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Repensando as práticas da psicologia jurídica | Giovanna Marafon Academia.edu
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03/03/2015 Repensando as práticas da psicologia jurídica | Giovanna Marafon Academia.edu
REPENSANDO AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA JURÍDICA NA PÓSMODERNIDADE
Giovanna Marafon/UNIPÊ Dávila Teresa de Galiza F. Pinheiro/UNIPÊ
RESUMO
Este trabalho aborda o movimento de construção histórica da Psicologia Jurídica, apresentandoas forças que interagiram nesse contexto, bem como os conceitos utilizados para se referir atal área, seus espaços e possibilidades de atuação. Situa as articulações entre Psicologia eDireito, as demandas que motivaram essa aproximação e as práticas que se estabeleceramnesse campo. Retoma a perícia como principal atividade realizada em Psicologia Jurídica,porém não a única, afirmando a necessidade de se implementarem novas práticas psicológicascomprometidas com o bem-estar e as potencialidades do ser humano nas questões que se
relacionam com o Direito. Nesse atravessamento, descortinam-se novos fazeres e ainterferência de outros saberes, compondo um campo de trabalho transdisciplinar.Palavras-chave: Direito, perícia, transdisciplinaridade.
RETHINKING THE PRACTICES OF JURIDICAL PSYCHOLOGY IN POSTMODERNITY
ABSTRACT
This work is about the movement of the historic construction of Juridical Psychology, presentingthe forces that have interacted in that context, as well as the terms used to refer to that are as,its spaces and possibilities for action. It establishes an articulation between Psychology andLaw, the needs that motivated this approach and the practices that were established in that
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Law, the needs that motivated this approach and the practices that were established in thatfield. It incorporates the forensic evaluations as the main activity carried out in Legal Psychology,stating the need to implement new psychological practices committed to the welfare andpotential of the human being in matters concerned to the Law. In that intersection, new actionsand interference from other knowledge are shown, composing a field of transdisciplinarywork.Key-words: Law, forensic evaluation, transdisciplinarity.
Introdução
A escrita deste texto está comprometida com o movimento histórico de constituição eafirmação da Psicologia Jurídica, considerada uma disciplina emergente e entendida como
um ramo da Psicologia que se caracteriza por sua interface com o Direito. Para isso, algumaspassagens pelas engrenagens históricas que instituíram a Psicologia como ciência serãonecessárias para, enfim, percorrer a trilha da Psicologia Jurídica, bem como seus desvios, junto ao Direito até os dias atuais.
A Psicologia e um pouco de História
A Psicologia é considerada uma ciência recente quando comparada às demais. Além daforte influência da Filosofia e da Religião, posteriormente, também a Biologia contribuiu demaneira peculiar nesse contexto em que o mundo aspirava compreender o comportamento
humano.Foi em 1879, com a criação do primeiro laboratório de Psicologia Experimental porWundt, na Universidade de Leipzig, que teve início, oficialmente, a história da Psicologiaenquanto ciência moderna. Os estudos nesse campo orientavam-se na investigaçãoexperimental dos processos psicológicos relacionados à análise do comportamento, aodesenvolvimento psicológico, à aprendizagem, percepção, memória, motivação, emoção,inteligência etc.
Aqueles estudos eram realizados por intermédio de instrumentos laboratoriais de exameque, rapidamente, foram substituídos por simples testes. Conforme assevera Jacó-Vilela (2002,p. 16):
Os testes indicam o prescindir dos instrumentos de que se achavamdotados os laboratórios (mecânicos, elétricos), transformando-se em‘testes de lápis e papel’, cuja facilidade de aplicação – tanto emtermos de local quanto em relação à quantidade possível de pessoastestadas ao mesmo tempo – faz com que se tornem a técnicaprivilegiada de produção dos saberes e práticas psicológicas.
A partir de então, houve uma verdadeira aproximação da Psicologia ao Direito. Tal
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A partir de então, houve uma verdadeira aproximação da Psicologia ao Direito. Talaproximação, na verdade, traduzia o interesse do Direito em descobrir como apreciar aqualidade dos testemunhos de indivíduos envolvidos em processos judiciais e essa foi umaquestão direcionada à Psicologia, a qual procurou respondê-la através da aplicação de testespsicológicos.
Que demandas aproximaram Psicologia e Direito?
Diante desse panorama, no final do século XIX, desponta a primeira grande articulaçãoda Psicologia com o Direito: a Psicologia do Testemunho. Esta tinha a finalidade de avaliar,por intermédio do estudo experimental dos processos psicológicos, a veracidade dostestemunhos, as falsas confissões, as simulações ou mesmo prever certos tipos de
comportamentos para que assim fosse possível uma eficaz atuação e aplicação da norma jurídica.
Na clássica obra Manual de Psicologia Jurídica, de 1945, que marca a formulaçãoda Psicologia Jurídica como disciplina e área de estudo, Emílio Mira Y López afirma que o
testemunho dado por uma pessoa sobre um fato está sujeito a cinco fatores essenciais, quaissejam: o modo como aquela pessoa percebedeterminado acontecimento, o modo como suamente foi capaz de conservar o fato, a maneira de evocá-lo, o modo como quer expressá-lo, e, por fim, o modo como pode expressá-lo.
Todos esses fatores foram estudados por influentes mecanismos advindos da PsicologiaExperimental que, no começo, era aplicada de modo quase que exclusivo aos interrogatórios judiciais que abordassem casos delituosos, pois nesse período o estudo sobre a personalidadedo indivíduo que praticava uma conduta delituosa, o delinqüente, estava em evidência. MiraY López denominou esse estudo de Psicologia Anormal (termo esse não mais em uso), oqual era considerado um ramo da Psiquiatria.
A Psicologia Anormal regeu a vida do Direito durante muito tempo e até hoje épossível encontrar resquícios dessa teoria, a qual entendia que havia uma patologia individualou anormalidade em todo aquele que rompia com as regras sociais cometendo delitos. Tal
teoria trouxe sérias conseqüências, uma vez que culpabilizava individualmente certa pessoapela prática de um delito, acreditando que esta o praticava pelo fato de possuir uma anomaliaintrínseca. Descartavam-se, assim, quaisquer conexões e fatores externos que compusessemum contexto mais amplo, relevante para o entendimento da criminalidade e da relação daspessoas com o crime.
Naquele período, o ideário positivista, inspirado nas Ciências Naturais, influenciousobremaneira as Ciências Humanas e Sociais ao estabelecer a necessidade de aperfeiçoar osinstrumentos de exame, como as perícias, as quais expandiram sua atuação aos mais diversossetores da Psicologia e também do Direito.
Como bem pontuou Brito (2001, p. 120):
A perícia psiquiátrica, inicialmente restrita à investigação daresponsabilidade penal do adulto, estende-se, a partir do final do
século XIX, a outras áreas do Direito, visando os dispositivos decorreção a serem aplicados e a aferição de “verdades” que deveriamauxiliar os trâmites jurídicos, percurso recomendado aos primeirospsicólogos que se aproximaram do campo do Direito.
É possível depreender de tudo isso que havia o anseio por técnicas cada vez mais
É possível depreender de tudo isso que havia o anseio por técnicas cada vez maisapuradas que possibilitassem a obtenção de dados exatos, a fim de auxiliar os operadores doDireito, tendo em vista a fé depositada nos diagnósticos advindos da avaliação psicológica.Portanto, observa-se que, no princípio, a Psicologia era uma ciência totalmente identificadacom a prática de psicodiagnósticos.
Nessa primeira fase, a maioria dos psicólogos desempenhava suas funções comoauxiliares dos psiquiatras, o que acontecia da seguinte forma: médicos psiquiatras eram osresponsáveis pelas perícias e os psicólogos eram seus auxiliares, realizando apenas a testagem
(aplicação de testes psicológicos).
Psicologia Jurídica: de que se fala?
Como ainda não havia o cargo de psicólogo jurídico junto ao Poder Judiciário, durantemuito tempo, a prática da Psicologia restringiu-se à realização de perícias feitas por psicólogosautônomos, os quais atendiam incontáveis solicitações de pedidos de avaliação acerca dedisputa de guarda de crianças, análise da cessação da periculosidade, interdições etc.
No exercício de tais práticas, o termo mais usual para se definir essa área foi Psicologiaaplicada ao Direito. Percebe-se aí uma relação de subordinação, na medida em que aPsicologia Jurídica apresentava-se como disciplina a serviço do Direito, uma disciplinameramente auxiliar.
Não se quer dizer com isso, que a Psicologia Jurídica não possa responder às demandasdo jurídico, muito pelo contrário, o que se objetiva esclarecer é que ela não se deve paralisarna relação com o saber jurídico, mas transcender as solicitações da seara jurídica, através deum constante diálogo que é ao mesmo tempo psicojurídico.
Nesse sentido, assevera Trindade (2004, p. 27):
A Psicologia Jurídica, na sua totalidade, não é apenas um instrumentoà serviço do jurídico. Ela analisa as relações sociais, muitas das quaisnão chegam a serem selecionadas pelo legislador. Em outras palavras,não se jurisdicizam, isto é permanecem destituídas de incidêncianormativa e constituem a grande maioria de nossos comportamentossociais.
Assim, com o passar do tempo, a Psicologia Jurídica tem procurado se afastar dasfunções exclusivamente psicotécnicas, orientando-se cada vez mais para o bem-estar dohomem e suas potencialidades, trazendo uma preocupação ética com o seu fazer. E, com oDireito, busca-se uma relação baseada na complementaridade e não na subordinação, criando,desse modo, um terreno propício para o diálogo transdisciplinar, não-subordinante.
Logo, a Psicologia Jurídica vai muito além do estudo do comportamento humano noâmbito da Justiça, pois esse se configura em uma das manifestações da subjetividade, a qualconforme ensinamentos de Bock, Furtado e Teixeira (2002, p. 23) refere-se ao “mundo de
idéias, significados e emoções construído internamente pelo sujeito a partir de suas relaçõessociais, de suas vivências e de sua constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestaçõesafetivas e comportamentais”.
De acordo com o pensamento de Michel Foucault, em sua obra intitulada A verdadee as formas jurídicas (1974), França (2004, p. 76) traz o seguinte entendimento:
Tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as mais
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Tanto as práticas jurídicas quanto as judiciárias são as maisimportantes na determinação de subjetividades, pois por meio delasé possível estabelecer formas de relações entre os indivíduos. Taispráticas, submissas ao Estado, passam a interferir e a determinar asrelações humanas e, conseqüentemente, determinam a subjetividadedos indivíduos.
Por esse prisma, entende-se que a Psicologia Jurídica interfere nas relações entre osindivíduos como algo oriundo das próprias práticas jurídicas, as quais também são capazesde determinar a subjetividade dos sujeitos envolvidos. Por conseguinte, a Psicologia Jurídicavai se preocupar igualmente em enfocar “as determinações das práticas jurídicas sobre a
subjetividade, não mais enfocaria apenas o comportamento do indivíduo para explicá-lo deacordo com a necessidade jurídica” (FRANÇA, 2004, p. 77). Essa idéia ultrapassa aperspectiva que o Direito possui em relação à Psicologia Jurídica.
Longe de apresentar um conceito formado e acabado acerca da Psicologia Jurídica,tarefa praticamente impossível, preferiu-se trazer à tona as forças que disputaram terreno na
construção desse novo campo. Interessante se faz expor a constatação de Thomas Herbert(1972) citado por Arantes (2005, p. 18-19) acerca da própria Psicologia, que nos permitelançar questões também à Psicologia Jurídica:
(...) colocar a uma ciência as questões ‘quem és tu?’, ‘por que estásaqui?’ e ‘quais suas intenções?’ pode parecer impertinência à qualela tenderia a responder que ‘está aqui porque existe’ e quanto àssuas intenções ‘ela não as tem’ mas apenas problemas a resolver’.No entanto, considera importante a distinção feita por Louis Althusserentre ciência desenvolvida e ciência em constituição. Na ciênciadesenvolvida o objeto e o método são homogêneos e se engendramreciprocamente, o que não acontece com as ciências emdesenvolvimento, como a Psicologia.
Isso mostra o quão difícil se faz tecer qualquer tipo de conceituação acabada emtorno da Psicologia Jurídica, vez que surge de encontros históricos entre Psicologia e Direito.Nesse percurso não-linear, cabe interrogar os saberes e fazeres da Psicologia Jurídica,desnaturalizando verdades e abrindo passagem para novos fluxos e novas práticas.
Psicologia Jurídica ou Psicologia Forense?
É importante ressaltar, sucintamente, a discussão existente entre Psicologia Jurídica ePsicologia Judicial, Forense ou Legal. Embora alguns autores confundam referidasterminologias, essas são duas modalidades de atuação com diferenças marcantes.
A Psicologia Judicial, Forense ou Legal que inicialmente se ligava à Psicologia Criminale à Psicologia do Testemunho é aquela que aparece no intuito de facilitar a inserção ouaplicação dos processos psicológicos à prática de trabalho do jurista.
O termo forense, conforme o Pequeno Dicionário Jurídico, quer dizer: “pertencenteao foro judicial ou que nele é usado; relativo a juízes e tribunais”, logo mostra-se como umaterminologia que restringe o campo de atuação da disciplina, uma vez que o profissionalligado a essa área atuaria exclusivamente na conjuntura do fórum, tendo, portanto, sua atividadelimitada ao referido contexto.
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limitada ao referido contexto.De outra banda, encontra-se a Psicologia Jurídica que trata da fundamentação
psicológica e social do Direito e da Justiça. A palavra jurídicaé bem mais abrangente, poisenvolve além de procedimentos inerentes aos Tribunais, aqueles que são de interesse do jurídico, sem, contudo, serem frutos da atividade do jurista.
Deste modo, a psicologia jurídica interessa-se por temas e atuações não apenas
circunscritas aos Tribunais de Justiça, mas, também àquelas que envolvem as instituições jurídicas – Conselhos Tutelares, prisões, abrigos, unidades de internação, organizações não-governamentais, instituições de cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes
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