O ACUSADO, REQUERENDO A APLICAÇÃO DE MULTA A UM MISERÁVEL, QUE NA MAIORIA DAS VEZES SÓ TEM DINHEIRO PARA SUSTENTAR O SEU VÍCIO NO ÁLCOOL, COMPRANDO AS “BOMBINHAS” DE PINGA, QUE CUSTAM 1 REAL. ESTA, INCLUSIVE, SERIA A ÚNICA PUNIÇÃO PARA TÍCIO, JÁ QUE PRISÃO CAUTELAR NÃO É
31
PUNIÇÃO, MUITO MENOS SANÇÃO, É MEDIDA ACAUTELATÓRIA PROCESSUAL PENAL.
O entendimento do STJ, além de não possuir nenhum
embasamento jurídico, é absolutamente violador do princípio da proibição à proteção deficiente. A mulher, vítima de violência doméstica, é abandonada à própria sorte pelo STJ.
Não bastasse isso (o que já é muito), o entendimento do
STJ vulnera frontalmente a própria Lei Maria da Penha. Vejamos: O ARTIGO 10 DA LEI MARIA DA PENHA PREVÊ QUE:
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE O DISPOSTO NO CAPUT DESTE ARTIGO AO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA DEFERIDA.
ORA, NÃO PODERIA SER DIFERENTE. UMA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DEVE SER SALVA ANTES DE SER MORTA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 10 DA LEI MARIA DA PENHA PREVÊ EXPRESSAMENTE: “APLICA-SE O DISPOSTO NO CAPUT DESTE ARTIGO
32
AO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA DEFERIDA”. E O CAPUT DO ART. 10 INFORMA: “NA HIPÓTESE DA IMINÊNCIA OU DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, A AUTORIDADE POLICIAL QUE TOMAR CONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA ADOTARÁ, DE IMEDIATO, AS PROVIDÊNCIAS LEGAIS CABÍVEIS”.
Assim, prevalecendo a tese do STJ, que não é unânime, muito
menos se consolidou, já que existem dissonâncias no próprio STJ, acima citadas,
e o STF ainda não se manifestou, de atipicidade da conduta, faremos letra morta
do art. 10 da Lei Maria da Penha (quiçá, faremos também vítima morta).
Desde a edição da Lei Maria da Penha diversas interpretações
jurídicas têm surgido no sentido, aparentemente, de tentar reduzir o número de
ações judiciais em trâmite perante o Judiciário Criminal nacional, de processos
criminais atinentes a delitos praticados no ambiente doméstico contra a mulher.
O Judiciário nacional se acostumou a ver, antes da edição da
Lei Maria da Penha, 90% dos processos criminais atinentes a crimes praticados
no ambiente doméstico contra a mulher serem extintos na malfadada “audiência
preliminar”. A estatística supra é confirmada por pesquisa. Vejamos:
desistência da vítima) em geral, era induzido pelo
magistrado ou conciliador, através da insistência feita à
vítima de aceitar o compromisso (verbal e não expresso) do
agressor de não cometer mais o ato violento. (...) Em 90%
dos casos os processos eram arquivados. (...) Nota de
rodapé – Nos juizados em Porto Alegre a conciliação
renunciatória tem sido de 90% conforme dados obtidos na
33
pesquisa já mencionada. CAMPOS, Carmen Hein de.
Juizados Criminais e seu déficit teórico.”9.
Assim, por mais que a Lei Maria da Penha diga expressamente
que não se aplica a Lei 9099 aos casos àquela submetidos, muitos ainda insistem
em oferecer transação penal. Começa à crescer também corrente que defende a
aplicação da suspensão condicional do processo a estes casos. Etc.
Tudo isso, aparentemente, no intuito de se reduzir o número de
demandas em curso no Judiciário, já que antes tínhamos a extinção de 90% dos
casos e agora temos esses processos “abarrotando” ainda mais a Justiça.
Não bastassem todos sofrimentos e humilhações impingidos às
mulheres no Brasil, toda a discriminação a elas direcionada, agora as mulheres
terão que carregar também sobre os seus ombros a pecha de levarem à falência a
Justiça Penal. Não me parece justo. Esta culpa não poderá recair sobre as
mulheres vítimas. Elas merecem proteção e não vitimização secundária e
violência institucional.
É preciso lembrar que, segundo o IPEA, “2.1 milhões de
mulheres são espancadas por ano no país, 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou
4/minutos – uma a cada 15 segundos”.
SEGUNDO PESQUISA DO SENADO, UMA MULHER É
MORTA A CADA DUAS HORAS NO BRASIL10. OU SEJA, A LÓGICA DA LEI
MARIA DA PENHA É TRATAR COM MAIS RIGOR CASOS SUPOSTAMENTE
MENOS GRAVES PARA EVITAR A REITERAÇÃO DELITIVA E A OCORRÊNCIA
9 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. Violência Doméstica: análise da Lei Maria da Penha, n. 11.340/06. 4a ed. Salvador: JusPodvim, 2012. p. 198.
34
DE CRIMES AINDA MAIS GRAVES. Os crimes domésticos têm esse fator
específico: a reincidência é grande, porque vítima e agressor, mesmo que
separados, têm contatos recorrentes, seja em razão dos filhos, seja em razão da
burocracia estatal para a partilha dos bens.
A Lei Maria da Penha e os seus estudiosos sabem que não é a
Justiça Penal sozinha que resolverá o problema desta criminalidade, tanto que na
norma citada somente existem dois ou três dispositivos penais propriamente ditos
(Todos os outros buscam a solução holística do problema, seja na área da
educação, seja na área do tratamento para o agressor, do atendimento para a
ofendida, etc), mas o Judiciário tem papel importante e fundamental, de evitar a
reiteração delitiva de gravidade crescente.
Me parece que o STJ ignorou tudo isso ao entender que o
descumprimento de medida protetiva de urgência é fato atípico penalmente.
Uma outra questão ainda me parece fundamental:
A AMAB, Associação dos Magistrados da Bahia, recentemente
lançou uma campanha, à qual aderimos completamente, de valorização dos
Magistrados e do Poder Judiciário baiano. A campanha foi assim divulgada:
A JUSTIÇA QUE ATENDE A VOCÊ, CIDADÃO, EXIGE ATENÇÃO!
Os juízes têm a missão de garantir que os direitos sejam respeitados. Para
isso, eles dedicam o seu tempo, energia, conhecimento, sensibilidade. Os
juízes correm riscos, enfrentam pressões e trabalham com afinco e
imparcialidade, para resolver conflitos que aumentam a cada dia. A
verdade é que, cedo ou tarde, você, como tantas outras pessoas, pode
precisar da decisão de um juiz. Qual poderá ser a sua necessidade?
Não bastam caneta, conhecimento e amor pela missão. Os juízes
precisam de ferramentas para prestar a você, cidadão, uma justiça mais
rápida, acessível e justa!11
A valorização é, sem dúvida nenhuma, um ato externo. Ou seja,
o Judiciário precisa ser valorizado por todos, já que é a última trincheira do
cidadão perante o abuso estatal, por vezes até mesmo praticado pelo MP.
Todavia, a valorização é também um ato interno, que deve partir do próprio
Judiciário.
Neste particular, me parecer que o entendimento do STJ é um
posicionamento desprestigioso em relação ao ato mais importante do Magistrado,
que é uma decisão judicial. Ora, me parece anacrônico constituir crime o
descumprimento de ordem legal de um agente de trânsito ou de um oficial de
justiça e ser fato atípico o descumprimento de uma determinação judicial
expressa. TODAVIA, COMO VISTO ACIMA, DEFENDEMOS AGORA A
CARATERIZAÇÃO DO CRIME PREVISTO NO ART. 359 DO CPB, POUCO
IMPORTANDO QUALQUER DISCUSSÃO QUANTO AO TIPO PENAL DO ART.
330.
2.3 - ENTENDIMENTO DO STJ, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, VULNERA O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE – MULHER EM SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA E AGRESSOR QUE NÃO
11 http://www.amab.com.br/images/panfleto.pdf.
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PODERÁ SER PRESO EM FLAGRANTE EM RAZÃO DE SUPOSTA ATIPICIDADE DA CONDUTA;
O Supremo Tribunal Federal brasileiro já reconheceu que o
princípio da proporcionalidade encerra dois parâmetros de interpretação, pois os
direitos fundamentais não configuram apenas mandamentos de garantias contra
excessos do Estado, MAS TAMBÉM TRAZEM NO SEU NÚCLEO MATERIAL A NECESSIDADE DE QUE O ESTADO TENHA UMA ATUAÇÃO MÍNIMA A GARANTIR A SUA TUTELA EFETIVA (PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE).
Analisar os direitos fundamentais apenas sob o prisma da
proibição do excesso é fazer um análise caolha.
Assim é que, na ponderação de valores constitucionalmente
equivalentes e em conflito em determinado caso concreto, o STF utiliza os
balizamentos da proibição de excesso e da proibição de proteção insuficiente na
buscar da tutela mais adequada para o resguardo dos direitos fundamentais da
coletividade.
Vejamos julgado da Suprema Corte sobre o tema:
“Os direitos fundamentais não podem ser
considerados apenas como proibições de
intervenção (Eingriffsverbote), expressando também
um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se
dizer que os direitos fundamentais expressam não
apenas uma proibição do excesso
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(Übermassverbote), como também podem ser
traduzidos como proibições de proteção insuficiente
ou imperativos de tutela (Untermassverbote)”. (HC
104410/RS; Segunda Turma; Rel. Min. Gilmar
Mendes; julgado em 06.03.2012).
Vejamos também os escólio de BARROS:
O princípio da proibição de proteção penal deficiente emana diretamente do
princípio da proporcionalidade, que estaria sendo invocado para evitar a tutela
penal insuficiente, no caso em comento, o princípio nemo inauditus damnari
potest, protege o acusado, mas a sociedade não pode ficar desprotegida,
portanto, o Estado tem que ter mecanismos de tutela eficaz, incluindo-se os de
natureza penal12.
Citamos, novamente, o exemplo supra:
VEJAMOS, AINDA, AS CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS
DESTE ENTENDIMENTO DO STJ NUM EXEMPLO HIPOTÉTICO, QUE, DE PROPÓSITO, MUITO SE ASSEMELHARÁ AO CASO SUB EXAMINE:
UM INDIVÍDUO CHAMADO DE TÍCIO AGRIDE SUA ESPOSA
E SUA FILHA COM UMA FACA, CAUSANDO-LHES LESÕES CORPORAIS LEVES. PRESO EM FLAGRANTE DELITO, VÊ A SUA PRISÃO CONVERTIDA EM OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES PENAIS, DENTRE ELAS A PROIBIÇÃO DE SE APROXIMAR DA SUA ESPOSA. INSATISFEITO, TODAVIA, QUEBRANDO COMPROMISSO ASSINADO EM JUÍZO E DESCUMPRINDO DECISÃO JUDICIAL, TÍCIO SE PROSTRA EM FRENTE À CASA DA SUA
12 BARROS, Francisco Dirceu. Curso de Processo Penal para Concursos. 1. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p.187 (no prelo).
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COMPANHEIRA, COM UMA FACA, DO TIPO PEIXEIRA, SENTA-SE NO MEIO-FIO, PUXA A SUA ARMA E EM FRENTE À CASA DA VÍTIMA COMEÇA A RISCAR O CHÃO, COMO SE ESTIVESSE AFIANDO A SUA FACA.
ORA, SEGUNDO O ENTENDIMENTO DO STJ, ADOTADO
PELO INSIGNE MAGISTRADO A QUO, TAL CONDUTA É ATÍPICA. ASSIM, INDEPENDENTE DO TEMOR CAUSADO NA VÍTIMA, A QUAL RECEIA, INCLUSIVE, SAIR DE CASA (COM TODA RAZÃO, INCLUSIVE), A ESPOSA NÃO PODERÁ CHAMAR A POLÍCIA, JÁ QUE NÃO ESTAMOS DIANTE DE FATO TÍPICO.
O SR. TÍCIO, POR SEU TURNO, MESMO QUE A POLÍCIA VÁ
AO LOCAL, NÃO PODERÁ SER PRESO EM FLAGRANTE DELITO, POIS SUA CONDUTA, SEGUNDO O STJ, É ATÍPICA.
OU SEJA, A ESPOSA TERÁ QUE ESPERAR O SR. TÍCIO
RESOLVER IR EMBORA, DE LIVRE E ESPONTÂNEA VONTADE, PARA ENTÃO PROCURAR O FÓRUM, JÁ QUE TÍCIO NÃO PODERÁ SER PRESO EM FLAGRANTE, ENQUANTO RISCA A FACA EM FRENTE À CASA DA VÍTIMA, PARA NOTICIAR O DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA PROTETIVA.
AÍ, NOTICIANDO O DESCUMPRIMENTO, O MP TERÁ QUE
REPRESENTAR CONTRA O ACUSADO, REQUERENDO A APLICAÇÃO DE MULTA A UM MISERÁVEL, QUE NA MAIORIA DAS VEZES SÓ TEM DINHEIRO PARA SUSTENTAR O SEU VÍCIO NO ÁLCOOL, COMPRANDO AS “BOMBINHAS” DE PINGA, QUE CUSTAM 1 REAL. ESTA, INCLUSIVE, SERIA A ÚNICA PUNIÇÃO PARA TÍCIO, JÁ QUE PRISÃO CAUTELAR NÃO É PUNIÇÃO, MUITO MENOS SANÇÃO, É MEDIDA ACAUTELATÓRIA PROCESSUAL PENAL. O entendimento do STJ, além de não possuir nenhum
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embasamento jurídico, é absolutamente violador do princípio da proibição à proteção deficiente. A mulher, vítima de violência doméstica, é abandonada à própria sorte pelo STJ.
Não bastasse isso (o que já é muito), o entendimento do
STJ vulnera frontalmente a própria Lei Maria da Penha. Vejamos: O ARTIGO 10 DA LEI MARIA DA PENHA PREVÊ QUE:
Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. PARÁGRAFO ÚNICO. APLICA-SE O DISPOSTO NO CAPUT DESTE ARTIGO AO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA DEFERIDA.
ORA, NÃO PODERIA SER DIFERENTE. UMA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DEVE SER SALVA ANTES DE SER MORTA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 10 DA LEI MARIA DA PENHA PREVÊ EXPRESSAMENTE: “APLICA-SE O DISPOSTO NO CAPUT DESTE ARTIGO AO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA DEFERIDA”. E O CAPUT DO ART. 10 INFORMA: “NA HIPÓTESE DA IMINÊNCIA OU DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, A AUTORIDADE POLICIAL QUE TOMAR
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CONHECIMENTO DA OCORRÊNCIA ADOTARÁ, DE IMEDIATO, AS PROVIDÊNCIAS LEGAIS CABÍVEIS”.
Assim, prevalecendo a tese do STJ, que não é unânime, muito
menos se consolidou, já que existem dissonâncias no próprio STJ, acima citadas,
e o STF ainda não se manifestou, de atipicidade da conduta, faremos letra morta
do art. 10 da Lei Maria da Penha (quiçá, faremos também vítima morta).
3 – DO DIREITO;
Os artigos 41 e 395, ambos, do Código de Processo Penal
prevêem as seguintes hipóteses de rejeição da denúncia:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas. (...)
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou
condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.”
Sobre referidos dispositivos, assim entende o egrégio Supremo
Tribunal Federal:
“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. LEI Nº 11.343/06. DEFESA
PRELIMINAR APRESENTADA. DECISÃO PELO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. O exame da inicial acusatória é balizado pelos arts. 41 e 395 do Código de
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Processo Penal. No art. 41, a lei adjetiva penal indica um necessário
conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve conter a exposição do fato normativamente descrito como criminoso (em
tese, portanto); as respectivas circunstâncias, de par com a qualificação do acusado; a classificação do crime e o rol de
testemunhas (quando necessário). Aporte factual, esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do
contraditório. Já no art. 395, o mesmo diploma processual impõe à peça acusatória um conteúdo negativo. Se, pelo art. 41, há uma
obrigação de fazer por parte do Ministério Público, pelo art. 395, há uma obrigação de não fazer; ou seja, a peça de acusação não pode
incorrer nas impropriedades que o art. 395 assim enumera: inépcia, falta de pressuposto processual ou de condição de ação e falta de
justa causa para a ação penal. 2. Na concreta situação dos autos, a defesa, na fase instaurada por força do art. 54 da Lei nº 11.343/06,
postulou a rejeição da denúncia, aduzindo a falta de indícios de materialidade delitiva. O Juízo, a seu turno, ao receber a inicial
acusatória, ressaltou exatamente o oposto: a presença de indícios robustos tanto de autoria quanto de materialidade delitiva. Pelo que
não é de se ter como carecedora de fundamento a decisão adversada. 3. Ordem indeferida.”
(STF - HC 100908, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma,
julgado em 24/11/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010
EMENT VOL-02388-02 PP-00293)
Assim, a denúncia deve conter os seguintes requisitos, com
base no art. 45, do CPP: a) a exposição do fato normativamente descrito como
criminoso (em tese, portanto); b) as respectivas circunstâncias, c) de par com a
qualificação do acusado; d) a classificação do crime e) e o rol de testemunhas
(quando necessário).
A nosso aviso, os requisitos do art. 45 do Código de Processo
Penal estão todos preenchidos, pois a denúncia efetivamente narrou um fato
típico, com suas circunstâncias, com a qualificação do acusado, classificou o
crime (por mais que o magistrado discordasse da tipificação, in casu seria cabível
o emendatio e não a rejeição da denúncia) e arrolou testemunhas. Já, com base
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no art. 395 do CPP, a denúncia não pode incorrer nas seguintes impropriedades:
a) inépcia; b) falta de pressuposto processual c) de condição de ação e falta de
justa causa para a ação penal. Como visto acima, não há nenhum destes
problemas na denúncia ora analisada.
4 - DOS PEDIDOS.
Desse modo, o Ministério Público do Estado requer – após a intimação da defesa para apresentar contrarrazões e após o juízo de retratação - seja conhecido e provido o presente recurso para que: a) seja
recebida integralmente a denúncia pelo Ministério Público, reformando-se
integralmente a decisão de primeiro grau; b) caso não seja reformada a decisão
na parte relativa ao crime previsto no art. 330 ou 359 (aplicando-se o emendatio
libelli na sentença), forte no princípio da eventualidade, reforme a decisão para
receber parcialmente a denúncia, no tocante ao crime de ameaça;
Miguel Calmon, 30 de agosto de 2014
Pablo Antonio Cordeiro de Almeida
PROMOTOR DE JUSTIÇA Titular da Promotoria Regional Ambiental de Jacobina
Substituto em exercício das Promotorias de Miguel Calmon Substituto em exercício Regional Ambiental de Irecê