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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA REGINA CÉLIA DE CASTRO PEREIRA AS TRANSFORMAÇÕES HISTÓRICAS E A DINÂMICA ATUAL DA PAISAGEM NA ALTA BACIA DO PERICUMÃ/MA. Presidente Prudente 2012
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Transcript
  • 1

    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    FACULDADE DE CINCIAS E TECNOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA

    REGINA CLIA DE CASTRO PEREIRA

    AS TRANSFORMAES HISTRICAS E A DINMICA ATUAL DA PAISAGEM

    NA ALTA BACIA DO PERICUM/MA.

    Presidente Prudente

    2012

  • 2

    REGINA CLIA DE CASTRO PEREIRA

    AS TRANSFORMAES HISTRICAS E A DINMICA ATUAL DA PAISAGEM

    NA ALTA BACIA DO PERICUM/MA.

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Geografia da Faculdade de Cincias e

    Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Jlio de

    Mesquita Filho para obteno do ttulo de Doutora em

    Geografia.

    Orientador: Prof. Dr. Messias Modesto dos Passos

    Presidente Prudente

    2012

  • 3

    Pereira, Regina Clia de Castro.

    P495t As transformaes histricas e a dinmica atual da paisagem na

    alta bacia do rio Pericum / Regina Clia de Castro Pereira. - Presidente

    Prudente: [s.n], 2012

    215 f.

    Orientador: Messias Modesto dos Passos

    Tese (doutorado) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

    Cincias e Tecnologia

    Inclui bibliografia

    1. Geossistema. 2. Territrio. 3. Paisagem. I. Passos, Messias

    Modesto dos. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Cincia e

    Tecnologia. III. Ttulo.

  • 4

  • 5

    Dedico

    s crianas e jovens do Pericum na expectativa

    de um futuro melhor.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    A realizao desta tese s foi possvel graas colaborao direta de muitas pessoas.

    Manifesto minha gratido a todas elas e de forma particular:

    A Deus, por at aqui ter me ajudado.

    Ao meu marido Paulo e meu filho Paulo Vinicius pela fora, companheirismo e

    compreenso em todas as fases desse doutorado.

    Ao meu orientador, professor Messias Modesto, pela constante e segura orientao, pela

    amizade que da se formou.

    A toda minha famlia, em especial meu cunhado Jos Oscar e minha cunhada Tnia por

    poder contar com eles todas as vezes que lhes solicitei.

    Aos moradores da alta bacia do Pericum, em especial Sr. Reginaldo e D. Rosa, Sr.

    Marcelino, Marlisson, Sra. Paula, Henoc, Lenora e Leidiana.

    Ao casal Jorge Barreto e Edila Dutra pela ajuda com Paulo Vinicius durante minhas

    ausncias de So Luis.

    UEMA, atravs dos professores Walter Canales, Jos Sampaio, Claudio Jos, Claudio

    Eduardo e das professoras Iris Porto, Elisabeth Abrantes, das secretrias D. Mary e Eliene,

    estas pessoas foram importantes para que eu tivesse suporte material, financeiro e

    intelectual para avanar na elaborao da tese.

    A CAPES pelo financiamento do Programa DINTER (Doutorado Interinstitucional).

    A todos os demais professores do departamento de Histria e Geografia que sempre

    estiveram dando apoio na efetivao das atividades do Programa DINTER, compensando

    nossas ausncias no curso de Geografia.

    engenheira agrnoma Odenilde Santos por conceder gentilmente o banco de dados que

    serviu de base para elaborao dos mapas desta tese.

    Aos alunos Daniele, Sergio, Patrcia, Natlia, Rgis e Silvino pela ajuda durante os

    trabalhos de campo e em outras atividades.

    Aos gegrafos Srgio Serra e Joo Filho pelos trabalhos cartogrficos.

    professora Qusia Duarte, especialmente pela amizade e por me ajudar na montagem das

    pirmides fitossociolgicas.

    Aos meus colegas do grupo DINTER Ana Rosa, Assis, Claudio Eduardo, Luiz, Marivania,

    Qusia, Wasti e Washington, a unio desse grupo foi muito importante no enfrentamento

  • 7

    da distncia de casa, na superao de dvidas e pela aprendizagem, sobretudo do esprito

    de coletividade.

    A todos os professores e todas as professoras do programa de ps-graduao em Geografia

    da FCT/UNESP.

    Muito obrigado.

  • 8

    Ah, manh da ltima promessa, manh de

    um novo mundo que comea, mais

    acessvel, mais humano e bom.

    Jos Chagas

  • 9

    RESUMO

    A pesquisa sobre as transformaes histricas e da dinmica atual da paisagem na alta

    bacia do rio Pericum (MA), considerou que a paisagem agrega aspectos fisiogrficos,

    socioeconmicos e socioculturais de um territrio. Nesse sentido, se props analis-la a

    partir das transformaes histricas decorridas nas condies fsico-ambientais e nas

    dinmicas socioeconmicas do territrio, seguindo um modelo de anlise que considera o

    geossistema como fonte (source); o territrio como recurso (resource) e a paisagem como

    identidade (ressourcement), ou seja, o GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem). Os

    procedimentos metodolgicos da pesquisa seguiram as etapas da pesquisa bibliogrfica e

    documental, da pesquisa emprica com anlise qualitativa e quantitativa dos dados obtidos

    em jornada de campo, do processamento de imagens, do registro e comentrio fotogrfico.

    Os instrumentos utilizados na pesquisa emprica foram entrevistas do tipo semi-

    estruturadas e abertas ou no-estruturadas. O levantamento de dados no campo foi

    realizado em dois povoados do municpio de Pedro do Rosrio (Santo Incio e rea

    Comunitria) e um no municpio de Viana (Santa Aninha). Os resultados alcanados

    permitiram uma anlise do modelo GTP e das dinmicas territoriais e paisagsticas da rea.

    Concluiu-se que o GTP leva o pesquisador a percorrer por todas as correntes de

    pensamento da Geografia, e por variados procedimentos metodolgicos; beneficiando-se

    de diferentes temporalidades e da interdisciplinaridade. Na anlise sobre o geocomplexo

    foi possvel adaptar as compartimentaes do geossistema proposta por Bertrand;

    constatou-se que a vegetao o elemento mais suscetvel a presses ambientais, como

    demonstraram as pirmides fitossociolgicas das formaes vegetais de terra firme e de

    vrzea. O geofcie de terra firme o mais impactado por cortes e queimadas das matas.

    Sobre as territorialidades concluiu-se que o processo de ocupao resultou da economia

    agro-exportadora mundial, atividade sustentada pela mo-de-obra escrava, que povoou a

    Baixada Maranhense. A territorialidade existente ali se faz atravs de um vnculo muito

    forte a terra e ao lugar. A pertinncia do problema pelo direito terra causadora de

    conflitos e de mobilizao popular. A estrutura fundiria impe condies sub-humanas de

    vida e trabalho maioria dos camponeses, tornando urgente a demanda pela regularizao

    das terras e melhorias condio trabalhista do lavrador. Na anlise sobre a paisagem

    concluiu-se que a vegetao foi o elemento da natureza mais frequente na memria

    coletiva; que os solos para usos antrpicos so mais extensos nos municpios de Viana, So

    Bento e So Vicente Ferrer: que a antropizao produtora de geofcie. As polticas

    federais de eletrificao rural, as construes de escolas de ensino fundamental, melhorias

    de estradas, construo de postos de sade, e os programas de transferncia de renda, so

    aspectos positivos na situao presente e na perspectiva futura das comunidades. Os

    problemas ambientais como desmatamento, queimadas e assoreamento constituem

    aspectos negativos do lugar no presente e no futuro. O modelo GTP, possibilitou indicar as

    transformaes na paisagem, evidenciando as questes mais urgentes.

    Palavras-chave: Geossistema.Territrio. Paisagem. Pericum.

  • 10

    RSUM

    La recherche portant sur les transformations historiques et la dynamique actuelle du

    paysage dans le haut bassin du fleuve Pericum (MA) a considr que ce paysage runit

    des aspects physiographiques, socio-conomiques et socioculturels dun territoire. Il sest

    donc propos de lanalyser partir des transformations historiques stant produites dans le

    cadre physico-environnemental et dans les dynamiques socio-conomiques du territoire,

    suivant un modle danalyse qui considre le gosystme comme source; le territoire

    comme ressource et le paysage comme ressourcement, soit le GTP (Gosystme

    Territoire Paysage). Les dmarches mthodologiques de la recherche ont suivi les tapes

    de la recherche bibliographique et documentale, de la recherche empirique avec analyse

    qualitative et quantitative des donnes obtenues sur place, du traitement dimages, du

    registre et commentaire photographique. Les outils utiliss dans la recherche empirique

    consistent en entretiens du type semi-structurs et ouverts ou non-structurs. Les donnes

    ont t recueillies dans deux hameaux de la commune de Pedro do Rosrio (Santo Incio et

    Zone Communautaire) et un de la commune de Viana (Santa Aninha). Les rsultats

    obtenus ont permis de faire lanalyse du modle GTP et des dynamiques territoriales et du

    paysage de la rgion. Le GTP amne le chercheur sur le chemin de tous les courants de la

    pense de la Gographie par le biais de dmarches mthodologiques varies, bnficiant

    des diffrentes temporalits et de linterdisciplinarit. Dans lanalyse portant r le

    gocomplexe, il a t possible dadapter les divisions du gosystme proposes par

    Bertrand. On a constat que la vgtation est llment le plus susceptible de pressions

    environnementales, ainsi le dmontrent les pyramides phytosociologiques des formations

    vgtales de terre ferme et de plaines fertiles et cultives dans les valles. La configuration

    gographique de terre ferme est la plus atteinte en raison des dboisements des savanes et

    de la pratique de brlis. Quant aux territorialits, il rsulte que le processus doccupation

    est d lconomie dagro-exploitation mondiale, activit ralise grce la main-

    doeuvre esclave qui a peupl la Baixada Maranhense. La territorialit qui y existe se fait

    au moyen dun lien trs fort entre la terre et le lieu. La pertinence de la question du droit

    la terre entrane des conflits et des manifestations populaires. La structure foncire impose

    des conditions inhumaines de vie et de travail la majorit des paysans. Il est donc urgent

    de rgler la situation des terres et damliorer les conditions de travail des laboureurs. Dans

    lanalyse portant sur le paysage, il rsulte que la vgtation est llment de la nature le

    plus prsent dans la mmoire collective; que les sols dusage anthropiques sont plus

    tendus dans les communes de Viana, So Bento et So Vicente Ferrer et que cela produit

    la configuration Gographique. Les politiques fdrales dinstallation lectrique en milieu

    rural, de construction dcoles denseignement primaire et collge, damnagement des

    routes, dtablissement de postes dassistance mdicale et de programmes de transfert de

    rente sont des aspects positifs dans la situation actuelle et dans la perspective future des

    communauts. Les problmes environnementaux tels que le dboisement, brlis et

    obstruction des fleuves constituent les aspects ngatifs de la rgion aujourdhui et dans

    lavenir. Le modle GTP a permis dindiquer les transformations dans le paysage et de

    mettre en vidence les questions les plus urgentes.

    Mots-cls: Gosystme. Territoire. Paysage. Pericum

  • 11

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Compartimentos do Geossistema................................................... 50

    Figura 2 Paraso - Roelandt Savery, 1626..................................................... 60

    Figura 3 Pirmide de vegetao do stio rea Comunitria..................... 81

    Figura 4 Pirmide de vegetao do stio Santa Aninha............................... 89

    Figura 5 Pirmide de vegetao do stio Santo Incio................................. 93

    Figura 6 Materiais utilizados na construo da casa de taipa............... 158

  • 12

    LISTA DE FOTOGRAFIAS

    Fotografia 1 Rio Bamburral..................................................................................... 74

    Fotografia 2 Viso parcial de mata de vrzea......................................................... 80

    Fotografia 3 Aspecto dos estratos vegetais de um balsedo.................................... 85

    Fotografia 4 Aspecto de um canal fluvial povoado por macrfitas aquticas..... 87

    Fotografia 5 Capoeira no stio Santo Incio........................................................... 92

    Fotografia 6 Geohorizontes conforme inundabilidade do solo............................. 97

    Fotografia 7 Estrada na alta bacia do Pericum.................................................... 103

    Fotografia 8 rea queimada, ainda com troncos de rvores, incio da

    preparao para as roas...................................................................

    104

    Fotografia 9 Colheita de juara em um balsedo.................................................... 107

    Fotografia 10 Povoado rea Comunitria ( esquerda) Povoado Santo Incio

    ( direita)

    118

    Fotografia 11 Modelos de casa: taipa ( esquerda), alvenaria ( direita) do

    programa Minha casa minha vida

    rural.................................................................................

    119

    Fotografia 12 Vista da avenida principal da sede municipal de Pedro do

    Rosrio.................................................................................................

    120

    Fotografia 13 Fornada de farinha............................................................................. 130

    Fotografia 14 Aude no povoado rea Comunitria............................................... 136

    Fotografia 15 Aspecto de cobertura vegetal de capoeira, com corte recente da

    vegetao..............................................................................................

    143

    Fotografia 16 Vista da escola de Ensino Fundamental no povoado rea

    Comunitria.........................................................................................

    152

    Fotografia 17 Antena parablica ao lado de casa de taipa..................................... 157

    Fotografia 18 Canteiro suspenso de coentro em quintal......................................... 159

    Fotografia 19 Exemplar de rvore Sumama- rea Comunitria....................... 164

    Fotografia 20 Casa estilo palafita margem do rio Mearim, rea inundvel em

    Vitria do Mearim (MA)....................................................................

    171

    Fotografia 21 Bfalos nos campos do lago de Viana................................................ 171

    Fotografia 22 Campo inundado................................................................................. 172

  • 13

    Fotografia 23 Campo dominado por plantas herbceas.......................................... 173

    Fotografia 24 Processo erosivo do solo e assoreamento do canal fluvial.............. 174

    Fotografia 25 Testemunhos de mata de vrzea........................................................ 174

    Fotografia 26 Roa tpica da alta bacia com cultivo de milho............................. 175

    Fotografia 27 Pasto ou solta.com destaque para as palmeiras de babau............. 175

    Fotografia 28 Rua de povoado na alta bacia do Pericum..................................... 176

    Fotografia 29 Lavradores confeccionando um landru.......................................... 177

    Fotografia 30 Lavrador confeccionando um cofo.................................................... 178

    Fotografia 31 Cofo como unidade de medida para venda de milho....................... 178

    Fotografia 32 Cofo como utenslioo de armazenamento da produo agrcola

    (farinha, milho, feijo ou arroz)....................................................

    179

    Fotografia 33 Cofo utilizado como canteiro suspenso............................................. 179

    Fotografia 34 Farinhada na rea Comunitria....................................................... 180

    Fotografia 35 Farinhada em casa de farinha comunitria.................................... 181

    Fotografia 36 Rio Pericum em Pinheiro................................................................. 182

    Fotografia 37 Pescador do Pericum........................................................................ 182

    Fotografia 38 Bfalos pastando nos campos inundados do Pericum................. 183

    Fotografia 39 Produo de pescados de um dia de trabalho................................... 183

    Fotografia 40 Rio Pericum visto a partir da barragem......................................... 184

  • 14

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 Localizao da rea de estudo em relao Microrregio da Baixada

    Maranhense................................................................................................

    21

    Mapa 2 rea de estudo em relao APA da Baixada Maranhense............... 23

    Mapa 3 Bacia hidrogrfica do rio Pericum e rea de estudo.......................... 27

    Mapa 4 Mapa geolgico da rea de estudo........................................................... 71

    Mapa 5 Mapa geomorfolgico da rea de estudo............................................... 72

    Mapa 6 Campos da alta bacia do rio Pericum.................................................. 75

    Mapa 7 Solos na rea de estudo............................................................................ 78

    Mapa 8 Localizao do municpio Pedro do Rosrio........................................ 120

    Mapa 9 Unidade de paisagem em 1994................................................................ 145

    Mapa 10 Unidade de paisagem em 2006................................................................ 146

  • 15

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1

    Populao da Baixada Maranhense por situao do domiclio

    entre 1991 e 2010..................................................................

    2010.............................................................................................

    ano.............................................................................................

    25

    TABELA 2 Populao da alta bacia do Pericum, por situao do

    domiclio entre 2000 e 2010....................................................

    ano.............................................................................................

    100

    TABELA 3 Incidncia de pobreza no Maranho e nos municpios da alta

    bacia do Pericum.......................................................................

    161

  • 16

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Ficha fitossociolgica do stio rea Comunitria.................... 83

    Quadro 2 Ficha fitossociolgica do stio Santa Aninha........................... 90

    Quadro 3 Ficha fitossociolgica do stio Santo Incio.............................. 94

    Quadro 4 Plantas cuja abundncia est diminuindo................................ 133

    Quadro 5 Apetrechos de pesca.................................................................... 135

    Quadro 6 Conexes pobreza-meio ambiente............................................. 163

  • 17

    LISTA DE SIGLAS

    APA

    CEF

    rea de Proteo Ambiental

    Caixa Econmica Federal

    DNOCS Departamento Nacional de Obras contra a Seca

    DINTER

    EMBRAPA

    Doutorado Interinstitucional

    Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    GTP Geossistema-Territrio-Paisagem

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDH-M ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INTERMA

    PNHR

    Instituto de Colonizao e Terras do Maranho

    Programa Nacional de Habitao Rural

    PVN Projeto Vida de Negro

    INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

    PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    SISCOM Sistema Compartilhado de Informaes Ambientais

    SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

    SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

    UEMA Universidade Estadual do Maranho

    UNESP Universidade Estadual Paulista

  • 18

    SUMRIO

    1 INTRODUO............................................................................................... 20

    1.1 O contexto geogrfico da rea de estudo....................................................... 20

    1.2 As etapas da pesquisa...................................................................................... 32

    1.2.1 O levantamento bibliogrfico............................................................................ 33

    1.2.2 A pesquisa emprica.......................................................................................... 34

    1.2.3 Apresentao cartogrfica................................................................................. 38

    1.2.4 Tratamento e organizao dos dados................................................................ 39

    2 ANLISE INTEGRADA DO MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO DA

    GEOGRAFIA..................................................................................................

    41

    2.1 O Geossistema.................................................................................................. 46

    2.2 Modelo GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem)........................................ 52

    2.3 O territrio....................................................................................................... 54

    2.4 A paisagem....................................................................................................... 58

    2.5 O meio ambiente: complexidade e diversidade no conhecimento.............. 64

    3 O GEOCOMPLEXO DA ALTA BACIA DO RIO

    PERICUM...............................................................................................

    69

    3.1 Potencial ecolgico...................................................................................... 70

    3.2 Explorao biolgica do espao.................................................................. 76

    3.2.1 Solos argilosos saturados ou no....................................................................... 77

    3.2.2 Campos inundveis e matas de vrzeas verdejantes da alta bacia.................... 79

    3.2.3 As terras firmes pouco onduladas da rea......................................................... 87

  • 19

    3.3 A natureza antropizada da alta bacia do rio Pericum............................ 99

    3.3.1 A natureza socializada.................................................................................... 103

    4 TERRITORIALIDADES DA ALTA BACIA DO

    PERICUM.....................................................................................................

    109

    4.1 As comunidades da alta bacia do Pericum................................................. 112

    4.2 Territorialidades camponesas na alta bacia do Pericum.......................... 119

    4.2.1 Sistemas produtivos: uso da terra...................................................................... 126

    4.2.2 Sistemas produtivos: uso da gua..................................................................... 134

    5 A GLOBALIDADE DA PAISAGEM............................................................ 138

    5.1 Cenas e cenrios paisagsticos........................................................................ 141

    5.2 A paisagem como espao vivido..................................................................... 153

    6 UMA APREENSO GEOFOTOGRFICA DA BACIA DO RIO

    PERICUM.....................................................................................................

    169

    7 CONSIDERAES FINAIS......................................................................... 185

    REFERNCIAS............................................................................................. 192

    APNDICES................................................................................................... 209

    ANEXOS.......................................................................................................... 211

  • 20

    1 INTRODUO

    Ao ingressar no curso de doutorado atravs do programa Dinter

    (UNESP/UEMA), as ideias iniciais para elaborao desta tese se voltavam para um

    aprofundamento do estudo da adaptabilidade humana s condies ambientais de vrzeas e

    de campos inundveis, cuja inteno, era dar continuidade ao estudo que havia sido

    realizado no Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas, pela Universidade Federal do

    Maranho entre os anos 2004 e 2006. Entretanto, com as primeiras discusses com o

    orientador da pesquisa, obtiveram-se conhecimentos iniciais sobre o modelo de anlise

    GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem) e a perspectiva de realizar a pesquisa segundo o

    mesmo, enfocando a alta bacia do rio Pericum, situada na regio da Baixada Maranhense.

    Depois de aceita a proposta e concluda a pesquisa, apresenta-se nesta tese uma

    anlise da paisagem na alta bacia do rio Pericum atravs da abordagem das trs categorias

    que compem o referido modelo e, para iniciar o conhecimento desta rea, optou-se por

    apresent-la no contexto geogrfico no Estado do Maranho.

    1.1 O contexto geogrfico da rea de estudo

    No conjunto de paisagens do territrio maranhense, se analisam as

    transformaes paisagsticas na alta bacia do rio Pericum, localizada na Baixada

    Maranhense e que constitui uma regio geogrfica da poro norte do Estado do

    Maranho, sendo uma rea de transio entre a Amaznia e o Nordeste brasileiro (Mapa

    1). As caractersticas dessa regio so conhecidas pela sazonalidade das guas sobre a

    dinmica dos fenmenos ambientais, formando extensos campos inundveis cobertos por

    gramneas e outras espcies aquticas. Alm das formaes campestres, encontram-se

    tambm campos no inundveis, floresta secundria mista com babau, matas ciliares e

    floresta ombrfila com palmceas nas reas permanentemente midas.

  • 21

    21

  • 22

    O mosaico vegetal da Baixada Maranhense favorece a ocorrncia de aves

    migratrias, alm de abrigar rica fauna de mamferos, anfbios, rpteis, peixes, entre

    outros. Por esses aspectos, tal regio foi transformada em rea de Proteo Ambiental

    (APA) da Baixada Maranhense pelo decreto lei 11.900 de 11/06/1991 e reeditado em

    05/10/1991.

    Esta unidade de conservao, embora tenha o nome de Baixada Maranhense,

    abrange 23 municpios situados nas mesorregies norte, oeste e centro maranhense,

    compreendendo, segundo Maranho (2002), os seguintes municpios: Anajatuba, Arari,

    Bequimo, Cajapi, Cajari, Lago Verde, Matinha, Mirinzal, Mono, Olho Dgua das

    Cunhas, Palmeirndia, Penalva, Peri-Mirim, Pinheiro, Pindar-Mirim, Pio XII, So Bento,

    Santa Helena, So Mateus do Maranho, So Joo Batista, So Vicente Frrer, Viana,

    Vitria do Mearim e Ilha dos Caranguejos, pertencente ao municpio de Cajapi (Mapa 2).

    Por outro lado, os municpios emancipados em 1994, desmembrados de outros

    que j faziam parte da APA, no foram inseridos nessa unidade de conservao, como nos

    casos de Presidente Sarney, Pedro do Rosrio, Central do Maranho, Olinda Nova do

    Maranho, Igarap do Meio, Bela Vista do Maranho, Conceio do Lago-Au e

    Bacurituba. Destaca-se que os municpios de Bacuri, Bequimo e Mirinzal esto inseridos

    na APA da Baixada Maranhense e tambm na APA das Reentrncias Maranhenses.

    Essas duas APAs fazem parte das reas midas do Brasil definidas pela

    Conveno de Ransar em 1971. Segundo a ONG WWF, as reas midas so importantes

    por,

    Se situarem na interface entre gua e solo, so ecossistemas complexos, que

    abrigam uma variedade de espcies endmicas e migratrias de guas profundas

    e terrestres e, portanto, contribuem substancialmente para biodiversidade

    ambiental. Alm de ter um papel importante no ciclo hidrolgico, ampliando a

    capacidade de reteno da gua no local. Disponvel em< www.wwf.org.br>

    Acesso em 15/05/2010.

    O reconhecido estado de vulnerabilidade desses ecossistemas d-se pelas

    presses exercidas pelas populaes locais dos mesmos e pelos impactos dos ecossistemas

    terrestres e aquticos adjacentes. No caso da Baixada Maranhense, as presses ambientais

    habituais resultam segundo Costa Neto et all. (2000) e Pereira (2010a) da bubalinocultura,

    da pesca predatria, dos conflitos fundirios, do aumento de queimadas nos campos de

    vrzea, do desmatamento e assoreamentos dos corpos hdricos, entre outros.

    http://www.wwf.org.br/
  • 23

    23

  • 24

    Nos sculos XVIII e XIX houve a expanso da atividade canavieira nas vrzeas

    da Baixada, trabalho realizado por escravos que, aps a abolio, permaneceram na regio,

    vivendo das facilidades da localizao prxima aos rios, ao mar e capital do Estado

    (LOPES, 1970). Tais aspectos contriburam para que a regio da Baixada Maranhense

    estivesse entre as mais povoadas do Estado.

    Em relao s atividades produtivas da referida regio, elenca-se a produo

    agrcola, pecuria e atividade extrativa vegetal. A pesca desenvolvida de forma artesanal

    em lagos, audes e rios est ainda muito voltada para a alimentao familiar.

    A produo agrcola realizada atravs dos cultivos de lavouras temporrias da

    mandioca, milho, cana-de-acar, arroz e feijo, caracterizada pelo pouco uso de tcnicas

    ou equipamentos modernos, em pequenas reas de terras, desenvolvida por trabalho

    familiar, no modelo tpico da roa, que, em funo de tais condies, apresenta baixa

    produtividade. Entre os principais cultivos, a mandioca ocupa a primeira posio em ordem

    de produo, seguida, respectivamente, pela produo do arroz, milho, cana-de-acar e

    feijo.

    A pecuria representada pelas criaes de gado bovino, bubalino e suno,

    alm de aves. Existe clara distino entre a produo pecuria comercial e a criao de

    animais para complemento do abastecimento familiar. O maior rebanho o bovino, nos

    municpios de Turilndia, Pinheiro, Santa Helena e Bequimo (MARANHO, 2006). O

    gado bubalino foi inserido no ambiente maranhense por volta da dcada de 1930 e ganhou

    importncia comercial a partir de 1960, mediante incentivos estaduais e federais para a

    bubalinocultura. Nas duas ltimas dcadas houve reduo da produo, dado o maior rigor

    das leis de fiscalizao da criao extensiva desse gado, considerando os riscos ambientais

    da criao e os conflitos de uso entre os diferentes atores sociais da regio (op.cit.).

    Ressalta-se ainda a atividade extrativa vegetal tpica em toda a regio onde

    ocorre grande extrao de espcies vegetais das diferentes unidades de paisagem como a

    terra firme, matas de igap, campos para fins de produo de lenha, madeira para

    construo de casas, artefatos de artesanato ou utenslios domsticos, alm do aa e da

    amndoa do babau que so produtos comercializados no mercado regional (PEREIRA,

    2006).

    A populao da Baixada Maranhense vem crescendo nos ltimos 20 anos como

    demonstra o levantamento dos censos de 1991, 2000 e 2010. Note-se que a populao rural

  • 25

    embora seja maior, vem ocorrendo na regio, a passagem da populao rural para a urbana

    (Tabela 1).

    Tabela 1- Populao da Baixada Maranhense por situao do domiclio entre 1991 e 2010.

    Ano Populao

    total

    Populao

    urbana

    % Populao rural %

    1991 430.558 137.435 31,92 293.123 68,08

    2000 484.543 196.370 40,53 288.173 59,47

    2010 564.191 249.623 44,24 314.568 55,76

    Fonte: IBGE, 2010.

    Com significativa parcela da populao vivendo na zona rural e pelas

    caractersticas das atividades desenvolvidas na regio, com maior predomnio das

    agropecurias e extrativas, evidencia-se a necessidade de discutirem-se junto aos diferentes

    agentes sociais, polticas de melhoria da qualidade de vida da populao, que considerem a

    condio rural daquelas pessoas. Tais discusses devem ser fundamentadas na melhoria

    social e no somente no crescimento do capital.

    O desenvolvimento das atividades agrcolas realizado com uso de tcnicas

    rudimentares e assistncia tcnica ineficiente ou ausente, geralmente praticadas segundo o

    conhecimento tradicional do produtor em relao natureza. Tal caracterstica tem

    mantido baixos os nveis atuais de produo alimentar da populao, embora o consumo da

    mesma seja fundamentado basicamente em protenas e carboidratos. Esta situao, diante

    do crescimento populacional que vem ocorrendo, como bem demonstra a tabela 1, ressalta

    a necessidade de melhor conhecimento dessa dinmica produtiva, a fim de manter e

    melhorar a produo local de alimentos.

    Por isso, necessrio destacar que os indicadores socioeconmicos esto

    aqum dos recomendados pelos rgos internacionais como o PNUD (Programa das

    Naes Unidas para o Desenvolvimento). Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano

    no Brasil (2000), o IDH dos municpios da Baixada Maranhense varia de 0,529 a 0,640.

    Embora esses valores tenham se modificado para melhor entre os anos 1990 e 2000 em

    todo o Brasil, a grande diversidade regional do pas no permite que as mdias estaduais e

    regionais sejam generalizadas, sendo assim, na Baixada Maranhense, o menor IDH-M

    corresponde ao do municpio de Conceio de Lago-au (0, 529) e o maior IDH-M,

    encontra-se em Pinheiro (0, 640) (op. cit). Ressalta-se que no raking nacional do IDH, o

    Maranho ocupou a ltima posio nos anos de 1991 e 2000, a qual foi respectivamente 0,

    543 e 0, 636.

  • 26

    Dessa forma, entende-se que as polticas locais para essa rea devem estar

    objetivadas na escolarizao e no crescimento da renda da populao e fundamentadas nas

    particularidades e nas dinmicas da mesma, valorizando as riquezas culturais, o

    conhecimento tradicional, de maneira a contribuir para a fixao das pessoas em seu local

    de origem. Esse processo deve se diferenciar dos modelos atuais de investimento, baseados

    em uso de tecnologias excludentes, geradoras de conflitos com as populaes locais.

    Nesse contexto de melhor aprofundamento do conhecimento sobre a Baixada

    Maranhense que este trabalho enfocou a bacia do rio Pericum, uma das principais bacias

    que corta a referida regio, sendo de grande importncia para o abastecimento de gua, a

    navegao e produo de pescado. Esta bacia tem rea de 3.888,55 Km, localiza-se na

    poro nor-noroeste do Maranho, e est compreendida entre os paralelos de 202a 37

    de latitude sul e 4430 a 4530 de longitude oeste (Mapa 3). Ocupa 1,17% do territrio

    estadual, constituindo-se uma de suas bacias secundrias. (SANTOS, 2004).

    Na bacia do Pericum encontram-se 13 municpios, os quais esto inseridos nas

    microrregies estaduais da Baixada Maranhense (Matinha, Olinda Nova do Maranho,

    Palmeirndia, Pedro do Rosrio, Peri Mirim, Pinheiro, Presidente Sarney, So Bento, So

    Vicente Ferrer e Viana) e do Litoral Ocidental Maranhense (Bequimo, Central do

    Maranho e Guimares); considerando que estas duas reas tambm so reas de proteo

    ambiental, observa-se que 78% das terras da bacia encontra-se em unidades de

    conservao (op.cit.). O trecho da alta bacia estende-se do lago do Puca, no municpio de

    Pedro do Rosrio (ponto onde o rio deixa de ser navegvel, no perodo chuvoso) ao

    povoado Bornel, no mesmo municpio. Neste trecho, o rio Pericum recebe afluentes como

    os rios Grande, Santa Rosa, Bamburral, Pindova, Campinima, do Meio, Jandi, Poo,

    entre outros, todos com caractersticas de rios intermitentes.

    Na avaliao dos usos e ocupao das terras dessa bacia, Santos (2004),

    levantou informaes geogrficas da mesma, definindo os cursos do rio, caracterizando os

    sistemas ambientais e suas fragilidades mediante os usos desenvolvidos pela populao,

    entre os quais se destacam a pesca artesanal, a agricultura, a pecuria extensiva e o

    extrativismo vegetal. Tal avaliao apresentou como resultados o declnio das atividades

    econmicas, a degradao dos sistemas ambientais e as dificuldades de manter a

    sustentabilidade ambiental na rea.

  • 27

    27

  • 28

    Pereira (2006), ao fazer a caracterizao das alteraes ambientais do alto curso

    do Pericum, identificou as presses aos sistemas ambientais de terra firme e inundveis a

    partir da percepo da populao residente na rea. Nos resultados foram constatados que

    o incremento populacional tem ocasionado maior desmatamento, reduzindo o tempo de

    pousio dos terrenos reservados s roas. Por outro lado, o avano de criadores do gado

    bubalino para esse trecho do rio tambm vem contribuindo para surgimento de conflitos

    entre lavradores e fazendeiros.

    Os treze municpios da bacia do Pericum acomodam um total de 337.099

    habitantes (IBGE, 2011); entre estes se destaca Pinheiro, situado no mdio curso da bacia

    com 78.162 habitantes (op. cit). Esta cidade abastecida com guas do Pericum e

    tambm situa a nica barragem presente no rio.

    A barragem do Pericum foi construda em 1981 pelo DNOCS com o objetivo

    de conter o avano de gua salina no rio. Segundo veiculao na imprensa local, iniciou-se

    em maro de 2010, um convnio com esse mesmo rgo federal, para recuperao das

    barragens do Pericum e do rio Flores, esta, situada no municpio de Joselndia na regio

    Centro Maranhense.

    No baixo curso, trecho a jusante da barragem, encontram-se ainda trs

    municpios: Central do Maranho, Bequimo e Guimares. Estes apresentam diferenas na

    paisagem em relao aos municpios montante, pois ocorre a influencia da mar em seus

    territrios, ocasionando a formao de manguezais, o que, de certa forma, favorece o

    desenvolvimento de outras atividades relacionadas ao referido ecossistema.

    No obstante, as caractersticas de todos os municpios da referida bacia so

    muito similares, ou seja, as dinmicas geogrficas da regio do Pericum proporcionam

    uma paisagem com predominncia rural em que a vegetao funciona como elemento

    diferenciador de suas unidades. Tal caracterstica em parte explicada pela ocupao

    ocorrida na poro norte do Estado.

    Segundo Cabral (1992), a frente de expanso litornea iniciou no sculo XVII

    com as misses dos franceses e portugueses em incurses na Ilha do Maranho, onde foi

    fundada a cidade de So Luis em 1612 e tambm nas aldeias de Tapuitapera e Cum no

    litoral ocidental do estado, reas ento povoadas pelos ndios Tupinambs. Em 1648 foi

    criada a Capitania de Cum, com cede na atual cidade de Guimares, situada na foz do rio

    Pericum (LOPES, 2002).

  • 29

    Para este ltimo autor, entre muitas significaes, o nome do rio Pericum veio

    da juno de peri (junco) mais cum ou curim (curimat), ou seja, lugar alagado coberto

    por junco onde se pescam curims. Segundo Abbeville (1874), citado por Lopes (2002, p.

    37), localizou uma aldeia indgena de nome Curemat (Curimat), entrada do rio

    Pericum.

    Ao longo dos sculos XVIII e XIX, as vrzeas da Baixada e os vales dos rios

    Mearim, Pindar e Itapecuru foram se pontilhando de engenhos. Segundo Carlos Lima

    (1981) citado por Lima et al. (2000), a abolio da escravatura desorganizou o sistema de

    produo canavieira, pois os usineiros no tiveram condies de obter outra forma de mo-

    de-obra. Entretanto, as runas dos engenhos ainda presentes em alguns municpios, como

    em Central do Maranho, registram esse perodo da histria econmica do estado.

    Alm do cultivo da cana-de-acar, outras atividades paralelas eram

    desenvolvidas, como o cultivo do arroz de vrzea e a criao de gado bovino. Esta esteve

    associada indstria canavieira, pois constitua a fora motriz das moendas, dos carros de

    boi, servindo tambm como alimento e matria-prima para confeco de muitos utenslios,

    principalmente couro. Segundo Cabral (1992), o gado bovino foi introduzido na Baixada

    Maranhense pelos aorianos e pelos criadores de gado vindos do serto maranhense que se

    estenderam at as extremidades noroeste do estado.

    As demais atividades econmicas desenvolvidas nessa bacia hidrogrfica

    mantiveram as rsticas caractersticas dos processos de produo, sem investimentos de

    grandes projetos econmicos; como exemplos destacam-se a extrao madeireira e a coleta

    de babau para produo de azeite que foram muito praticadas na primeira metade do

    sculo XX.

    Na segunda metade do sculo XX, foi introduzido no Maranho o gado

    bubalino procedente do Par, principalmente nos municpios de Pinheiro e Viana. Na

    dcada de 1980, essa atividade cresceu de forma mais rpida que as demais. Muitos

    fazendeiros tiveram crescimento de seus planteis muito acima da capacidade de suporte de

    suas propriedades e passaram a criar o excedente de forma extensiva sobre os campos de

    domnio pblico (LIMA et al, 2000).

    Dessa forma, surgiram conflitos entre os criadores de bfalos e os pequenos

    produtores, que tinham suas lavouras invadidas pelo animal e/ou seus instrumentos de

    pesca destrudos, quando os animais se deslocavam, sobretudo noite. A reao da

    populao foi provocar a matana de bfalos, o que causou significativa reduo do

  • 30

    rebanho nesses municpios. Segundo Lima e Tourinho (1995), a situao dos

    bubalinocultores era desoladora, fazendeiros que possuam 1.500 cabeas de gado em 1988

    estavam com rebanho reduzido em 1995 para 200 reses, pois, para reduzirem os prejuzos

    com a atitude exterminadora da populao, se desfizeram do rebanho, vendendo-os.

    Contraditoriamente, as perdas das populaes em termos de produo e contaminao de

    pescados e invaso dos campos de uso comum, no foram contabilizadas pelos rgos

    oficiais.

    As limitaes estabelecidas pelos decretos 11.900 e 11.901, que criaram as

    APAs da Baixada Maranhense e das Reentrncias, no incio da dcada de 1990,

    constituram outro motivo para a reduo desse tipo de rebanho. Foram excludas dessas

    unidades de conservao as atividades de caa e pesca predatrias, desmatamentos,

    queimadas e a criao extensiva de bfalos. Tal determinao foi uma medida do governo

    do Estado para reduzir os conflitos entre os criadores de gado e os trabalhadores rurais da

    regio que, mobilizados atravs de movimentos sociais, lutaram por uma melhor repartio

    dos usos das terras e garantia de seu modo de vida. Entretanto, a mesma foi tambm focos

    de crticas por parte dos bubalinocultores, pois provocou a reduo da atividade pecuria.

    Atualmente permanecem as crticas bubalinocultura, relacionadas aos

    impactos ambientais vegetao, compactao dos solos, alterao da qualidade das

    guas; pois os animais comem as plantas terrestres e aquticas reguladoras dos

    ecossistemas e destroem ninhos e alevinos da fauna local, comprometendo a

    biodiversidade (BERNARDI, 2005).

    Em pesquisa realizada na alta bacia do Pericum, durante curso de mestrado em

    Sustentabilidade de Ecossistemas, pela Universidade Federal do Maranho, foi constatado

    por Pereira (2006) que houve um aumento da produo de pescados nas reas onde os

    bfalos foram retirados e que, nas reas onde eles permaneceram, continuou havendo

    reduo desses recursos. Os resultados desta pesquisa constituram fatores motivadores

    para a continuao da pesquisa que ora se apresenta na mesma rea.

    Com as informaes sobre a regio da Baixada Maranhense e bacia do

    Pericum, pretendeu-se situar o leitor sobre a referida realidade na qual foi realizada a

    pesquisa, na perspectiva de anlise das transformaes da paisagem, desenvolvida

    seguindo procedimentos metodolgicos da pesquisa bibliogrfica e documental, da

    pesquisa emprica, do processamento de imagens e fotografias, entre outros, os quais sero

    posteriormente apresentados.

  • 31

    A partir da caracterizao da rea objeto de estudo, questionou-se sobre como

    caracterizar o processo de interao da sociedade com o ambiente, de forma a identificar as

    transformaes histricas e as dinmicas atuais da paisagem? A partir da apreenso dessa

    primeira questo, ainda se reflete se a identificao das transformaes histricas e das

    dinmicas da paisagem ser capaz de subsidiar, posteriormente, estratgias de

    planejamento ambiental e de polticas territoriais que desenvolvam a conservao

    ambiental e a justia social? Considerando os indicadores sociais da populao residente na

    alta bacia, indaga-se at que ponto a falta de condies socioeconmicas satisfatrias de

    vida est relacionada aos impactos ambientais identificados na rea em estudo?

    Em consonncia com tais questionamentos, objetivou-se nesta pesquisa,

    analisar a paisagem da alta bacia do rio Pericum a partir das transformaes histricas

    decorridas nas condies fsico- ambientais e das dinmicas socioeconmicas do territrio,

    seguindo a abordagem do GTP (Geossistema- Territrio- Paisagem).

    Os objetivos especficos elencados na mesma constituram os seguintes:

    Caracterizar a dinmica paisagstica da rea.

    Identificar elementos do geossistema na rea de estudo.

    Especificar as formas de uso e apropriao dos recursos naturais na construo de

    territorialidades.

    A proposta do GTP considera a abordagem feita por Bertrand na dcada de

    1990, na qual a paisagem agrega aspectos fisiogrficos, socioeconmicos e socioculturais

    de uma dada rea. Para esse mesmo autor, a pesquisa ambiental pode ser realizada a partir

    de um modelo que considera o geossistema como fonte (source); o territrio como recurso

    (resource) e a paisagem como identidade (ressourcement). Tal modelo, definido como GTP

    (Geossistema-Territrio-Paisagem), apresenta bases multidimensionais no tempo e no

    espao (BERTRAND e BERTRAND, 2007).

    Partindo da noo de que o meio ambiente rene tudo aquilo que conhecemos

    como espao geogrfico, Passos (2008) afirma que a pesquisa sobre esse objeto por

    definio o domnio da interao e da mescla, logo deve ser traduzido por conceitos e

    noes hbridas: paisagem, territrio, recurso, etc. Dessa forma, considera relevante que

    tais pesquisas devam definir que peso atribuir natureza, antropizao, cultura, num

    contexto em que a dinmica promovida por fenmenos de diferentes temporalidades.

    Do exposto at o momento sobre a caracterizao da rea de estudo e sobre o

    modelo GTP, o qual apresenta o esforo pela anlise integradora da realidade,

  • 32

    contemplando diferentes possibilidades de anlise de um mesmo fenmeno, considera-se

    que na alta bacia do Pericum as transformaes da paisagem esto relacionadas ao

    modelo de apropriao e uso do solo, concentrado fundamentalmente, em atividades

    agropecurias e extrativas que, por fora das difceis condies socioeconmicas da

    populao, tem relao direta com o uso predatrio da natureza, contribuindo para os

    problemas ambientais j elencados.

    Entre os trabalhos produzidos em nvel de ps-graduao nas universidades

    pblicas do Estado do Maranho, foram poucas as pesquisas realizadas na bacia do

    Pericum, sobretudo no alto curso do rio. Embora a regio da Baixada Maranhense

    demande pesquisas em todas as abordagens, e muito tem sido feito, na bacia do Pericum

    elas ainda so restritas e poucos expressivas, o que torna a realizao desta, uma porta que

    se abre para as singularidades, as dinmicas e aos problemas da rea. Nesse contexto, e

    considerando que o modelo GTP visa a uma anlise integrada da realidade, realizou-se esse

    estudo com base na seguinte orientao:

    Ao desenvolvermos uma proposta de investigao ou at mesmo no desenrolar

    das etapas de uma pesquisa, vamos reconhecendo a convenincia e a utilidade

    dos mtodos disponveis, face ao tipo de informaes necessrias para se

    cumprir os objetivos do trabalho. (MYNAIO, 1993, p. 28)

    Conforme ideia da referida autora, nesta pesquisa, valeu-se da pesquisa

    exploratria, que tem como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos, com

    vistas a proporcionar maior familiaridade com o problema, tornando-o mais explcito (GIL,

    1996). Bem como dos instrumentos da pesquisa qualitativa, uma vez que se exploraram as

    caractersticas dos cenrios e dos indivduos na rea de estudo (MOREIRA e CALEFFE,

    2008).

    1.2 As etapas da pesquisa

    A escolha pela investigao das transformaes histricas da paisagem no alto

    da bacia do Pericum decorre da necessidade de continuao de pesquisa realizada no

    curso de mestrado cujo resultado foi um conhecimento amplo das dinmicas ambientais da

  • 33

    referida rea. Esse conhecimento, gerou novas curiosidades para a continuidade e o

    aprofundamento do conhecimento das referidas dinmicas ambientais.

    1.2.1 O levantamento bibliogrfico

    Partindo da literatura sobre a anlise integrada da paisagem, no contexto

    geogrfico, realizou-se um levantamento terico-metodolgico sobre a forma como

    desenvolver investigaes com enfoque no meio ambiente. Nesse sentido, discutiu-se a

    evoluo da cincia geogrfica na perspectiva de que, desde os seus primrdios, esse

    conhecimento trasladou entre o fsico e o humano ou entre a sociedade e a natureza.

    Observou-se que sempre houve uma busca pela superao dessas dicotomias, o que acabou

    contribuindo com a caracterizao de escolas geogrficas, algumas com aspectos mais

    naturalistas, outras mais humanistas e aquelas que buscaram a interao. Nessa

    perspectiva, chegou-se ao modelo GTP (geossistema-territrio-paisagem), proposta de

    anlise ambiental, em torno da qual se fundamentou e se estruturou toda a discusso que

    ser aqui apresentada.

    O momento de construo terico-metodolgica foi realizado com

    levantamento de fontes bibliogrficas sobre a temtica do GTP e rea de estudo.

    As leituras das referncias foram acompanhadas de elaborao de fichas de

    trabalho que, segundo Soriano (2004, p.75), permitem ordenar e classificar o material

    colhido em funo das variveis, dos indicadores ou dos temas alvo do estudo,

    apresentando de forma clara toda informao interessante ao problema da pesquisa. Tal

    procedimento foi seguido em todas as fases de desenvolvimento da pesquisa, pois se

    identificou sua eficincia no momento de redao dos relatrios e estruturao dos

    captulos de tese.

    As fontes bibliogrficas levantadas, lidas e organizadas nas fichas,

    fundamentaram as noes conceituais discutidas nesse relatrio, quais sejam o

    geossistema, o territrio, a paisagem, o meio ambiente, entre outras. Como a proposta do

    GTP sugere trs entradas no estudo do meio ambiente, as quais, constituem noes que

    sustentam a cincia geogrfica, ou seja, o geossistema, o territrio e a paisagem, a cada

  • 34

    momento de discusso de uma das categorias, foi necessrio um recomeo diante da

    necessidade de se melhor compreender os significados de cada uma.

    No que diz respeito ao entendimento do geossistema, partiu-se para a

    fundamentao dessa categoria, na qual se considerou que o estado do Maranho, dada a

    sua localizao geogrfica no domnio equatorial, especificamente, em uma faixa de

    transio de dois domnios climticos, o super-mido e o semi-rido, apresenta

    diversidades paisagsticas que podem ser organizadas em mais de um geossistema. Isto

    porque o territrio do Maranho, com mais de 300.000 Km de extenso, tem diferentes

    ecossistemas que favoreceram a multiplicao de variadas unidades de paisagem e

    dinmicas.

    A categoria territrio foi discutida em suas amplas interpretaes, na

    perspectiva do histrico de ocupao da rea de estudo e da dinmica das atividades

    econmicas da populao e da estruturao de territorialidades. A paisagem foi abordada

    seguindo a indicao de Bertrand e Bertrand (2007) em que contempla a dimenso cultural

    do meio ambiente e nesta perspectiva partiu-se para a anlise de obras que tratassem da

    percepo das pessoas sobre o mundo vivido.

    De posse de tais informaes, iniciou-se a investigao da rea de estudo por

    intermdio do levantamento bibliogrfico e de dados oficiais. Para aprofundamento dos

    aspectos naturalistas, recorreu-se s obras que especificassem os elementos fsico-

    ambientais da natureza, especificamente o ambiente da Baixada Maranhense, regio em

    que se localiza a rea de estudo. Nesse sentido os trabalhos publicados por BRASIL

    (1991), BRASIL (1973), IBGE (1997), MARANHO (2002), entre outros, constituram as

    referncias bsicas para a caracterizao da referida rea.

    1.2.2 A pesquisa emprica

    Nessa etapa da pesquisa, consideraram-se os aspectos intrnsecos a essa

    modalidade de investigao que, segundo o conceito de Demo (2000 p. 21), est dedicada

    ao tratamento da face emprica e fatual da realidade, produzindo e analisando dados,

    procedentes da via do controle emprico e fatual. A pesquisa emprica lida diretamente

  • 35

    com o real e o concreto. Assim est inserido em seu contexto, o trabalho de campo para

    levantamento de dados junto aos sujeitos da pesquisa, sendo indispensvel um

    acompanhamento da teoria metodolgica para fins de melhor elaborao e uso dos

    instrumentos a serem utilizados na investigao de campo. Segundo Soriano (2004, p.31),

    as diferentes noes de realidade entre o pesquisador e o fenmeno investigado, aliada a

    uma preparao prvia dos instrumentos de campo (elaborao e aplicao), so

    fundamentais para a fidedignidade dos dados que sero obtidos na etapa de pesquisa no

    campo.

    Para Mynaio (1993, p. 105), a pesquisa de campo na pesquisa qualitativa, tem

    o recorte espacial que corresponde abrangncia, em termos empricos, do recorte terico

    correspondente ao objeto de investigao. Alm desta possibilidade, ela coloca o

    pesquisador em interao com a realidade, da resultando um produto novo e confrontante,

    tanto com a realidade concreta, como com as hipteses e pressupostos tericos, num

    processo maior de construo do conhecimento (loc.cit).

    Assim, as jornadas de campo foram realizadas paralelamente ao avano da

    proposta de produo da tese, tendo sido realizados seis trabalhos. Inicialmente pretendia-

    se realizar os trabalhos de campo, ao longo dos diferentes perodos observados dos nveis

    de gua, quais sejam: enchendo os campos, campo inundado, campo vazando e campo

    seco. Entretanto, com as dificuldades que foram encontradas no que diz respeito infra-

    estrutura para o deslocamento at o municpio de Pedro do Rosrio, como a

    disponibilidade de carros e motorista na universidade, possibilidade de deslocamento pelas

    estradas vicinais que levam ao municpio e o agendamento com a comunidade ou com os

    representantes das instituies locais, as jornadas de campo terminaram sendo realizadas

    ao longo dos meses de janeiro e junho de 2009; agosto e novembro de 2010, abril e julho

    de 2011. Com essa distribuio, foi possvel visitar a rea nos estgios propostos, embora

    no tenham sido realizadas ao longo de um mesmo ano. As percepes anuais apreendidas

    ampliaram o entendimento das transformaes da paisagem na rea. Por intermdio destas,

    foi possvel identificarem-se fenmenos que do concretude paisagem e a interao

    sociedade-natureza.

    O levantamento de dados no campo foi realizado em dois povoados do

    municpio de Pedro do Rosrio e um no municpio de Viana. Todos situados em reas

    relativamente prximas de campos, lagos e riachos formadores do rio Pericum e que,

    embora tenham certa distncia entre si, apresentam similaridades na maneira como os

  • 36

    trabalhadores utilizam recursos da natureza para sobrevivncia. Tais comunidades

    encontram-se prximas de corpos hdricos de grande importncia para a drenagem do

    Pericum, sendo definidos os seguintes:

    Povoado Santa Aninha (Viana) rio Bamburral.

    Povoado Santo Incio (Pedro do Rosrio) rio Bamburral e da Telha.

    rea Comunitria I (Pedro do Rosrio) Campo do Campinima.

    Ressalta-se que a insero do povoado Santa Aninha se deu exclusivamente

    pela necessidade de levantamento dos dados fitossociolgicos da pesquisa, pois no referido

    local foi identificada uma propriedade com significativa reserva de mata secundria, onde

    foi possvel fazer o levantamento. Entretanto, o mesmo no foi analisado sob os aspectos

    da territorialidade e da dinmica da paisagem.

    O acesso a tais comunidades feito por estradas carroveis que so cortadas

    pelos rios, durante o perodo chuvoso, o que deixa grande nmero de povoados

    relativamente isolados. Essa condio coloca os necessrios deslocamentos dirios da

    populao para as sedes municipais e outras localidades como incertos e muito demorados.

    Diante dessa situao, o apoio de moradores que atuassem como contato local

    para posterior direcionamento aos povoados isolados foi imprescindvel etapa uma vez

    que as dificuldades de acesso e de identificao das rotas acentuavam os obstculos de

    acesso aos povoados.

    A amostra para anlise emprica levou em conta critrios como o tempo de

    moradia na rea. Consideraram-se inicialmente pessoas que residissem h mais de 10 anos

    na rea, subentendendo-se que, ao longo desse perodo, possvel a percepo e o registro

    das principais mudanas ocorridas no ambiente em funo das atividades desenvolvidas.

    Porm, a amostra composta por 20 residentes, sendo 10 em cada povoado, acabou sendo

    composta por pessoas que residiam na rea desde o nascimento, superando em muito o

    planejado na pesquisa. Esta amostra no contexto da pesquisa qualitativa representa a

    realidade local, uma vez que os povoados no apresentam diferenas ambientais e

    populacionais significativas entre si.

    O instrumento utilizado nessa etapa da pesquisa foi entrevista semiestruturada

    segundo o modelo definido por Mynaio (1993, p. 108), como aquela que combina

    questes fechadas (ou estruturadas) e questes abertas, onde o entrevistado tem a

    possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou condies prefixadas pelo

    pesquisador. Segundo Viertler (2002), tal modelo organizativo de entrevista favorece ao

  • 37

    informante um dilogo mais livre com o pesquisador, o que por sua vez, mantm um

    equilbrio entre a viso mica (do pesquisado) e viso tica (do pesquisador) (Apndice A).

    Identificou-se, entretanto, a necessidade de um entendimento mais aprofundado

    do processo de ocupao e de caracterizao das territorialidades. Nesse sentido foram

    realizadas entrevistas abertas ou no-estruturadas (Apndice B), que constituem aquelas

    em que o informante discorre livremente sobre o tema que lhe proposto (Mynaio, 1993,

    p. 108). Houve muito cuidado em deixar que esta tcnica tivesse um aspecto neutro, pois a

    mesma constitui um meio de coleta de dados dos fatos relatados pelos informantes

    enquanto sujeitos-objetos da pesquisa que vivenciam uma dada realidade. Esta etapa foi

    realizada com o uso de aparelho mp4, com capacidade de gravao de at 8 horas. Depois

    de gravadas no referido aparelho, os arquivos foram salvos em arquivos de mdia, a partir

    do qual foi possvel serem transcritos e interpretados. A amostra dessa etapa resumiu-se a

    quatro moradores da sede municipal de Pedro do Rosrio, que residem na rea desde o

    surgimento do primeiro povoado.

    De um modo geral, fizeram parte da amostra os trabalhadores rurais, os

    representantes comunitrios como presidente da associao de moradores, agentes de

    sade, o que possibilitou ampliar o leque de informaes sobre as caractersticas

    ambientais, o cotidiano das comunidades e o conhecimento do meio ambiente, uma vez

    que as questes elaboradas buscavam respostas aos questionamentos e estavam ao alcance

    do objetivo dessa tese.

    Alm do levantamento de dados junto populao, as jornadas de campo

    serviram para registros fotogrficos, para identificao dos getopos e para as

    investigaes sobre a dinmica vegetacional e dinmica da populao. Em consonncia

    com as informaes obtidas na reviso de literatura, identificou-se getopos, integrados e

    com dinmicas prprias, contribuidoras do funcionamento do geossistema na Baixada

    Maranhense.

    Nesse sentido realizou-se a tcnica da pirmide de vegetao proposta por

    Passos (2003) cujo objetivo caracterizar a dinmica vegetal em dada rea. Essa tcnica

    feita delimitando-se inicialmente o stio a ser investigado em um local que represente o

    estado mdio da formao vegetal. Em seguida, delimita-se um crculo de 10 m de raio.

    Com a rea j delimitada, efetuam-se as anotaes em uma ficha fitossociolgica

    (Apndice C).

  • 38

    Essa ficha composta por duas partes. A primeira, denominada geogrfica,

    necessita de informaes sobre o potencial ecolgico do ambiente, portanto uma etapa

    que deve ser realizada antes da ida ao campo e baseada na etapa da fundamentao

    terica que caracterizou a abordagem naturalista. Na segunda parte, a fitossociolgica,

    procede-se ao levantamento fitossociolgico no campo, com a listagem de plantas por

    estratos (rasteiro ou herbceo, subarbustivo, arbustivo, arborescente e o arbreo), a

    avaliao da abundncia-dominncia, da sociabilidade e da dinmica de cada estrato.

    Foram realizados trs levantamentos fitossociolgicos e, com as informaes

    colhidas na ficha, partiu-se para a etapa de laboratrio, no qual, com uso dos programas

    DOS BOX 0.72 e o acessrio do Windous 2007 Paint, foram elaboradas as pirmides, que

    foram discutidas na segunda parte desta tese.

    1.2.3 Apresentao cartogrfica

    Os mapas apresentados nesta tese foram elaborados por dois tcnicos em

    geoprocessamento, a partir do banco de dados bacia hidrogrfica do Pericum elaborado

    e concedido por Santos (2004). O formato desse banco de dados foi elaborado no programa

    SPRING 3.6.1. Por intermdio deste, foi feita a converso do arquivo no referido formato

    SPRING para o formato DXF. Este, foi manipulado no aplicativo Microstation V8 XM

    Edition, a partir do qual, definiu-se a rea de estudo. Essa etapa foi complementada pelas

    cartas DSG (folha 547- SA.23-Y-B-VI e folha 608- SA-23-Y-D-III) produzidas pela

    Diviso de Servio Geogrfico do Exrcito (DSG, 1981), na escala de 1:100.000,

    apresentando curvas de nveis a intervalos de 50 metros.

    Posteriormente este arquivo foi convertido do formato DXF para Shapefile

    (SHP) para ento ser manuseado no software ArcGis 9.2, na extenso ArcMap. Os mapas

    de localizao foram feitos na extenso ArcMap do software ArcGis 9.2 com a utilizao

    da base de dados de Santos (2004) e malha municipal SISCOM. Assim foi possvel

    elaborar os mapas geolgico, geomorfolgico e pedolgico. Em seguida, foi feito o recorte

    da base de dados de relevo, geologia e geomorfologia nos limites da rea de estudo

    utilizando a extenso do ArcGis 9.2, ArcToolbox, ferramenta Analysis Tools, Extract,

    Clip. Os Layouts dos mapas foram elaborados tambm no ArcGis 9.2.

  • 39

    Para discusso das unidades de paisagem, foi necessrio um novo

    procedimento de geoprocessamento, a partir das imagens de satlites 221/62 disponveis no

    Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE. Feito o registro das referidas imagens,

    criou-se um banco de dados no software Spring 4.2. Fez-se a importao das mesmas e em

    seguida deu-se incio a edio topolgica. Primeiro a imagem do ano de 1994 e em seguida

    a de 2006. O acabamento final foi feito usando o software Corel Draw5.

    A pouca disponibilidade de imagens de satlite de boa qualidade prejudicou a

    anlise a que se props, inicialmente, a um perodo mais longo. Dessa maneira, terminou-

    se por analisar o perodo entre 1994 e 2006, considerado relativamente curto em relao ao

    que se props toda a tese. Entretanto, para no se perder esta ferramenta que possibilita

    uma anlise das dinmicas da paisagem, optou-se por trabalhar mesmo com este curto

    espao de tempo.

    1.2.4. Tratamento e organizao dos dados

    De posse das informaes obtidas nos instrumentos de pesquisa, os dados

    foram organizados em planilhas do programa Excel, os quais, depois de analisados, foram

    organizados em categorias e discutidos de forma descritiva, de modo a caracterizar a

    percepo ambiental dos investigados. Os resultados de natureza descritiva, obtidos em

    questes abertas, foram transferidos para programa de mdia, a partir do qual foi possvel

    transcrev-los para posterior anlise. Aps tratamento e anlise dos mesmos, prosseguiu-se

    com a redao do relatrio.

    A organizao dos dados obtidos nas etapas anteriormente descritas foi

    estruturado seguindo a mesma distribuio da proposta do modelo GTP. Aps o captulo

    introdutrio e da discusso terica, apresenta-se no terceiro captulo da tese os dados sobre

    o geossistema, caracterizados como o geocomplexo da rea de estudo. Neste captulo so

    apresentadas as caractersticas da abordagem naturalista da alta bacia do Pericum, sem, no

    entanto, perder-se de vista a antropizao do ambiente.

    No quarto captulo apresentam-se os dados referentes aos territrios e

    territorialidades, o qual constitui as especificaes de como se deu a ocupao da rea e de

  • 40

    suas dinmicas socioeconmicas. A possibilidade da discusso da ocupao histrica, e a

    formao da populao, a partir de uma lgica campesina, evidenciou que grande parte

    daqueles povoados, muitos transformados em assentamentos, atualmente passam pelo

    processo de reconhecimento de territrios quilombolas, como as comunidades

    investigadas, entre as quais uma j certificada, a comunidade Santo Incio e a outra luta

    por esse reconhecimento. Essa condio evidenciou tambm a necessidade de

    regularizao fundiria daquelas populaes.

    No quinto captulo foi discutida a paisagem enquanto dimenso cultural do

    meio ambiente e objeto que demonstra os resultados dos modos de vida da populao.

    Nesse sentido, buscou-se nos tericos sobre a percepo das paisagens a base para

    entendimento do modo de vida. Assim foi possvel demonstrar a riqueza das simples

    atitudes daquela populao que vive na alta bacia.

    Ainda para enriquecer a discusso, apresenta-se no captulo seis a geofotografia

    da rea de estudo, seguindo uma recomendao de Passos (2004, p. 180), que considera

    que as fotos so reveladoras de como a estrutura socioeconmica atuou e atua sobre a

    estrutura geoecolgica para construir a paisagem atual. Nesse sentido, houve uma

    complementao e aprofundamento das imagens presentes, ao longo do trabalho, na

    medida em que a estratgia da geofotografia permite a discusso das mesmas. Embora as

    fotografias apresentadas no referido captulo no tenham sido profissionais, acredita-se que

    as mesmas tenham sido eficazes na demonstrao de todo o contedo que se encontra

    presente nos captulos da tese. Com as consideraes finais, fez-se uma ampla avaliao do

    modelo GTP e das categorias tericas enquanto porta de entrada para a anlise integrada da

    realidade.

  • 41

    2 ANLISE INTEGRADA DO MEIO AMBIENTE NO CONTEXTO DA

    GEOGRAFIA

    O estudo do meio ambiente constitui um dos caminhos para o entendimento

    dos processos que se do entre os elementos que o compe e suas relaes dinmicas,

    buscando a interao desses elementos a partir da presena do ser humano ou da

    antropizao.

    Motivados pela relao sociedade-natureza, muitos estudiosos dedicaram-se ao

    desvelamento da mesma e, sob diversas abordagens, contriburam para a estruturao das

    cincias. Nesse contexto, o conhecimento cientfico dividiu-se em vrias especializaes,

    sistematizando-se a partir da apreenso de objetos materiais da realidade e pela forma

    como analis-los/abord-los, delineando diferentes mtodos de investigao (MARCONI

    e LAKATOS, 2004). Segundo Bertalanffy (1973, p. 52), a cincia moderna

    caracterizada por especializaes que muitas vezes tratam de problemas e concepes

    semelhantes, em campos amplamente diferentes. Para o mesmo autor, a percepo de

    princpios como o da totalidade, interao, dinmica e organizao estabeleceram noes

    interpretativas da natureza que enfraqueceram a concepo mecanicista newtoniana.

    Ao discutir a noo interpretativa de natureza, Vitte (2007a), analisa a

    contribuio de Kant na proposio de uma metafsica da natureza, a qual teve influncia

    sobre os princpios das cincias que tem essa categoria como objeto de anlise.

    Nesse sentido, o conhecimento se compartimenta em vrias cincias assentadas

    nas reas naturais, psicolgicas e sociais/humanas, contribuindo para a tendncia s

    especializaes que sustentaram o pensamento ocidental, ao longo dos sculos. A partir

    do sculo XIX, as cincias tomaram caminhos decididamente diferentes, constituindo-se

    umas com o objeto focalizado na natureza e outras com objeto focalizado no homem,

    ignorando-se mutuamente (GONALVES, 1995). Somente no sculo XX, retomada a

    valorizao do conhecimento integralizado.

    A Geografia, cincia sistematizada no sculo XIX, no momento da expanso

    capitalista, aborda as diferentes formas de interao do ser humano com a natureza. Em sua

    epistemologia, demonstra que as fases pelas quais passou caracterizam bem a busca pela

    anlise de tal interao. De forma que, esse caminhar contribuiu para que se sobressassem

  • 42

    fragilidades metodolgicas, considerando a indefinio da Geografia enquanto cincia da

    natureza ou do ser humano, ao mesmo tempo em que,

    curiosamente, ocorreu que na prtica, o que os gegrafos fizeram foi reproduzir

    internamente, no seu meio acadmico, a dicotomia do pensamento ocidental

    dominante que separa o homem da natureza. Assim, erigimos no nosso mundo

    particular a nossa cincia natural - as geografias fsicas e a nossa cincia

    humana, as geografias humanas. (GONALVES, 1995, p.309)

    A trajetria epistemolgica da Geografia em suas diferentes escolas: alem,

    francesa, russa, norte-americana, apresenta marcas do paradigma homem-natureza, pois

    suas variveis estiveram ocupando os plos da discusso. Os fundadores do pensamento

    geogrfico como Humboldt, Ritter, Ratzel, Brunhes, Hartshorn, entre outros,

    influenciados pelo positivismo, construram seus pressupostos sustentados por filsofos,

    que foram basilares para as especializaes das cincias voltadas para a dicotomia

    homem-natureza.

    Para Santos (1978, p. 29), o fundamento filosfico da cincia geogrfica no

    momento de sua construo, foi buscado em Descartes, Kant, Darwin, Comte, Hegel,

    Marx, entre outros, cujos pressupostos foram marcantes ao determinismo e ao

    possibilismo geogrfico, embora o mesmo autor, identifique certa confuso filosfica

    nos trabalhos destes clssicos.

    Alm da influncia filosfica das pioneiras obras geogrficas, faz-se necessrio

    considerar as conjunturas do momento em que foram escritas, a fim de que no se

    desconsidere as ideologias a quem/que, em muitas vezes, a Geografia serviu. Neste

    contexto, destaca-se que a sistematizao da mesma, na Alemanha, deu-se em funo da

    situao pelo qual passava esse pas, em busca de legitimao territorial.

    Essa sistematizao coincide com a expanso do imperialismo e do capitalismo

    industrial, fases em que as conquistas territoriais tinham significado estratgico poltico e

    econmico. Dessa forma, conhecer os lugares, desvendar paisagens, identificar recursos

    naturais e culturas constituam condies favorveis a tal expanso.

    importante frisar que nessa conjuntura, a noo de natureza era entendida

    como fonte de recursos inesgotveis e disponveis ao homem, centro do mundo. E assim,

    as abordagens geogrficas enfocaram as relaes entre sociedade-natureza, ora com mais

    nfase sociedade, ora com mais nfase natureza, realizadas a partir do estudo das

    categorias paisagem, lugar, territrio, espao e regio.

  • 43

    No se pretende, neste momento, explorar tais categorias, mas, identificar

    como os precursores desta cincia, a partir do uso de uma dessas noes, abordaram essa

    interao de forma a realizar as anlises setorizadas dos elementos da natureza, resultando

    em disciplinas isoladas como a Geomorfologia, a Climatologia, a Biogeografia ou ainda,

    da natureza separada da sociedade como se estruturou a Geografia Humana.

    Nesse contexto, destacam-se os trabalhos de Humboldt e Ritter, primeiros

    estudiosos a sistematizar o conhecimento geogrfico no sculo XIX. Decididos pela

    compreenso das singularidades do mundo, as abordagens desses dois clssicos so

    definidas como universalistas e, embora se diferenciassem, pois, sendo o primeiro mais

    naturalista, e o segundo, mais humanista, ambos tornaram-se referenciais para a produo

    geogrfica geral (JIMNEZ e CANTEIRO, 1982). Posteriormente, as produes de

    Ratzel e La Blache propuseram novas interpretaes da realidade, partindo das

    influncias do conhecimento cientfico do fim do sculo XIX e incio do XX. Tais

    proposies foram marcadas pelo determinismo geogrfico e pela teoria evolucionista,

    respectivamente.

    Com o conjunto dessas influncias cientficas, estruturou-se uma cincia em

    busca de um objeto, trilhando caminhos que favoreciam diferentes interpretaes.

    Entretanto, as transformaes pela qual passou a sociedade, sobretudo no mundo

    ocidental, foram responsveis pelas constantes reformulaes na abordagem geogrfica,

    sendo o desenvolvimento da economia capitalista o fator com maior influncia sobre a

    determinao dos rumos da cincia. Tal influncia caracterizada, sobretudo, pelos

    interesses econmicos e polticos dos pases com maiores recursos sobre os pases mais

    pobres, refletidos claramente no processo de colonizao (SANTOS, 1978).

    Christofoletti (1983), ao apresentar a definio e objeto da Geografia, resgatou

    as contribuies de gegrafos tradicionais que elaboraram proposies no contexto da

    diferenciao areal e da relao entre o homem e o meio. Desse modo, esse autor cita em

    seu artigo Definio e objeto da geografia as obras de La Blache (1913), Hettner

    (1905), Hartshorne (1939), De Martonne (1951) e Cholley (1951) como aquelas que se

    voltaram para a anlise das combinaes entre os elementos naturais, biolgicos e

    humanos como meio para diferenciar as reas e os lugares, dando impulso estruturao

    da Geografia Regional. E, ao falar das obras que se voltaram para anlise das relaes

    entre o homem e o meio, Christofoletti (1983) destaca Ratzel (1882 e 1891), Semple

    (1911), Barrow (1923), L. Febvre (1925) e Sorre (1948) cujas produes exemplificaram

  • 44

    como ocorriam as influncias dos elementos fsicos da natureza sobre as sociedades e o

    desenvolvimento de suas atividades.

    Os autores citados por ltimo foram responsveis pela sustentao da ideologia

    determinista, que em muito serviu para a expanso do imperialismo europeu nos sculos

    XIX e XX.

    Nos dois conjuntos de proposies, identificam-se a sntese e a observao

    como procedimentos de anlise geogrfica. A sntese contribuiu para as especializaes

    da geografia, sobretudo em sua abordagem fsica, bem como para a estruturao da

    Geografia Regional (op.cit.). Enquanto a observao, voltada para a anlise do visvel,

    enfocou a paisagem.

    A partir do sculo XX despontam tericos cujas obras se direcionam para

    anlise da paisagem como uma sntese de integrao dos fenmenos da realidade. A

    noo de Landschaft proposta por Carl Troll em 1939 uma precursora dessa noo de

    paisagem como cincia prtica.

    A perspectiva integradora da paisagem resultou da aplicao da Teoria Geral

    dos Sistemas Geografia, proposta inicialmente por Sotchava, em 1962, sob a

    denominao de geossistema. Segundo Cruz (1985), para Sotchava a principal concepo

    de geossistema a conexo da natureza com a sociedade humana. So os aspectos

    antrpicos e as ligaes diretas de feed-back em conexes que criam uma rede de

    organizao, cujas malhas se estendem at as esferas econmicas e sociais (CRUZ,

    1985, p.57).

    Foi nesse sentido que a Nova Geografia, fundamentada na filosofia

    neopositivista, realizou pesquisas quantitativas e sistmicas de fenmenos ligados s

    dinmicas das paisagens naturais e antropognicas e aos problemas ambientais presentes,

    de forma a abordar todas as reas desse conhecimento.

    Observa-se que, nessa fase de desenvolvimento, as obras so marcadas pela

    necessidade de buscar caminhos que fossem capazes de estabelecer as conexes entre os

    elementos da realidade. Tal necessidade, aliada expanso do conhecimento, estimulou

    uma preocupao com a delimitao da Geografia e com a diviso da mesma em vrios

    setores ou ramos, mas permanecendo ntida a diviso em Geografia Fsica e Geografia

    Humana (ANDRADE, 1993, p.16).

    Ao discorrer sobre o significado da Geografia Fsica, Cruz (1985), em seu

    artigo Geografia fsica, geossistema, paisagem e os estudos dos processos geomrficos,

  • 45

    aponta autores da referida rea que enfocaram as complexidades e importncia da

    dinmica da natureza e sua relao com os elementos econmicos e humanos. Dentre

    eles, a mesma autora cita as obras de Birot (1955), Strahler (1960), Demangeont (1969),

    Harggert e Chorley (1975), Sotchava (1977), Bertrand (1968), Gerasimov (1976) e Carl

    Troll (1971). Os aspectos considerados nessas obras relacionam-se ao entendimento da

    natureza como base para toda a dinmica da terra, bem como para as atividades humanas

    e sustentaram-se na Teoria Geral dos Sistemas, proposta inicialmente por L. Von

    Bertalanffy em 1932.

    A anlise de Bertalanffy sobre as similaridades isomrficas entre objetos de

    diferentes cincias demonstrou que os principais aspectos a serem considerados entre elas

    eram o da organizao e da totalidade, da apresentou propsitos da referida teoria, os

    quais se encaminhariam para uma tentativa de integrao e unicidade entre as cincias

    (BERTALANFFY, 1973).

    Na Geografia Fsica, o geossistema tornou-se o objeto de anlise e modelo de

    aplicao da Teoria Geral dos Sistemas e foi empregado em pesquisas com diferentes

    objetos. SOTCHAVA (1977) apresentou os aspectos do Geossistema enquanto objeto da

    referida cincia e suas possibilidades interpretativas para fins da pesquisa geogrfica.

    Suas proposies foram amplamente aceitas e divulgadas no meio acadmico geogrfico

    inclusive no Brasil.

    Segundo Beroutchachvili e Bertrand (1978), a corrente da pesquisa naturalista

    apresentava defasagens nas teorias e mtodos, sendo necessrio evitar a comparao da

    cincia dos geossistemas com as disciplinas como botnica, geomorfologia ou

    biogeografia que tm trmites cientficos diferentes.

    Dessa forma, estes autores situaram a cincia da paisagem nos trs grandes

    paradigmas que dominam o mtodo da pesquisa nas cincias naturais, ou seja, o

    paradigma descritivo e classificatrio tpico do sculo XVIII e primeira metade do sculo

    XIX, que permitiu lanarem-se as bases das cincias modernas: o paradigma gentico e

    setorial, desenvolvido a partir da teoria de Darwin, institucionalizado dentro do quadro

    positivista das grandes disciplinas, como o caso da Geomorfologia apoiada no modelo

    de W. M. Davis; o paradigma sistmico, popularizado no perodo aps a segunda Guerra

    Mundial, fundamentado na teoria dos conjuntos e anlise dos sistemas, que props outra

    anlise com teoria e mtodos prprios, transformando a ecologia, a geomorfologia, a

    biogeografia, entre outras disciplinas.

  • 46

    2.1 O Geossistema

    O incio do sculo XX foi marcado por eventos de projeo sobre a ordem

    econmica, poltica e social do mundo, como a Revoluo Russa, a I Guerra Mundial, a

    expanso imperialista, a crise econmica de 1929, entre outros,que, embora pontuados em

    partes distintas do planeta, contriburam para significativas mudanas nas relaes entre os

    pases e re-orientao do conhecimento como um todo.

    Diante de tais acontecimentos e da complexidade que ento se apresentava na

    realidade, percebe-se que os pressupostos positivistas, baseados na observao de fatos e

    na organizao setorizada dos mesmos, j no respondiam aos questionamentos vigentes

    no mundo, sendo necessrias novas interpretaes que pudessem ultrapass-las naquele

    momento. Os problemas presentes na conjuntura inicial do sculo XX demonstravam que

    seria necessrio abord-los sobre um novo olhar. Tal observao promoveu a anlise

    sistmica como uma alternativa s impossibilidades de respostas das leis fsicas e

    matemticas aos problemas da realidade, por tratar suas partes e processos isoladamente.

    Christofoletti (1971) ressaltou que a teoria dos sistemas foi inicialmente

    desenvolvida nos Estados Unidos, sendo R. Defay o primeiro a prop-la em estudos na

    termodinmica e Bertalanffy na Biologia.

    Elaborada no inicio do sculo XX, essa teoria s teve promoo entre as

    cincias na segunda metade desse mesmo sculo. Ela estabelece que os sistemas possam

    ser definidos como conjunto de elementos com variveis e caractersticas diversas, que

    mantem relaes entre si e entre o meio ambiente.

    Bertalanffy (1973), em seu clebre artigo Teoria Geral dos Sistemas mostrou

    que os estudos das partes, para alm das investigaes da fsica, quando considerado no

    todo, podem apresentar resultados diferentes. Assim sugere que sejam

    Estudadas no somente partes e processos isoladamente, mas tambm resolver os

    decisivos problemas encontrados na organizao e na ordem que os unifica,

    resultante da interao dinmica das partes, tornando o comportamento das

    partes diferente de quando estudado isoladamente e de quando tratado no todo.

    (BERTALANFFY, 1973,p. 53)

    Esse mesmo autor demonstrou que tais tendncias, observadas inicialmente na

    Biologia, tambm o eram na Psicologia e nas Cincias Sociais, e que uma teoria geral dos

    sistemas seria um instrumento que forneceria modelos a serem utilizados nestes diferentes

    campos. Dessa forma, inseriu noes como a de sistemas abertos e fechados, informao,

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    entropia e organizao, entre outros aspectos, que estavam relacionados s conexes e

    diferenciaes entre os mesmos.

    Por estes princpios, a Teoria Geral dos Sistemas teve grande aceitao entre as

    cincias, dentre elas a Geografia e, notadamente, a Biogeografia, Geografia dos Solos,

    Climatologia e Geomorfologia (GREGORY, 1992). Segundo Rodrigues (2001, p.72), na

    Geografia, a abordagem positivista e a natureza preferencialmente indutiva deram maior

    projeo Geografia Fsica, fundamentando a elaborao de modelos para a explicao de

    fenmenos ligados aos variados compartimentos de anlise, como na Geomorfologia com

    William Morris Davis, ao fim do sculo XIX; na climatologia com Strahler (1960),

    Sotchava (1960), Chorley e Kennedy (1971), Haggertt e Chorley (1975), Christofoletti

    (1971) entre outros. Entretanto, a porta de entrada foi o geossistema proposto por

    Sotchava.

    Por intermdio da anlise geossistmica, a Geografia Fsica v-se liberada da

    necessidade de intromisso no campo privado de outras disciplinas geogrficas (Sotchava,

    1977), devendo estudar no os componentes da natureza, mas, a estrutura funcional e as

    conexes entre eles, sobretudo considerando as inter-relaes com fenmenos antrpicos.

    Dessa forma, Sotchava estabeleceu as tarefas-chaves da Geografia Fsica

    deixando claro o limite dessa cincia em relao s outras ligadas aos fenmenos naturais.

    Ao analisarem-se as condies naturais dos geossistemas e perceberem-se nelas as

    alteraes decorrentes de influncias antropognicas, cabe Geografia Fsica prognosticar

    a situao futura, ou seja, criar uma abordagem cujo fim seria o planejamento (loc.cit.).

    No contexto desse planejamento, identifica-se a necessidade de definio do

    carter dinmico do geossistema, pois as influncias antropognicas esto relacionadas s

    alteraes na escala temporal e espacial do ambiente que, por sua vez, relacionam-se

    organizao geogrfica.

    Ao abordar a Ecogeografia do Brasil, Ross (2006, p. 24) demonstrou que na

    necessidade de entendimento da dinmica do geossistema est a organizao geogrfica,

    pois a distribuio de todos os componentes de um geossistema se expressa no espao

    fsico- territorial.

    O espao fsico-territorial engloba geossistemas em diferentes processos, os

    quais so representados pelas paisagens. Nas transformaes das paisagens, quer sejam

    mais conservadas, ou no, identificam-se manifestaes dinmicas dos geossistemas

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    passveis de serem analisadas segundo sua estrutura, longevidade e dinmicas de processos

    internos ou externos aos mesmos.

    Sotchava (1977) demonstrou que a evoluo dos geossistemas tem velocidades

    diferentes, pois h componentes que passam por transformaes ininterruptas em processos

    endgenos contribuindo, ao longo de um grande espao de tempo, para a diferenciao das

    paisagens. Ao passo que as transformaes decorridas por processos externos ocorrem em

    menor espao de tempo e tm efeito sobre a homogeneizao das paisagens.

    Diante da complexidade dos processos dinmicos inseridos na noo de

    geossistema, da dificuldade de delimitao espacial, das diferentes temporalidades de seus

    fenmenos, as propostas metodolgicas de anlises buscaram, nos modelos sistmicos, a

    possibilidade de interpret-los. Com o uso de mtodos matemtico-estatsticos, da

    orientao, do mapeamento e da realizao de experimentos, o estudo dos geossistemas

    configurou-se no modelo de anlise geogrfica

    A modelagem em sistema1 foi apresentada por Sotchava (1977), como primeira

    tarefa-chave da Geografia Fsica ao uso dessa abordagem metodolgica. Partindo das

    noes de sistema abertos e fechados, de energia e informao, os autores que aplicaram

    tal metodologia encontraram a necessidade de organizao de modelos sobre as conexes

    entre os elementos dos problemas analisados, inclusive preocupando-se com as formas e os

    processos de cada elemento.

    Gregory (1992) demonstrou as caractersticas sistmicas dos trabalhos em

    Biogeografia produzidos por Tansley (1935), Forsberg (1963) e Stoddart (1967),

    ressaltando que o conceito de ecossistema evoluiu, partindo da simples noo de conexes

    entre elementos biticos e abiticos, da insero do ser humano entre os elementos biticos

    e posteriormente, da noo de organizao estruturada hier