UNIVERSIDADE DE ÉVORA CENTRO DE QUÍMICA DE ÉVORA BOLSA DE INVESTIGAÇÃO Título do Projecto: CLAYCATS – Argilas do Porto Santo modificadas como catalisadores de reacções orgânicas em fase líquida Projecto nº: POCTI/CTM/47619/2002 Data de início da bolsa: 1 de Fevereiro de 2004 Duração: 12 meses Bolseira: Patrícia Alexandra Ferreira Russo Investigadora Responsável: Maria Manuela Lopes Ribeiro Carrott Considerações gerais O objectivo do trabalho desenvolvido durante a bolsa de investigação foi avaliar o efeito da activação ácida de argilas do Porto Santo na estrutura e propriedades texturais (porosidade e área superficial) dos materiais. O programa de trabalhos inicialmente proposto desenvolver foi cumprido. As tarefas desenvolvidas foram as seguintes: 1
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UNIVERSIDADE DE ÉVORA
CENTRO DE QUÍMICA DE ÉVORA
BOLSA DE INVESTIGAÇÃO
Título do Projecto: CLAYCATS – Argilas do Porto Santo modificadas como catalisadores
de reacções orgânicas em fase líquida
Projecto nº: POCTI/CTM/47619/2002
Data de início da bolsa: 1 de Fevereiro de 2004 Duração: 12 meses
Bolseira: Patrícia Alexandra Ferreira Russo
Investigadora Responsável: Maria Manuela Lopes Ribeiro Carrott
Considerações gerais
O objectivo do trabalho desenvolvido durante a bolsa de investigação foi avaliar o
efeito da activação ácida de argilas do Porto Santo na estrutura e propriedades texturais
(porosidade e área superficial) dos materiais. O programa de trabalhos inicialmente
proposto desenvolver foi cumprido. As tarefas desenvolvidas foram as seguintes:
- pesquisa bibliográfica;
- estudo e optimização do método e das condições técnicas para obtenção de difractogramas
de raios X. Caracterização por DRX das amostras original e modificadas;
- determinação de isotérmicas de adsorção de azoto a 77 K das amostras original e
modificadas;
- caracterização de amostras seleccionadas por espectroscopia de IV;
- colaboração no desenvolvimento e calibração de uma instalação de vácuo gravimétrica
para estudos de adsorção em fase gasosa de compostos orgânicos;
- determinação de isotérmicas de adsorção de n-pentano a 298 K, por método gravimétrico,
em amostras seleccionadas;
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- determinação de isotérmicas de adsorção de azoto a 77 K, antes e após pré-adsorção de n-
nonano e desgaseificação a várias temperaturas, na amostra original e em amostras
modificadas seleccionadas;
- análise das isotérmicas pelos métodos BET, s e DR;
- análise global dos resultados.
Parte dos resultados obtidos foram objecto de uma comunicação na XXIX Reunião
Ibérica de Adsorção, encontrando-se o resumo em anexo.
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1. Introdução
Os minerais de argila são silicatos com estrutura lamelar. As lamelas são formadas
por folhetos constituídos por tetraedros de sílica ou octaedros de oxigénio e átomos
metálicos. Nas argilas 1:1 as lamelas são constituídas por um folheto octaédrico
directamente ligado a um tetraédrico enquanto que nas 2:1 um folheto octaédrico encontra-
se entre dois tetraédricos. Estes materiais são também classificados em dioctaédricos ou
trioctaédricos de acordo com a população dos folhetos octaédricos. Nos primeiros, 2/3 dos
octaedros estão ocupados essencialmente por catiões trivalentes, geralmente Al(III) ou
Fe(III), e nas argilas trioctaédricas a maior parte dos octaedros estão ocupados por catiões
divalentes, em geral, Mg(II) ou Fe(II).
A substituição isomórfica é comum nos minerais argilosos. Assim, nos tetraedros o
silício pode estar substituído por Al3+ ou Fe3+ e no folheto octaédrico os catiões podem ser
Al3+, Mg2+, Fe3+ ou Fe2+. Devido à substituição isomórfica pode surgir um défice de carga
positiva que é compensado pela presença de pequenos catiões de troca, situados entre as
lamelas.
Os minerais mais conhecidos do tipo 2:1 são os do grupo das esmectites. As
esmectites são muito utilizadas em vários ramos da indústria devido à sua elevada
capacidade de troca iónica, capacidade expansiva e elevada área superficial. Os sítios
octaédricos da montmorilonite, a esmectite dioctaédrica mais comum, estão ocupados
principalmente por Al(III) mas parcialmente substituído com Fe(III) e Mg(II).
Nos minerais argilosos naturais as partículas de argila encontram-se agregadas e
apresentam frequentemente outras impurezas minerais. Os tratamentos ácidos desagregam
as partículas de argila, eliminam impurezas, removem os catiões octaédricos e substituem
os catiões de compensação por protões. Desta forma, este tipo de tratamento pode
influenciar significativamente a actividade catalítica das argilas [1].
O objectivo do presente trabalho foi estudar as alterações estruturais e texturais
induzidas pelo tratamento com ácido clorídrico em uma esmectite da ilha do Porto Santo.
Foram analisados os efeitos da concentração do ácido, da temperatura e do tempo de
contacto da solução ácida com o sólido. Todas as amostras foram caracterizadas por
difracção de raios X e adsorção de azoto a 77 K. Amostras seleccionadas foram
caracterizadas por espectroscopia de infravermelho, adsorção de n-pentano a 298 K e pré-
adsorção de nonano seguida de adsorção de azoto. Para cada temperatura foram escolhidas
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as amostras tratadas durante mais tempo com ácido de diferentes concentrações, ou seja, as
amostras que sofreram tratamento mais intenso, uma vez que o estudo destas amostras
permite também tirar algumas conclusões acerca da porosidade das restantes amostras.
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2. Parte experimental
2.1. Preparação das amostras
A argila estudada é uma esmectite na forma sódica da Serra de Dentro da Ilha do
Porto Santo (Madeira) e amostras resultantes do tratamento desta com soluções de ácido
clorídrico de várias concentrações e a várias temperaturas. Todas as amostras foram
preparadas e fornecidas pela equipa da Universidade da Madeira. A designação e a
descrição resumida dos tratamentos a que foram submetidas encontram-se na tabela 2.1.
Tabela 2.1 – Tratamento e designação das amostras de argila.
AmostraTratamento
CHCl / M tempo contacto / min temperatura
NaSD - - -
SD.1M.60.rt 1 60 temp. ambiente
SD.1M.120.rt 1 120 temp. ambiente
SD.6M.60.rt 6 60 temp. ambiente
SD.6M.120.rt 6 120 temp. ambiente
SD.1M.15.ref 1 15 refluxo
SD.2M.15.ref 2 15 refluxo
SD.3M.15.ref 3 15 refluxo
SD.4M.15.ref 4 15 refluxo
SD.5M.15.ref 5 15 refluxo
SD.6M.15.ref 6 15 refluxo
SD.1M.30.ref 1 30 refluxo
SD.2M.30.ref 2 30 refluxo
SD.3M.30.ref 3 30 refluxo
SD.4M.30.ref 4 30 refluxo
SD.5M.30.ref 5 30 refluxo
SD.6M.30.ref 6 30 refluxo
SD.1M.60.ref 1 60 refluxo
SD.6M.60.ref 6 60 refluxo
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2.2. Difracção de raios X
Os difractogramas de raios X foram obtidos num difractómetro Bruker AXS D8
Advance, usando radiação CuK1 ( = 0.1540598 nm). Todas as medições foram efectuadas
com 40 kV e 30 mA, tendo sido utilizadas fendas variáveis V20 (óptica secundária na fonte
e detector) e fendas fixas de 0.6 mm (detector). Para cada amostra foram traçados
difractogramas entre 2 e 80° (2θ), com incrementos de 0,02° e um intervalo de tempo de 2s
por incremento.
2.3. Espectroscopia de infravermelho
Os espectros de FTIR foram obtidos num espectrómetro Perkin-Elmer Paragon
1000 PC. Foram preparadas pastilhas de KBr com 0.8 mg de amostra e 200 mg de KBr que
foram colocadas a 150 ºC durante a noite, antes da realização dos espectros. Para cada
amostra foram realizados 128 varrimentos na região do espectro de 4000 a 400 cm -1, com
uma resolução de 4 cm-1.
2.4. Estudos de adsorção
2.4.1. Adsorção de azoto
As isotérmicas de adsorção de azoto a 77 K foram determinadas num aparelho
Sorptomatic 1990 da CE Instruments. Antes da determinação da isotérmica todas as
amostras foram desgaseificadas a 150 ºC durante 8 horas. As calibrações foram realizadas
com hélio, a 77 K. Foram utilizados azoto N55 (Air Liquide) e hélio (Linde) com pureza
99.999 %.
2.4.2. Adsorção de n-pentano
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As isotérmicas de adsorção de n-pentano a 298 K foram obtidas por método
gravimétrico numa instalação de pyrex equipada com uma microbalança CI Electronics e
sensor de pressão Barocel 600AB. Antes da determinação da isotérmica as amostras foram
desgaseificadas a 200 ºC durante 5 horas. O n-pentano (99%, Riedel-de-Haen) foi
previamente purificado através de ciclos sucessivos de solidificação/fusão, em vácuo.
2.4.3. Pré-adsorção de n-nonano seguida de adsorção de azoto
As isotérmicas de adsorção de azoto a 77K foram determinadas numa instalação de
vácuo equipada com um manómetro Edwards Barocel 570 e unidade de controlo
Datametrics 1174. Os “volumes dos espaços mortos” foram calibrados com hélio.
Antes da adsorção de n-nonano as amostras foram desgaseificadas a 200 ºC durante
5 horas e determinada a isotérmica de adsorção de azoto a 77K. A pre-adsorção de n-
nonano foi realizada da seguinte forma: as amostras foram deixadas em contacto com o
vapor de n-nonano durante 1 hora à temperatura ambiente, após o que foram arrefecidas até
77K, temperatura a que permaneceram durante 30 minutos. Seguidamente foram
desgaseificadas a esta temperatura e depois 5 horas à temperatura ambiente. As amostras
foram depois desgaseificadas a 50 ºC e 75 ºC ( no caso de todo o n-nonano não ter sido
removido a 50 ºC). Após cada desgaseificação determinou-se a isotérmica de adsorção de
azoto a 77K.
Foram utilizados azoto C50 e hélio com pureza 99.999 %, ambos da Gasin, e n-
nonano (99 %, Sigma) previamente purificado por ciclos sucessivos de solidificação/fusão,
em vácuo.
3. Resultados e discussão
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3.1. Caracterização por difracção de raios X
Na figura 3.1 é apresentado o difractograma de raios X da amostra de argila original
(NaSD). Nas figuras 3.2 a 3.4 são apresentados os difractogramas de raios X das amostras
que sofreram tratamento com ácido clorídrico.
Pode-se ver na figura 3.1 que a amostra original, em termos de minerais argilosos,
tem essencialmente esmectite mas também vestígios de outro mineral argiloso,
provavelmente caulinite. Além dos minerais argilosos, estão também presentes outros
minerais. O principal é o dióxido de titânio, na forma de anatase. Verifica-se que o sólido
possui óxido de ferro na forma de hematite. Aparece um pico de intensidade relativamente
fraca que indica a presença de uma pequena quantidade do mineral quartzo na amostra. A
amostra tem também vestígios de feldspatos do supergrupo da plagioclase, os quais podem
ser anortite ou albite. Como os valores de d destas espécies são muito próximos, e os
resultados da análise química mostram que a percentagem de sódio presente na amostra é
idêntica à de cálcio, não é possível distingui-los.
Fig. 3.1 – Difractograma de raios X da amostra original, NaSD (E - esmectite; C – caulinite; A-
anatase; Q – quartzo; F – feldspato; FA – fluorapatite; H – hematite).
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20 40 60 802
Inte
ns
idad
e /
u.a
.
E
C
E
A
Q
F + E
FA
H
E
H
A
EA
H
E A
H
E
A AE
E
Fig. 3.2 – Difractogramas de raios X das
amostras SD.1M.120.rt e SD.6M.120.rt.
Fig. 3.3 – Difractogramas de raios X das
amostras SD.1M.30.ref, SD.2M.30.ref e
SD.3M.30.ref.
Na figura 3.2 são comparados os difractogramas de amostras tratadas com ácido de
diferente concentração, à temperatura ambiente, com o da amostra não tratada. Os
tratamentos à temperatura ambiente, mesmo com ácido de concentração mais elevada (6M),
não causam alterações estruturais significativas. Como a primeira fase do tratamento ácido
é a substituição dos catiões de compensação, neste caso sódio e cálcio, por protões, os picos
referentes aos feldspatos desaparecem mesmo para o tratamento mais fraco. Os tratamentos
deste tipo também eliminam grande parte da hematite pois os picos correspondentes a esta
espécie diminuem bastante de intensidade sendo a diminuição maior na amostra tratada
com ácido mais concentrado. Nestas amostras o pico de maior intensidade do difractograma
encontra-se ligeiramente deslocado (sendo o deslocamento idêntico em ambas as amostras)
para ângulos mais baixos em relação ao da amostra inicial, o que indica um espaçamento
interlamelar ligeiramente maior. Em ambas as amostras observa-se que o quartzo não é
totalmente removido.
O difractograma da amostra SD.1M.30.ref (figura 3.3) evidencia alguns danos
estruturais, mas pouco significativos, verificando-se que a estrutura da argila mantém-se e
que o pico de maior intensidade permanece aproximadamente no ângulo do das amostras
tratadas à temperatura ambiente. Os picos da hematite desaparecem completamente o que
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20 40 60 802
Inte
ns
idad
e /
u.a
.
NaSD
SD.1M.120.rt
SD.6M.120.rt
0 20 40 60 802
Inte
ns
idad
e /
u.a
.
NaSD
SD.1M.30.ref
SD.2M.30.ref
SD.3M.30.ref
parece indicar que nesta amostra esta espécie foi completamente eliminada. Por outro lado,
o pico do quartzo desaparece quase por completo mas ainda existe uma quantidade
relativamente pequena deste mineral na amostra. Observa-se ainda que começa a surgir
uma banda larga na região de 2 ~23º que é característica da sílica amorfa e, portanto,
indica que, nestas condições, o tratamento produziu uma quantidade apreciável de sílica
amorfa.
Os tratamentos em refluxo com ácido de concentração superior a 1M têm efeitos
idênticos aos descritos anteriormente para a amostra SD.1M.30.ref, mas gradualmente mais
acentuados com o aumento da concentração do ácido. Assim, na amostra tratada com ácido
2M (figura 3.3) os vestígios de quartzo já desapareceram por completo e o pico mais
intenso do mineral de argila diminuiu bastante de intensidade. Nestas amostras (figuras 3.3
e 3.4) os picos da esmectite vão desaparecendo gradualmente enquanto que a banda
correspondente à sílica amorfa vai-se tornando cada vez mais evidente. Por outro lado, a
anatase é bastante resistente aos tratamentos ácidos continuando os correspondentes picos
bastante evidentes nestas amostras.
Fig. 3.4 – Difractogramas de raios X das amostras SD.4M.30.ref, SD.6M.30.ref e SD.6M.60.ref.
Nas amostras submetidas aos tratamentos mais intensos (figura 3.4), SD.6M.30.ref e
SD.6M.60.ref, basicamente deixam de existir os picos que identificam a esmectite e os
10
0 20 40 60 802
Inte
nsi
dad
e /
u.a
.
NaSD
SD.4M.30.ref
SD.6M.30.ref
SD.6M.60.ref
difractogramas são dominados pela banda da sílica amorfa e picos da anatase. Estes dois
tratamentos provocam a destruição completa do mineral inicial resultando numa mistura de
sílica amorfa e anatase.
3.2. Caracterização por espectroscopia de infravermelho
Na figura 3.5 são apresentados os espectros de FTIR da amostra de argila não
tratada e de amostras submetidas a tratamento ácido em diferentes condições. Os espectros
estão ordenados de baixo para cima por ordem de aumento de intensidade do tratamento, ou
seja, por aumento da temperatura e/ ou aumento da concentração de ácido. Apesar dos
espectros terem sido determinados entre 4000 e 400 cm-1, na figura 3.5 é apenas
apresentada a região do espectro com interesse para avaliar o efeito dos tratamentos na
estrutura.
Fig. 3.5 – Espectros de FTIR das amostras (a) NaSD, (b) SD.1M.120.rt, (c) SD.6M.120.rt, (d)