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René Geronimo Favaloro (14/7/1923 – 29/7/200 "in memoriam". Rev
Bras Cir Cardiovasc 2000; 15 (3):I-II.
René Geronimo Favaloro(14/7/1923 - 29/7/2000)
"in memoriam"
Editorial
A trágica morte de René Favaloro, ocorrida em 29de julho de
2000, causou profunda comoção na comu-nidade científica
cardiológica dos cinco continentes.
Sem dúvida alguma, suas contribuições consti-tuíram a base da
cardiologia moderna e a cirurgiada revascularização miocárdica,
emergente naCleveland Clinic nos últimos anos da década de 60,não
poderia ter tido melhor divulgador.
Seu carisma, raciocínio lúcido e convincenteabreviaram em muitos
anos a consolidação desse novoe revolucionário procedimento
cirúrgico. É desneces-sário enfatizar os desdobramentos de
progresso nacardiologia clínica e cirúrgica a partir desse
fato.
Torna-se muito difícil entender o gesto extre-mado do suicídio
praticado por uma personalidadecheia de energia, multiplicadora e
irradiadora de umotimismo contagiante.
Em recentes contatos e confidências a ami-gos mais chegados,
deixava transparecer uma pro-funda preocupação com o destino da
Fundação queleva seu nome. Em carta confidencial (22/6/00) aum
amigo (Dr. José Cláudio Escribano), manifesta-va seu desespero e
preocupação com as dívidas daFundação e, mais do que tudo, o
descaso ao aten-dimento de suas solicitações. Destacamos
algunstrechos dessa carta, nas linhas abaixo.
“Estou passando por um dos momentos maisdifíceis de minha vida,
a Fundação tem graves proble-mas econômico-financeiros, como tudo
mais que ocorreem nosso país... Nos preocupa cada vez mais
umadívida de 18 milhões de dólares e torna-se cada vezmais difícil
manter nosso trabalho. Freqüentementeum empregado da baixa
hierarquia no Governo nãose digna a responder um chamado... Nos
últimostempos me transformei em um mendigo, com a tarefade bater às
portas, na tentativa de coletar algum di-nheiro que possa manter
nossas atividades. Não vivode homenagens, que são momentos
efêmeros, masdas pequenas coisas da vida e da satisfação maior
deser útil aos meus semelhantes”.
A análise dos sentimentos contidos nessacarta permitem supor
que, além da indiscutível pre-ocupação com o destino da Fundação,
que se con-
fundia com sua existência, havia um profundo vazioexistencial.
Sentia-se só e abandonado e em seuíntimo julgava faltar apoio
incondicional nesta etapade sua vida.
Em um encontro íntimo conosco há cerca deum mês antes de sua
morte, percebemos que encon-trava dificuldades para administrar a
crise da Institui-ção que comandava, assim como o desafio de
umavida com sua companheira, após ter-se tornado viúvode sua esposa
de muitos anos, Maria A. Delgado.
Sua morte, como o que tudo fez em vida, foipor decisão própria,
estando ainda plenamente ativoe deixando uma imagem de lutador
infatigável, pormais paradoxal que isto possa parecer.
A seguir, passamos a descrever alguns tópi-cos que nos pareceram
relevantes de sua existência.
René Geronimo Favaloro nasceu em La Plataem 14 de julho de 1923.
Teve infância pobre ehumilde, sendo seu avô sapateiro, o pai
carpinteiroe a mãe costureira. Entre seus familiares, apenasum tio
paterno teve formação universitária (médico),tendo exercido forte
influência em sua formação.Durante suas férias escolares, ainda
mecânico,observava o tio em sua clínica de Avellaneda,
acom-panhando-o nos finais de expediente nas visitasdomiciliares.
Esse convívio com a atividade socialda profissão não deixou dúvidas
sobre o caminho aser seguido e deu um toque de romantismo a
umacarreira marcada pelo rigor científico. Depois daformatura em
1949, exerceu a profissão como médicorural em Jacinto Arauz, La
Pampa, durante 12 anos.Essa etapa de sua vida deixou impressões
marcantesem sua personalidade, caracterizando-se por umagrande
preocupação social, que estaria presenteem todos os empreendimentos
de sua vida. Emjaneiro de 1962, sua forte vocação pela
cirurgiatorácica o levou à Cleveland Clinic, onde permane-ceu até
junho de 1971. Nesse período, desenvolveuo trabalho fundamental de
sua vida. A possibilidadedo diagnóstico preciso da doença coronária
atravésda cinecoronariografia desenvolvida por MasonSones foi a
base para o ensaio do tratamento cirúr-gico dessa afecção. A rápida
difusão dos princípiosdo ataque direto às obstruções coronárias
através
Rev Bras Cir Cardiovasc 2000;15(3): I-II.
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René Geronimo Favaloro (14/7/1923 – 29/7/200 "in memoriam". Rev
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Rev Bras Cir Cardiovasc 2000;15(3): I-II
das pontes de safena se deveu, indiscutivelmente,à figura e ao
carisma de René G. Favaloro.
O amor à pátria e a noção de sua responsa-bilidade social
fizeram com que renunciasse a umaposição de destaque na Cleveland
Clinic e aosacenos de uma situação financeira invejável.Retornou a
Buenos Aires, em 1971, com o sonho deum visionário que desejava
oferecer à Argentina umcentro cardiológico de excelência à
semelhança daCleveland Clinic.
Após curta e mal sucedida experiência noentão Sanatório Güemes,
criou, em 1980, o “Labo-ratório de Investigação Básica”, que
dependia doDepartamento de Investigação e Docência da Fun-dação
Favaloro. Na seqüência se transformou em“Instituto de Investigação
em Ciências Básicas doInstituto Universitário de Ciências
Biomédicas”, que,por sua vez, gerou a Universidade Favaloro,
criadaem 1998. Na atualidade, a Universidade consta deuma Faculdade
de Ciências Médicas, Kinesiologia,Fisiatria, Engenharia, Ciências
Exatas e Naturais.
Em 1992, inaugurou o Instituto de Cardiologiae Cirurgia
Cardiovascular da Fundação Favaloro,sem fins lucrativos, que
concentrou, desde então, aprodução científica, assistencial e
formação de re-cursos humanos na Argentina.
Com o lema “ tecnologia a serv iço dohumanismo médico”, o
Instituto realizou 300.000consultas, 200.000 estudos não invasivos,
17.000cateterismos diagnósticos, 5.000 cateterismosterapêuticos,
18.000 cirurgias cardiovasculares e 300transplantes cardíacos.
Com grande preocupação na prevenção dadoença coronária, a
Fundação Favaloro fez váriaspublicações para o público leigo,
através do centroeditor da Fundação Favaloro.
Do ponto de vista científico, teve desempe-nho inigualável,
sendo membro ativo de 24 socieda-des, honorário de 42 e
correspondente de 4.
Recebeu inúmeras distinções nacionais e in-ternacionais, entre
as quais: Prêmio John Scott (1979),outorgado pela cidade de
Filadélfia; criação da cáte-dra de cirurgia René G. Favaloro na
Universidade deTel-Aviv, Israel (1980); distinção da
FundaçãoConchita Rábago Gimenez Diaz, Madri, Espanha(1982); Mestre
da Medicina Argentina (1986); prêmioDestinguished Alummus award da
Cleveland ClinicFoundation (1987); The Gairdner
FoundationInternational award, outorgado pela GairdnerFoundation,
Toronto, Canadá (1987); prêmio RenéLeriche (1989), outorgado pela
Sociedade Interna-cional de Cirurgia; prêmio Gifted Teacher
award,outorgado pelo Colégio Americano de Cardiologia(1992); prêmio
Golden Plate award da AmericanAcademy of Achievement (1993); prêmio
PríncipeMahidol, outorgado por sua majestade o rei daTailândia,
Bangkok (1999) e, por último, a distinção
no Hospital Pompidou de Paris, de ser reconhecidocomo um dos
pilares da cirurgia cardiovascular.
Em 1999, foi convidado a fazer conferênciamagna da American
Heart Association e escolheucomo título “A revival of Paul Dudley
White, anoverview of present medical practice and of ourSociety ” .
Perante uma ex igente p la té ia decardiologistas de todo o mundo,
teve a coragem deanalisar alguns aspectos da medicina atual e
criticaros modelos éticos de assistência e pesquisa,
par-ticularmente nos Estados Unidos. O auditório,notadamente de
norte-americanos, atônitos, foramlevados a levantar-se de suas
cadeiras e aplaudí-lo de pé, constituindo-se em uma
impressionanteconsagração de suas convicções.
Publicou inúmeros trabalhos científicos e algu-mas monografias,
entre as quais: “Surgical treatmentof coronary atherosclerosis
(1970)”, “Recuerdos deum medico rural (1980)”, De LaPampa a los
EstadosUnidos (1993)” e “Don Pedro y la educacíon (1994)”.
Sua paixão pela história e cultura o levou aescrever livros de
investigação, como “Conoce usted aSan Martin?(1987)“ e “La memoria
de Guayaquil (1999)“.
A par de sua figura imponente, que lhe credi-tava posição
científica invejável, tinha a caracterís-tica muito rara de
infundir confiança, esperança eotimismo em seus circundantes.
Multiplicava idéiassadias e de solidariedade, dizendo que preferia
serlembrado mais como docente do que como cirurgião.
Sua extraordinária figura o tornou uma legen-da na Argentina,
sendo que, nas pesquisas de opiniãopública através da Total
Research Argentina, figu-rava seu nome em primeiro lugar, nos
índices depopularidade e de confiabilidade, estando à frentede
figuras lendárias como Julio Bocca, Carlos Gardele Valéria
Mazza.
Em 1992, foi capa do New York Times, como título “Um herói
mundial que mudou parte damedicina moderna e revolucionou a
cardiologia”.
A figura humana extraordinária e ímpar de RenéG. Favaloro
desapareceu. Ficou, todavia, seu legado,que talvez venha superar
suas realizações em vida.
Que sua alma descanse em paz, e que seuexemplo de dinamismo,
solidariedade e preocupa-ção com o social sirva para as futuras
gerações.
Enio Buffolo
Professor Titular da Disciplina de CirurgiaCardiovascular da
Escola Paulista de
Medicina – UNIFESPChefe do Departamento de Cirurgia da
Escola
Paulista de Medicina – UNIFESPMembro do Conselho Editorial da
Revista Brasileira
de Cirurgia Cardiovascular