Erika Sendra Tavares Relações filogenéticas, biogeografia histórica e evolução da organização de genes mitocondriais dos psitacídeos neotropicais (tribo Arini: Psittacidae: Psittaciformes) São Paulo 2005 ATUALIDADES ORNITOLÓGICAS N.128 – NOVEMBRO/DEZEMBRO DE 2005 – P. 5
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Relações filogenéticas, biogeografia histórica e evolução da ...
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Erika Sendra Tavares
Relações filogenéticas, biogeografia histórica e evolução da
organização de genes mitocondriais dos psitacídeos
Tese apresentada ao Instituto de Biociênciasda Universidade de São Paulo, para aobtenção de Título de Doutor em Ciências, naÁrea de Biologia/ Genética.
histórica e evolução da organização de genesmitocondriais dos psitacídeos neotropicais (triboArini: Psittacidae: Psittaciformes)
86 páginas
Tese (Doutorado) - Instituto de Biociênciasda Universidade de São Paulo. Departamento deBiologia.
1. Psitacídeos neotropicais 2. Filogeniamolecular 3. tribo Arini 4. Organização dos genesmitocondriais I. Universidade de São Paulo.Instituto de Biociências. Departamento deGenética e Biologia Evolutiva.
Comissão Julgadora:
__________________________ __________________________Prof. (a) Dr. (a) Prof. (a) Dr. (a)
__________________________ __________________________Prof. (a) Dr. (a) Prof. (a) Dr. (a)
Conurinae: Anodorhynchus, Ara, Aratinga,Bolborhynchus, Cyanoliseus, Cyanopsitta,Diopsittaca, Enicognathus, Forpus, Guarouba,Leptosi t taca, Myiopsi t ta, Nandayus,Nannopsittaca, Ognorhynchus, Orthopsittaca,Pr imo l ius , Ps i lops iagon, Pyr rhura ,Rhynchopsitta
A r i n a e : Anodorhynchus, Ara, Aratinga,Bolborhynchus, Brotogeris, Cyanoliseus,Cyanopsitta, Diopsittaca, Enicognathus,Forpus, Guarouba, Leptosittaca, Myiopsitta,Nandayus, Nannopsittaca, Ognorhynchus,Orthopsittaca, Primolius, Psilopsiagon,Pyrrhura, Rhynchopsitta
Boetticher(1943, 1959)
Psi t tac in i : Amazona, DeroptyusGraydidascalus, HapalopsittacaPionites, Pionus, Pionopsitta,Tr ic lar ia, Touit , Poicephalus,Psittacus, Coracopsis
Arain i : Anodorhynchus, Ara, Aratinga,Bolborhynchus, Cyanoliseus, Cyanopsitta,Diopsittaca, Enicognathus, Forpus, Guarouba,Leptosi t taca, Myiopsi t ta, Nandayus,Nannopsittaca, Ognorhynchus, Orthopsittaca,Pr imo l ius , Ps i lops iagon, Pyr rhura ,Rhynchopsitta
Verheyen (1956) agrupou exclusivamente táxons neotropicais nas famílias Amazoninae e
Arinae e sugeriu que esses grupos compartilham características morfológicas (presença de quatro
Capítulo 1
7
vértebras dorsais, uma única carótida dorsal, entre outras) que os distinguem dos psitacídeos das
demais regiões geográficas, mas não sugeriu uma categoria para agrupá-los. Em uma revisão
abrangente da sistemática da ordem Psittaciformes, Smith (1975) agrupou todos os táxons
neotropicais na tribo Arini (família Psittacidae) com base em dois caracteres exclusivos (eclosão dos
filhotes com canal auditivo imperfurado e postura copulatória em uma perna) e outros caracteres
comuns, porém não exclusivos (fórmula carótida do tipo A-2-s, bicos marrons, pretos ou brancos,
sistema de coloração das penas com padrão “Dyck-texture” que inclui cor verde, com azul e/ ou
vermelho) e considerou artificiais os agrupamentos internos até então propostos na tribo (Tabela 1.1).
Na falta de
de p Tf (na ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824cm BT 41 0 0 -47405.59 940 Tm /F2.0 1 Tf (de ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0038-41 405.59 940 Tm /F2.0 Smithf (cor ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18824 cm BT 41 0 0514.83405.59 940 Tm /F2.0 (0 -5rmel(cor ) T ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824cm BT 41 0 06641 1605.59 940 Tm /F2.(fo(inclui ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 0 -416405.89 748Tm /F2.0 aceip Tf (na ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824cm BT 41 0087416 405.59 940 Tm /F2.0 eTf (com ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824cm BT 41 0 0950.7 405.59 940 Tm /F2.0 to1 Tf (das ) Tj ET Q q 0.240 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 0 -7.61605.59 940 Tm /F2.0 asf (de ) Tj ET 470458276709 Tc q 0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 0 -4103689 748Tm /F2.0 classf (a(colora33enternos ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824cm BT 41 0 489.144103656748 Tm /F2.0 1 (periorenternos ) Tj ET Q q0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 70741 34103656748 Tm /F2.0 (ex.Tabela )Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 79 0 244103656748 Tm18 824Forshawarrons, ) Tj ET Q q 0.24 0 0 -0.24 18 824 cm BT 41 0 0 -4184103656748 Tm /F2.0 1989;iciais rrons, de na tribo
c o m t ( a ( n t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 1 2 4 2 . 4 9 6 1 1 3 1 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 d n t ‹ o ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 3 0 7 4 4 6 1 1 3 1 5 6 7 4 8 T m 1 8 8 2 4 g 1 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 1 9 . 1 3 1 1 3 1 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 n u c l e a r t e r n o s B a r r o w c l o u g h T a b e l a
d e
c o r d e d e d e d e c m B T 4 1 0 0 7 0 0 . 6 6 4 1 2 2 7 5 6 7 ( r m e l ( c o r ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 7 3 1 . 5 2 4 1 2 2 7 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 ( 1 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 8 0 8 . 9 5 4 1 2 2 7 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 K l o e t T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 1 9 2 1 . 5 4 4 1 2 2 7 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 9 6 1 . 5 5 - 2 2 7 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 1 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B 4 1 0 2 0 2 4 . 8 4 4 1 2 2 7 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 K l o e t , 1 . 1 ) . ) T j 4 7 6 7 0 9 T c q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 - 4 1 3 2 3 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 2 T 5 ) , m e n c i o n a d ( n t a T e r i o r m 1 T e . a b e l a ) T j E T 0 4 5 8 0 7 4 7 6 7 0 9 T c q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 3 7 0 0 1 9 8 9 7 4 8 T m / F 2 . 0 A s T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 4 3 1 . 6 7 9 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 r ( ( T f 5 › e n t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 6 0 1 1 6 1 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 e v o l u t i v ( n t e r n o e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 7 9 9 . 2 6 3 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 n t r T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 9 0 7 4 1 0 0 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 o s T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B 4 1 0 9 6 4 1 2 4 5 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 g • n e r o s T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 1 2 7 4 1 8 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 1 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 1 1 8 6 . 6 2 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 p s i t a c ’ d e o s t ‹ o a ( i n t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 1 6 4 6 . 3 3 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 t a m r o n s , c m B T 4 1 0 0 7 1 5 . 2 4 4 1 1 9 5 6 7 ( b T f ( m ‹ o c m B T 4 1 0 0 7 9 5 . 5 6 4 1 1 9 5 6 7 ( e l ( c o r ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 8 0 9 . 0 2 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 c o m r o n s , c m B T 4 1 0 0 8 8 7 . 0 0 - 1 9 5 6 7 ( e T f 5 a r a m r o n s , c m B T 4 1 0 2 0 2 4 . 8 8 4 1 1 9 5 6 7 ( e l ( c o r ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 2 0 3 8 . 3 3 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 a t e r n o e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 2 0 7 4 . 7 8 4 1 1 9 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 s e r 1 . 1 ) . ) T j E T 0 9 7 4 6 2 4 7 6 7 0 9 T c q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B 4 1 0 2 - 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 m e l h o r t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 3 6 3 . 5 0 7 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 c o m p r e e n d i d ( n t e r n o e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 6 6 4 1 8 2 1 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 a t r a v T f ( n t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 8 1 7 . 8 5 7 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 1 T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 8 8 E T 4 7 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 e s t u d o s T f ( d e ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 0 4 2 . 2 3 5 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 1 T f 2 1 3 o ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 0 1 0 4 . 4 2 4 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 f i l o g 1 i a t e r n o s ) T j E T Q q 0 . 2 4 0 0 - 0 . 2 4 1 8 8 2 4 c m B T 4 1 0 1 2 7 6 . 5 3 5 1 5 1 5 5 6 7 4 8 T m / F 2 . 0 m o l e c u l a r . t e r n o s d e d e
d e
d e
d e d e d e
d e
d e d e d e
Capítulo 1
8
Esse conjunto de dados foi ampliado para um total de 3.245 pb com a adição dos genes
mitocondriais citocromo oxidase I e região controladora e um total de 13 espécies de psitacídeos
neotropicais (Tavares, 2001; Tavares e col. 2004), com a finalidade de entender melhor as relações
filogenéticas entre os gêneros pertencentes a um dos grupos obtidos anteriormente (Miyaki e col.,
1998). Entre os resultados obtidos nessas novas análises, Myiopsitta monachus não agrupa com os
demais táxons de cauda longa (Tavares, 2001), algumas espécies de mesmo gênero formam clados
monofiléticos e um agrupamento nunca mencionado entre os gêneros monoespecíficos Guarouba
guarouba e Diopsittaca nobilis foi recuperado (Figura 1.4). No estudo filogenético de íntrons localizado
nos cromossomos sexuais Z e W três grupos de gêneros neotropicais foram recuperados (Tabela 1.1;
de Kloet e de Kloet, 2005), sendo que dois dos mesmos apresentaram composição semelhante aos
grupos obtidos nas análises filogenéticas anteriores (Miyaki e col., 1998; Tavares e col. 2004). No
entanto, as relações entre os grupos e entre os gêneros pertencentes a cada um desses grupos
permaneceram desconhecidas. Adicionalmente, filogenias dos níveis taxonômicos de gênero e espécie
sugeriram a ausência de monofiletismo nos gêneros Aratinga, Amazona e Pionopsitta (Tavares, 2001;
Tavares e col., 2004; Ribas e Miyaki, 2004; Russello e Amato, 2004; Ribas e col., 2005).
a) b)
Figura 1.4. Relações filogenéticas entre gêneros de psitacídeos neotropicais com base em seqüênciasde DNA mitocondrial. a) por máxima verossimilhança com base em 2.332 pb, números correspondemao suporte por “quartet puzzle” (Tavares, 2001); b) por máxima verossimilhança com base em 3.246pb, números correspondem ao suporte por “bootstrap”: máxima parcimônia/ máxima verossimilhança(Tavares e col., 2004).
Capítulo 1
9
1.2.2. Importância da tribo Arini para a biologia evolutiva
O estudo das relações evolutivas entre as linhagens de psitacídeos neotropicais é necessário
para entender vários aspectos evolutivos, já que além de numeroso (inclui cerca de 150 espécies), é
um grupo relativamente heterogêneo. Estão distribuídos por toda a região neotropical, onde
apresentam padrões de exploração de hábitats muito variáveis. Algumas espécies são endêmicas a
regiões muito particulares, como Cyanopsitta spixii em mata ciliar aberta na região de Curaçá e
Guarouba guarouba em floresta de terra firme ao norte do Maranhão e Pará, enquanto outras se
distribuem em amplas áreas, como Ara ararauna que ocorre em buritizais, babaçuais e beira de mata
da América Central ao sul do Brasil e Aratinga leucophthalmus em orlas de mata das Guianas à
Argentina (Collar, 1997; Sick, 1997; Forshaw, 1989). Existe uma grande variação de tamanho,
coloração de plumagem e comportamento entre as linhagens. Por exemplo, as menores espécies,
pertencentes ao gênero Forpus, pesam 25 gramas, enquanto a arara-azul grande, Anodorhynchus
hyacinthinus, pesa cerca de 1500 gramas (Sick, 1997; Forshaw, 1989). Quanto à coloração, algumas
espécies são predominantemente verdes (ex. espécies dos gêneros Amazona, Pionus, Pyrrhura e
Enicognathus), outras são vermelhas (ex. Ara macao e Ara chloroptera), azuis (ex. Anodorhynchus e
Cyanopsitta) ou amarelas (ex. complexo Aratinga solstitiais e Guarouba guarouba). Nidificam em
Aratinga aurea) ou constróem ninho de gravetos (exclusivamente Myiopsitta monachus) (Collar, 1997).
Alguns gêneros como Pionopsitta, Aratinga, Pyrrhura, Pionites, Touit, Forpus, Brotogeris e
Amazona incluem espécies e subespécies com distribuições restritas, sendo bons modelos para
estudos de padrões biogeográficos (vide Ribas, 2004; Ribas e Miyaki, 2004; Russello e Amato, 2004;
Ribas e col. 2005). No entanto, a falta de conhecimento das relações entre gêneros, dificulta a escolha
de bons grupos externos. Além disso, alguns gêneros monotípicos, são representantes únicos de
algumas das linhagens atuais que estão seriamente ameaçados de extinção, por exemplo, Cyanopsitta
spixii e Guarouba guarouba, o que torna urgente a necessidade de estudar vários aspectos dessas
espécies, inclusive suas posições filogenéticas, afim de se obter mais informação a respeito dos
mesmos antes que sejam extintos. Muitas espécies de psitacídeos neotropicais são vulneráveis ou
ameaçadas de extinção e o conhecimento de suas relações evolutivas pode auxiliar trabalhos mais
específicos voltados aos planos de conservação e manejo (Collar e col., 1992; Beissinger, 2000;
Owens e Bennet, 2000).
Capítulo 1
10
1.2.3. Biogeografia
Com base na atual distribuição das espécies (Figura 1.2) e no registro fóssil, Glenny (1954)
sugeriu que a ordem Psittaciformes se originou no continente antártico após o limite entre o Cretáceo-
Terciário, a partir do qual as espécies dispersaram para os continentes sul-americano, Austrália e
Nova Zelândia e a colonização africana teria ocorrido por migrações transoceânicas. Também com
base na distribuição dos gêneros atuais, porém assumindo uma idade mais antiga para a origem do
grupo, Cracraft (1973, 2001) sugeriu que a ordem Psittaciformes, entre outras ordens de aves com
distribuição semelhante, possivelmente se originou no antigo continente da Gondwana e que a
separação dos blocos desse grande continente teve uma função importante na diversificação das
primeiras linhagens desses grupos.
Algumas evidências recentes vêm corroborando a hipótese de origem na Gondwana para o
grupo. Estudos de datação molecular sugerem que a diversificação de Neoaves e Galloanserae
(Figura 1.1), ocorreu entre 80-110 milhões de anos (ma; Hedges e col., 1996; Cooper e Peny, 1997;
van Tuinen e Hedges, 2001; Paton e col., 2002). Corroborando essa idéia, foi reanalisado
recentemente um fóssil de ave (Vegavis iaai), posicionado filogeneticamente na ordem Anseriformes e
datado de 66-68 ma, o que sugere que pelo menos a ordem atual Anseriformes já estaria diferenciada
antes do limite entre o Cretácio-Terciário (Clarke e col., 2005). Adicionalmente, os dados recentes de
filogenia molecular de psitacídeos sugerem que os gêneros da Nova Zelândia são grupo irmão dos
demais táxons atuais e o padrão de diversificação dos demais grupos seguindo um padrão coincidente
com a separação dos continentes também reforçam uma possível origem na Gondwana
(Barrowclough, 2004; de Kloet e de Kloet, 2005). Um padrão semelhante é descrito em Passeriformes
(Ericson e col. 2003).
O registro fóssil de Psittaciformes não contribui para elucidar essa e outras questões. O fóssil
mais antigo descrito como psitacídeo é uma mandíbula inferior encontrado na região de Wyoming nos
EUA e data de mais de 65 ma (Stidham, 1998). Apesar disso, a identificação morfológica das
estruturas do fóssil como sendo uma mandíbula de psitacídeo foi fortemente questionada (Dyke e
Mayr, 1999). Outros fósseis de Psittaciformes, porém sem posição filogenética conhecida, foram
descritos na França (sítio arqueológico “La Bouffie”), no período Eoceno superior (por volta de 50 ma).
Devido a diferenças osteológicas em relação aos demais psitacídeos atuais, foram considerados
pertencentes a uma família à parte, Quercypsittidae, atualmente extinta (Chauviré, 1992). Um outro
fóssil de psitacídeo, também encontrado na França, é o Archaeopsittacus verreauxi, datado entre o
Oligoceno Superior e o Mioceno Inferior (Forshaw, 1989). Além destes, existem fósseis de gêneros
Capítulo 1
11
atuais mais recentes que datam dos períodos Terciário (Boles, 1993; Boles, 1998) e Quaternário
(Collar, 1997).
Datações moleculares sugerem que a separação entre o periquito australiano (Melopsittacus
undulatus) e alguns táxons neotropicais ocorreu por volta de 76 ma (Miyaki e col., 1998) o que também
estaria de acordo com a hipótese de que a separação dos continentes teve um papel importante na
diversificação desses grupos. A divergência entre os gêneros de psitacídeos neotropicais foi estimada
entre o Eoceno-Oligoceno e durante o Mioceno (16-27 ma) e foi associada a mudanças ambientais em
consequência de mudanças no nível do mar, orogenia dos Andes e expansão de ambientes de floresta
e de áreas secas (Miyaki e col., 1998; Tavares e col., 2004). Já o intervalo de divergências entre
espécies do mesmo gênero de psitacídeos foi estimado entre 0,5 e 1,3 ma (Tavares e col., 2004; Ribas
e Miyaki, 2004; Ribas e col., 2005).
1.3. Inferências filogenéticas baseadas em seqüências de DNA
1.3.1.Aspectos gerais
Filogenias são baseadas no princípio de que todos os organismos atuais e extintos são
interligados por relações de ancestralidade comum. A principal meta dos estudos filogenéticos é
levantar as hipóteses mais prováveis sobre história evolutiva entre os organismos. Com base no
princípio de ancestralidade comum, a evolução ocorre por processos de ramificação, onde uma
linhagem se divide em duas ou mais, portanto, as hipóteses sobre as relações evolutivas entre os
organismos são ilustradas em gráficos chamados de árvores filogenéticas. O padrão de ramificação de
uma árvore é chamado de topologia (Graur e Li, 2000). Muitas são as aplicações dos estudos
filogenéticos, entre elas, estabelecer sistemas de classificação biológica que refletem a evolução dos
organismos e permitir interpretações de diversos processos evolutivos morfológicos, moleculares e
biogeográficos. Com o desenvolvimento das técnicas moleculares, surgiu a filogenia molecular, ou
seja, o estudo das relações evolutivas entre os organismos pelo uso de marcadores moleculares
(Moritz e Hillis, 1996; Graur e Li, 2000).
Sibley e Alquist (1990) realizaram um dos primeiros trabalhos de maior impacto na área
molecular de aves. Esses autores utilizaram a técnica de hibridação DNA-DNA entre pares de táxons
representantes de praticamente todas as ordens de aves a fim de tentar entender as relações entre
esses grupos. Apesar dos vários resultados significativos que eles obtiveram, problemas
metodológicos e empíricos permaneceram sem solução e muitas das relações ainda não foram
resolvidas (Garcia-Moreno e col., 2003). Recentemente, seqüências de DNA mitocondriais e nucleares
Capítulo 1
12
têm sido muito empregadas em reconstruções filogenéticas em diferentes níveis taxonômicos de aves
(ex. Miyaki e col., 1998, Haddrath e Baker, 2001; Pereira e col., 2002, Paton e col., 2002; Nahum e
col., 2003; Harrison e col., 2004).
1.3.2. Heterogeneidade de taxas de substituição de nucleotídeos e modelagem
O princípio básico das inferências filogenéticas com base em seqüências de DNA, é que a
partir da divergência entre dois táxons, o número de diferenças nas suas seqüências homólogas de
DNA aumentaria proporcionalmente ao longo do tempo. No entanto, a comparação de seqüências
homólogas entre os táxons revelou que cada sítio evolui sob condições muito particulares. Em alguns
casos essas diferenças podem ser associadas a uma pressão seletiva devido à sua função. Por
exemplo, em genes codificadores de proteínas, os sítios correspondentes à terceira posição do códon
estão mais sujeitos à variação do que os correspondentes à primeira e à segunda posição, porque
mutações na terceira posição alteram menos frequentemente o aminoácido correspondente devido à
natureza degenerada do código genético (Graur e Li, 2000; Nei e Kumar, 2000). Essa heterogeneidade
faz com que em alguns conjuntos de dados existam sítios tão conservados que não apresentam
substituições entre táxons distantemente relacionados, enquanto em outros sítios a variação é muito
grande, a ponto de mascarar o sinal filogenético devido à presença de substituições múltiplas mesmo
entre linhagens próximas taxonomicamente. Esse problema é ainda maior nas inferências filogenéticas
entre grupos taxonômicos mais distantemente relacionados (Swofford, 1996; Holder e Lewis, 2003;
Felsenstein, 2004).
Além disso, alguns tipos de substituições entre os sítios ocorrem com maior freqüência do que
outros e as substituições também estão sujeitas à freqüência de bases que ocorre no segmento
estudado. Todos esses fatores mencionados podem interferir nas inferências filogenéticas aumentando
o número de substituições paralelas ou reversões de estado, que não podem ser detectados pela
simples comparação das seqüências dos táxons atuais. No entanto, foram desenvolvidos diversos
modelos evolutivos que descrevem o padrão de substituição de nucleotídeos no DNA em diferentes
conjuntos de dados. Existem diferentes testes e critérios para escolher o modelo evolutivo mais
adequado para um conjunto de dados, como o teste de razão de verossimilhança (“likelihood ratio
test”, Felsenstein, 1988; Posada, 2003) e o critério de informação Akaike (Posada e Crandall, 1998;
Posada, 2003) e, em geral, os valores dos parâmetros são estimados a partir dos dados (Swofford e
col., 1996). Na presente tese, foram empregados os métodos de máxima verossimilhança e análise
Capítulo 1
13
bayesiana (descritos a seguir) que incorporam modelos evolutivos explícitos (Swofford, 1996; Holder e
Lewis, 2003; Felsenstein, 2004) .
1.3.3. Máxima verossimilhança
O método da máxima verossimilhança busca a hipótese filogenética com maior probabilidade
de explicar a distribuição dos estados de caráter nos táxons atuais, com base em um modelo evolutivo
previamente definido e estados de caracteres observados nos terminais da árvore filogenética
(Swofford e col., 1996). Dessa forma, para uma dada hipótese, representada na forma de uma
topologia, a probabilidade para as combinações considerando cada possível ancestral de cada nó
interno devem ser calculadas com base no modelo evolutivo. Por esse método, diversas hipóteses são
testadas pela multiplicação das suas probabilidades para cada caráter, que em estudos moleculares
são cada sítio de DNA.
Por ser um critério de otimização, para se escolher a melhor topologia pela máxima
verossimilhança, em princípio todas as topologias possíveis para explicar a história evolutiva dos
táxons devem ser testadas. No entanto, dependendo do número de táxons na análise, o cálculo da
probabilidade para todas as possíveis topologias pode ser extremamente demorado
computacionalmente. Por causa disso, foram desenvolvidas diferentes estratégias de buscas
heurísticas, que visam encontrar a melhor topologia, sem necessariamente amostrar todas as
topologias possíveis, tornando o método aplicável para grandes conjuntos de dados, apesar de
aumentar o risco de a melhor topologia não ser amostrada (Swofford e col., 1996; Holder e Lewis,
2003; Felsenstein, 2004).
Uma das formas mais utilizadas para avaliar o quanto os dados sustentam cada clado da
melhor topologia obtida por máxima verossimilhança é o “bootstrap” não paramétrico. Pelo “bootstrap”
a matriz de dados originais é re-amostrada com reposição para gerar várias pseudo-réplicas, a partir
das quais a melhor topologia para cada uma é encontrada. Uma topologia consenso dessas árvores é
gerada e o número de vezes que cada clado aparece nessas topologias é representado
probabilisticamente. Dessa forma, esse algoritmo permite availar que partes da topologia são menos
suportadas pelo conjunto de dados (Holder e Lewis, 2003).
1.3.4. Análise Bayesiana
A inferência filogenética por análise bayesiana é baseada no conceito de probabilidade
posterior das hipóteses filogenéticas. A probabilidade posterior de uma topologia pode ser interpretada
Capítulo 1
14
como a sua probabilidade de ser a que representa a verdadeira história evolutiva do grupo de
organismos estudados, portanto por esse método a topologia com a maior probabilidade posterior deve
ser a melhor estimativa da evolução do grupo. Para calcular a probabilidade posterior é usado o
teorema de Bayes que combina a probabilidade a priori da topologia, com sua probabilidade de
explicar a distribuição dos estados de caráter nos táxons atuais com base em um modelo evolutivo
(verossimilhança). A probabilidade a priori de uma topologia é definida como sua probabilidade com
base em dados independentes dos dados que serão usados na análise, por exemplo, pode ser gerada
a partir da taxonomia vigente do grupo (Holder e Lewis, 2003). Diferentemente da verossimilhança,
onde os valores de parâmetro do modelo evolutivo são pré definidos, em um contexto bayesiano, a
escolha da melhor topologia implica em calcular a probabilidade posterior para todas as hipóteses,
assim como sua integração com todas as possíveis combinações de tamanho de ramos e valores dos
parâmetros dos modelos de substituição de nucleotídeos (Huelsenbeck e col., 2001; Holder e Lewis,
2003; Felsenstein, 2004). Mesmo com a utilização de buscas heurísticas, é impossível realizar todo
esse cálculo analiticamente, portanto a aproximação das probabilidades posteriores das topologias é
realizada através da cadeia Markov de Monte Carlo (“Markov chain Monte Carlo”- MCMC)
(Felsenstein, 2004).
O algorítmo MCMC gera uma cadeia conceitual no espaço de parâmetros (que são as
topologias possíveis, com todas as combinações de parâmetros do modelo evolutivo) através de uma
seqüência de passos. A partir de uma topologia inicial qualquer do espaço, é gerada uma nova
topologia pela perturbação de alguns parâmetros do modelo evolutivo. Essa nova topologia é aceita ou
não em comparação com a anterior, de acordo com um teste estatístico descrito por Metropolis e col.
(1953). Cada comparação entre topologias corresponde a uma geração da cadeia. Na maior parte das
vezes são aceitas as topologias com maior probabilidade, porém esse procedimento é intercalado pela
escolha de topologias com menor probabilidades em algumas gerações, para favorecer a mudança de
localização no espaço de parâmetros. Repetindo esse processo milhões de vezes, uma grande cadeia
de localizações no espaço de parâmetros é criada. Ao atingir regiões de alta probabilidade posterior,
dificilmente são aceitos movimentos para regiões de probabilidade mais baixa no espaço de
parâmetros. A proporção de vezes que uma topologia é visitada, após a cadeia atingir o equilíbrio, é
uma aproximação válida da sua probabilidade posterior. O mesmo vale para cada valor de parâmetro
do modelo evolutivo e para as diferentes combinações de tamanho de ramo (Holder e Lewis, 2003;
Felsenstein, 2004).
Capítulo 1
15
Em geral, mais de uma topologia e valores de parâmetros apresentam probabilidades altas e
muito próximas, portanto, é obtida uma amostragem de hipóteses mais prováveis ao invés de uma
única topologia. As porções congruentes das várias topologias podem ser sumarizadas em uma
topologia consenso onde a probabilidade posterior aproximada de cada clado pode ser representada e
é uma forma de avaliar seu suporte. Utilizando um número muito grande de gerações, é possível
amostrar as regiões com maior probabilidade do espaço de parâmetros, o que torna o algoritmo bem
acurado (Holder e Lewis, 2003). No entanto, não é possível saber se a MCMC atuou tempo suficiente
para prover estimativas confiáveis das probabilidades posteriores. Uma estratégia recomendada é a
geração independente de várias MCMC, com números altos de gerações para verificar se
independentemente as mesmas hipóteses são recuperadas no equilíbrio de cada uma delas
(Shoemaker e col., 1999; Huelsenbeck e col., 2001; Felsenstein, 2004).
1.4. Mapeamento de caracteres em uma hipótese filogenética
1.4.1. Aspectos gerais
Para entender vários aspectos dos processos evolutivos, não basta conhecer os estados dos
caracteres dos organismos atuais, mas também precisamos saber como eram os estados nos seus
ancestrais. Embora o registro fóssil forneça informações a respeito de várias características físicas e
comportamentais dos organismos ancestrais, em diversos casos, os fósseis não estão disponíveis ou
não estão suficientemente preservados para obter a informação necessária. A fim de preencher essa
lacuna, uma alternativa que vem sendo empregada amplamente é a inferência do estado dos
organismos ancestrais, a partir do mapeamento dos estados de caracteres presentes nos organismos
atuais em uma hipótese filogenética. Vários erros estão associados a esse tipo de análise, entre eles o
da hipótese filogenética e o da reconstrução dos estados ancestrais do caráter. Apesar disso, essa
ferramenta tem se revelado útil nas mais diversas áreas do conhecimento evolutivo, por exemplo, na
reconstrução de receptores de estrógeno ancestrais (Thornton e col., 2003), na inferência de
comportamentos ancestrais de abelhas (Schwarz, e col., 2003) e na identificação de padrões de
dispersão de grupos (Waters e Roy, 2004). As inferências dos estados nos ancestrais podem ser
realizadas pelos métodos de máxima parcimônia ou máxima verossimilhança (Maddison e Maddison,
2004).
Capítulo 1
16
1.4.2. Mapeamento de caracteres por máxima parcimônia
O mapeamento por máxima parcimônia infere os estados ancestrais que minimizam o número
de passos de mudança do caráter na hipótese filogenética a partir da distribuição dos estados nos
organismos atuais. Consideremos um exemplo hipotético, onde um caráter com dois estados, preto (0)
e branco (1) apresentam a mesma probabilidade de sofrer mudança entre os dois estados (modificado
de Ronquist, 2004). A partir de uma dada hipótese filogenética e distribuição dos estados nos terminais
(Figura 1.4), a reconstrução mais parcimoniosa da evolução do caráter sugere dois eventos de
mudança de estado e também que os ancestrais A e B apresentavam o estado de caráter preto,
enquanto os os ancestrais C, D, E e F apresentavam estado ancestral do caráter branco (Figura 1.4a).
A análise por máxima parcimônia permite considerar caracteres não-ordenados, ordenados e pesagem
diferencial nas diferentes mudanças de estado (Maddison e Maddison, 2004; Ronquist, 2004).
1.4.3. Mapeamento de caracteres por máxima verossimillahança
No mapeamento por verossimilhança a probabilidade de mudança entre os estados de caráter
observados nos terminais é estimada. A partir dessas probabilidades e dos comprimentos de ramo da
topologia, em questão, as probabilidades dos estados nos ancestrais são estimadas. Nesse caso,
considerando o mesmo exemplo para explicar o mapeamento por parcimônia e assumindo a mesma
probabilidade de mudança entre os estados preto e branco (0,5), o estado de caráter dos ancestrais A,
B e F não são tidos como certos, mas uma probabilidade é dada para cada estado. Por exemplo, o nó
ancestral C apresenta maior probabilidade de que o estado tenha sido branco. Uma vantagem do
mapeamento por verossimilhança em comparação ao mapeamento por pascimônia é que a
probabilidade de estado em um ancestral não depende dos estados estimados em outros ancestrais
(Figura 1.4b) (Ronquist, 2004).
a) b)
Figura 1.4. Mapeamento de caracteres em uma hipótese filogenética. a) por máxima parcimônia; b) pormáxima verossimilhança, tamanhos de ramo proporcionais à régua, p - probabilidade de mudançaentre os estados (modificado de Ronquist, 2004).
Capítulo 1
17
1.5. Datação molecular
1.5.1. Fundamentos
A hipótese do relógio molecular propõe que os genes e seus produtos evoluem sob uma taxa
constante ao longo do tempo e das linhagens (Zuckerkandl e Pauling, 1965). Essa hipótese recebeu
popularidade imediata por diversas razões. A principal vantagem que a teoria ofereceu foi a
possibilidade de inferir o tempo de divergência entre duas linhagens a partir do número de
substituições entre as suas seqüências de DNA, independentemente de informações fósseis. Isso
rapidamente se tornou uma aplicação comum, sendo propostos vários relógios moleculares universais,
que foram empregados em uma ampla gama de trabalhos buscando entender diversos aspectos
evolutivos e biogeográficos (Bermingham e col., 1992; Doolittle e col., 1996; Hedges e col., 1996;
Wang e col., 1999). Um dos relógios moleculares gerais mais amplamente utilizados foi a taxa de 2%
de substituição de nucleotídeos por milhão de anos para o genoma mitocondrial, proposto inicialmente
para mamíferos (Brown e col., 1979) e estendido para outros grupos de vertebrados, como aves
(Shields e Wilson, 1987) e aplicado em diversos estudos (ex., Klicka e Zink, 1997; Ribas e Miyaki,
2004).
No entanto, apesar do impacto do relógio molecular nos estudos evolutivos, com o acúmulo de
dados gerados ficou evidente a existência de uma heterogeneidade muito maior do que se acreditava
inicialmente nas taxas de substituição entre diferentes linhagens. Como resultado disso, foi proposta a
idéia de relógios moleculares locais. Por essa proposta, se a taxa de substituição for constante entre
grupos taxonomicamente próximos, é possível estimar o tempo de divergência dentre os mesmos
aplicando um ponto de calibração específico para o grupo (Swofford e col., 1996; Fleischer e col.,
1998; Yoder e Yang, 2000).
A fim de verificar se um conjunto de táxons está evoluindo sob uma mesma taxa, duas
estratégias são amplamente utilizadas: o teste de taxa relativa (“relative rate test”; Takezaki e col.,
1995; Margoliash, 1963; Sarich e Wilson, 1967; Graur e Li, 2000) e o teste de razão de
verossimilhança (“likelihood ratio test”; Felsenstein, 1988). O teste de taxa relativa compara
estatisticamente o número de substituições entre cada dois táxons com o número de substituições de
cada uma em relação ao grupo externo mais próximo. Se a diferença no número de substituições em
cada linhagem for estatisticamente diferente ao nível de significância de 5% comparado ao grupo
externo, o teste considera que as linhagens não estão evoluindo sob uma taxa constante (Takezaki e
col., 1995). Pelo teste de razão de verossimilhança, são comparadas por c2 as probabilidades da
topologia estimada sem a hipótese do relógio molecular e da mesma topologia forçando os
Capítulo 1
18
comprimentos dos tamanhos de ramo a apresentarem taxa constante (topologia linearizada). Para
esse teste o número de graus de liberdade é definido pelo número de táxons menos dois. Caso as
topologias apresentem probabilidades significantemente diferentes, a hipótese de taxa constante não é
aceita (Felsenstein, 1988; Posada e Crandall, 1998).
Quando a heterogeneidade de taxas de substituição entre os táxons é identificada, uma das
estratégias utilizadas é a exclusão dos táxons ou dos genes que apresentam desvio significativo em
relação aos demais da análise. A divergência entre os demais pode ser calculada através dos
tamanhos de ramo da topologia linearizada (Takezaki e col., 1995). No entanto, essa estratégia faz uso
ineficiente da informação obtida pelas seqüências de DNA porque em alguns casos, muitos táxons
devem ser excluídos antes de se estimar as datas de divergência (Arbobast e col., 2002). Além disso,
em alguns casos, os testes de identificação de variação de taxa podem ser ineficientes, como por
exemplo, quando a seqüência é curta ou os genes apresentam baixas taxas de substituição. Falha na
detecção de variação de taxas pode levar a um erro sistemático nas estimativas de tempo de
divergência, já que pode superestimar algumas datas (Bromham e Penny, 2003). A fim de evitar esses
problemas, métodos mais recentes de datação molecular, como o “non-parametric rate smoothing”
(nprs; Sanderson, 1997), “penalized likelihood” (PL; Sanderson, 2002) e o método bayesiano (Thorne e
col., 1998, Kishino e col., 2001) acomodam a variação nas taxas de substituição de nucleotídeos entre
as linhagens.
1.5.2. Métodos NPRS e PL
O princípio básico do método NPRS é assumir taxas evolutivas locais para cada nó da topologia
e minimizar a variação entre essas taxas ao longo da topologia pela aplicação de uma penalidade não-
paramétrica. Essa penalidade de mudança abrupta (“roughness penality”) é determinada pelo
quadrado mínimo da diferença entre as taxas dos ramos ancestrais e descendentes e a variância nas
taxas entre os ramos descendentes e a raíz (Sanderson, 1997).
O método PL utiliza o mesmo principio básico que o NPRS, mas utiliza uma aproximação semi
paramétrica para encontrar um valor ótimo de um parâmetro de suavização (“smoothing parameter”),
que pode variar entre dois extremos, para a penalidade de mudança abrupta. Em um extremo, existe o
modelo do relógio molecular, onde as taxas não variam (para o qual o parâmetro de suavização tende
ao infinito), e no outro, existe o modelo saturado, onde cada ramo apresenta uma taxa independente
(para o qual o parâmetro de suavização tende a zero). O teste de validação cruzada (“cross-
validation”) é empregado para encontrar o valor ideal do parâmetro de suavização para o conjunto de
Capítulo 1
19
dados. Por esse método, ramos terminais são independentemente excluídos da topologia. O tamanho
de ramo desse terminal é então estimado com base na taxa dos demais ramos e na penalidade de
mudança abrupta, considerando diversos valores do parâmetro de suavização. Os valores estimados
são então comparados com os valores observados. Esse processo é repetido até que o valor escolhido
para o parâmetro de suavização é aquele que melhor aproxima os valores estimados dos tamanhos de
ramo aos valores observados.
O PL se revelou superior aos métodos que assumem linearização e ao NPRS, porque o teste de
validação cruzada permite avaliar se para um conjunto de dados é melhor assumir um modelo onde as
taxas são constantes ao longo das linhagens (relógio molecular), ou mais variáveis, ou ainda qualquer
categoria intermediária entre esses dois extremos (Sanderson, 2002).
1.5.3. Método bayesiano
O método bayesiano de datação usa um modelo probabilístico para descrever a mudança das
taxas de evolução ao longo dos ramos e utiliza uma cadeia Markov de Monte Carlo para aproximar as
probabilidades posteriores das taxas e dos tempos (Thorne e col., 1998; Kishino e col., 2001). Esse
método, assim como o NPRS e o PL também assume que cada ramo apresenta uma taxa
independente, mas constante ao longo do ramo e existe uma autocorrelação entre as taxas dos
diferentes ramos ao longo do tempo evolutivo. O método parte de uma topologia pré definida e o
intervalo de tempo para pelo menos um dos nós, mas ao contrário dos dois outros métodos (NPRS e
PL), não assume os valores fixos de tamanho de ramo. Os parâmetros para o modelo evolutivo podem
ser estimados para cada partição de dados a partir da topologia e das seqüências. Com base no
modelo evolutivo, na topologia e na matriz de dados, são estimados os tamanhos de ramo e seus
respectivos valores de variância e covariância. Como o cálculo analítico das taxas evolutivas para cada
ramo leva em conta todos os valores dos parâmetros do modelo evolutivo, a variação dos tamanhos de
ramo e a própria incerteza dos tempos de divergência levaria muito tempo computacional, esses
valores são aproximados pela MCMC. Para essa MCMC são definidos como parâmetros iniciais a taxa
de evolução molecular da raiz do grupo interno, a média da data da raiz do grupo interno e seus
respectivos desvios padrões. O resultado final aproxima as estimativas de tempo de divergência das
linhagens e fornece os valores do intervalo de credibilidade de cada nó (Thorne e col., 1998; Kishino e
col., 2001; Thorne e Kishino, 2002).
Capítulo 1
20
1.5.4. Pontos de calibração
Além da heterogeneidade de taxa evolutiva ao longo das linhagens, outra questão amplamente
debatida no emprego da datação molecular envolve a escolha de pontos de calibração adequados.
Com a adoção de relógios moleculares locais, devido à evidente variabilidade nas taxas evolutivas em
diferentes linhagens, a utilização de uma taxa geral se revelou inadequada (Lovette, 2004). Portanto,
para obter estimativas de tempo de divergência mais confiáveis, pontos de calibração específicos
devem ser adotados para cada linhagem (Bromham e Penny, 2003).
Um dos métodos mais confiáveis de calibração é a utilização de evidências fósseis que
sustentem limites para a diversificação entre duas ou mais linhagens incluídas na topologia que se
pretende utilizar para estimar os tempos de divergência. No entanto, mesmo quando há disponibilidade
do fóssil em questão, três principais fontes de erros devem ser consideradas nesse caso: a) erro na
inferência filogenética do grupo em questão; b) erro na identificação e posicionamento filogenético do
fóssil em questão; c) erro na identificação da data do fóssil. Em aves, o registro fóssil é muito
incompleto devido em grande parte à própria natureza dos ossos pneumáticos, que dificultam a
fossilização (Arbobast e col., 2002; Bromham e Penny, 2003; Lovette, 2004).
Uma outra maneira de escolher pontos de calibração é a utilização de eventos geológicos
associados à diversificação de um dos grupos em questão. Por exemplo, a origem de ilhas oceânicas
cujas datas de emergência são conhecidas (Fleischer e col., 1998). Porém, da mesma forma, existem
erros que podem estar associados a essa calibração, como por exemplo: a) a precisão do intervalo de
tempo para a formação da ilha; b) tempo de colonização das populações após a formação de cada
ilha; c) possibilidade de migração entre as ilhas no caso de aves com grande capacidade de dispersão;
d) erro na inferência filogenética do grupo em questão (Bromham e Penny, 2003).
Por causa dos erros que podem estar associados a um particular ponto de calibração e o
aumento do erro da própria estimativa de tempo a medida em que os nós distanciam-se dessa região
da topologia, o ideal é usar uma abordagem múltipla, onde vários pontos de calibração são
empregados (ex. van Tuinen e Hedges, 2001).
Capítulo 1
21
1.6. Objetivos
A presente tese tem por objetivos:
• Inferir as relações filogenéticas entre os gêneros da tribo Arini por meio de dados
moleculares a partir de um grande número de seqüências dos genomas mitocondrial e
nuclear.
• Estimar o tempo de divergência entre as linhagens e comparar essas estimativas com
eventos históricos paleogeográficos descritos para a região neotropical que possam ter
influenciado a diversificação dos psitacídeos neotropicais.
• Determinar a organização dos genes mitocondriais ao redor da região controladora através
do sequenciamento de porções entre o final do gene citocromo b e o início do DNA
ribossomal 12S de representantes das linhagens de psitacídeos neotropicais. A análise
dessas seqüências em conjunto com a filogenia e a datação da divergência entre as
linhagens visa compreender melhor a evolução do genoma mitocondrial no grupo.
Takezaki, N., Rzhetsky, A., Nei, M., 1995. Phylogenetic test of molecular clock and linearized trees.
Mol. Biol. Evol. 12, 823-833.
Capítulo 1
27
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Capítulo 2
Relações filogenéticas e biogeografia histórica dos
psitacídeos neotropicais (tribo Arini) com base em
seqüências de DNA mitocondrial e nuclear
Capítulo 2
29
2.1. Introdução
Os psitacídeos neotropicais formam o grupo de espécies mais numeroso da ordem
Psittaciformes (150 das 330 espécies reconhecidas) e inclui 30 gêneros (Collar, 1997, Rowley, 1997).
Apresentam uma grande variação de tamanho, preferência de hábitat, distribuição geográfica e
comportamento (Forshaw, 1989). A sistemática do grupo tem sido discutida há muito tempo. Os
sistematas mais antigos, com base em morfologia externa e anatomia (Salvadori, 1891; Boetticher,
1943, 1959; Verheyen, 1956), e comportamento (Brereton, 1963) distribuíam os gêneros neotropicais
em dois grupos de composição variável, em alguns casos incluindo táxons de outras regiões
geográficas. Verheyen (1956) agrupou exclusivamente táxons neotropicais nas famílias Amazoninae e
Arinae e sugeriu que esses grupos compartilham características morfológicas (presença de quatro
vértebras dorsais, uma única carótida dorsal, entre outras) que os distinguem dos psitacídeos das
demais regiões geográficas, mas não sugeriu uma categoria para agrupá-los. Em uma revisão
abrangente da sistemática da ordem Psitaciformes, Smith (1975) agrupou todos os táxons neotropicais
na tribo Arini (família Psittacidae) com base em dois caracteres exclusivos (eclosão dos filhotes com
canal auditivo imperfurado e postura copulatória em uma perna) e considerou artificial os
agrupamentos internos até então propostos na tribo. Na falta de estudos mais abrangentes, essa
proposta foi aceita em todas as classificações posteriores (por exemplo, Forshaw, 1989; Collar, 1997).
Atualmente, o monofiletismo da tribo Arini vem sendo corroborado por estudos de filogenia molecular
incluindo diversos gêneros representantes da ordem (Barrowclough e col., 2004; de Kloet e de Kloet,
2005).
Em uma análise de 1.771 pares de bases (pb) de genes mitocondriais realizados com
representantes de nove gêneros da tribo Arini dois grupos monofiléticos foram recuperados e referidos
pelos autores como psitacídeos de cauda longa e psitacídeos de cauda curta (Miyaki e col. 1998), o
que estaria de acordo com uma chave de identificação proposta por Sick (1997). Exceto para o
monofiletismo
Capítulo 2
30
2005). Além disso, alguns estudos também apontaram ausência de monofiletismo nos gêneros
neotropicais Aratinga, Amazona e Pionopsitta (Tavares e col., 2004; Ribas e Miyaki, 2004; Russello e
Amato, 2004; Ribas e col., 2005).
Apesar de ser muito questionado, dados moleculares podem ser usados para estimar datas de
divergência entre os táxons (Arbobast e col., 2002). Tendo tais estimativas, pode-se tentar associá-las
a eventos paleogeoclimáticos registrados no período de diversificação das linhagens. Em relação aos
psitacídeos, a data estimada de separação entre o periquito australiano (Melopsittacus undulatus) e
alguns táxons neotropicais por volta de 76 milhões de anos atrás (ma; Miyaki e col., 1998) estaria de
acordo com a hipótese de que a separação dos continentes teve um papel importante na diversificação
desses grupos. Além disso, a divergência entre os gêneros de psitacídeos neotropicais foi estimada
entre o Eoceno-Oligoceno e durante o Mioceno (16-27 ma) e poderia estar associada a mudanças
ambientais em consequência de mudanças no nível do mar, orogenia dos Andes e expansão de
ambientes de floresta e de áreas secas (Miyaki e col., 1998; Tavares e col., 2004). Já o intervalo de
divergências entre espécies do mesmo gênero de psitacídeos foi estimado entre 0,5 e 1,3 ma
(Tavares e col., 2004; Ribas e Miyaki, 2004; Ribas e col., 2005).
No presente trabalho foram estudadas as relações filogenéticas da maioria dos gêneros da
tribo Arini, incluindo representantes de diferentes linhagens de gêneros não-monofiléticos. Foi utilizado
um grande conjunto de seqüências de DNA nuclear e mitocondrial totalizando 6.461 pb. A informação
filogenética de alguns caracteres morfológicos, comportamentais e genético também foi analisada com
base na filogenia obtida. Além disso, o tempo de divergência entre as linhagens de psitacídeos
neotropicais foi estimado por métodos que levam em conta a taxa de variação nas substituições de
nucleotídeos entre as linhagens e hipóteses biogeográficas sobre a diversificação do grupo foram
propostas com base nesses resultados.
2.2. Material e Métodos
2.2.1. Amostragem
Foram obtidas amostras de 29 espécies representantes de 25 dos 30 gêneros da tribo Arini
(Tabela 2.1). Como estudos filogenéticos anteriores sugerem a ausência de monofiletismo dos gêneros
Aratinga, Amazona e Pionopsitta (Tavares e col., 2004; Ribas e Miyaki, 2004; Russello e Amato, 2004;
Ribas e col., 2005), foram amostrados dois ou três táxons de cada um desses gêneros, representando
as diferentes linhagens apontadas por esses trabalhos.
Capítulo 2
31
Tabela 2.1. Táxons amostrados. Razão entre comprimento da asa e comprimento da cauda,
espécimen analisado e estados da forma da cauda, narinas e anel perioftálmico.
Espécies Amostraa asa/
caudab
Voucher
MZUSPc
Forma
caudad Narinasf Anel
perioftálmicog
Amazona farinosa 3683 1,9 6731 A E N
Amazona xanthops 1876 2,6 4330 A E N
Anodorhynchus hyacinthinus 5281 0,8 32290 C C N
Ara ararauna 13 0,8 13992 C E N
Aratinga aurea
Aratinga leucophthalmus
Aratinga solstitialis
346
2090
2042
1,2
1,2
1,1
14893
10653
6490
C
C
C
E
E
E
N
N
N
Bolborhynchus lineola 4393 1,9 13080 C E C
Brotogeris chiriri 5486 1,3 74601 C E N
Cacatua goffini 4582 - - - - -
Cyanoliseus patagonus 4967 1,0 2272 C E C
Cyanopsitta spixii 409 0,8 76154 C E N
Deroptyus accipitrinus 395 1,4 44059 A E N
Diopsittaca nobilis 973 1,2 15897 C E N
Enicognathus leptorhynchus 5173 1,2 21754 C C C
Forpus crassirostris 501 2,1 39569 A E C
Graydidascalus brachyurus 1624 2,9 22573 A E C
Guarouba guarouba 69 1,4 43982 C E N
Melopsittacus undulatus 4999 - - - - -
Myiopsitta monachus 2821 1,1 2277 C C C
Nandayus nenday 143 1,2 13083 C E N
Nanopsittaca dachilleae 5495 2,3 - Ae Ee Ce
Orthopsittaca manilata 1852 1,1 38318 C E N
Pionites leucogaster 2377 2,1 12226 C E N
Pionopsitta pileata
Pionopsitta barrabandi
3467
389693
2,1
2,4
69441
3501
A
A
E
E
N
N
Pionus maximiliani 1219 2,2 14015 A E N
Primolius auricollis 1742 1,1 44077 C E N
Pyrrhura leucotis 3921 1,0 34495 C E N
Rynchopsitta pachyryncha 5237 1,6 - Ce Ce Ne
Triclaria malachitacea 415 1,4 28102 A E Na Registro na coleção do Laboratório de Genética e Evolução Molecular de Aves (LGEMA),Universidade de São Paulo, exceto 389693 registrado no Field Museum of Natural History;b Razãoobtida a partir de espécimens machos, (Forshaw, 1989);c Museu de Zoologia da Universidade de SãoPaulo; d A- arredondada, C – acuneada; e Dados obtidos de literatura (Salvadori, 1890; Forshaw, 1989;Collar, 1997); f E - expostas, C- cobertas por penas; g N- nu e evidente, C- coberto por penas.
Capítulo 2
32
Para compor o grupo externo mais próximo foram selecionados os psitacídeos australianos
Melopsittacus undulatus (tribo Platycercini) e Cacatua goffini (família Cacatuidae) e o psitacídeo da
Nova Zelândia Strigos habroptilus (tribo Strigopini, família Psittacidae, NC_005931; Harrison e col.,
2004). Falco peregrinus (NC_000878; Mindell e col., 1998; AY461399, Griffiths e col., 2004), Aburria
aburri (AF165466, AY143680, AY140740, AY140768, AY165454, AF165442; Pereira e col., 2002) e
Gallus gallus (X52392, Desjardins e Morais, 1990; AF143730, Groth e Barrowclough, 1999) foram
selecionados como grupos externos mais distantes para enraizar a topologia. A classificação dos
psitacídeos adotada nesse trabalho segue Collar (1997), exceto por Propyrrhura, para o qual adotamos
Primolius de acordo com Penhallurick (2001).
2.2.2. Extração de DNA e sequenciamento
O DNA foi extraído a partir de tecido sangüíneo em solução contendo 0,1% de SDS, Tris-HCl
100mM (pH 8.0), EDTA 10 mM e 10 mg/mL de proteinase K mantido a 55oC por aproximadamente 4
horas. O DNA foi purificado por procedimento padrão com fenol: clorofórmio: álcool isoamílico (Bruford
e col., 1992). A amplificação dos segmentos de DNA foi realizada por “Polymerase Chain Reaction”
(PCR) em 25 µL de reação com solução tampão 1x (Tris-HCl 10 mM pH 8,3, KCl 50 mM, MgCl2
2,5mM, gelatina a 0,01%, 160 µg/ mL de BSA), 2 µM de cada dNTP, 1µM de cada “primer”, 1 U de Taq
polimerase (Pharmacia) e 25-50 ng de DNA. As condições da reação de PCR foram: desnaturação
inicial a 95ºC por 5 minutos (min.), seguido de 30 ciclos de 95oC por 60 segundos (seg.), 50oC por 25
seg., 72oC por 80 seg., e uma extensão final de 72oC por 7 min. Os segmentos amplificados foram
purificados por corte de banda do gel de agarose e centrifugação através de uma ponteira com filtro.
As seqüências foram obtidas nos seqüenciadores automáticos Li-Cor 4200 bi-direcional e ABI3100 de
acordo com protocolo sugerido pelos fabricantes. Foram obtidas as seqüências de DNA do gene
nuclear RAG-1, e dos genes mitocondriais citocromo b, NADH2, ATPase 6, ATPase 8, COIII, DNAr
12S e DNAr 16S. Os “primers” usados foram R1 (5’- GACAAACATCATCTCAGGAAGAAGAT -3’), R11
Cyanoliseus, Enicognathus, Rhynchopsitta, Pyrrhura, Deroptyus, Pionites e Forpus). A única diferença
foi observada nas relações entre Ara, Primolius e Orthopsittaca. Os primeiros dois gêneros parecem
ser mais proximamente relacionados na matriz combinada, enquanto considerando apenas a partição
de DNAmt, Ara e Orthopsittaca aparecem como grupos irmãos e Primolius agrupa com esse clado. No
entanto, como esperado, o suporte dos nós aumenta significantemente com a inclusão de RAG-1.
A busca por MV recuperou uma topologia muito semelhante à topologia consenso obtida a
partir da análise bayesiana (Figura 2.2), diferindo somente na posição de Pyrrhura que ficou como
grupo irmão de um clado que inclui Rhynchopsitta, Enicognathus, Cyanolyseus, Anodorhynchus,
Guarouba, Diopsittaca, Aratinga, Nandayus, Cyanopsitta, Orthopsittaca, Primolius e Ara e as relações
entre Enicognathus, Rhynchopsitta, Cyanoliseus e Pyrrhura. Ambos “bootstrap” e probabilidades
posteriores apresentaram suporte alto para a maioria dos clados.
No entanto, alguns nós com baixos valores de suporte por “bootstrap” nas análises de MV
apresentam altos valores de probabilidade posterior na análise bayesiana. Por exemplo, o clado que
une Forpus às demais linhagens do grupos das araras, marianinhas e afins apresenta suporte por
“bootstrap” de 61% e probabilidade posterior de 100%. Análises de MV homogênea e não-homogênea
recuperaram a mesma árvore, apenas diferindo nas relações entre Primolius, Ara e Orthopsittaca. No
entanto, as diferenças nas topologias obtidas pelos três métodos não são significativas ao nível 5% de
acordo com o teste AU.
Capítulo 2
42
a) b)
Figura 2.1. Reconstrução filogenética por análise bayesiana de psitacídeos neotropicais com base em: a) 2703 pb do gene nuclear RAG-1; b) 3713 pb dosgenes mitocondriais; táxons com desvio significativo na composição de bases dos genes codificadores mitocondriais estão sublinhados. As probabilidadesposteriores estão indicadas nos nós.
Capítulo 2
43
Figura 2.2. Reconstrução filogenética por análise bayesiana de psitacídeos neotropicais com base em6416 pares de bases de seqüências de DNA nuclear e mitocondrial. Os números nos nós correspondemaos valores de porcentagem de “bootstrap” de MV acima de 50 % e aos valores de probabilidade posteriordos nós na análise bayesiana, respectivamente. Clados: A- pequenos periquitos; B- papagaios, caturritascuricas e afins; C- araras, marianinhas, tiribas e afins. Ilustrações dos psitacídeos de del Hoyo ecolaboradores (1997).
Capítulo 2
44
2.3.3. Mapeamento de caracteres morfológicos, comportamentais e genético na filogenia molecular
Os caracteres morfológicos e comportamentais selecionados apresentam homoplasia quando
mapeados na hipótese filogenética apresentada no presente trabalho (Tabela 2.1; Figura 2.3). A cauda
curta presente nos táxons do clado A, em muitos do clado B e em Forpus e Pionites do clado C, e a cauda
longa presente em Myiopsitta, Brotogeris e Triclaria (clado B) e em muitos táxons do clado C, são
convergentes quando mapeadas na filogenia molecular (Figura 2.3a). A forma arredondada da cauda
(presente em Deroptyus e Pionites) e o dimorfismo sexual (presente em Pionopsitta, Triclaria e Forpus)
provavelmente surgiram independentemente por paralelismo em mais de uma linhagem (Figuras 2.3b e
2.3c). A inferência para o estado ancestral da íris bi-colorida é ambígua e ambos estados ocorrem em
diferentes grupos ao longo da topologia, de forma que esse caráter por si só apresenta pouco valor
sistemático (Figura 2.3d). O estado comportamental de coçar a cabeça passando o pé indiretamente sobre
a asa parece ter surgido em paralelo em Bolborhynchus, Pionopsitta pileata e Forpus (Figura 2.3e). O
estado aparentemente derivado das narinas cobertas por penas surgiu convergentemente, uma vez no
clado B e várias vezes independentemente no clado C (Figura 2.3f). O mapeamento sugere que o anel
perioftálmico nu parece ser o estado ancestral do caráter nos clados, mas o estado coberto por penas
parece ter surgido em paralelo nos três principais clados (Figura 2.3g).
Os minissatélites ligados ao cromossomo W estão presentes nos táxons do grupo das araras,
marianinhas e afins com exceção dos táxons mais basais Pionites, Deroptyus e Pyrrhura e estão ausentes
nos táxons estudados no grupo dos papagaios e afins (Figura 2.3h). No entanto, o estado desse caracter
não é conhecido no grupo mais basal (clado A), em dois táxons do grupo de papagaios e afins (clado B) e
quatro táxons do grupo das araras, marianinhas e afins (clado C).
Capítulo 2
45
a) b)
b) d)
Figura 2.3. Mapeamento dos caracteres morfológicos, comportamentais e genéticos na hipótesefilogenética obtida no presente trabalho: a) comprimento da cauda; b) forma da cauda; c) dimorfismosexual aparente; d) íris bi-colorida; e) posição da perna ao coçar a cabeça; f) narinas; g) anel perioftálmico;e h) minissatélites ligados ao cromossomo W. Os círculos coloridos nos nós representam a probabilidadedo estado ancestral (Figuras a-g). Os círculos coloridos nos terminais representam os estados do caráternos táxons atuais.
Capítulo 2
46
e) f)
g) h)
Figura 2.3. continuação.
Capítulo 2
48
Tabela 2.3. Tempos de divergência estimado entre as linhagens de psitacídeos neotropicais (em milhões
de anos, ma). Dados obtidos com o método PL (com nó 1 fixado em 82 e 85 ma) e os respectivos
intervalos de confiança (IC); e com o método bayesiano e os respectivos intervalos de credibilidade (ICr).
Figura 2.4. Cronograma mostrando os tempos de divergência entre linhagens de psitacídeos estimadospelo método bayesiano. As letras correspondem aos nós indicados na tabela 2.3 e seus respectivosintervalos de credibilidade estão indicados pelas barras horizontais. As barras verticais indicam eventospaleogeoclimáticos registrados nos respectivos períodos. A- pequenos periquitos; B- papagaios, caturritas,curicas e afins; C- araras, marianinhas, tiribas e afins.
Capítulo 2
50
Os resultados sugerem que essa estratégia melhorou a resolução da topologia e aumentou o
suporte dos ramos, como foi sugerido em outros trabalhos (Poe e Swofford, 1999; Haddrath e Baker, 2001;
Slowinski, 2001; Paton e col., 2002). Além disso, a combinação de partições nuclear e mitocondrial, que
oferecem resolução em diferentes partes da topologia, resultou em uma topologia mais robusta, como
sugerido em uma filogenia de gêneros de cracídeos (Pereira e col., 2002).
A presente análise apontou três grandes clados dentre os psitacídeos neotropicais: pequenos
periquitos dos gêneros Nannopsittaca e Bolborhynchus (clado A); papagaios, caturritas, curicas e afins dos
gêneros Amazona, Pionus, Graydidascalus, Pionopsitta, Triclaria, Myiopsitta e Brotogeris (clado B) e
araras, marianinhas, tiricas e afins dos gêneros Ara, Primolius, Orthopsittaca, Cyanopsitta, Diopsittaca,
Van Tuinen, M., Hedges, S.B., 2001. Calibration of avian molecular clocks. Mol. Biol. Evol. 18, 206-213.
Verheyen, R., 1956. Analyse du potentiel morphologique et projet d’une nouvelle classification des
Psittaciformes. Bull. Inst. R. Sci. Nat. Belg. 32, 54pp.
Wilf, P. Cúneo, N.R., Johnson, K.R., 2003. High plant diversity in Eocene South America: evidence from
Patagonia. Science 300, 122-125.
Woodburne, M.O., Case J.A., 1996. Dispersal, vicariance, and the Late Cretaceous to early Tertiary land
mammal biogeography from South America to Australia. Jour. Mamm. Evol. 3, 121-161.
Yang, Z., 1997. Phylogenetic analysis by maximum likelihood (PAML), version 2.0. Univ. Carlifornia,
Berkeley.
Capítulo 3
Evolução da organização dos genes mitocondriais ao
redor da região controladora em psitacídeos
neotropicais (tribo Arini)
Capítulo 3
62
3.1. Introdução
A maioria dos genomas mitocondriais de vertebrados inclui 22 genes para RNA transportadores
(RNAt), 13 genes codificadores de proteínas, dois genes para RNA ribossomal (RNAr) e uma região não
codificadora (região controladora, RC) e inicialmente se acreditava que a organização desses genes
(Figura 3.1a) era extremamente conservada (Quinn, 1997; Boore, 1999). No entanto, o aumento do
número de genomas sequenciados revelou variações dessa organização em várias linhagens de
vertebrados, principalmente envolvendo RNAt, como por exemplo, em marsupiais, cobras cegas, rãs e
lagartos (Pääbo e col., 1991; Kumazawa e Nishida, 1995; Macey e col., 1997; Saccone e col, 1999; Boore
e col., 1995; Boore, 1999). O primeiro genoma mitocondrial de uma ave a ser completamente sequenciado
(Gallus gallus; Desjardins e Morais, 1990) revelou um arranjo único dentre os vertebrados (Figura 3.1b).
Com o aumento no número de seqüências determinadas, esse arranjo de genes (aqui denominado
“comum”) foi evidenciado ser muito freqüente em aves (Marshall e Baker, 1997; Mindell e col. 1998; Härlid
e col., 1998; Haddrath e Baker 2001; Paton e col., 2002; Slake e col., 2003). No entanto, um outro arranjo
gênico (aqui denominado “alternativo”; Figura 3.1c) foi descrito em alguns táxons (Mindell e col., 1998;
Bensch e Härlid, 2000).
Mecanismos distintos podem explicar diferentes processos de rearranjo gênico. Por exemplo, em
insetos Hymenoptera alguns rearranjos de genes são melhor explicados por recombinação (Dowton e col.,
2003), para vários rearranjos em vertebrados foi proposto um mecanismo de duplicação e deleção
aleatória de genes (Moritz e col., 1986, 1987; Macey e col. 1997; Holt e col., 1997). Posteriormente, para
dois gêneros de Diplopoda foi proposto um mecanismo de duplicação e deleção não aleatória de genes
(Lavrov e col., 2002).
O mecanismo pelo qual a organização dos genes comum em aves sugiu a partir da ordem típica
em vertebrados não foi eluciado, mas dois modelos foram propostos. O arranjo comum em aves (Figura
3.1b), poderia ter surgido a partir do arranjo de genes comum em vertebrados (Figura 3.1a) pelo
mecanismo de RNAt atuando como primer ilícito na recombinação, onde o RNAtGlu ou o RNAtPro ligaria-se
na origem da replicação da molécula e não seria isolado na nova fita de DNA sintetizada no processo,
junto com os genes adjacentes. O segmento NADH6/ RNAtGlu ou o citocromo b/ RNAtThr/ RNAtPro, seria
incorporado no próximo ciclo de replicação em uma posição diferente (Desjardins e Morais, 1990).
Capítulo 3
63
Figura 3.1. Ordem dos genes ao redor da região controladora (fora de escala). a) ordem comum emvertebrados (Boore, 1999) ; b) ordem comum em aves (Desjardins e Morais, 1990); c) ordem alternativa emaves (Mindell e col. 1998); d) ordem nos gêneros de psitacídeos Amazona e Pionus (Eberhard e col.,2001); e e) possível ordem nos gêneros de psitacídeos Deroptyus e Pionites. Os “primers” usados paraamplificação estão indicados nos mapas da ordem gênica correspondente. Os segmentos numeradoscorrespondem a regiões amplificadas nos táxons indicados na Tabela 2.1. NADH5- nicotinamida adeninadinucleotídeo desidrogenase subunidade 5; NADH6- nicotinamida adenina dinucleotídeo desidrogenasesubunidade 6; GLU- RNAtGlu; cit. b – citocromo b, THR- RNAtThr, PRO- RNAtPro, RC – região controladora;nc – região não codificadora, PHE - RNAtPhe, nc- região não-codificadora; ψ ND6- pseudo NADH6, ψ GLU-pseudo RNAt Glu; ψ PRO- pseudo RNAtPro.
Alternativamente, pelo modelo de duplicação e perda subseqüente de genes, o segmento NADH6/
RNAtGlu/ citocromo b/ RNAtThr/ RNAtPro da ordem típica em vertebrados seria duplicado durante a
replicação, por formação de estrutura secundária na nova fita sintetizada durante o processo, ou por erro
de pareamento no início ou final da replicação. Essa duplicação seria então incorporada na molécula por
um novo ciclo de replicação. A deleção de um segmento NADH6/ RNAtGlu entre os genes NADH5 e
Capítulo 3
64
citocromo b e um segmento de citocromo b/ RNAtThr/ RNAtPro antes da RC geraria a ordem comum em
aves (Figura 3.1b; Desjardins e Morais, 1990; Quinn, 1997).
A organização alternativa em aves (Figura 3.1c) poderia ter se originado a partir da organização
mais comum de aves pela duplicação em tandem do segmento RNAtPro/ NADH6/ tRNAGlu/ RC, seguido de
perdas subsequentes de uma das cópias dos genes tRNAPro/ NADH6/ e RNAtGlu e, na maioria dos casos,
da RC ou parte da mesma (Mindell e col., 1998; Boore e col., 1999; Bensch e Härlid, 2000). A presença de
uma região não codificadora que apresenta grande similaridade com a RC (Figura 3.1c), sugere que esse
evento deve ser relativamente recente, reforçando a hipótese de que essa organização de genes em aves
teria origem a partir de eventos de duplicação e subsequente perda de segmentos duplicados (Mindell e
col., 1998; Bensch e Härlid, 2000). Essa idéia foi ainda mais reforçada com a caracterização dessa mesma
região em psitacídeos neotropicais dos gêneros Amazona e Pionus (Eberhard e col., 2001). Esses táxons
também apresentam a ordem alternativa em aves, mas nesse caso, ambas as RC sequenciadas
apresentam as regiões conservadas como os blocos F, D, C e CBS-1, e antes da primeira RC, apresentam
pseudogenes que são similares às seqüências de RNAtGlu e NADH6 (Figura 3.1d).
Assumir que organização alternativa se originou a partir de um único evento de rearranjo de genes
implicaria em aceitar a existência de um grupo monofilético de aves formado por Falconiformes, Cuculidae
(Cuculiformes), Picidae (Piciformes) e Suboscines (Passeriformes), excluindo desse grupo outras famílias
dessas mesmas ordens como Musophagidae (Cuculiformes), Bucerotidae (Piciformes) e Oscines
(Passeriformes), o que estaria em desacordo com reconstruções filogenéticas bem sustentadas obtidas
com dados morfológicos e moleculares diversos (Mindell e col., 1998). Assim, foi proposto que o arranjo
gênico alternativo (Figuras 3.1c e 3.1d) se originou por vários eventos em linhagens independentes
(Mindell e col., 1998). A princípio, acreditou-se que a ordem gênica poderia ser um caráter diagnóstico em
níveis taxonômicos como subordens ou famílias, por exemplo, para as subordens Oscines (ordem comum)
e Suboscines de Passeriformes (Mindell e col., 1998). No entanto, dados mais recentes evidenciaram a
existência do arranjo alternativo em várias espécies gênero Phylloscopus (Oscines), sugerindo que esses
eventos também acontecem em níveis taxonômicos mais baixos e portanto, a validade do carácter para
inferência filogenética é questionável (Bensch e Härlid, 2000). Em Phylloscopus a similaridade entre a RC
e a região não-codificadora de cada espécie é menor que a similaridade das RC entre espécies próximas,
o que corrobora a hipótese de ter ocorrido um único evento de rearranjo gênico em um ancestral comum
do grupo (Bensch e Härlid, 2000). A similaridade entre ambas as RC do mesmo táxon em espécies e
subespécies do gênero Amazona e no táxon Pionus chalcopterus, em geral, foi maior do que entre as
regiões homólogas de táxons diferentes, com exceção de três subespécies de Amazona ochrocephala.
Capítulo 3
65
Nesse caso, também foi sugerido que houve um único evento de rearranjo gênico no ancestral desses
grupos, porém, as RCs de cada táxon estariam evoluindo em concerto (Eberhard e col., 2001).
No presente trabalho, determinamos a ordem dos genes mitocondriais em diversos gêneros de
psitacídeos neotropicais e evidenciamos a convergência desse caráter no grupo. Propomos modelos para
explicar a origem dos eventos independentes e testamos essas hipóteses através de elementos exclusivos
identificados nas seqüências de cada linhagem. Com base em uma estimativa de tempo de divergência
entre as linhagens, estimamos períodos de tempo nos quais teriam acontecido eventos de duplicação e
perda de genes ao longo das linhagens estudadas.
3.2. Material e métodos
3.2.1. Amostragem e sequenciamento
Foram estudados 34 indivíduos de 25 dos 30 gêneros de psitacídeos neotropicais (Tabela 3.1).
Amostras de DNA foram extraídas a partir de sangue por digestão padrão com proteinase K e purificadas
com fenol: clorofórmio: álcool isoamílico na proporção 25:24:1 (Bruford e col., 1992).
Os “primers” utilizados nas amplificações e sequenciamento foram: CBL15637 (5’-AACCTCCTA
GGAGACCCAGAAAACTTC-3’; Miyaki e col., 1998), LThr (5’-TGGTCTTGTAAACCAAAAGA-3’; Eberhard e
col., 2001), H16065 (5’-AACTGCAGTCATCTCCGGTTTACAAGAC-3’; Kornegay e col. 1993), Tpro16150
(5’-ATCACCAACTCCCAAAGCTGG -3’, presente trabalho), ND6H16252 (5’-TTRTGAYTGTTTGTTGT -3’,
presente trabalho), ND6L16384 (5’-CACCYCACCCYCAAACAA -3’, presente trabalho), ND6L 852 (5’- CCA
TAAAGAGTACTAGCGACA C-3’, presente trabalho), ND6H16522 (5’-GGGATGTTGGTGGTTTTTGT-3’,
presente trabalho), LGlu (5’-GCCCTGAAAARCCATCGTTG-3’; Eberhard e col., 2001), HgluRev (5’-GCG
TTCTTATAGTTGAGATACC-3’; Eberhard e col., 2001), CRL380 (5’-GCCCATAAYTGGCCCGGGAACTT-
3’; Tavares e col. 2004), CRL456 (5’- CACGAGAGATCAYCAACCCGGTGT-3’, Tavares e col., 2004),
CR522Rb (5’-TGGCCCTGACYTAGGAACCAG-3’; Eberhard e col., 2001), CRL827 (5’-TCATTTTMRCAC
TGATGCACTTG-3’; Tavares e col. 2004), CRH1028 (5’- AGGTGTAAAACAAAGTGCATCAGGGT-3’;
Tavares e col. 2004), Hphe1248 (5’-TCTTGGCAKCTTCAGTACCATGCTTT-3’, Eberhard, com. pess.),
12SH1357 (5’-GCGGATACTTGCATGTATATG-3’, presente trabalho).
Capítulo 3
66
Tabela 3.1. Táxons analisados, número de registro, segmentos amplificados de acordo com a numeração
correspondente indicada na Figura 3.1.
Espécie LGEMAa Segmentos amplificados
Amazona xanthops 1876 7
Anodorhynchus hyacinthinus 114 1, 3, 4, 5, 6
Anodorhynchus hyacinthinus 117 1, 3, 4, 5, 6
Ara ararauna 13 1, 3, 4, 5, 6
Aratinga aurea 346 3
Aratinga leucophthalmus 2090 3
Aratinga solstitialis 2042 3
Bolborhynchus lineola 4393 3
Brotogeris chiriri 5486 3
Cyanolyseus patagonus 1837 3
Cyanopsitta spixii 409 3, 4, 5
Cyanopsitta spixii 498 2, 3, 4, 5
Deroptyus accipitrinus 395 14, 15
Deroptyus accipitrinus 396 14, 15
Diopsittaca nobilis 973 2, 3, 4, 5
Diopsittaca nobilis 1126 2, 3, 4, 5
Enicognathus leptorhynchus 5173 3
Forpus crassirostris 501 7, 13
Guarouba guarouba 4 2, 3, 4, 5
Guarouba guarouba 69 2, 3, 4, 5
Graydidascalus brachyurus 1623 7, 9, 10, 11, 12
Graydidascalus brachyurus 1624 7, 9, 10, 11, 12
Myiopsitta monachus 1737 1, 3, 4
Nandayus nenday 143 1, 3, 4
Nannopsittaca dachileae 5495 3
Orthopsittaca manilata 2383 3
Pionites leucogaster 2377 15, 16
Pionopsitta barrabandi 5006 7, 8, 13
Pionopsitta pileata 3467 7, 13
Primolius auricollis 2345 3
Pyrrhura picta 397 3
Rhynchopsitta pachyryncha 5237 3
Triclaria malachitacea 415 7, 8, 12, 13
Triclaria malachitacea 416 7, 8, 12, 13a Registro na coleção do Laboratório de Genética e Evolução Molecular de Aves (LGEMA), Universidade de
São Paulo.
Capítulo 3
67
A primeira amplificação realizada para cada táxon foi entre os “primers” LThr e CR522Rb
(segmentos 3, 7 e 15 da Figura 3.1; Tabela 3.1). A seqüência obtida a partir do segmento amplificado por
esse conjunto de “primers” é diagnóstica da organização gênica em psitacídeos (Figura 3.1). Foram
amplificados segmentos adicionais para vários táxons, em geral com sobreposição, sempre levando em
conta a sua organização gênica (Figura 3.1; Tabela 3.1).
As amplificações foram realizadas em 10 µL, com tampão 1x (Pharmacia ou Biotools), 2 µM de de
cada dNTP, 1µM de cada “primer”, 0,5 U de Taq polimerase (Pharmacia) e 20-50 ng de DNA, ou
alternativamente, em 25 µL, com tampão 1x (Biotools), 2 µM de cada dNTP, 1µM de cada “primer”, 1 U de
Taq polimerase (Pharmacia) e 25-50 ng de DNA. As condições da reação de PCR foram: desnaturação
inicial a 95ºC por 5 minutos (min.), seguido de 30 ciclos de 95oC por 60 segundos (seg.), 50-54oC por 25
seg. e 65oC por 40 – 80 seg., e uma extensão final de 65oC por 5 min. Uma alíquota (2 µL) dos produtos foi
aplicada em gel de agarose para verificar a qualidade e tamanho dos produtos.
Os produtos de PCR foram purificados com exonuclease I (5 U, USB) e fosfatase alcalina de
camarão (0,5 U, USB). Alternativamente, a banda foi recuperada de gel de agarose e o produto foi isolado
por centrifugação do fragmento de gel em ponteira com filtro. A reação de sequenciamento foi preparada
com Big Dye Terminator (Perkin Elmer) de acordo com protocolo sugerido pelo fabricante. As seqüências
foram obtidas em sequenciadores automáticos (ABI 377 ou ABI 3100, Applied Biosystems).
3.2.2. Alinhamento e análise das seqüências
Ambiguidades entre fitas complementares e regiões de sobreposição foram verificadas e corrigidas
usando os programas Sequence Navigator (Applied Biosystems) e Sequencher 4.1.2 (GeneCodes Corp.).
Os arranjos e seqüências foram comparados com as seqüências homólogas dos genomas mitocondriais
completos de galinha (Gallus gallus; GenBank NC_001323; Desjardins e Morais, 1990) e de um psitacídeo
da Nova Zelândia (Strigops habropptilus; NC_005931; Harrison e col., 2004), com a seqüência de 4709 pb
entre o final do citocromo b e início do RNAr 12S do psitacídeo neotropical Amazona farinosa (GenBank
AF338821; Eberhard e col., 2001) e duas seqüências de tamanhos 735 e 574 pb correspondentes
respectivamente aos segmentos 7 e 13 (Figura 3.1) do psitacídeo neotropical Pionus chalcopterus
(AF338317 e AF338318; Eberhard e col., 2001).
As seqüências obtidas das extremidades 3’ do citocromo b foram comparadas com as seqüências
praticamente completas do gene descritas em trabalhos anteriores e obtidas a partir da amplificação de
Pionopsitta pileata e Triclaria malachitacea (Figuras 3.1d, 3.1e e 3.3).
Capítulo 3
70
Figura 3.2. Seqüências obtidas (representadas por linhas e seus tamanhos) para cada táxon de psitacídeoneotropical com a ordem comum em aves e seqüências de trabalhos anteriores (em cinza; número deacesso no GenBank e tamanho abaixo dos segmentos; Miyaki e col., 1998; Tavares e col. 2004; Ribas eMiyaki, 2004). As posições dos “primers” usados nas reações de sequenciamento estão representadas nomapa.
Figura 3.3. Seqüências obtidas (representadas por linhas e seus tamanhos) para cada táxon de psitacídeoneotropical com a ordem alternativa em aves, seqüências obtidas de outro trabalho (em cinza; número deacesso no GenBank e tamanho abaixo do segmento; Tavares e col. 2004). a) mapa da ordem alternativade Amazona e Pionus (Eberhard e col. 2001); b) mapa da ordem alternativa de Deroptyus e Pionites. Aposição dos “primers” usados nas reações de sequenciamento estão representadas nos mapas.
Capítulo 3
71
Não foram identificados pseudogenes nas seqüências dos táxons que apresentam a organização
comum dos genes. Para esses táxons, em geral a seqüência obtida inclui parte do RNAtThr, o RNAtPro, o
gene NADH6, o RNAtGlu e parte da RC. Para nove indivíduos foi obtida a seqüência entre o final do
citocromo b e o início do RNAr 12S (Figura 3.2). Para a maioria dos táxons estudados que apresentam a
organização alternativa foram obtidas as seqüências do início da RC 1 e da RC 2, além do RNAt e de
psedogenes anteriores à porção 5’ da RC 1. Deroptyus accipitrinus e Pionites leucogaster apresentam um
pseudogene com cerca de 65 pb cuja seqüência se assemelha muito a do tRNAPro e uma outra porção com
230 e 264 pb, respectivamente, que apresenta alguma similaridade com NADH6 (Figuras 3.3b e 3.4),
sugerindo que podem apresentar a organização dos genes semelhante à ordem alternativa (Figura 3.1e).
Pionopsitta pileata, Pionopsitta barrabandi e Triclaria malachitacea apresentam um pseudogene que varia
de 40 a 92 pb cuja seqüência se assemelha a parte do NADH6 e uma outra porção entre 59 a 64 pb que
se assemelha ao RNAtGlu (Figuras 3.3a e 3.5) e ambos são correspondentes aos pseudogenes descritos
em espécies de Amazona e Pionus (Eberhard e col. 2001). Forpus crassirostris apresenta pseudogenes
desses mesmos genes com 68 e 43 pb, respectivamente (Figura 3.3a e 3.5).
Figura 3.4. Seqüência do pseudo RNAtpro, comparada com a seqüência funcional de RNAt Pro em Amazonafarinosa (Eberhard e col. 2001), e do pseudo NADH6 antes da RC 1 de Deroptyus accipitrinus e Pionitesleucogaster. Regiões de maior homologia entre os táxons estão indicadas em negrito.
Figura 3.5. Seqüência de pseudogenes dos táxons Amazona farinosa (Eberhard e col. 2001), Forpuscrassirostris, Pionopsitta barrabandi, Pionopsitta pileata, Pionus chalcopteris (Eberhard e col. 2001) eTriclaria malachitacea. Regiões de maior homologia entre os táxons estão indicadas em negrito.
3.3.1. Mapeamento de hipóteses
O mapeamento das ordens gênicas de psitacídeos neotropicais em uma hipótese filogenética
(Tavares e col., in prep.) sugere que há ambiguidade quanto ao estado ancestral de alguns grupos (Figura
3.6a). A partir desse resultado e dos pseudogenes presentes nos grupos, dois modelos de evolução foram
levantados:
a) Duplicações independentes do segmento dos genes RNAtPro/ NADH6/ RNAtGlu/ RC teriam ocorrido
nas linhagens ancestrais dos clados B, D e F. Essas duplicações seriam seguidas de deleções dos
genes RNAtPro/ parte do NADH6 e do RNAtGlu nos clados B e D. No clado F teria ocorrido a
deleção parcial dos genes RNAt Pro/ NADH6 e total do gene RNAt Glu. Esse modelo presupõe a
existência de pelo menos seis eventos, sendo três de duplicação de genes e três de deleções de
genes (Figura 3.6b).
b) Um único evento de duplicação gênica teria ocorrido no ancestral dos clados B, C, D, E e F e cinco
eventos de deleção de genes, sendo dois eventos convergentes. Nos clados C e E, a deleção
levaria à organização comum em aves e nos clados C e D, a deleção resultaria em pseudogenes
de RNAtGlu e NADH6. Um evento distinto de deleção de genes resultaria no padrão descrito em
Pionites e Deroptyus (Figura 3.6c).
Capítulo 3
73
a)
b) c)
Figura 3.6. a) Mapeamento dos estados da ordem gênica na inferência filogenética de Tavares e col. (inprep.); b) modelo considerando três eventos independentes de duplicação; c) modelo considerando umevento de duplicação. O período estimado para os eventos estão representados em milhões de anos, ma.
Capítulo 3
74
3.3.2. Caracterização dos genes
Foram obtidas seqüências completas de NADH6 de Anodorhynchus , Ara, Aratinga
Figura 3.7. Blocos conservados no segundo domínio da região controladora. A ordem dos táxonscorresponde à ordem dos clados da Figura 3.6. Como não foi possível obter seqüências completas paratodos os blocos de todos os táxons, o sinal “-“ representa o final da seqüência.
Capítulo 3
76
A alta variabilidade apresentada no terceiro domínio dos táxons com a RC completa, inviabilizou o
alinhamento dessa região entre grupos menos relacionados taxonomicamente, como entre representantes
do clado B e do clado E (Figura 3.6). Nessa região os táxons Amazona e Triclaria do clado B compartilham
um bloco formado por TA2CA3CA4CA3CA3CCACA3CA3 que não é presente em Graydidascalus brachyurus.
Os táxons Anodorhynchus hyacinthinus, Ara ararauna, Cyanopsitta spixii, Diopsittaca nobilis e Guarouba
guarouba compartilham similaridades nessa região, apesar de não apresentarem regiões repetitivas.
3.4. Discussão
As organizações gênicas ao redor da região controladora descritas para os gêneros de psitacídeos
neotropicais sugere que durante a evolução do grupo, ocorreram convergências ao longo das linhagens, já
que táxons de clados diferentes apresentam a mesma organização (Figura 3.6). Apesar de eventos de
rearranjo dos genes serem considerados pouco freqüentes e únicos em algumas linhagens animais (Boore
e Brown, 1998; Morrison e col., 2001), a convergência múltipla na organização dos genes mitocondriais ao
redor da região controladora foi evidenciada anteriormente em aves (Mindell e col., 1998; Bensch e Härlid,
2000).
O mecanismo de duplicação e posterior deleção de genes duplicados (Moritz e col., 1986, 1987;
Macey e col., 1997; Holt e col., 1997) é o que melhor explica a mudança da ordem comum para a ordem
gênica descrita dentre os grupos de aves, porque a mudança de ordem aconteceu entre genes fisicamente
próximos, além disso foram encontradas regiões duplicadas e pseudogenes em Falco peregrinus (Mindell
e col. 1998), Phylloscopus (Bensch e Härlid, 2000), Amazona e Pionus (Eberhard e col., 2001) que
apresentam a organização alternativa. Assumindo esse mecanismo, duas possíveis maneiras para explicar
as diferentes organizações gênicas nos psitacídeos neotropicais foram testadas. Em ambas, consideramos
que o ancestral dos psitacídeos neotropicais apresentava a organização comum dos genes em aves,
porque não existe nenhuma evidência que sugere o contrário.
Se a ordem alternativa fosse o estado ancestral, isso implicaria na necessidade de haver mais
eventos de mudança de ordem gênica no grupo, já que os representantes da linhagem de psitacídeos
neotropicais que se separou inicialmente das demais linhagens (Bolborhynchus e Nannopsittaca)
apresentam a organização comum. Além disso, Strigops habroptilus, representante atual do primeiro clado
da ordem Psittaciformes a se separar dos demais (Barrowclough e col. 2004; de Kloet e de Kloet, 2005)
também apresenta a organização comum em aves. Finalmente, a inferência dos estados ancestrais por
Capítulo 3
77
máxima verossimilhança sugere maior probabilidade do ancestral dos neotropicais de apresentar a
organização comum (Figura 3.4a).
A princípio, as duas hipóteses consideradas são igualmente prováveis para explicar a evolução do
caráter no grupo, no entanto, o modelo que assume três eventos independentes de duplicação de genes e
deleção posterior de cópias duplicadas (Figura 3.4b) parece mais provável, já que nenhuma das linhagens
de psitacídeos neotropicais que apresentam a organização comum dos genes em aves apresenta vestígio
de genes duplicados, como acontece nas três linhagens que apresentam a organização alternativa. Como
os eventos de perda de genes em todas as linhagens teriam acontecido em períodos próximos
considerando o modelo apresentado na Figura 3.6c, seria esperado encontrar resquícios de genes
duplicados nas linhagens C e E. Hipoteticamente, é possível imaginar a reversão para a ordem comum de
aves a partir de uma duplicação de genes, ou mesmo a partir de uma ordem alternativa onde as duas
cópias da RC são potencialmente funcionais, como ocorre em Amazona e Pionus (Eberhard e col. 2001).
No entanto, até o momento não foi descrito em nenhum dos grupos de aves que apresentam a ordem de
genes comum (ex. Desjardins e Morais, 1990; Boore, 1999) vestígios de genes duplicados, como acontece
em alguns táxons que apresentam a ordem alternativa, portanto, não existe nenhuma evidência mais
concreta em psitacídeos ou mesmo em aves sugerindo que a ordem comum pode ser revertida a partir de
um processo de duplicação, ou mesmo a partir da ordem alternativa. De qualquer forma, o modelo não
pode ser desconsiderado.
Forpus e táxons da linhagem de papagaios, curicas e afins (clado C), apresentam pseudogenes
com alguma similaridade com as regiões de NADH6 e RNAtGlu. O interessante é que os pseudogenes
encontrados em ambos os clados apresentam alguma similaridade, o que tornou possível seu alinhamento.
No entanto, em ambos os modelos considerados, a deleção de genes nos dois grupos teria ocorrido
independentemente, ou seja por convergência. Alternativamente, poderiamos considerar um cenário onde
esses táxons compartilhassem um único evento de deleção. Isso sugeriria que a posição filogenética
desses grupos seria um pouco diferente da proposta filogenética que estamos considerando (Tavares e
col., in prep.). O suporte de “bootstrap” das análises de máxima verossimilhança dos ramos que definem a
posição filogenética de Forpus no clado que inclui as araras, marianinhas e afins não é muito alto, apesar
de a probabilidade posterior da análise bayesiana ser relativamente elevada (Tavares e col., in prep.). No
entanto, um cenário alternativo onde Forpus seria grupo irmão dos táxons da linhagem B (Figura 3.6) não
foi recuperado por nenhum dos métodos de inferência filogenética testados (Tavares e col, in prep.),
sustentando a possibilidade de convergência nos eventos de deleção de genes. Isso poderia indicar que
Capítulo 3
78
um mecanismo de deleção não aleatória dos genes duplicados poderia atuar em aves, como proposto
inicialmente para artrópodes dos gêneros Narceus e Thyropygus (Lavrov e col., 2002). Apesar de tal
mecanismo não ter sido testado em aves, a deleção não aleatória dos genes duplicados poderia explicar a
convergência para a ordem alternativa em várias linhagens independentes de aves (Mindell e col., 1998,
Bensch e Härlid, 2000, Eberhard e col., 2001) a partir de uma duplicação hipotética que poderia levar a
outros arranjos gênicos nunca descritos, como por exemplo o posicionamento do gene NADH6 entre o
RNAtThr e RNAtPro.
Seria esperado supor que, se o rearranjo gênico ocorreu em uma linhagem ancestral comum entre
alguns táxons, cada uma de suas regiões controladoras deveria apresentar mais similaridade com as
regiões controladoras homólogas das demais linhagens (cópias ortólogas) do que com a segunda RC
presente no mesmo táxon (cópias parálogas). Nesse sentido, se assumirmos um único evento de
duplicação e deleção na linhagem ancestral comum aos táxons do clado B, as RC 1 desses gêneros
deveriam ser mais próximas entre si, do que as RC 1 e RC 2 de cada um desses grupos. No entanto, isso
não acontece, as RC parálogas são mais próximas entre si. O mesmo acontece no clado F. Apesar de não
ter sido obtida seqüência da segunda RC para Deroptyus, a distância entre RC 1 desse táxon e de Pionites
é maior do que a distância entre RCs de Pionites. A princípio, isso sugere que em cada táxon dessa
linhagem aconteceu um único evento de duplicação de genes, seguido de um único evento de deleção de
genes. Entretando, isso não acontece apenas ao nível genérico. Entre espécies do gênero Amazona isso
também foi descrito (Eberhard e col., 2001). Portando, a existência de eventos independentes para cada
um desses casos, seria pouco provável. RCs duplicadas e que apresentam baixa taxa de divergência entre
as cópias também foram descritas em pepinos do mar (Arndt e Smith, 1998), cobras (Kumazawa e col.,
1998) e outros grupos (Black e Roehrdanz, 1998; Campbell e Barker, 1999; Kumazawa e col., 1995).
Eberhard e col. (2001) levantaram três hipóteses pelas quais um ou mais mecanismos de conversão
gênica poderiam estar atuando nas RCs parálogas, de forma a mantê-las semelhantes: 1) um mecanismo
de conversão gênica envolvendo apenas as porções convergentes; 2) um mecanismo de conversão gênica
envolvendo a região controladora inteira com evolução extremamente rápida das porções não- funcionais;
e 3) seleção paralela para manter a funcionalidade de ambas as regiões. Nenhuma das hipóteses por si só
explica os dados obtidos e os elementos para descartar qualquer uma delas são insuficientes. Portanto,
seria interessante comparar a seqüência completa das regiões parálogas de cada táxon a fim de melhor
entender o mecanismo que melhor explicaria os eventos de convergência de RC nos psitacídeos
neotropicais. As regiões comuns presentes no terceiro domínio da RC de Amazona e Triclaria poderiam
Capítulo 3
79
estar presentes no ancestral do clado que une esses grupos e ter sido perdido em Graydidascalus, já que
esse clado estaria mais relacionado taxonomicamente a Amazona do que a Triclaria.
Os dados apresentados aqui contribuem para o melhor entendimento da evolução do genoma
mitocondrial em aves. Os resultados obtidos são compatíveis com o modelo de mudança da ordem
comum em aves para a ordem alternativa por duplicação seguida de deleção de genes. Além disso, os
dados sugerem que vários eventos de rearranjo gênico podem ter ocorrido entre táxons filogeneticamente
próximos e que de algum modo pode haver convergência na maneira como os genes duplicados são
perdidos em aves, o que torna ainda mais discutível o conteúdo filogenético desse caráter para estudar a
evolução de aves. Algum mecanismo de evolução em concerto também parece operar entre as regiões
controladoras, como foi sugerido inicialmente para Amazona e Pionus (Eberhard e col., 2001).
3.5. Referências
Arndt, A., Smith, M.J., 1998.Mitochondrial gene rearrangement in sea cucumber genus Cucumalia. Mol.
Biol. Evol. 15, 1009-1016.
Barrowclough, G.F., Groth, J.G., Mertz, L.A., 2004. Phylogenetic relationships among parrots. One Hundred
and Twenty-Second Stated Meeting of the American Ornithologists’ Union. 16 – 21 August, Laval,
Quebec.
Bensch, S., Härlid, A., 2000. Mitochondrial genomic rearrangements in songbirds. Mol. Biol. Evol. 17, 107-
113.
Black, W.C.I., Roehrdanz, R.L. 1998. Mitochondrial gene order is not conserved in arthropods: prostriate
and metastriate tick mitochondrial genomes. Mol. Biol. Evol. 15, 1772-1785.