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Uma avaliao sobre a relao
multiculturalismo e educao
Vera Rudge Werneck*
Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 60, p.
413-436, jul./set. 2008
* Doutora em Filosofia, Universidade Gama Filho; Professora
Titular da Universidade Catlica de Petrpolis. E-mail:
[email protected]
ResumoO artigo tem como objetivo a avaliao da relao entre
multiculturalismo e
educao. Inicia com consideraes gerais sobre o tema, passando, em
seguida,para a anlise das noes de identidade e de cultura,
categorias indispensveis paraa compreenso da noo de
multiculturalismo. Conceitua ento a educao como oprocesso que leva
o educando a reconhecer, apreender e hierarquizar os valores demodo
prprio e adequado para que possa situar-se no mundo como pessoa e
comopersonalidade. Entendendo a avaliao como a anlise do valor de
algo com rela-o a um determinado referencial, vai fundamentar-se do
ponto de vista filosfico naTeoria dos Valores de Max Scheler (1955)
e de Yvan Gobry (1975). Do ngulo soci-olgico baseia-se em Toms
Tadeu da Silva (1994, 2005). Conclui levantando asexigncias da
educao com relao ao multiculturalismo e mostrando a necessida-de do
estabelecimento de referenciais para que se possa realizar o
procedimento daavaliao dessa relao.
Palavras-chave: Multiculturalismo. Educao. Identidade. Cultura.
Avaliao.
An evaluation on the relationshipbetween education and
multiculturalismAbstractThe purpose of the article is to evaluate
the relationship between multiculturalismand education. Initially,
general considerations are made on the subject matterand,
subsequently, an analysis is made of the concepts of identity and
culture,which are indispensable categories for the comprehension of
the concept ofmulticulturalism. The article goes on to
conceptualize education as the procedurethat causes the learner to
recognize, learn and classify values in a hierarchicalmanner,
according to learners own method, in such a way as to enable
theindividual to ascertain his position in the world as a person
and personality.Understanding evaluation as the analysis of the
worth of something in relation toanother determined point of
reference and it is based on the philosophicalstandpoint of the
Theory of Values developed by Max Scheler (1955) and YvanGobry
(1975). From the sociological standpoint, it is based on the ideas
of TomsTadeu da Silva (1994) (2005). The article closes with an
assessment of the
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education requirements with regard to multiculturalism and
defends the need toestablish points of reference to enable an
evaluation of this relationship.Keywords: Multiculturalism.
Education. Identity. Culture. Evaluation.
Una evaluacin sobre la relacinentre multiculturalismo y
educacinResumenEl artculo tiene como objetivo la evaluacin de la
relacin entremulticulturalismo y educacin. Empieza con
consideraciones generales cerca eltema perpasando luego al anlisis
de nociones de la identidad y cultura,categoras indispensables a la
comprensin del multiculturalismo.Conceptuase, entonces, la educacin
como el proceso que lleva al estudiante areconocer, asegurar y
jeraquizar los valores de forma propia y acomodada paraque se pueda
establecerse frente al mundo como persona y como
personalidad.Mirando a la evaluacin como el anlisis de valor de
alguna cosa en relacin aun dado referencial, va a fundamentarse en
la mirada filosfica De La Teora delos Valores de Max Scheler (1955)
y Yvan Gobry (1975). Del prisma sociolgico,asenta se em Toms Tadeu
da Silva (1994, 2005). Se va a concluir alentando lasexigencias de
la educacin en relacin al multiculturalismo y presentado
lanecesidad de apuntamentos de referenciales para que se pueda
hacer elprovenir de la evaluacin de esta relacin.Palabras clave:
Multiculturalismo. Educacin. Identidad. Cultura. Evaluacin.
O estado da questo: consideraes iniciaisDestacou-se recentemente
nos jornais a notcia de uma tribo de ndios no Brasil
que, num esforo para resgatar a sua cultura, sistematizou o
ensino de seu idioma ssuas crianas. A matria enfatizava o objetivo
da conservao e da transmisso dacultura dos antepassados e
apresentava uma foto de ndios vestidos, segundo o seucostume com
cocares, e pinturas, e relgios de pulso...
Essa imagem traz de volta a antiga e atual questo da diversidade
das formasculturais e da ao transformadora da educao.
certo que cada povo, cada grupo humano, interfere na natureza a
seu modo,resolve os problemas, ultrapassa os obstculos e desafios
que ela lhe prope demaneira prpria e diferente. certo, tambm, que a
educao tem como fim a huma-nizao do homem, o seu contnuo
aprimoramento.
Evidencia-se ento um paradoxo: como conciliar o respeito s
peculiaridadesculturais e promover a educao, transformadora por
definio?
Percebem-se algumas correntes de pensamento que defendem o
multiculturalismocomo a aceitao de todas essas manifestaes sem
reflexo crtica, sem juzos devalor. Partem do pressuposto de serem
todas elas igualmente vlidas e de que comotais, devam ser aceitas e
transmitidas s novas geraes.
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Por estranho que parea, especialmente na rea da educao que
essasidias mais se desenvolvem. Educadores, conscientes das aes
autoritrias dopassado em sua rea, buscando redimir-se dos erros
cometidos, defendem omulticulturalismo como um vis relativista
aceitando todas as culturas com seusprocedimentos e costumes,
muitas vezes inadequados, desrespeitosos e injustospara com o ser
humano.
Acentua-se a contradio: por um lado, insiste-se na tolerncia, no
acolhimentodas diferenas, no multiculturalismo, no pluralismo de
opinies e de idias, de modosde ser e de viver. Por outro lado,
nunca foi to forte e to intenso o controle doEstado, to numerosas
as regras de bem viver e de bem pensar. H normas para anutrio
ideal, para a sade, para o relacionamento sexual, afetivo, familiar
e social.Vacinas e exames obrigatrios, regras e proibies para a
educao de crianas,parmetros curriculares oficiais para o
estabelecimento do currculo ideal.
Ao mesmo tempo em que se defende a admisso de diferentes
culturas na escola,apregoam-se normas rgidas de comportamento,
consideradas como politicamentecorretas.
Com freqncia esse politicamente correto entra em choque com usos
e prti-cas culturais que so, por isso, condenadas como incompatveis
com os novos ideaisda convivncia humana.
Como entender tal paradoxo? Que critrios utilizar para contornar
as dificuldadesque acarretam?
Muito se acentua o fato da multiplicidade e da diversidade das
culturas, maspouco se fala da fundamental igualdade do ser humano,
no que se refere s suasnecessidades bsicas. Fala-se mesmo na
exigncia de valorizao das identidadesplurais de gnero, etnias,
padres lingsticos das sociedades multiculturais e at danecessidade
de preparar professores para lidar com elas.
No entanto, preciso considerar que a educao prope-se transformao
dasociedade, ao desenvolvimento de suas potencialidades, ao seu
crescimento moral e sua humanizao. Como conseguir esse feito,
aceitando-se, ao mesmo tempo,passivamente, usos e costumes to
imprprios para atingir tal objetivo?
Mostra Toms Tadeu da Silva (2005, p. 85) que
tornou-se lugar comum destacar a diversidade das formas
culturaisdo mundo contemporneo. um fato paradoxal, entretanto
queessa suposta diversidade conviva com fenmenos igualmente
sur-preendentes de homogeneizao cultural. Ao mesmo tempo emque se
tornam visveis manifestaes e expresses culturais de gru-pos
dominados, observa-se o predomnio de formas culturais pro-duzidas e
veiculadas pelos meios de comunicao de massa, nasquais aparecem de
forma destacada as produes estadunidenses.
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Aqui chama ele a ateno para o que ocorre na mdia que,
propondo-se adivulgar as diferentes manifestaes culturais, como que
as dessacraliza, deturpa e,ao mesmo tempo, contribui para a formao
de uma sociedade mais homogneaporque participante das mesmas
informaes.
A tolerncia, a complacncia e a atitude de aceitao do diferente
tornam-seento caractersticas culturais universais do homem da
atualidade.
A indiferena ante a diversidade cultural, que apresentada como
originalidade,como bizarrice, ao ser proposta pelos meios de
comunicao social, que se constituitalvez no mais forte instrumento
de homogeneizao cultural, revela mais um para-doxo do mundo
contemporneo.
interessante ainda registrar a colocao de Guareschi e Biz (2005,
p. 42),quando mostram que
a mdia no s diz o que existe e, conseqentemente, o que noexiste,
por no ser veiculado, mas d uma conotao valorativa deque algo bom e
verdadeiro, realidade existente. nessa instn-cia que so criados e
legitimados determinados valores. E so elesque nos impulsionam a
agir.
Novo paradoxo: por um lado difundida a diversidade,
multiplicidade das cultu-ras, por outro, feito um processo de
valorizao e de desvalorizao das suasaes, o que vai corresponder
educao e universalizao.
Percebe-se ainda a impossibilidade de frear o processo histrico.
No h soluopara essa questo: o desenvolvimento da humanidade se faz
de maneira pacfica ouviolenta pela fuso, aglutinao, interao enfim,
das produes culturais. No hcomo nem por que preservar as culturas
em estados puros originais e intocados.
Pode-se constatar que, ao crescimento do desejo de liberdade, de
democracia, deigualdade de direitos, corresponde, pela insegurana e
pelas necessidades de ordemprtica, a restrio liberdade, a perda de
parte dos direitos civis, a exigncia deacomodao s imposies do
Estado.
Todas essas contradies levam exigncia de uma maior reflexo sobre
a rela-o educao e cultura e, mais precisamente, sobre a relao
educao e diversida-de cultural para que seja possvel a avaliao do
fenmeno. Torna-se clara a neces-sidade do estabelecimento de
critrios de avaliao da hierarquia de valores subja-cente a essas
culturas, caso contrrio vai-se cair simplesmente em posturas
relativis-tas que se furtam a qualquer anlise entrando-se em
contradio com os prpriosprincpios da educao ao se aceitarem
injustias e atitudes que desrespeitam adignidade humana sob a
desculpa de fazerem parte de determinada prtica cultural.
Embora seja possvel reconhecer preconceitos e posturas dogmticas
como serepresentassem exigncias universalmente vlidas sendo
transmitidas e cobradas pe-
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los professores, em outros casos prepondera o relativismo e a
suspenso do juzocomo postura ideal do educador.
realmente considervel o risco do juzo subjetivo e arbitrrio.
A prpria noo de educao exige o comprometimento com o respeito
digni-dade humana e com a justia para com todos sem distino.
O educador no pode compactuar com o erro e o mal com a
justificativa defazerem eles parte de determinada prtica cultural.
No h, evidentemente, nenhumahomogeneidade cultural. Cada etnia,
cada grupo social interpreta o real a seu modo,a ele atribuindo
diferentes sentidos e significaes.
A dificuldade situa-se exatamente na necessidade de conciliar o
respeito a essessignificados, s diferentes modalidades culturais
com as exigncias da ao educaci-onal. preciso aceitar e acolher a
diversidade das culturas, mas no o relativismo ea demagogia que se
contrapem aos objetivos da educao.
O professor, como um profissional reflexivo que se prope ao
pensamento crticosobre a prtica pedaggica, v-se diante desse
desafio: acolher e dar espao para odesenvolvimento de manifestaes
multiculturais e, ao mesmo tempo, manter-se fielaos seus objetivos
educacionais.
Esse problema vai lev-lo fatalmente busca do estabelecimento de
critrios deavaliao para que possa distinguir nas culturas o que
representa a satisfao dasnecessidades universais daquilo que
expressa as peculiaridades de cada grupo social.
O acolhimento tcito de todas as caractersticas culturais dos
diferentes grupossociais leva a contradies e incoerncias e abdicao
da postura de educador.
certo que o profissional de educao no pode considerar-se como o
dono daverdade nem achar-se no direito de impor a sua prpria escala
de valores.
A postura crtica do professor deve lev-lo a aceitar o diferente,
as diferenas e areconhecer as situaes em que essas peculiaridades
podem atentar contra a sade,o bem-estar ou a dignidade da pessoa
humana.
Algumas prticas tpicas de determinadas culturas so inaceitveis
pelo edu-cador como, por exemplo, o machismo, a violncia e a
escravido, os maustratos fsicos e o desrespeito ao livre arbtrio.
Para que no se reforcem preconcei-tos e imobilismos injustificveis
no basta a abertura para as diferenas, mas necessria a transparncia
dos critrios de avaliao e a clara definio dosobjetivos da ao
pedaggica.
O educador no tem escolha. Est comprometido com a transformao da
soci-edade no sentido de um aprimoramento da sade, do conhecimento
cientfico, dobem- estar emocional e da justia social.
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De pouco adianta uma atitude de abertura ao multiculturalismo se
no se podecompactuar com nenhuma prtica anti-higinica, no saudvel,
anti-cientfica, au-toritria ou anti-social.
Talvez, a questo esteja mal colocada. Ou conservadorismo e
rigidez ou multicul-turalismo. falsa essa dicotomia. No se trata de
posies antagnicas e extremadasem que deve situar-se o educador, mas
de perceber a necessidade do estabelecimen-to de critrios iniciais
que possibilitem uma ao transformadora executada de modoconsciente
e livre a partir de um referencial previamente estabelecido e no de
pos-turas subjetivas e arbitrrias.
O paradoxo aqui analisado manifesta-se j quando, ao defender-se
multicul-turalismo nas escolas, no se pe em evidncia o fato de
tambm o professoremergir de um universo cultural. Tambm ele foi
educado segundo determinadospadres culturais que devem, de certo
modo, ser superados para que possa abrir-se para os outros.
Registre-se que as Diretrizes Curriculares de Formao doProfessor
(CONSELHO NACIONAL DE EDUCAO, 2002) constituem um docu-mento que se
prope a dar orientaes gerais sobre a formao docente, objeti-vando
uma uniformizao do comportamento dos profissionais da rea.
As sociedades manifestam-se como multiculturais, plurais e
desiguais. O multi-culturalismo vai ento valorizar essa diversidade
cultural que, no passado, foi prati-camente ignorada e vtima de
preconceitos e condenaes tcitas.
No se pode ignorar que certos hbitos de alimentao, de
administrao,do tempo, de explorao predatria da natureza que mais se
explicam pelapobreza, pela adversidade das condies do meio
ambiente, pela doena doque pelas caractersticas culturais foram
registrados como desigualdade no sen-tido de inferioridade.
difcil a posio do educador: acatar o pluralismo cultural e ao
mesmo tempono se manter passivo diante de todas essas mazelas sem
procurar combat-las etentar transform-las, classificando-as como
manifestaes culturais. Por outro lado,que direito ele tem de
condenar caractersticas culturais que no causam prejuzos,que no
desrespeitam nenhum valor bsico da pessoa humana por serem elas
pr-prias de culturas diferentes da sua?
Todas essas questes remetem sempre para a necessidade da busca
de critrios deavaliao que permitam a superao do subjetivismo e do
relativismo, no levandoa discriminaes e condenaes, mas ajudando na
promoo do aprimoramentohumano.
As aes afirmativas que buscam reparaes de injustias se
fundamentam emvalores universais como justia, respeito e igualdade.
O multiculturalismo no podeento ser entendido simplesmente como a
aceitao de todas as caractersticas dasdiferentes culturas, mas como
a necessidade do estabelecimento de critrios de ava-liao das
exigncias fundamentais da pessoa humana.
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Somente a partir dessa postura vai-se dar a abertura nos
currculos escolares para asdiferentes expresses culturais,
resguardando-se o que no pode ser deixado de lado.
Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (1997), ao inclurem a
diversidadecultural em seus eixos, procuram situar-se fora de
qualquer cultura partindo dasexigncias universais do ser
humano.
As aes afirmativas no so desenvolvidas a partir do acatamento ao
multicultu-ralismo, j que o legislador sempre algum situado numa
cultura que seria ento adominante, mas do reconhecimento de
comportamentos de valor universal e trans-cultural como o respeito
pela pessoa humana e a exigncia da justia.
Sejam aes reparadoras ou preventivas, a motivao que as
justificam pairasempre acima das diferenas culturais. A prpria
constatao e a tentativa de supe-rao e de compensao das relaes de
poder j implicam uma postura de reco-nhecimento de valores
universais.
A pluralidade e a diversidade das culturas no se opem ao
progresso da cincia.A cincia e a tecnologia buscam o que pode ser
globalmente aceito. Embora possamelas adaptarem-se s caractersticas
de cada povo, de cada cultura fundamentam-sesempre no que se
apresenta como necessrio para todos.
Complexa ento a posio das instituies de ensino, tendo que, ao
mesmotempo, promover a cincia e desenvolver a tecnologia que se
baseiam no universal, erespeitar e valorizar a produo cultural dos
diferentes grupos com os quais vai lidar.
No se concebe uma cincia diversificada e prpria para cada grupo
social. Oconhecimento cientfico pretende ser universalmente vlido
mesmo quando diversifi-cado. Note-se que validade universal no
significa uniformidade. Embora sejaminmeros os caminhos para o
conhecimento do real, o objetivo primordial da cin-cia, todos eles
precisam ter validade universal nas circunstncias devidas. Ao
contr-rio de outras reas da cultura como a artstica, por exemplo,
que prpria de cadagrupo social, a cientfica, embora mltipla, vale
para todos eles.
Pode ser bastante esclarecedora a explicao da cincia pela
comparao comuma esfera em cujo centro estivesse o objeto do
conhecimento. Cada ponto dessaesfera constituiria um foco de
observao do real, a partir do qual se construiria oconhecimento.
Haveria uma grande diversificao a partir do ponto de vista do
sujei-to em relao ao objeto, mas uma validade universal levando-se
em consideraoesse posicionamento. Haveria, portanto, uma
relatividade no conhecimento, masno um relativismo.
O relativismo caracteriza-se por ligar o conhecimento ao
interesse do prpriosujeito e no com o objeto. A arte, tomada como
exemplo, expressa a sensibilidadedo sujeito no modo de tratar o
concreto. Manifesta o pessoal, o peculiar, o prprio decada um e de
cada grupo social. A moda, a maneira de preparar os alimentos,
aregulamentao do convvio social entre outras expresses culturais so
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e prprias de cada grupamento da sociedade. A cincia e a
tecnologia, ao contrrio,embora se manifestem de diferentes modos,
so universais.
No cabe ento a tentativa de particularizar a cincia nem de
universalizar asexpresses culturais particulares, mas sim de
respeitar o espao de cada uma.
A escola enfrenta esse grande desafio: conciliar o universal e o
particular, o glo-bal e o regional.
Evidencia-se ento outro paradoxo na rea educacional: luta-se, ao
mesmo tem-po, com o apoio da legislao de ensino, pelo respeito ao
multiculturalismo e pelahomogeneizao cultural que se inicia com a
obrigatoriedade da alfabetizao.
Essa reflexo inicial sobre os paradoxos, com que se defronta o
profissional daeducao, leva exigncia de algumas colocaes
filosficas.
O artigo tem ento como objetivo refletir sobre a relao entre
multiculturalismo eeducao. Inicia com consideraes gerais sobre a
questo passando em seguidapara a anlise das noes de identidade,
cultura e multiculturalismo. Fundamentan-do-se teoricamente do
ponto de vista filosfico em Scheler (1955) e Gobry (1975) edo ngulo
sociolgico em Silva (1994, 2005), vai concluir levantando as
exignciasda educao em relao ao multiculturalismo e mostrando a
necessidade do estabe-lecimento de referenciais de avaliao.
Dois pontos de vista, duas perspectivaspara o estudo da
identidade
Para que seja possvel prosseguir com a reflexo proposta deve-se
antes de maisnada distinguir as perspectivas, segundo as quais ser
analisada a questo.
Mostra Toms Tadeu da Silva (1994, p. 90), que preciso distinguir
entre umproblema sociolgico da educao e um problema educacional,
entre uma perspectivaanaltica e uma perspectiva normativa. A educao
uma cincia normativa. Ela noquer saber como as coisas so, mas como
deveriam ser. Embora na sua prtica possavaler-se das pesquisas
sobre os fatos, seu objetivo primeiro o aprimoramento dohomem, a
promoo de um mundo melhor. A filosofia da educao vai,
portanto,fundamentando- se na antropologia filosfica, buscar saber
o que pode corresponders necessidades fundamentais do homem e o
melhor modo de satisfaz-las.
A sociologia parte de outra perspectiva. Ela procura conhecer a
situao atual daEducao, as causas, os efeitos e as circunstncias dos
fatos a ela vinculados.
Novamente apelando para Silva (1994, p. 90), encontra-se:
A sociologia da Educao no est normativamente preocupadacom as
finalidades da educao, com a natureza do conhecimentoeducacional,
com as melhores formas de organizar o sistema educa-
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cional ou de desenvolver melhores mtodos de ensino ou de
avalia-o embora todas essas preocupaes sejam legtimas e possam
seriluminadas por meio das contribuies da Sociologia da Educao,est
preocupada, em vez disso, em compreender como a educaoimplica a
constituio da sociedade, na constituio da estruturasocial e do
sujeito social. A Sociologia da Educao est preocupa-da em
compreender de que forma a educao institucionalizada estenvolvida
na dinmica social e quais so suas relaes mtuas.
Numa reflexo sobre a Educao as duas perspectivas devem ser
contempladas.No se pode deixar de lado o ngulo filosfico sem o qual
no se estabelecemobjetivos, metas e referenciais de avaliao.
O ato de avaliar exige uma postura filosfica. Avaliar significa
analisar o valor dealgo em relao a alguma carncia ou algum anseio
humano. No ento possvelavaliar sem um referencial, sem um fim em
vista. Em ltima instncia, o plo dereferncia sempre o homem e a
satisfao das suas necessidades.
Percebe-se ento a diferena entre avaliar e medir. A avaliao para
apreender ahumanidade do homem, deve ultrapassar a medida objetiva
e ao mesmo tempo preca-ver-se contra os enganos da subjetiva.
Afirma Nilson Jos Machado (1994, p. 9) que
[...] julgamentos de valor so sempre mais complexos do que
merasoperaes de medio; em conseqncia, a tarefa do professor,
aoavaliar mais do que saberes tcnicos, exige a competncia, o
dis-cernimento e o equilbrio de um magistrado, uma vez que o queest
em jogo o pleno desenvolvimento do ser humano.
A medida expressa quantidade, enquanto a avaliao envolve um
julgamento devalor e uma expresso qualitativa. A medida leva ao
conhecimento de dados parciaise determinados, com relao a metas e
objetivos definidos.
Mostra Ceres Santos Silva (1992, p. 11) que
avaliar deriva de valia que significa valor. Portanto, avaliao
corres-ponde ao ato de determinar o valor de alguma coisa. A todo o
mo-mento o ser humano avalia os elementos da realidade que o cerca.
Aavaliao uma operao mental que integra o seu prprio pensa-mento as
avaliaes que faz orientam ou reorientam sua conduta.
O problema da avaliao no pode, portanto ser reduzido a
procedimentos tc-nicos sem maior fundamentao filosfica. um processo
que comea na antropolo-gia filosfica, continua na gnosiologia dos
valores, na tica, no direito tendo semprecomo pano de fundo a
reflexo filosfica.
A avaliao da relao da educao com as mltiplas culturas vai,
portanto,exigir, como ponto de partida, a reflexo filosfica.
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Tomou-se como referencial para esta reflexo, do ponto de vista
filosfico, a Teoriados Valores.
Embora a questo do valor tenha sido contemplada desde os mais
remotos tem-pos, de modo terico e sistemtico, o tema s comea a ser
tratado no sculo XIX. especialmente com Scheler (1955) e,
posteriormente, j no sculo XX, com Gobry(1975) que a Teoria do
Valor vai ser desenvolvida.
Considera-se como valor tudo o que vale para o homem. Tudo
aquilo quepode satisfazer as suas necessidades e anseios e como
bens de valor os objetos queportam valores.
Os valores, portanto, no so, valem. Constituem outra categoria
do conheci-mento do ser.
A noo de avaliao est diretamente ligada de valor. Diferentemente
de me-dir, ou seja, comparar tendo por base uma escala fixa,
avaliar significa determinar ovalor de algo.
pelo conhecimento dos fins da tendncia prpria do sujeito que se
pode avaliara sua trajetria e as suas aes. Scheler (1955) faz uma
distino entre os fins datendncia e os objetivos da vontade. Os fins
da tendncia so os valores. O estadoda carncia leva naturalmente
tendncia em busca dos valores que o satisfaam eo preencham. Ele
(SCHELER, 1955, p. 63) acrescenta ainda:
Nada pode tornar-se objetivo se no tiver sido anteriormente fim.
Oobjetivo se fundamenta sobre o fim. Pode haver fins sem
objetivo,mas nenhum objetivo sem um fim previamente dado. No
pode-mos criar um objetivo ex nihilo nem assinal-lo sem uma
ten-dncia prvia para alguma coisa.
Cabe Filosofia da Educao conhecer os seus fins e Sociologia
analisar emque medida os objetivos, as metas, as prticas, o sistema
educacional, enfim, estosendo implementados.
A anlise da questo do multiculturalismo deve comear pela questo
da identi-dade. A identidade individual e dos diferentes grupos
sociais.
A primeira constatao a de ser identidade um termo anlogo, isto ,
um con-ceito com significados semelhantes, mas no idnticos. Um
conceito que segundo oDicionrio de Filosofia, de Nicola Abbagnano
(2000, p. 528), pode ter trs defini-es fundamentais: 1) como
unidade de substncia, 2) como possibilidade de subs-tituio, 3) como
conveno.
Do ponto de vista filosfico, identidade vai ser ento aquilo que
caracteriza oente. Aquilo que diz o que ele . Do ngulo da
sociologia, algo mutvel, varivelde poca para poca. Afirma Stuart
Hall (2002, p. 12) que o sujeito previamente
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vivido como tendo uma identidade unificada e estvel est- se
tornando fragmenta-do, composto no de uma nica, mas de vrias
identidades, algumas vezes contra-ditrias ou no resolvidas.
Essa parece ser a primeira grande dificuldade da questo da
identidade: traba-lhar com um conceito anlogo sem o devido
esclarecimento do sentido em que estsendo tomado.
Do ngulo filosfico a identidade o que resulta da prpria
substncia do ser e oque estabelece o seu fim. o que prprio do
sujeito e o que o caracteriza enquantotal. O que diz o que o ser
.
Do ponto de vista sociolgico o que caracteriza o sujeito num
tempo e numespao. o conjunto de caractersticas acidentais e
variveis que num determinadoperodo o identifica.
Por diversas que sejam as posies do sujeito numa sociedade, por
variadosque sejam os seus papis sociais, as suas necessidades
fundamentais continuam asmesmas, ou seja, a sua identidade enquanto
pessoa continua a mesma. A grandemudana est no fato de ela no mais
ser considerada como algo pronto no nasci-mento apenas em estado de
potncia a ser atualizada, mas como uma grandecarncia a ser
preenchida. Essa necessidade, essa carncia fundamental que
semanifesta em mltiplas necessidades especficas deve ser satisfeita
por aquilo que aela corresponda, ou seja, o valor. Admitindo-se
como valor o que de algum modovale para o homem, pode-se entender a
sua identidade como o resultado da apreen-so de uma srie
hierarquizada de valores. Nesse sentido, o sujeito tende para
ovalor como para o seu fim especfico e a apreenso dos valores passa
a ser o seuobjetivo fundamental da vida.
Esse entendimento parece confirmar-se quando, contrariamente a
toda essa aparentediversificao das identidades do mundo ps-moderno,
h uma luta comum pelauniversalizao dos valores fundamentais do
homem. ento que se compreende Gobry(1975) quando mostra que a
carncia humana no ontolgica mas axiolgica.
Os papis sociais que marcam as identidades culturais podem ser
sim, cada vezmais provisrios, variveis e problemticos, mas no as
necessidades humanas fun-damentais que esto progressivamente mais
explcitas, universais e exigentes. A ne-cessidade de sade,
conhecimento, liberdade, respeito, justia e vida afetiva cadavez
mais reconhecida como direito humano que deve ser estendido a
todos.
H, portanto, uma contradio entre a afirmao da diversificao das
identida-des e a exigncia da universalizao dos direitos humanos, o
que pressupe umaigualdade essencial.
Nesse sentido pode-se dizer que o sujeito ps-moderno, como o de
qualquerperodo histrico, tem a mesma identidade embora no tenha
tido suas necessidadessempre reconhecidas.
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Sob essa tica toma um novo sentido a afirmao de Hall (2002, p.
38) de que
a identidade realmente algo formado ao longo do tempo, atravsde
processos inconscientes, e no algo imanente, existente na
cons-cincia no momento do nascimento. Existe sempre algo imagin-rio
ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre in-completa,
est sempre em processo, sempre sendo formada,
e,
assim, em vez de falar da identidade como uma coisa
acabada,deveramos falar de identificao, e v-la como um processo
emandamento. A identidade surge no tanto da plenitude da
identi-dade que j est dentro de ns como indivduos, mas de uma
faltade inteireza que preenchida a partir de nosso exterior,
pelasformas atravs das quais ns imaginamos ser vistos pelos
outros.(HALL, 2002, p. 39).
Considera-se aqui o mtodo segundo o qual se constitui a
identidade, mas no oobjeto a ser conquistado. O preenchimento da
falta no pode ser feito aleatoria-mente, mas com aquilo que lhe
prprio, ou seja, com o valor do qual ela carente.
Novamente apresenta-se como primordial a busca dos critrios, dos
referenciaisque permitam o conhecimento das necessidades e dos
valores fundamentais para aconstituio da identidade humana.
Pode-se ento reconhecer na multiplicidade dos cdigos culturais,
na variedadedos estilos no acatamento das diferenas, uma caminhada
em busca dos valoresuniversais do respeito e da justia que
caracterizam a identidade humana.
Hoje h uma grande preocupao em se negar o que comumente se
designacomo concepo humanista tradicional caracterizada pela viso
essencialista dehomem. O ser humano seria a entendido como
constitudo por uma essncia imut-vel cabendo educao promover a
atualizao dessa potncia em termos aris-totlicos. A prpria idia de
natureza humana negada por Sartre na sua famosa obraO
Existencialismo um Humanismo seria uma manifestao dessa essncia
quedistinguiria o homem do resto da natureza. Para essa corrente de
pensamento aspotencialidades estariam contidas a priori e
definitivamente na essncia devendo serrealizadas pela ao
educacional.
Sob a influncia do Existencialismo e de outras correntes
modernas para as quaisa existncia precede a essncia no havendo
natureza humana, o ser do homem mutvel devendo ser construdo ao
longo da vida. H ento uma grande disponibi-lidade, uma total
indeterminao devendo as identidades serem construdas sem
re-ferncias estabelecidas.
Ao que parece, a questo assim colocada traz dificuldades para o
educador. interessante a afirmao de Bauman (2005, p. 32):
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Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 60, p.
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Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 425
nisso que ns, habitantes do lquido mundo moderno,
somosdiferentes. Buscamos, construmos e mantemos as referncias
co-munais de nossas identidades em movimento lutamos para
nosjuntarmos aos grupos igualmente mveis e velozes por um momen-to,
mas no por muito tempo.
E acrescenta: no admirvel mundo novo das oportunidades fugazes e
das segu-ranas frgeis, as identidades ao estilo antigo, rgidas e
inegociveis, simplesmenteno funcionam. (BAUMAN, 2005, p. 33).
Do ponto de vista da educao, diante desse fato, chega-se a uma
situao decontradio. Ao mesmo tempo em que se proclama a total
liberdade e a indetermina-o na construo das identidades,
prescreve-se uma srie de regras de bem viverprope-se um sem nmero
de ideais educacionais. Quer-se um aperfeioamentocontnuo dos
professores quando ao mesmo tempo declara-se a inexistncia de umfim
para o homem e assim, a impossibilidade do conhecimento da educao
ideal.
Ao mesmo tempo em que se nega a possibilidade da natureza
humana, em quese defende a admisso de qualquer tipo de identidade,
criticam-se modos de viver,abrem-se faculdades de educao, fala-se
de currculos melhores e piores sem espe-cificar-se o referencial
utilizado.
Pode-se admitir que a questo esteja deslocada. No se trata de
confrontar teori-as, essencialismo x existencialismo, natureza
humana x indeterminao total. O queno se pode deixar de reconhecer a
existncia no homem de necessidades univer-sais e conseqentemente,
de valores universais capazes de satisfaz-las. As necessi-dades de
vida, de sade, de conhecimento, de liberdade e de vida afetiva so
edevem ser universais. inconcebvel, como j se aceitou no passado,
por interessesde dominao, que alguns grupos sociais possam ser
exterminados, que no tenhamdireito sade, ao conhecimento, ao
exerccio do livre arbtrio e da vida afetiva.
Reconhecendo-se essas carncias e esses valores como universais
pode-se noestar admitindo nenhuma essncia ou natureza humana, mas
est-se aceitandoalgo que caracteriza o homem, a sua humanidade,
como fundamental e que nor-teia e justifica a ao educativa.
Mesmo quando se restringe todo o conhecimento educacional rea da
sociolo-gia da educao no se foge dessa dificuldade. As anlises dos
dados das pesquisasque ajudam a programao dos currculos e projetos
pedaggicos so sempre feitastendo em vista esses referenciais.
A educao trabalha com ideais, com objetivos, com metas. A
sociologia da educaovai medir e avaliar os resultados alcanados. No
h como negar essa realidade. A liber-dade limita-se s diferenas e
peculiaridades prprias das personalidades, mas no quantoaos valores
fundamentais. , portanto um paradoxo negar as necessidades
fundamentaisdo homem e propor uma educao transformadora que lhe
permita satisfaz-las. Quemtransforma no o faz a esmo, o que no
teria sentido, mas em relao a um fim.
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Pode-se admitir a ao educacional no como atualizao de
potencialidades,mas mesmo como processo de construo da pessoa e da
personalidade do sujeito,ou seja, como processo de construo da sua
identidade ser preciso o estabeleci-mento de referenciais ideais
que o direcionem. O desafio concentra-se na escolhadesses critrios.
No entanto, percebe-se que, mesmo variando muito, ao longo
daHistria sempre possvel uma avaliao. No se vai considerar a
escravido comouma prtica vivel somente por ter sido admitida no
passado. Quando a Organiza-o das Naes Unidas (ONU) estabelece o
ndice de Desenvolvimento Humano(IDH) como referencial de avaliao,
ela se fundamenta em carncias e valores uni-versais, nos ideais
ticos de respeito pela vida, igualdade de direito e justia
social.
possvel ento constatar, como o fazem muitos socilogos, a
velocidade dasmudanas de identidade nos dias de hoje, mas no negar
a possibilidade do estabe-lecimento de critrios de avaliao sem os
quais a educao perderia o seu sentido.
Seguindo essa linha de pensamento pode-se reconhecer a prtica
educacionalcomo sendo, a partir de determinados referenciais, um
esforo constante para oaperfeioamento da humanidade.
O conceito de culturaPara se chegar ao multiculturalismo deve-se
comear pela anlise da noo de cultura.
Sendo cultura um termo anlogo vai-se encontr-lo empregado em
sentidosdiferentes embora semelhantes.
No cabe aqui a anlise das suas inmeras conceituaes, pode-se, no
entanto,perceber duas vertentes principais, dois grandes paradigmas
que servem tentativade relacion-lo com a noo de educao.
Cultura seria, numa primeira acepo, o resultado de toda e
qualquer interfern-cia humana na natureza, no outro ou em si mesmo.
Seria a modificao causadapela ao humana que alteraria o modo de ser
natural independente do valor oucontravalor que lhe fosse
agregado.
esta a conceituao mais aceita: a cultura como um novo modo de
ser, comoum costume. Fala-se em cultura com referncia prtica das
artes, por exemplo, eem cultura da violncia como a prtica usual de
atos de agresso.
Nesse sentido, a cultura poderia colaborar ou no com a educao.
Poderia seruma expresso da educao ou de comportamentos
anti-sociais.
A segunda vertente entende a cultura como o resultado da
instaurao de valorna natureza, no outro ou em si mesmo feita pela
ao humana.
Nesse sentido, somente seria aceita como cultura a modificao da
natureza, dooutro ou do prprio sujeito que manifestasse a insero de
um novo valor.
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Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 427
Entendendo-se por valor tudo o que, de algum modo corresponda s
ne-cessidades do sujeito, a cultura representaria uma adaptao da
natureza aosanseios do homem.
Sob esse prisma, seria a cultura, ao mesmo tempo, resultado da
educao e dainstruo e agente de educao e de instruo.
Pode-se fazer uma distino entre esses dois modos de
aprimoramento humano econsiderar como instruo o processo de
aquisio/construo de conhecimentosque leve pela sua incorporao,
capacidade de avaliao e de sua utilizao demaneira adequada.
Por educao vai-se entender o processo de reconhecimento, busca,
apreenso ehierarquizao dos valores de modo prprio e adequado
realizao humana comopessoa e como personalidade.
A cultura abrange ambas as reas: ela fonte de instruo, de
aquisio deconhecimento e, tambm, de educao, j que prope modelos e
escalas de valor.
As manifestaes culturais no so neutras. Pela simples apresentao
esto car-regadas de informaes aceitas ou condenadas pela cincia,
que traduzem conheci-mento, erros ou noes distorcidas. Tambm,
quanto aos valores, as produes dacultura no so imparciais. Elas
expressam valores, o que vale para o homem, o queo aprimora e
aperfeioa ou o que o avilta e degrada.
A cultura constitui ento um agente de instruo e de educao no
sendo jamaisneutra e indiferente.
Mostra-se a um novo paradoxo: por que tanta reflexo e
regulamentao narea da educao visando melhoria do ser humano e
nenhuma na instncia dacultura que tambm deve visar ao mesmo fim s
que por caminhos diversos?
Cada vez mais se percebe que o processo de aprendizagem no se
limita aoensino recebido na escola formal, mas que muito mais
abrangente, incluindo comofontes de aprendizagem, o meio ambiente,
o meio social e especialmente a mdia.
Os meios de comunicao social, como expresso cultural, podem ser
considera-dos como uma nova modalidade de escola capaz de
proporcionar o ensino dasdiversas disciplinas, utilizando uma
tecnologia mais avanada e tendo acesso aosconhecimentos mais
atualizados.
A cultura a expresso primeiramente da satisfao das necessidades
fundamen-tais que constituem a identidade fundamental do homem: o
estado da sade, o nvelde instruo, a possibilidade de escolha do
modo de viver, o acesso s condiesbsicas de bem-estar e de bens de
consumo. Ao mesmo tempo, manifesta tambm oque se pode entender como
a sua identidade secundria, o seu modo peculiar derelacionar-se com
o meio ambiente e com o meio social.
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Colocando-se a questo desse modo, podem ser entendidos os
instrumentos demedida das instituies oficiais, como a ONU, que se
propem a conhecer o desen-volvimento cultural dos pases, o nvel de
liberdade do povo pelo exerccio da demo-cracia, o adiantamento do
sistema de ensino, das condies bsicas de higiene, redede
abastecimento de gua, de esgoto, de energia eltrica e, ainda,
aceitar e respeitara grande diversidade cultural.
Recentemente leu-se nos jornais a notcia de que o Brasil teria
perdido seis posi-es caindo para o 72 lugar entre 131 naes no
ranking global de competitividadedivulgado pelo Frum Econmico
Mundial. O pas teria sido prejudicado por exces-so de burocracia,
corrupo e impostos elevados.
Essa anlise implica a existncia de um critrio de avaliao que
considera taiscaractersticas como contravalores por dificultarem a
satisfao das necessidadeshumanas e no como aspectos da cultura
brasileira a serem respeitados e transmiti-dos nova gerao.
A interferncia humana na natureza e no prprio homem pode ocorrer
de doismodos. Pode agregar valor, contribuir para a satisfao de
suas necessidades ouinstaurar o contravalor dificultando o seu
desenvolvimento ou mesmo prejudicando-o gravemente.
Quando se fala em cultura da violncia, cultura da morte est-se
referindo aohbito da violncia, banalizao da morte provocada pela
continuidade de suaprtica.
O termo cultura dissociado da noo de valor leva dificuldade ou
at mesmo impossibilidade de estabelecimento de critrios de avaliao
e, assim, tcita neces-sidade de se aceitarem todas as atitudes e
todos os comportamentos humanos comoculturais. Como j foi dito,
avaliar significa exatamente verificar o valor de algo.
A postura, freqentemente encontrada, que considera qualquer tipo
de anlise oude avaliao como preconceituosa invalida a pesquisa e
dificulta o aprimoramentoda prtica pedaggica.
A questo do multiculturalismoA avaliao do fenmeno do
multiculturalismo nos dias atuais constitui um gran-
de desafio e ao mesmo tempo, uma necessidade.
Segundo Moreira e Candau (2008, p. 7): Quer usado como meta,
conceito,atitude, estratgia ou valor, o multiculturalismo costuma
referir-se s intensas mudan-as demogrficas e culturais que tm
conturbado as sociedades contemporneas.Como movimento social o
multiculturalismo est ligado tomada de conscincia dodireito
identidade e inadmisso de qualquer modo de discriminao social.
Como mostra Candau (2002, p. 74),
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Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 60, p.
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Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 429
multiculturalismo outro termo importante e polissmico cujo
sen-tido aprofundar para podermos nos aproximar das questes
relati-vas s articulaes entre educao e cultura(s). Configura-se
comotermo amplo e polmico, uma vez que pode ser entendido a
partirde diferentes perspectivas. No h consenso na literatura
dispon-vel, embora a maior parte dos autores proponha uma
anlisesemntica para tentar esclarecer o conflito conceitual entre
prefixoscomo multi, pluri, inter e trans. importante, portanto, ao
tratar-mos de multiculturalismo, conhecer as diferentes
interpretaes destaexpresso, entendendo at que ponto se assemelham e
em quemedida se contrapem.
Em linhas gerais o multiculturalismo pode consistir na
justaposio ou presenade vrias culturas em uma mesma sociedade e
tambm na relao entre elas.
Segundo Carlos Alberto Torres (2001, p. 196), o
multiculruralismo uma orien-tao filosfica, terica e poltica que no
se restringe reforma escolar e que abordao tema das relaes de raa,
sexo e classe na grande sociedade.
Enquanto expressando uma concepo de um modo ideal de
relacionamentopode ser considerado como uma ideologia j que se
apresenta como uma interpreta-o dos papis e das relaes sociais.
A partir de princpios filosfico-religiosos que reconhecem a
igualdade dos sereshumanos chega-se exigncia de respeito aos
direitos individuais e de liberdade nasmanifestaes culturais.
De acordo com os perodos histricos e com as condies ambientais e
econmi-cas, o valor foi instaurado na natureza de diversas
maneiras, dando origem s ml-tiplas culturas com suas peculiaridades
e caractersticas prprias.
Desde que a interveno humana tenha promovido a instaurao do
valor e nodo contravalor, do que vale para ele e no do que lhe
prejudicial, todas as produ-es culturais so igualmente vlidas. O
processo de instaurao do valor no con-creto pode ocorrer de
diferentes formas e segundo diversos paradigmas. A expressoartstica
do Renascimento no melhor nem pior do que a Medieval ou a da
IdadeModerna. No tem sentido esse julgamento. Do mesmo modo, tambm,
a manifesta-o cultural europia no pode por si s ser considerada
superior nem inferior aqualquer outra.
Todas as expresses da cultura, enquanto resultados da instaurao
do valor soigualmente vlidas, podendo-se apenas hierarquiz-las,
tomando-se como referenci-al a maior capacidade de satisfao das
necessidades humanas.
O multiculturalismo , portanto, um movimento social que leva ao
reconhecimen-to da diversidade das culturas e investigao sobre as
questes da identidade, dosdireitos humanos, da exigncia da
tolerncia entre os povos.
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O obstculo maior vem da conceituao de cultura como o produto de
qualquerinterferncia humana na natureza, no outro ou em si mesmo.
Nesse caso, perde-se apossibilidade da busca de referencial de
avaliao, ficando praticamente impossvela educao.
Muitas vezes, classifica-se como preconceito qualquer crtica a
algum comporta-mento ou produo tida como cultural. A condenao a
algum uso, hbito ou cos-tume de uma cultura taxada freqentemente de
preconceito, moralismo ouatitude politicamente incorreta.
O termo preconceito significa a tomada de posio anterior ao
conhecimento doobjeto, anterior conceituao. No entanto, do momento
em que se pode argumen-tar, justificar teoricamente o conhecimento,
j no se pode classific-lo como precon-ceituoso.
O preconceito uma manifestao ideolgica originria do imaginrio
que reve-la uma interpretao do sujeito centrada nele prprio e
praticamente desvinculada doobjeto. Evidentemente, todo
conhecimento resulta de uma construo mental do su-jeito sobre o
objeto a partir do seu ponto de vista. possvel, todavia, a
distinoentre o preconceito e a conceituao justificada.
Moralismo, ao contrrio de moralidade, seria a forma
preconceituosa de tratar amoral. a atitude relativista centrada no
sujeito que critica sem justificar, sem darrazes para a sua
afirmao.
A atitude politicamente correta a que toma como referencial no o
princpioda moralidade, do bem comum, mas a interpretao que melhor
atenda s conven-es e aos interesses polticos.
A conscincia do pluralismo cultural se, por um lado, dificultou
o estabelecimentode referenciais de avaliao levando tolerncia para
as prticas desumanas com ajustificativa de representarem expresses
culturais como a violncia, a escravido, adestruio da natureza, por
outro conduziu ao reexame dos procedimentos das cultu-ras
dominantes.
Atitudes e comportamentos injustificveis que expressavam somente
posturas dedominao foram criticados e condenados.
A nova viso de mundo que reconhece e aceita o multiculturalismo
pode levar reflexo sobre as necessidades fundamentais do homem e,
ao mesmo tempo, aorespeito aos diferentes modos de produo cultural
da humanidade.
Consideraes finais: a relaoeducao x multiculturalismo
Para esta reflexo, partiu-se de um problema inicial: como
avaliar a ao daeducao sempre transformadora e a exigncia do
respeito ao multiculturalismo,
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Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 431
diversidade cultural? Como avaliar o direito preservao das
culturas com a neces-sidade de aprimoramento humano, objetivo
primordial da educao?
Percebe-se ser constante no homem a necessidade de
aperfeioamento e no desimples mudana, o que explica e justifica a
educao.
Mesmo os que consideram ser a educao relativa ao momento
histrico variandode poca para poca, no conseguem separ-la do
princpio da moralidade que dizque se deve fazer o bem e evitar o
mal. Nenhuma proposta pedaggica em nenhumperodo histrico aceitou
que se visasse ao mal na teoria mesmo quando na prticaagiu-se
contra o ser humano. As discordncias davam-se na especificao, na
deter-minao do que fosse o bem para o educando nas diferentes
circunstncias.
Ao contrrio dos animais que vo cumprindo as etapas do seu
desenvolvimentode modo determinado, o homem conhece-se como
incompleto, imperfeito, em buscaconstante de aprimoramento. Esse o
fundamento da educao sem o qual ela nose justifica. Relativizar a
educao acabar com a sua razo de ser. O educador nopode agir
arbitrariamente segundo interesses pessoais, modismos ou
determinaesde governos, mas fundamentado numa teoria que toma como
referencial para suaprtica pedaggica.
A negao da possibilidade de aperfeioamento, em relao a um
referencialadotado, leva negao da prpria educao.
As prticas pedaggicas podem variar no tempo e no espao, mas o
objetivo doaperfeioamento contnuo, da busca de plenitude, sempre
constante.
As tribos indgenas ou africanas, os povos asiticos ou os
norte-americanos dese-jam sempre que as suas crianas se desenvolvam
em relao a um objetivo propostoque considerado como decorrente do
fim prprio do ser humano.
A par disso, o educador percebe, tambm, que esse aperfeioamento
deve dar-seno apenas em relao a um dos aspectos constitutivos do
sujeito, mas a todos eles.Percebe a exigncia da totalidade. De
pouco adianta o aperfeioamento, ou seja, aeducao de uma das faces
de sua personalidade. O que realmente importa aharmonia do
desenvolvimento que vai levar humanizao do homem.
Evidencia-se ento novamente o problema j focalizado: como dar
nfase sdiferenas culturais e, ao mesmo tempo, promover o direito de
igualdade na educa-o. Esta avaliao um obstculo instigante para o
educador.
J se viu que o progresso da cincia leva a uma grande
regulamentao do modo deviver: como alimentar-se corretamente, como
planejar a famlia com a sua dimensoideal, como construir a moradia,
como cuidar da sade e dos filhos, a importncia depraticar esportes,
etc. Tais conselhos, embora muitas vezes apaream como modismos,na
maioria das vezes apresentam-se com justificativas cientficas,
tornando-se impositivospara a educao apesar de contrrios a muitas
prticas tidas como culturais.
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So comuns as conceituaes da educao como processo de crescimento
decor-rente da experincia e da aprendizagem visando maior integrao,
adaptao eeficincia individual em relao ao grupo cultural. Essa
compreenso da educao portomar como referncias apenas o grau de
conhecimento e o meio social, vai trazeralgumas dificuldades. O
processo de integrao do delinqente em seu grupo social, asua
adaptao a contravalores e a sua maior eficincia na prtica do mal no
podemser considerados como educao. As idias de aperfeioamento e de
aprimoramentoexigem a especificao dos valores em relao aos quais
elas ocorreriam.
A mesma dificuldade aparece quando se considera a educao como um
proces-so de perpetuao das culturas, como um meio de transmisso de
determinadasvises do mundo e do homem para a gerao seguinte. Os
contravalores como partedas culturas tambm seriam passados deixando
a educao de ter a sua funo deao transformadora.
Usos culturais como o cigarro, a queimada, a escravido entre
outros no podemser aprovados nem estimulados pela educao.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que se d atualmente uma grande
nfase aoindivduo, ao respeito diversidade de identidades, ao
pluralismo cultural acontece oforte movimento da globalizao.
Simultaneamente pretende-se reforar as lnguas regionais e
aceita-se o inglscomo idioma universal, primeira exigncia do mundo
globalizado, como condiopara a uniformidade na compreenso dos
mecanismos dos bens utilitrios produzi-dos pela tecnologia.
Mostra Mike Featherstone (1994, p. 12) que,
da mesma forma, significativos foram o aumento em nmero
dasagncias e instituies internacionais, as crescentes formas
globaisde comunicao, a aceitao do horrio global unificado, o
de-senvolvimento das competies esportivas e premiaes em nvelglobal,
o desenvolvimento de conceitos padronizados de direito ede
humanidade.
H, portanto, especialmente graas aos avanos na rea da informtica
e dastelecomunicaes dos anos 80, um enorme movimento em prol da
globalizao.
A mudana no sistema de comunicao propiciou ainda um
reordenamento doespao derrubando as barreiras que separavam as
naes. Ocorreram ento umaintegrao e uma uniformizao cultural que
desarticularam o estado na sua unida-de e especificidade levando a
cultura a ser transnacional e a ultrapassar as socieda-des
estabelecidas com novos processos de permuta, de troca de
mercadorias, deinformaes de conhecimentos cientficos e tcnicos que
levam crena de ser aglobalizao um processo que escapa ao controle
humano e traz baila a discussosobre o papel que cabe educao nesse
contexto.
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Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 433
No se pode, no entanto, confundir globalizao com aceitao do
outro, comsolidariedade, cumplicidade ou esprito de comunidade,
objetivos da educao. inegvel que o tempo e o espao ganham novas
dimenses. A velocidade da comu-nicao, no entanto, por si s, no
aproxima as pessoas, podendo at torn-lasinsensveis e solitrias.
Os aspectos econmico, social, poltico e cultural ultrapassam
agora as barreirasregionais e nacionais interferindo nas
diversidades e peculiaridades histricas e soci-ais. Para alguns,
essa intromisso positiva j que promove a igualdade entre ospovos.
Outros, a consideram negativa, pois as diferenas e caractersticas
prpriasdevem ser respeitadas. evidente, no entanto, que a economia
globalizada distribuiseus benefcios de maneira bastante
desigual.
No pensar de Ricoeur (1977, p. 92), antes de qualquer distncia
crtica, perten-cemos a uma histria, a uma classe, a uma cultura, ou
a tradies. O sentimentopor ele denominado de pertena corresponde
necessidade humana de sentir-sepertencente a um todo social que d
segurana e proteo, que sirva de modelo e derazo para viver que leve
vivncia da comunidade, mas que no corresponda noo de unidade
poltica.
O sentimento de pertencer a um grupo social fundamental para o
equilbriopessoal e social. A marginalidade, o estar fora do meio
social vivenciado pelohomem como sofrimento.
O educador no pode desconhecer os benefcios e as dificuldades
decorrentes daglobalizao nem ignorar a necessidade de pertencimento
a uma comunidade, pr-pria do ser humano.
Mostra Bauman (2005, p. 30) que
as filiaes sociais mais ou menos herdadas que so atribudasaos
indivduos como definio de identidade: raa [...] gnero, pasou local
de nascimento, famlia e classe social, agora esto-setornando menos
importantes, diludas e alteradas nos pases maisavanados do ponto de
vista tecnolgico e econmico. Ao mesmotempo, h a nsia e as
tentativas de encontrar ou criar novos gruposcom os quais se
vivencie o pertencimento e que possam facilitar aconstruo da
identidade.
Todas essas contradies, todos esses movimentos sociais
antagnicos vo exigirdo educador o estabelecimento de referenciais
que balizem a sua ao e o impeamde perder o rumo na sua prtica
transformadora.
Permanece, portanto a necessidade de um termo de referncia que
norteie todo oprocesso da educao e permita uma avaliao das culturas
e do desenvolvimentodas sociedades humanas. Permanece a busca do
que realmente aprimora, aperfei-oa e torna o homem mais humano.
Embora sejam muito variadas as concepes de
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homem, percebe-se que algo continua estvel, imutvel como
realidade e como metaa ser atingida. a constatao de que o homem no
apenas uma personalidadecom caractersticas individualizantes, mas
uma pessoa, valor em si mesmo inde-pendente de outros valores.
A pessoa, ao contrrio da personalidade, no constituda por
valores. Ela , elaprpria, o valor. O homem pessoa exatamente por
seu valor. No se reduz apenasao ser, no somente um ente entre
outros com caractersticas fsicas e psquicas,mas vale por si
mesmo.
A carncia de plenitude, o estado de falta, de necessidade de
algo que o satisfaa,mostra ter o homem uma destinao no sentido em
que direcionado a uma meta, achegar a uma plenitude, a plenitude de
pessoa. A grande destinao que justifica aeducao seria a de chegar a
ser pessoa, ou seja, chegar ao pleno valor humano.
A pessoa, no entanto, realiza progressivamente sua destinao, se
valoriza pau-latinamente, cresce pouco a pouco no valor. Esse
crescimento o objetivo da educa-o. Sua meta a promoo do valor
pessoal no individuo.
No se admitindo no sujeito necessidades definidas e definveis,
todo o processoda educao vai reduzir-se a um ato de violncia j que
imporia ao educando umconjunto de valores arbitrrios.
Entendendo-se por pessoa o indivduo dotado de racionalidade, de
vontade e deafetividade vai ser necessrio que o processo da educao
vise primordialmente aosvalores correspondentes a essas
caractersticas universais: a sade, o conhecimento,a liberdade, o
amor em suas mltiplas manifestaes.
Todos os diferentes grupos culturais anseiam por esses valores
fundamentais quese expressam de diferentes modos.
H um dinamismo, uma tendncia natural para a conquista do valor.
dele quese utiliza a educao para propor a alimentao saudvel,
vestimenta e moradiahiginicas, a busca da verdade, da beleza, da
justia, da liberdade, da solidariedadeentre outros valores.
O processo da educao vai no somente levar o educando a procurar
o valoradequado ao crescimento da pessoa distinguindo onde ele se
encontra, avalian-do-o racionalmente pelos juzos de valor, mas
ainda promover a cultura, ou seja, ainstaurao de valores no somente
no sujeito, mas tambm no mundo concreto.
Cada indivduo, alm de ser uma pessoa humana, tem uma
personalidade, ouseja, tem caracterstica prpria que o distingue dos
seus semelhantes.
Uma proposta pedaggica precisa ento no apenas focalizar a
pessoa, mastambm a personalidade do sujeito, aquilo que o
individualiza e que o faz diferentedos outros.
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Ensaio: aval. pol. pbl. Educ., Rio de Janeiro, v. 16, n. 60, p.
413-436, jul./set. 2008
Uma avaliao sobre a relao multiculturalismo e educao 435
Os diferentes grupos sociais so formados por pessoas com
diferentes perso-nalidades constituindo, eles prprios,
personalidades que os identificam: as iden-tidades culturais.
Tendo sido consideradas as exigncias primordiais da pessoa
humana, a edu-cao pode contemplar as diferentes identidades
culturais, respeitando-as e desen-volvendo-as.
Como concluso dessa breve reflexo sobre a avaliao da relao entre
a edu-cao e o multiculturalismo, chega-se primeiramente necessidade
da busca dereferenciais de avaliao como meio para que se evitem
arbitrariedades e preconcei-tos no acatamento das peculiaridades
das vrias culturas. Em seguida, vai-se proporas noes de pessoa e de
personalidade como referenciais para a avaliao doprocesso da educao
nas diferentes culturas.
Caberia educao, como objetivo principal, levar o sujeito a
desenvolver-secomo pessoa aprimorando a sua sade, o seu bem-estar
material, o seu conheci-mento, a sua liberdade, a sua sensibilidade
independentemente do grupo cultural aque pertencesse. Como segundo
objetivo, promover as personalidades com suaspeculiaridades
prprias, individuais e grupais, respeitando o pluralismo cultural
na-quilo que no se opusesse s exigncias fundamentais da pessoa
humana.
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Recebido em: 27/11/2007 Aceito para publicao em: 30/07/2008