UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS REFORMA NEOLIBERAL E PRIVATIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA – JUSTIFICATIVAS X RESULTADOS: O SISTEMA TELEBRÁS MARCIO MICELI MACIEL DE SOUSA RECIFE 2005
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REFORMA NEOLIBERAL E PRIVATIZAÇÃO DA ECONOMIA o sistema telebras
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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CIÊNCIAS CONTÁBEIS
REFORMA NEOLIBERAL E PRIVATIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA – JUSTIFICATIVAS X RESULTADOS: O SISTEMA
TELEBRÁS
MARCIO MICELI MACIEL DE SOUSA
RECIFE 2005
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MARCIO MICELI MACIEL DE SOUSA
REFORMA NEOLIBERAL E PRIVATIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA – JUSTIFICATIVAS X RESULTADOS: O SISTEMA
TELEBRÁS
Monografia apresentada como exigência para obtenção do título de graduação à Universidade Católica de Pernambuco, na área de Ciências Econômicas.
Profº Orientador: Dr. Luís Henrique Romani de Campos.
RECIFE 2005
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MARCIO MICELI MACIEL DE SOUSA
REFORMA NEOLIBERAL E PRIVATIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA – JUSTIFICATIVAS X RESULTADOS: O SISTEMA
TELEBRÁS
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Católica de Pernambuco, a uma comissão examinadora formada pelos seguintes professores:
Profº Orientador: Dr. Luís Henrique Romani de Campos.
Profº Examinador: Dr. Thales Castro
RECIFE
2005
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[O Povo] não deve sentir a verdade da usurpação: ela foi um dia introduzida sem razão e tornou-se razoável; é preciso fazer que ela seja vista como autêntica, eterna, e esconder o seu começo se não quisermos logo que tenha fim. (Pascal, Pensamentos).
Forrester (1997, p.2).
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AGRADECIMENTO
A Deus por ter me dado saúde e a possibilidade de obter um título de graduação, em um país onde um terço da população vive abaixo da linha da pobreza. Aos meus pais, Carlos Marcio e Maria Lúcia, pelo amor e atenção inesgotáveis e por terem sido, ao longo de toda a minha vida, o meu porto-seguro. A minha irmã Caroline, pelo carinho e apoio. À Fabiana Cristina pelo amor, incentivo e compreensão, tendo abdicado de vários momentos de lazer em consideração à confecção deste trabalho. Ao professor e amigo José Maurício Pereira, pelos enormes ensinamentos, inúmeros incentivos e, através de sua intelectualidade, ter me proporcionado o despertar para o campo da pesquisa. À professora Maria do Socorro Anselmo, pela importante orientação em Técnicas de Pesquisa. A Vantuil Barroso Filho, um grande ativista político, e com certeza, uma das pessoas mais inteligentes e convictas que já conheci, pela orientação da primeira parte desta monografia. A Luís Henrique Romani de Campos, pela brilhante orientação da segunda parte deste trabalho, sempre promovendo comentários precisos e profundos, clareando para mim várias passagens que se mostravam obscuras e até certo ponto intransponíveis. E, por fim, meus sinceros agradecimentos a todas as pessoas cuja amizade conquistei na Católica, local que foi durante quatro anos e meio uma extensão da minha casa.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 1 – Dívida externa dos países em desenvolvimento (U$$ bilhões)......................................................................... 24
Gráfico 2 – Brasil: participação do Estado no total do
investimento (em %).......................................................................................... 46 Gráfico 3 – Evolução dos Investimentos Estrangeiros
brutos no Brasil 1990-2001 (U$$ bilhões). ...................................................... 48 Gráfico 4 – Brasil: Participação relativa do Estado em
setores da atividade econômica selecionados antes e depois da privatização, 1989 a 1999 (em % de vendas). ............................................................................................ 53
Gráfico 5 – O Brasil e o Mundo. Número de Telefones
Fixos por Grupo de 100 Habitantes – 1996. ...................................................... 61 Gráfico 6 – A nova Rede Pública. Meta de Instalação em
Milhares. ............................................................................................................ 74 Gráfico 7 – Brasil. Linhas Telefônicas 2000/2005 em
Tabela 1 – Participação do capital estrangeiro na privatização de empresas brasileiras do setor público, 1991-1998 ª (em milhões de dólares e percentagem). ................................................................................................ 52
Tabela 2 – Brasil: evolução das empresas privatizadas e do
ajuste do emprego no setor estatal entre 1979 e 1999. ............................................................................................................ 56
Tabela 3 – A Privatização das Telecomunicações no Brasil,
julho de 1998. ................................................................................................ 66 Tabela 4 – O Ritmo da Expansão. Metas por Operadoras e
Estados em Milhares....................................................................................... 71 Tabela 5 – Área de Atuação das Empresas de Telefonia no
Brasil. ............................................................................................................. 72 Tabela 6 – Telecomunicações. Maiores Fusões e
1) CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ........................................................................................................................................ 14
2) DESMONTE E PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO ............................ 37
3) A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS E SUAS REPERCUSSÕES ....... 58
O presente trabalho busca revelar as visões de algumas das principais escolas do pensamento econômico, no tocante aos benefícios e desvantagens das intervenções do Estado na economia. Respaldada por uma contextualização histórica, a pesquisa traça uma análise dos principais acontecimentos que vieram a motivar a instalação de políticas neoliberais no sistema mundo, focalizando-se em especial as reformas conduzidas na América Latina. Remetendo-se a realidade brasileira, foram checados os principais argumentos utilizados em defesa da privatização, bem como a nova postura adotada pelo Estado, enquanto agente regulador. A análise do processo de privatização do sistema TELEBRÁS serviu como ponto de apoio, para a comparação das principais justificativas para a implementação de um modelo de telecomunicações que defendia a quebra do monopólio natural, como forma de proporcionar a população melhores serviços de telefonia e preços bem mais acessíveis.
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INTRODUÇÃO
O surgimento da teoria econômica veio acompanhado de uma defesa fervorosa pelo
livre-mercado, consolidada pela sua corrente dominante, ao desbancar o pensamento dos
primeiros economistas alemães e reduzir consideravelmente a vitalidade da teoria
mercantilista, através da elaboração e execução de uma crítica veementemente às idéias dos
que enxergavam o intervencionismo estatal como uma peça chave no desenvolvimento das
nações.
Os economistas integrantes das escolas clássica e neoclássica compartilhavam da
opinião segundo a qual o laissez-faire constituía-se como o ambiente mais adequado a uma
eficiente alocação dos recursos, representando uma enorme garantia à manutenção da
estabilidade e do equilíbrio. A presença de uma “mão invisível” acabava por inibir qualquer
possibilidade de crise, reforçando a idéia, segundo a qual, o surgimento de momentâneos
desequilíbrios na esfera econômica significava uma nuvem passageira.
Neste comum instante, Marx polemizava a discussão ao afirmar que o Estado não
praticava essencialmente o liberalismo, potencializando o enriquecimento de uma classe que,
apesar de minoritária, detinha uma forte influência perante este organismo. Esta
predisposição, que acabava privilegiando a burguesia, foi por ele encarada como essencial à
formação do capital.
A mais longa crise mundial vivenciada pelo capitalismo desde a sua origem, durante a
década de 1930, funcionou como um revés ao pensamento econômico liberal. O surgimento
de um longo e intenso desequilíbrio nas economias capitalistas desenvolvidas reforçou a
hipótese de que o sistema econômico deixado a seu bel prazer poderia vir de fato a apresentar
longos períodos de desequilíbrio e estagnação, tornando-se imprescindível uma maior
intervenção estatal no estabelecimento de novas bases.
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A intensa crise de 1930 origina uma mudança no pensamento econômico,
materializando-se inicialmente em Keynes, defensor da adoção de medidas econômicas por
parte do Estado, com o intuito de manter a demanda agregada e evitar fortes flutuações no
produto. Esta justificativa acabava por derrubar a tese defendida por muitos economistas,
segundo a qual, o livre-mercado, representava o ambiente mais adequado à prosperidade
econômica.
Após tirar a economia estadunidense da situação caótica na qual se encontrava, através
da utilização de um pacote de políticas econômicas que defendiam o aumento dos gastos do
governo, privilegiando a utilização da política fiscal em relação à monetária (BLANCHARD,
2001), por acreditar que a primeira afetava diretamente a demanda e conseqüentemente o
produto de forma mais eficaz, reaquecendo assim, a economia, a teoria keynesiana passa a
gozar de um imenso prestígio nas universidades e nos gabinetes dos governos. Durante grande
parte do século XX esta escola do pensamento econômico desfruta de imensa credibilidade no
planejamento econômico Estatal.
Entretanto os primeiros anos da década de 1970 trouxeram a tona dois fatos jamais
presenciados pelas economias capitalistas modernas. A presença da estagflação e o
surgimento do 1º choque do petróleo, interromperam o mais vigoroso ciclo de crescimento do
capitalismo registrado em todos os tempos, colocando em cheque os ideais Keynesianos
(FUSFELD, 2001).
A identificação nos escritos de Milton Friedman de uma crítica a Curva de Phillips,
elaborada anteriormente ao fato histórico da estagflação, o fortalece enquanto intelectual e
acadêmico, dado o alto grau de previsibilidade de sua construção teórica, redefinindo um
novo rumo ao pensamento econômico. Neste exato momento a escola monetarista ganha força
e prestígio nos debates econômicos realizados na comunidade científica, trazendo ao debate
político a necessidade de reduzir o papel do Estado na economia.
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A minimização da intervenção estatal ganha um reforço extra com a divulgação das
teorias formuladas pela escola Novo-Clássica, formada pelo triunvirato composto por Robert
Lucas, Thomas Sargent e Robert Barro, os quais atacaram de forma implacável a corrente
Keynesiana, mostrando aos descendentes de Keynes que as ações executadas pelo Estado,
com o intuito de descolar o produto do seu estado natural, possuíam uma curtíssima duração,
sendo incapazes de reativar a economia por um longo período (MORAES, 2001)
O início da década de 1980 representou o ponto de partida para a implementação de
uma ampla reforma apoiada no surgimento de um sistema político-econômico intitulado como
neoliberalismo, no qual a intervenção estatal era interpretada como sinônimo de atraso e
ineficiência. Apoiada na base filosófica do liberalismo triunfante de séculos passados
materializava-se uma nova roupagem para a defesa do livre-mercado, na qual estavam
internalizados os interesses de uma minoria em detrimento aos objetivos de grande parte da
população mundial (SADER, 2003)
As reformas neoliberais foram promovidas inicialmente nos Estados Unidos e na
Inglaterra em 1983 sob a condução de Ronald Reagan e Margareth Thatcher, respectivamente,
impulsionando um amplo processo de defesa ao livre mercado, onde era demandado um
modelo de privatização e desregulamentação econômica em âmbito global, trazendo no seu
bojo uma intensa crítica à produção de bens e serviços pela esfera estatal (STIGLITZ, 2002).
A ameaça de instauração de uma nova crise no sistema capitalista mundial demandava
dos países desenvolvidos como os Estados Unidos, a adoção de políticas capazes de espantar
este fantasma, combatendo os efeitos maléficos causados pela estagflação e pelos dois
choques do petróleo às economias mundiais, tendo o segundo acontecimento contribuído
bastante para a elevação do preço das mercadorias no cenário internacional.
Esta ação combativa perpassava pela elevação substancial da taxa de juros, vindo a
desencadear um efeito contracionista no crédito ofertado no mundo, penalizando os países em
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desenvolvimento, por intermédio da elevação dos seus passivos e a maior dificuldade na
obtenção de empréstimos, promovido pelas expectativas pessimistas por parte dos credores
internacionais acerca do futuro (FUSFELD, 2001).
A instauração da crise da dívida externa nos países em desenvolvimento, provocada
pela imensa elevação das taxas de juros durante a década de 1980, serviu como pano de fundo
para que fosse implementada uma série de reformas neoliberais, conduzidas em grande parte
pelas instituições de Bretton Woods, baseadas em modelos permeados por uma extrema
ortodoxia e um alto teor matemático, cujos resultados acabaram por acentuar ainda mais o
abismo entre ricos e pobres nas economias periféricas (CHOSSUDOVSKY, 1999).
O presente trabalho busca analisar o contexto em que a reforma neoliberal e a
privatização da economia brasileira estiveram inseridas, identificando os principais
argumentos utilizados pelos seus defensores. Serão buscados os resultados destas reformas
econômicas, focalizando-se em especial a privatização do sistema de telecomunicações,
repassado à iniciativa privada num leilão promovido pelo Governo Federal em 29 de julho de
1998.
No capítulo 1 foram analisadas as visões das escolas Marxista, Keynesiana,
Monetarista e Novo-Clássica no que diz respeito ao papel do Estado na economia,
observando-se os diferentes pontos de vista destas correntes do pensamento econômico; os
novos paradigmas impostos pela globalização, dando ênfase em especial, às reformas
neoliberais intensificadas no mundo a partir da década de 1980, como também as
modificações promovidas pelo esfacelamento do modelo socialista, renegando e extinguindo a
bipolaridade e substituindo-a pela unipolaridade.
No capítulo 2 foram apresentados os principais elementos responsáveis pela reforma e
privatização da economia brasileira ocorrida no período do Governo Collor ao segundo
mandato de Fernando Henrique na presidência da República, identificando-se os principais
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atores e circunstâncias responsáveis por uma intensa mudança no desenvolvimento do setor
público no Brasil, bem como as repercussões socioeconômicas promovidas pelo processo de
desmonte do Estado.
O capítulo 3 traz um estudo da evolução histórica do sistema Telebrás, bem como dos
fatores determinantes para a aplicação das reformas neoliberais por parte do Estado Brasileiro
no setor das telecomunicações. Analisando a forma como foi realizada a privatização do
Sistema Brasileiro de Telecomunicações, serão confrontadas as justificativas e os resultados,
avaliando-se a quantidade, a qualidade e o preço dos serviços ofertados pelas empresas de
telefonia fixa e móvel no país.
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1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A grande maioria dos economistas clássicos, como Adam Smith, David Ricardo e
John Stuart Mill eram defensores incontestes do livre-mercado. Sob a ótica destes grandes
pensadores, o Estado deveria ter uma participação mínima na economia. Seriam atribuídos à
esfera pública, a regulamentação da concorrência, a manutenção de sistemas de educação,
saúde e segurança, a proteção ao direito de propriedade, o controle da taxa de juros e a
regulação do comércio exterior. O grande argumento dos defensores do laissez-faire estava
fundamentado na Lei de Say, a qual afirmava que para toda a oferta de um bem existe uma
respectiva demanda, logo o mercado se auto-ajustaria, alcançando o equilíbrio.
Por esta razão, tornava-se inaceitável a idéia de que a economia pudesse vir a sofrer
um processo de estagnação econômica. Segundo os defensores da Lei de Say, os
desequilíbrios entre oferta e demanda eram passageiros, sendo normalizados pelas forças de
mercado. O equilíbrio no sistema econômico seria, assim, instantâneo e regulado pelo
individualismo competitivo e pelo mecanismo dos preços. Os recursos seriam realocados de
forma eficiente com o auxílio da mão invisível, ocorrendo sempre equilíbrio de pleno
emprego (SOUZA, 1999). Este pensamento neoclássico vigorou até o ano de 1929, sendo
questionado e refutado pela Teoria Keynesiana, ao não conseguir explicar o fenômeno de
retração prolongada da economia estadunidense.
O crash da Bolsa de Nova York, em 1929, fez com que a economia norte-americana
mergulhasse numa profunda crise econômica gerada por um processo de superprodução que
se refletiu de forma quase imediata nos demais países capitalistas avançados. De uma hora
para outra o preço das ações das empresas norte-americanas caíram 23%, vários bancos
entraram em processo de falência e muitas empresas em bancarrota (FUSFELD, 2001). Toda
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a construção e agravamento gradual deste cenário adverso, banhado por um pessimismo
crescente, contribuíam para a intensificação da crise, pois os agentes econômicos criavam
expectativas cada vez mais negativas acerca do futuro.
A construção desta realidade empobrecedora no prisma econômico e social, fora
motivada pela drástica redução no consumo e a diminuição intensa dos investimentos,
resultando na elevação da taxa de desemprego a patamares jamais observados na economia
dos Estados Unidos.
A teoria neoclássica não encontrava a solução para o problema. Apenas o mercado não
era capaz de aquecer a economia norte-americana, reativando o crescimento e aumentando o
emprego. Foi então que John Maynard Keynes elaborou a Teoria Geral do Emprego, do Juro e
da Moeda em 1936, refutando a Lei de Say e afirmando que a demanda agregada, constituída
da soma do consumo e do investimento, era a grande geradora do emprego.
Segundo Keynes, os neoclássicos estavam equivocados ao pensar que apenas a
manutenção dos salários ao nível de subsistência seria capaz de manter o pleno emprego, bem
como era uma grande falácia a crença por eles defendida de que o laissez-faire seria capaz de
levar a economia ao equilíbrio. Foi então quando a teoria keynesiana propôs o aumento dos
gastos governamentais, objetivando estimular a demanda agregada e a adoção de uma política
monetária expansionista, bem como de políticas fiscais que viessem a reduzir impostos e
elevar os gastos do Governo, como forma de dar novo fôlego à economia norte-americana,
tirando-a da lama em que estava mergulhada (BLANCHARD, 2001).
O fracasso do modelo econômico liberal faz com que os países desenvolvidos abandonem o ideal de livre-comércio, promovendo a renúncia da concorrência através da construção de barreiras protecionistas. Todos os Estados rivalizam no intervencionismo. A fé na mão invisível, na organização pretensamente natural e espontânea, é renegada (LATOUCHE, 1996, p.25).
Envolto no Consenso Keynesiano, o mundo assistia as variadas formas de
planificação, visando corrigir, por meio da política desenfreada dos governos, os efeitos
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desastrosos das flutuações de mercado, as quais fomentavam desequilíbrios sociais excessivos
e politicamente perigosos. Dentro desta concepção intervencionista buscava-se a manutenção
da estrutura social, ofertando às populações serviços de saúde, educação, habitação, transporte
urbano e previdência (MORAES, 2001).
Em 1944 ocorreu uma grande reunião em Bretton Woods, onde foram discutidas as
bases para a criação do Fundo Monetário Internacional - FMI e do Banco Mundial. A tarefa
mais árdua de uma estabilidade econômica global foi dada ao FMI, devido às lembranças
ainda latentes da depressão mais séria sofrida pelo capitalismo desde a sua existência. No pior
momento da crise, um a cada quatro trabalhadores norte-americanos encontrava-se
desempregado (STIGLITZ, 2002).
O Fundo Monetário Internacional na sua origem reconhecia que os mercados não
funcionavam bem, podendo gerar desemprego e efeitos negativos ao bem estar coletivo. A
partir deste ideal, o FMI fundamentou-se no pensamento de que haveria uma necessidade
imediata de uma ação coletiva em nível global, como forma de garantir a estabilidade
econômica.
A depressão dos anos 30, focalizada principalmente nos países onde o capitalismo apresentava-se num estágio mais avançado, testemunhou apesar da queda das commodites, um abrandamento da dependência colonial por parte dos países em desenvolvimento. (CHOSSUDOVSKY, 1999, p.21).
Dentro deste contexto surgia para as economias periféricas uma oportunidade de
planejar a transferência do eixo dinâmico de suas economias do campo para as cidades, sendo
assim abertas as primeiras janelas para inserção no processo de industrialização capitalista.
Somente a partir da década de 1930 quando o capitalismo entra em crise, o mundo
passou a se preocupar com o desenvolvimento econômico. Dentro da Organização das Nações
Unidas – ONU, foi criada a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe - CEPAL,
fortemente influenciada pelas idéias Keynesianas de planejamento e promoção do
desenvolvimento econômico a partir da consolidação de um Estado forte e atuante.
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O primeiro presidente desta instituição foi o economista Raul Prebisch, defensor da
idéia segundo a qual o subdesenvolvimento dos países da América Latina estava atrelado à
deterioração dos termos de troca presente na relação comercial entre países ricos e pobres. As
economias periféricas possuíam na sua pauta de exportação produtos de baixo valor agregado
quando comparados aos exportados pelas economias centrais. Este desequilíbrio na relação
exportação x importação entre centro e periferia no comércio internacional, contribuía para
que fosse estabelecida uma balança comercial deficitária por parte dos países pobres,
remetendo-os a uma situação de crescente agravamento social.
Através de um diagnóstico construído pela CEPAL das reais causas do
subdesenvolvimento, foi proposta a trans ferência do eixo dinâmico da economia, do meio
rural para o urbano, através da utilização de um modelo de industrialização calcado na
substituição de importações. Para os Cepalinos tornava-se fundamental a construção de uma
legislação que viesse a restringir o consumo de bens industrializados produzidos nas
economias centrais, mediante o estabelecimento de tarifas elevadas ou restrições
quantitativas, bem como calibrar o câmbio objetivando estimular as exportações de bens de
consumo sem restringir de forma veemente a importação de bens de capital. Todas estas
medidas seriam lançadas com o intuito de moldar o cenário nacional de forma favorável à
industrialização dos países latino-americanos.
O final da segunda guerra mundial representava o ponto de partida para um período de
desenvolvimento econômico jamais visto na história. Aos poucos o fantasma da grande
depressão capitalista dos anos de 1929 ia sendo exorcizado pelo crescimento fervoroso da
economia mundial do pós-guerra.
Neste exato momento tornava-se cada vez mais clara a divisão do mundo em dois
blocos antagônicos. O primeiro, capitalista, representado pelos Estados Unidos, enquanto o
segundo, socialista, defendido pela União Soviética. Tinha assim início o período
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compreendido pela história como a Guerra Fria, por representar a disputa ideológica,
econômica, política e cultural pela hegemonia mundial.
A construção de um plano de reconstrução para Europa Ocidental por parte dos
Estados Unidos, denominado Plano Marshall, promoveu uma grande e rápida recuperação das
economias ocidentais do velho continente. Os vultuosos empréstimos concedidos pelo
governo Norte-Americano à parte capitalista da Europa, a qual naquele momento possuía
economias fragilizadas, em conseqüência dos imensos gastos em armamentos e a destruição
de grande parte de suas infra-estruturas, estimulou a União Soviética a lançar o plano
Molotov, objetivando promover a reconstrução da parte não contemplada pela ajuda
estadunidense, ou seja, a Europa Oriental.
Os resultados destes dois planos foram bastante significativos. A Europa oriental integrou-se à onda de crescimento econômico depois de um período de distúrbios econômicos e sociais, enquanto a economia soviética continuava sua marcha adiante e a economia americana experimentava um padrão de crescimento uniforme. O Japão tornava-se a terceira potência industrial do mundo, e diversos países subdesenvolvidos, como o Brasil, transformavam-se em nações em desenvolvimento (FUSFELD, 1999, p. 226).
O combustível para todo este crescimento econômico compartilhado por uma boa
parte das economias mundiais, residia nos aumentos de investimento nos setores de
eletrônicos, plásticos, energia atômica e transportes motorizados, bem como a elevação no
número de centros de pesquisa e desenvolvimento de ciência e tecnologia por parte das
esferas públicas e privadas (FUSFELD, 1999). Corroboraram também a elevação imensa nos
gastos dos governos dos Estados Unidos e da União Soviética, como forma de não perder
espaço na corrida armamentista e espacial. O aumento nos gastos do Governo destes dois
principais atores do cenário mundial à época contribuía positivamente para o aumento do
investimento por parte das empresas.
Durante os anos de 1944 a 1969, o capitalismo denominado post-cíclico desfrutou de
vinte e cinco anos de desenvolvimento econômico pacífico, com taxas médias de crescimento
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do Produto Interno Bruto de 5% ao ano, tendo alcançado níveis de bem-estar e transformações
jamais vistas na experiência humana. Durante este período foi consolidada a hegemonia da
Teoria Keynesiana, a qual perdurou até o começo da década de 1970, quando uma nova crise
teve início, sendo agravada pela denúncia da convertibilidade do dólar, em 1971, pela crise do
petróleo e por um novo fenômeno, o qual seria teoricamente inconcebível, revelado pelo
surgimento da estagflação (RIBEIRO, 2002).
No começo dos anos de 1971, as autoridades monetárias norte-americanas anunciavam
que as coisas estavam muito mudadas: o dólar não teria mais a sua conversão automática em
ouro. O crescimento do mercado financeiro paralelo desafiava a regulamentação nacional do
comércio de ações, de títulos públicos e divisas, bem como da riqueza intangível e líquida do
capitalismo de papel (MORAES, 2001).
O motivo para a desaceleração da economia mundial estava calcado no surgimento de
um processo inflacionário, o qual trazia consigo altas taxas de desemprego, indo de encontro à
formulação teórica inicial da curva de Phillips, na qual a relação entre estas duas variáveis
mostrava-se inversamente proporcional.
A explicação para o processo de estagflação estava fundamentada na elevação do
preço do petróleo a patamares jamais vistos no mercado internacional. Durante o período de
1973 a 1978, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP, duplicou o preço
deste bem tão essencial ao desenvolvimento de um enorme leque de atividades econômicas,
promovendo além do impacto direto na produção, um impacto indireto no setor de
transportes, culminando com a elevação dos preços finais das mercadorias e
conseqüentemente contribuindo para pressionar a inflação (FUSFELD, 2001).
O choque do petróleo promoveu o deslocamento da renda dos países importadores de
petróleo para os países exportadores, especialmente os do Oriente Médio. A elevação no fluxo
de renda remetida ao exterior como forma de pagamento das importações do petróleo,
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promoveu uma redução do dinamismo da economia dos países importadores desta matéria-
prima, devido à elevação dos custos de produção e a redução do poder aquisitivo das famílias
(FUSFELD, 2001).
A necessidade por parte dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos em adquirir
empréstimos objetivando garantir o funcionamento de suas economias, já que a grande
maioria dos países não era auto-suficiente na produção de petróleo, demandou uma grande
quantidade de recursos do sistema financeiro internacional, os quais foram ofertados na sua
grande maioria pelos bancos norte-americanos e europeus.
Percebe-se que até o ano de 1979, onde ocorrera o segundo choque do petróleo, o
mercado financeiro internaciona l desfrutava de uma alta liquidez, graças à elevada emissão de
moeda por parte dos Estados Unidos e a exuberante oferta de petrodólares pelas instituições
financeiras internacionais. Contudo, no começo da década de 1980, o banco central norte-
americano identificou a possibilidade de se estabelecer um processo inflacionário, o qual
exigiu a aplicação de política monetária contracionista, vindo a reduzir substancialmente a
liquidez do sistema internacional (BLANCHARD, 2001).
A elevação das taxas de juros nas economias mundiais foi motivada pela pressão
inflacionária provocada após o segundo choque do petróleo, o qual teve grande influência na
posição adotada pelos banqueiros, que ao identificarem um maior risco inerente ao
desenvolvimento de suas atividades, resolveram estabelecer um maior retorno a estas,
compensando o crescente risco de inadimplência. Neste momento as taxas de juros
alcançavam valores enormes nos países subdesenvolvidos. Tanto no Brasil, como no restante
das economias latino-americanas, estas taxas adotavam níveis acima de 50%. Nas economias
dos países desenvolvidos o cenário era menos dramático, pois estas taxas ficaram entre 12 e
21% (FUSFELD, 1999).
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Neste contexto compartilhado pelas economias mundiais, tornava-se imprescindível
controlar o nível agregado da demanda, com o propósito de atenuar o impacto social e
econômico das crises de inflação. O remédio utilizado para combater esta patologia acabou
tornando-se bastante amargo, provocando uma redução nos investimentos direcionados ao
setor produtivo e elevando o desemprego na economia mundial.
O aparecimento da estagflação promoveu um processo de desaceleração econômica,
projetando novamente na economia mundial um período de crise, reforçando assim, a crítica
deflagrada pelos Monetaristas aos ideais Keynesianos, a qual fundamentava-se na
impossibilidade do Governo em elevar a atividade econômica no longo prazo, através da
utilização de política fiscal.
A partir deste momento um tema era colocado em questão nos debates econômicos
pelo mundo. Qual seria o papel do Estado na regulamentação e no funcionamento da
economia? As correntes do pensamento econômico tinham respostas diferentes para este tipo
de questionamento.
A escola keynesiana permanecia vendo no Estado a grande força propulsora do
desenvolvimento econômico, por dispor de poder e isenção suficiente para combater as
distorções sociais e econômicas provocadas pelas falhas de mercado. Em contrapartida, a
escola monetarista, cujo grande expoente e difusor fora Milton Friedman, propunha a mínima
intervenção do Estado na economia, por acreditar que ao intervir na economia, alegando
combater as distorções geradas pelo mercado, o Estado acabava por provoca- las de forma
ainda mais intensa.
Avesso às idéias de Keynes, Friedman afirmava que no longo prazo a política
monetária era muito mais eficaz em relação à política fiscal, podendo a primeira explicar
grande parte das variações do produto (BLANCHARD, 2001).
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Contrária a toda esta polêmica, a corrente Novo-Clássica lançava as suas idéias,
estabelecendo um ponto de inflexibilidade a tudo o que estava sendo debatido, ao afirmar que
tanto no curto quanto no longo prazo, a política fiscal e monetária era neutra. Qualquer tipo de
mecanismo por parte do Governo seria incapaz de deslocar o produto do seu estado natural
por muito tempo, caminhando sempre para a frustração, justificando assim, a defesa pelo
livre-mercado, já que apenas os agentes econômicos seriam capazes de recolocar a economia
nos trilhos.
Diante de uma propaganda maciça da impossibilidade do Estado em gerir a atividade
econômica de forma eficaz, a teoria neoclássica, base do neoliberalismo, ganha força e
prestígio enquanto ideologia, fortalecendo-se e nutrindo-se ainda mais com o enfraquecimento
dos ideais keynesianos.
Utilizando-se de um momento oportuno, o qual coincide com o enfraquecimento das
idéias lançadas por Keynes, o neoliberalismo, objetivando desmascarar os benefícios do New
Deal americano e o estado de bem-estar social europeu, passa a condenar a robustez do setor
público, as negociações sindicais, as políticas de renda e de seguridade social. Tal justificativa
apoiava-se na crença de que a sobrecarga do Estado levava a ingovernabilidade das
democracias, tornando-se imprescindível promover o distanciamento entre a sociedade e o
governo.
A partir deste momento, o Fundo Monetário Internacional passa a defender a
supremacia do mercado com fervor ideológico. Inicialmente, fundamentado na crença de que
se tornava necessário pressionar os países a adotarem políticas econômicas mais expansivas,
atualmente, o FMI somente concede recursos aos países, se estes seguirem o seu receituário
de políticas econômicas, calcado no corte dos gastos, aumento dos impostos e elevação das
taxas de juros, medidas que levam à retração econômica (STIGLITZ, 2002).
23
A mudança mais drástica na essência destas duas instituições criadas em Bretton
Woods teve início no começo dos anos de 1980, impulsionada e orientada pela política de
livre mercado nos Estados Unidos e na Inglaterra. O FMI e o Banco Mundial tornavam-se as
novas instituições missionárias, por meio das quais estas idéias eram impostas aos relutantes
países pobres, os quais via de regra, precisavam muito de seus empréstimos e de suas
concessões.
Colocando em prática as políticas debatidas no Consenso de Washington, conjunto de princípios orientados para o mercado, traçado pelo governo dos Estados Unidos e pelas instituições financeiras internacionais que ele controla, cujas regras básicas são: a liberalização do mercado e do sistema financeiro; a fixação dos preços pelo mercado; o controle da inflação e o desencadeamento e imposição de um processo de privatizações em âmbito global (CHOMSKY, 2002, p.21).
As políticas neoliberais são aplicadas de forma precursora na Inglaterra e nos Estados
Unidos no ano de 1983, orientadas respectivamente por Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
Os Ministros das Fazendas das nações mais pobres do mundo estavam dispostos a se
converterem a esta nova tendência para a obtenção de recursos, embora a grande maioria dos
funcionários desses governos, bem como a maioria dos habitantes destes países,
permanecessem descrentes neste novo rumo tomado por suas economias (STIGLITZ, 2002).
Gráfico 1 . Dívida externa dos países em desenvolvimento (US$ Bilhões) Fonte: Chossudovsky (1999, p. 39)
A análise do gráfico 1 revela um crescente endividamento em valores reais dos países
em desenvolvimento. No início da década de 1980, a dívida externa destas economias girava
em torno de U$$ 685 bilhões. No final da primeira metade da década de 1990, essa dívida
havia quase que triplicado, alcançando o patamar de U$$ 1945 bilhões. A maior variação
registrada no período, ocorreu entre 1984 e 1988, tendo a dívida saltado de U$$ 843 bilhões
para U$$ 1427 bilhões, coincidentemente, um ano após o início da onda neoliberal,
responsável por uma série de reformas pró-mercado nas economias norte-americana e inglesa.
A instauração de uma crise sem precedentes nas economias periféricas funcionou
como pano de fundo para a implementação de uma reforma macroeconômica seguindo a
cartilha de estabilização e ajuste estrutural impostos pelo Fundo Monetário Internacional –
FMI e pelo Banco Mundial, ocasionando um desmantelamento das instituições do Estado e
25
promovendo uma redução bastante significativa nos gastos públicos destinados as áreas
sociais. (CHOSSUDOVSKY, 1999).
As economias dos países em desenvolvimento que aderiram aos Programas de Ajuste
Estrutural – PAE passam a adotar um modelo de desenvolvimento único e fiel aos preceitos
discutidos e defendidos no Consenso de Washington. As políticas macroeconômicas aplicadas
a partir de então seguem um caminho retilíneo, sem direito a desvio, pois estas são as
condicionalidades impostas pelo FMI para a renovação dos empréstimos que garantem o
pagamento dos juros da dívida e a suposta sobrevivência da nação.
A modernidade se expressa através de um modelo de desenvolvimento econômico
atrelado a inúmeras investidas que serviram de ímpeto para uma nova onda de controle
capitalista de empresas públicas em âmbito mundial (PETRAS e VELTMEYER, 2001), cuja
raiz ideológica encontra-se fundamentada no desmantelamento do estado de bem-estar e no
combate aos sindicatos e diversos movimentos de esquerda radicados nos países em
desenvolvimento.
Estas reformas macroeconômicas promovidas pela grande maioria dos governantes
dos países em desenvolvimento vieram a fortalecer a ideologia neoliberal, transformando-a na
principal tendência das esferas políticas e econômicas nas duas décadas seguintes,
curiosamente difundidas por candidatos não somente da direita, como do centro e até mesmo
da esquerda.
Por ironia do destino ou vingança da História, grande parte destas reformas políticas
sustentadas pelo economicismo prevalecente da teoria neoclássica, foi realizada por chefes de
Estado que se diziam social-democratas como Fernando Henrique Cardoso, no Brasil, Alberto
Fujimori, no Peru, Carlos Andrés Pérez, na Venezuela e Vicente Fox, no México, bem como
por Carlos Menem, na Argentina.
26
Todos representavam correntes de centro-esquerda, até colocarem em prática
programas de estabilização econômica ortodoxos, contribuindo diretamente para a
marginalização de amplos setores sociais, debilitando o movimento sindical e privatizando em
condições negativas para a esfera pública uma grande quantidade de suas empresas (SADER,
1997).
Nos países desenvolvidos a teoria neoliberal teve também grandes colaboradores,
anteriormente contrários ao livre-mercado, como François Mitterrand na França e Felipe
Gonzáles na Espanha, que ao chegarem ao poder em seus países, esqueceram respectivamente
a ideologia social-democrata e socialista, passando a adotar o laissez-faire como princípio
fundamental.
O grande vazio deixado pelo enfraquecimento de sistemas político-econômicos como
a social-democracia e o socialismo, foram preenchidos pelo neoliberalismo, braço ideológico
da globalização, sob a alegação de que o mercado seria o único agente capaz de alocar de
forma justa e racional os recursos, premiando o cidadão empreendedor pela iniciativa pessoal
em busca da felicidade (CHOMSKY, 2002).
Alicerçado em três linhas do pensamento neoliberal cuja representação é defendida
pela Escola Austríaca de economia, liderada por Friedrich Hayek, considerado o patrono do
neoliberalismo contemporâneo, pela Escola de Chicago personificada em TW Scultz e Gari
Becker e principalmente Milton Friedman, bem como pela Escola de Virgínia ou Public
Choice, capitaneada por James M. Buchanan, o desenvolvimento humano passa a caminhar
para um denominador comum.
A defesa da democracia é reivindicada através da mínima intervenção do Estado na
economia, como forma de reduzir a ineficiência e as distorções na área econômica e social
geradas pela excessiva presença da esfera pública. Os defensores das práticas neoliberais
denunciam estes prejuízos, afirmando que os possíveis benefícios da intervenção pública não
27
se materializam, pois são capturados por um elevado nível de burocratização “rent seeking” e
corrupção presente no aparelho de controle, cristalizando-se como um verdadeiro entrave ao
desenvolvimento econômico.
A moderna teoria do Estado apresentada pelo neoliberalismo defende que o setor
público deve restringir-se apenas e tão somente a moldar e assegurar um ambiente econômico
competitivo com regras estáveis, o qual atrairia novos investimentos e expandiria a atividade
econômica do sistema capitalista mundial, beneficiando uma parcela cada vez maior dos
habitantes do planeta, já que o mercado é a única força capaz de atuar com total isenção ao
promover a competição entre empresas, transferindo aos consumidores expressivos ganhos
obtidos através da redução dos preços dos bens e serviços por eles consumidos.
Na visão de MORAES (2001:p.43):
O mercado é um processo competitivo. Nele indivíduos movem-se orientados pelos seus próprios interesses. O mercado é a combinação desses planos e atividades individuais de produtores e consumidores. Os elementos motores deste mundo são a função empreendedora do indivíduo e a concorrência, no interior de uma complexa divisão social do trabalho. A ordem do mercado é produto das atividades dos indivíduos, mas não do designo nem da deliberação de ninguém em particular. Não é resultado de uma razão, em sentido restrito. Aliás. Todas as instituições econômicas, políticas e culturais positivas, são resultados de uma evocação espontânea. Haveria um processo seletivo, meio darwinista ou lamarquiano, em que formas de organização social competiriam entre si. Sendo comparadas e adotadas pelos grupos humanos conforme sua operosidade e eficiência. Os participantes do mercado tomam decisões olhando o sistema de preços do mercado livre. É assim que se ajustam a todo momento os seus planos de produção e de consumo.
Na medula do raciocínio neoliberal imperante encontra-se a oposição entre o estatal e
o privado (SADER, 2001). Na grande arena da conduta humana a luta pelo estado mínimo é
evocada, sendo justificada pelo fortalecimento do processo democrático, vindo a substituir o
modelo de Estado do “bem estar social”.
Na obra de Milton Friedman, intitulada, Capitalismo e Liberdade enfatiza-se a
preservação da liberdade do homem como a principal razão para a limitação e
desenvolvimento do poder do governo. Defende a liberdade econômica como condição
necessária para a liberdade política. Assim, considera que o único sistema compatível com a
28
preservação da liberdade é o capitalismo competitivo, que corresponde à organização da
atividade econômica por meio da empresa privada operando em mercados livres.
Nem mesmo o reconhecimento da historiografia econômica dos benefícios trazidos
pela intervenção do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico em diversos
países, foi capaz de enfraquecer o modelo de desenvolvimento neoliberal, cuja maior
conseqüência trazida para humanidade traduziu-se na elevação do abismo entre ricos e pobres
(CHOMSKY, 2002)
Na historia recente do capitalismo, são inúmeros os exemplos de sucesso de modelos
onde o desenvolvimento econômico esteve apoiado na esfera pública. A opção de
desenvolvimento do Japão, país asiático pobre em recursos naturais e que após a Segunda
Guerra Mundial encontrava-se brutalmente destruído, o qual parecia ter sofrido no episódio
do lançamento das bombas nucleares por parte dos Estados Unidos nas cidades de Hiroshima
e Nagasaki, a sentença ao subdesenvolvimento, dado o ambiente caótico no qual a sua
população se encontrava, optou em rejeitar as doutrinas liberais arquitetando seu programa de
desenvolvimento pós-segunda guerra apoiado fundamentalmente nas ações do Estado.
Dentro deste contexto grandes empresas foram orientadas e apoiadas pelo Ministério do Comércio Internacional e Indústria – MITI, mediante execução de um programa de planejamento estratégico. As interfaces constantes entre as Keiretsu e o governo foram elementos primordiais na explicação da façanha do Japão, que dominou a Europa e alcançou os Estados Unidos em vários segmentos das indústrias de tecnologia da informação, elevando o país a condição de superpotência tecnológica em apenas cerca de vinte anos (CASTELLS, 2002, p.75).
Inspirado neste modelo de repúdio ao fervor ideológico do mercado, por contestar os
supostos benefícios desta liberdade, o Japão alcançou na década de 1990 uma posição de
destaque entre as economias que habitam o núcleo do sistema capitalista, servindo como uma
imensa fonte de investimento estrangeiro, da qual os Estados Unidos recorreram
freqüentemente para financiar o seu déficit.
29
Outra experiência bastante difundida foi a vivenciada pela Coréia do Sul que após ter
sofrido com os prejuízos causados pela Guerra da Coréia, resolveu construir um programa
desenvolvimentista apoiado na intervenção estatal, que em trinta anos aumentou em oito
vezes a renda per capita de sua população, reduziu drasticamente a miséria, acabou com o
analfabetismo e diminui radicalmente a distância tecnológica existente entre ela e as nações
mais desenvolvidas do planeta (STIGLITZ, 2002). Em pouco tempo a Coréia do Sul tornava-
se um dos países que mais produziam chips para computadores e os produtos de seus enormes
conglomerados – Samsung, Daewoo e Hyundai – eram conhecidos em todo o mundo. Todavia
a formação destas grandes transnacionais não afastava a idéia da manutenção do Estado
empresário.
Olhando para um passado não tão distante, percebe-se que até mesmo o país que
atualmente melhor simboliza o neoliberalismo teve e continua tendo no Estado um grande e
valioso aliado na construção do seu modelo de desenvolvimento econômico. Os contratos
militares e as iniciativas tecnológicas do departamento de defesa norte-americano
constituíram-se e constituem até os dias atuais, elementos imprescindíveis à reprodução da
tecnologia da informação (CASTELLS, 2002).
Nem mesmo Ronald Reagan, defensor fervoroso do livre-mercado, enquanto
presidente dos Estados Unidos, relutou em liberar uma verba expressiva para um consórcio de
empresas norte-americanas de eletrônica – SEMATECH, quando percebeu a crescente
ameaça por parte de empresas japonesas frente às empresas estadunidenses na área de
componentes eletrônicos (CASTELLS, 2002). O dinheiro público seria utilizado para
patrocinar os imensos custos de programas de pesquisa e desenvolvimento de novas
tecnologias no campo da eletrônica, por se tratar de uma ação relativa a garantia da segurança
nacional.
30
Nesta ação de um dos precursores do neoliberalismo na esfera política, desmascara-se
a idéia ventilada pelos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, segundo a qual o
alcance da prosperidade econômica e social demanda a retirada do estado da economia,
mesmo quando é conhecida a não utilização em grande intensidade destas políticas por parte
dos que habitam o núcleo do sistema capitalista.
Castells (2002, p.77):
Famoso sociólogo espanhol, é categórico ao concluir “sem dúvida foi o Estado, e não o empreendedor de inovações em garagens, o grande responsável pelo ponto de partida da revolução da tecnologia da informação tanto nos Estados Unidos como em todo mundo”.
Rezende (2001, p.16) “em seu livro Finanças Públicas revela a participação do consumo
final do governo nas despesas e no PIB em diversos países no ano de 1994”, onde as idéias do
Consenso de Washington (1990) estavam na ordem do dia e bastante vivas na mente dos
tecnocratas responsáveis pela construção dos programas de desenvolvimento econômico das
nações. Surpreendentemente entre os países de alta participação do governo, só haviam
economias desenvolvidas como o Reino Unido e, até mesmo os Estados Unidos, estava
enquadrado no grupo de moderada intervenção estatal.
Torna-se claro e notório que em países desenvolvidos onde as políticas neoliberais são
supostamente executadas intensamente, como é o caso norte-americano, o estado ainda exerce
um grande papel no direcionamento estratégico da política industrial, fomentando pesquisas
em ciência e tecnologia e subsidiando os setores mais vulneráveis da economia. Segundo
Pochmann (2001), desde a década de 1980, quando o modelo neoliberal tem o seu embrião
lançado na esfera política, até os últimos anos do século XX, onde este se revela triunfante,
não se viu a declamada redução da participação do gasto público no produto dos países
desenvolvidos.
O sucesso dos programas de desenvolvimento econômico em países como o Japão, a
Coréia do Sul e os Estados Unidos parecem ser ignorados pelos governos latino-americanos
31
que insistem em adotar os modelos de desenvolvimento econômico pré-fabricados do Fundo
Monetário Internacional – FMI, mesmo quando se torna público a herança negativa que esta
extrema ortodoxia tem proporcionado as suas populações.
Depois de quase duas décadas de reformas macroeconômicas, cujo epicentro tem sido
a defesa inconteste do poder do livre-mercado, os trágicos resultados destes programas são
sentidos intensamente pelas populações dos países em desenvolvimento, bem como nos países
do leste europeu onde ocorrera a transição para a economia de mercado sob a orientação do
FMI, no qual segundo Petras e Veltmeyer (2001) promoveu a conversão de muitos
comunistas em cleptocapitalistas, os quais passaram a defender fervorosamente a
transferência de empresas públicas aos investidores privados internacionais, constituídos em
sua grande maioria por bancos e empresas multinacionais euro-americanas.
No exato momento em que ocorreu o enfraquecimento do socialismo frente ao
capitalismo, o mundo passou a adotar uma configuração unipolar, onde o desenvolvimento
humano convergiu quase que integralmente para um denominador comum. Fase esta
interpretada por Francis Fukuyama como sendo o “Fim da História”, por representar a
consolidação de um modelo político-econômico, cujas bases encontravam-se atreladas ao
perfeito funcionamento da economia de mercado.
Ianni (1999, p.11) crítica a idéia de Fukuyama ao declarar:
A continuidade não é, de modo algum, a característica mais saliente da História... Em todos os grandes momentos decisivos do passado, deparamos subitamente com o fortuito e o imprevisto, o novo, o dinâmico e o revolucionário... O que devemos considerar como significativo são as diferenças e não as semelhanças, os elementos de descontinuidade e não os elementos de continuidade...
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo como
modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial. Um processo de amplas
proporções envolvendo nações e nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais,
grupos e classes sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações (IANNI, 1999), onde
32
a hegemonia da civilização ocidental se faz presente, promovendo a adequação do planeta a
uma lógica pragmática, onde o elemento preponderante é a maximização do lucro.1
A ascensão do neoliberalismo enquanto ideologia se cristaliza no mundo de forma
pacífica (ANDERSON, 1992). Diferentemente do período da guerra fria, onde o domínio
capitalista se dava apenas através da força, apoiado em ditaduras implantadas violentamente
em países onde se lutava por uma ideologia alternativa ao capitalismo, atualmente, os países
desenvolvidos conduzidos pelos Estados Unidos, promovem uma dominação muitas vezes
silenciosa, obtida através do poder hegemônico, arraigando a noção de modernidade ao
modelo de desenvolvimento da civilização ocidental, símbolo maior da pós-modernidade.
Neste novo mundo idealizado pelo modelo neoliberal, onde é reivindicado o
desmantelamento do Estado, por este ter se transformado em um instrumento de grupos de
pressões que tentam firmar seus privilégios, o combate à elevação das despesas públicas, que
via de regra trazem efeitos indesejáveis como endividamento, emissão monetária e inflação,
bem como o crescimento da tributação que também traz efeitos indesejáveis que se propagam
por todos os poros da sociedade, não se presencia o fim das regulações, mas sim, a
transferência desse controle (produção de normas, regras e leis) para uma esfera maior: as
organizações multilaterais como o G8 ¹, a Organização Mundial do Comércio – OMC, o
Banco Mundial e o FMI, comandadas pelos governos e banqueiros dos países capitalistas
centrais (MORAES, 2001).
A transformação do planeta numa aldeia global acirra as relações de poder, pois o
mundo fica dividido em três zonas onde a ascensão econômica, social e política tornam-se
cada vez menos prováveis. Na primeira chamada de jurisdição periférica, as regiões se
caracterizam pelo desenvolvimento de atividades neuro-musculares, enquanto que na
segunda, denominada semiperiférica são realizadas atividades industriais que se caracterizam
1 Grupo composto pelas sete maiores economias do planeta mais a Rússia
33
por uma imensa dependência econômica e tecnológica das economias dos países
desenvolvidos e, portanto, não promovem o desenvolvimento econômico da nação. A terceira
e última zona é a orgânica, nela se desenvolvem as atividades cerebrais. Estas demandam um
processo de constante inovação, como forma de minimização dos custos de produção e
conseqüente maximização dos lucros (ARRIGHI, 1998).
A zona orgânica do sistema mundial é a grande responsável pela sobrevivência do
capitalismo. A única forma de acesso a este estágio de desenvolvimento se dá por meio da
produção de ciência e tecnologia. Nele se expressa o que Joseph Schumpeter denominou
como destruição criativa para justificar o funcionamento do capitalismo, o qual segundo ele
seria regido por períodos de crises e ascensões cíclicas que o retro-alimentavam.
Para Schumpeter (1961) a inovação tecnológica era a grande força promotora do
desenvolvimento econômico, pois uma tecnologia anteriormente considerada moderna,
tornava-se ultrapassada e obsoleta, sendo substituída por uma outra inovadora, a qual
produzia bens mais atrativos aos consumidores e menores custos as empresas,
proporcionando- lhe ganhos de produtividade maiores que poderiam vir a serem reaplicados
no sistema econômico vigente.
Objetivando a expansão sistêmica, centros de pesquisas foram criados, investiu-se
cada vez mais em capital humano e foram desenvolvidas estratégias empresarias cada vez
mais eficazes para vencer a concorrência e obter a liderança no mercado, já que o mundo dos
negócios passava a ser regido por um modelo Darwiniano, onde apenas e tão somente as
empresas mais eficientes poderiam continuar a desempenhar as suas atividades.
Na zona orgânica da economia encontram-se as matrizes dos grandes conglomerados
mundiais, criados através de megafusões entre transnacionais que muitas vezes possuem
economias maiores que a de muitos países. A concorrência parece estar com seus dias
contados, o mercado encontra-se cada vez mais concentrado na mão de poucas empresas, os
34
grandes conglomerados econômico-financeiros detém poderosos lobbies com os governos, o
poder já não mais se encontra somente na forma estatocêntrica.
As Grandes empresas têm meios de influenciar a mídia e controlar o processo político,
e assim o fazem. Nos Estados Unidos da América 0,25% da população norte-americana mais
rica é responsável pela doação dos 80% do total de recursos investidos na campanha dos
candidatos do partido republicano e democrata, como também a contribuição das grandes
empresas econômico-financeiras, supera a dos trabalhadores numa proporção de dez para um
(CHOMSKY, 2002).
Parece um tanto quanto fantasioso acreditar que:
A Mitsubishi é a 22ª economia do mundo. A General Motors é a 26ª, a Ford é a 31ª. Todas são economias maiores do que a Dinamarca, Tailândia, Turquia, África do Sul, Arábia Saudita, Noruega, Finlândia, Malásia, Chile e Nova Zelândia. O valor de vendas das corporações General Motors, Wal-Mart, Exxon Mobil, Ford Motor e Daimler-Chrysler, em separado, foram maior do que o PIB de 182 países. O valor das vendas das 200 maiores corporações cresce mais rápido do que a economia global. Estas corporações mundiais são responsáveis por quase 30% da atividade econômica mundial, porém emprega menos de 1% da força de trabalho do planeta (KALILI, 2002, p.36) .
Nestes novos tempos torna-se bastante nítida a interligação entre as economias
nacionais, os bancos comerciais e os negócios, controlados aproximadamente pelas 750
maiores corporações, transcendendo limites econômicos (CHOSSUDOVSKY, 1999). A
internacionalização do capital segue, portanto, as diretrizes impostas por estas grandes
empresas, as quais detém grande influência na tomada de decisão no planejamento dos
governos nacionais.
A forma de manipulação do planejamento das economias nacionais se sustenta no
acúmulo de poder obtido por grandes corporações econômico-financeiras, fortalecidas pelo
surgimento de um processo de fusões e aquisições em âmbito global, que acentuou o processo
de polarização do capitalismo previsto pela teoria marxista.
35
Recorrendo ao conceito de Estado em Lênin, percebe-se que atrás das aparências de
uma grande democracia burguesa e de um amplo conceito de liberdade, esconde-se na
realidade a dominação de uma minoria (GRUPPI, 1986). Neste atual estágio do capitalismo,
onde o mundo se enquadra dentro de uma lógica pragmática, cujo fim a ser alcançado é a
maximização do lucro, nova relações de poder se estabelecem.
Neste novo mundo em que vivemos o poder deve ser entendido como sendo “a probabilidade que um ator, dentro de uma relação social, está em uma posição de realizar sua própria vontade, apesar da resistência de outro ator social e independentemente da base sobre a qual essa probabilidade se apóia” (WEBER, 1974, p.152).
Quanto mais substantivos forem o aporte de recursos de propriedade das empresas de
capital estrangeiro, maior tende a ser sua capacidade de controlar mercados, criar poder
econômico e conseqüentemente poder político (GONÇALVES, 1999). Naturalmente grandes
grupos nacionais também se utilizam destas vantagens para a obtenção de benefícios que
quase sempre vão de encontro aos interesses da população.
Os Estados modernos nunca buscaram simplesmente o poder como um objetivo
independente em si mesmo, e sim como um meio a fim de garantir interesses particulares
ideologicamente definidos. Numa sociedade democrática, a arena pública se transforma num
espaço potencial para a realização de objetivos privados.
A maior integração da economia capitalista nestes novos tempos, expresso pelo
processo de globalização, abre espaço para a consolidação do objetivo principal do
neoliberalismo, o qual se traduz numa incessante busca das empresas pelo acúmulo de capital.
A materialização do enriquecimento desejado, demanda a descoberta e apropriação de novas
zonas privilegiadas, as quais detêm riquezas a serem oferecidas ao modelo proposto pelas
economias desenvolvidas, cujos interesses são debatidos e planejados nos encontros do G8,
tendo nas instituições missionárias como o FMI e o Banco Mundial o ponto de apoio para a
concretização de suas aspirações.
36
Neste novo mundo onde o capitalismo reina de forma triunfante, por ter derrotado
grande parte dos seus inimigos, o Estado surge para potencializar a acumulação de capital,
sendo convocado para entrar em cena quando for necessário promover obras de infra-estrutura
e oferecer à iniciativa privada os meios para a maximização dos lucros.
37
2 DESMONTE E PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Como foi descrito no capítulo anterior, o começo da década de 1980 é marcado por
uma intensa crise econômica que se desenvolve no continente latino-americano motivada pela
ampliação do endividamento externo de suas economias, caracterizadas, historicamente, por
uma imensa dependência financeira e tecnológica em relação às economias localizadas no
centro do sistema capitalista. Enquanto que em 1978 esta dívida alcançava o patamar de 151
bilhões de dólares, em 1982 supera a marca dos 300 bilhões de dólares (PEREIRA, 1992),
projetando a estes países um futuro incerto e de expectativas pessimistas.
A expansão da dívida externa foi motivada por três choques exógenos ocorridos no
ano de 1979. O primeiro foi o do petróleo, no qual o preço desta matéria-prima teve o seu
valor triplicado no mercado internacional; o segundo caracterizou-se pela elevação
significativa das taxas de juros internacionais, principalmente no valor pago pelos países
devedores; enquanto que o terceiro e último se revelou pela instauração de uma profunda crise
na economia estadunidense no período de 1979-82, a qual se traduziu na mais grave da
história norte-americana depois da ocorrida na década de 1930 (PEREIRA, 1992).
O surgimento destes três choques promoveu alterações bastante significativas no
cenário econômico mundial. Períodos de crise se caracterizam pela extrema desconfiança por
parte dos capitalistas em realizar investimentos, explicada pelo surgimento de expectativas
negativas acerca do futuro, bem como, desenvolvem dentro dos proprietários de instituições
financeiras o temor de não virem a receber o dinheiro emprestado para outros agentes
econômicos, desencorajando-os a continuar ofertando uma grande quantidade de recursos.
Dentro desta concepção de funcionamento do sistema econômico, onde as depressões
são vistas como uma grande ameaça ao bom funcionamento dos negócios, os grandes
38
credores dos países da América Latina começaram a se preocupar com a possibilidade de
instauração de um processo de moratória por parte dos líderes de governo latino-americanos,
principalmente após a crise ocorrida no México em 1982.
Durante este período a crise da dívida externa provoca uma avalanche de incertezas
nos investidores internacionais, influenciando negativamente na atração e realização de
investimentos. Países como o Brasil que durante 50 anos foi um grande atrativo para os
capitais internacionais e constituiu-se como o principal campo de atração dos Investimentos
Externos Diretos – IED na América Latina, foi sucumbido por outros países no que diz
respeito à recepção dos fluxos de IED mundiais. Passou do sétimo lugar em 1980 para o
vigésimo em 1995. O passivo da economia Brasileira, Mexicana e Argentina em conjunto,
significava no terceiro ano da década de 1980 mais da metade da dívida externa do terceiro
mundo (PETRAS; VELTMEYER, 2001).
O pagamento na data prevista dos empréstimos ofertados pelos bancos internacionais
aos países do continente latino-americano exigia uma pressão efetiva por parte destas
instituições financeiras conjuntamente com seus respectivos governos e o FMI. Expressava-se
sob a forma do imperialismo a solução para a ameaça de expansão da moratória. A postura
adotada pelos Governos e pelas elites da América Latina em relação à negociação da dívida
externa, tornava claro o pouco esforço em negociar uma melhor alternativa para a crise que
assolava o continente, ilustrando a teoria desenvolvida por Arrighi (2001) acerca do
compartilhamento de interesses e a subordinação por parte das elites dos países periféricos
para com as elites centrais.
A configuração do cenário econômico latino-americano nos primeiros quatro anos da
década de 1980 caracterizava-se pela presença de um desequilíbrio externo, expresso por um
enorme déficit na balança de pagamentos (PEREIRA, 1992). O fraco desempenho de suas
39
economias, as quais encontravam-se extremamente debilitadas, sina lizava aos bancos
internacionais os riscos na promoção do financiamento desses déficits.
Materializava-se o motivo para suspensão dos empréstimos concedidos para o
financiamento da dívida externa. A partir deste momento a sobrevivência destas economias
estava condicionada à adoção por parte de seus governos aos ajustes ortodoxos estruturais
recomendados pelo FMI, calcado na redução das importações e elevação nas exportações,
constituindo-se numa exigência imediata para a reativação das linhas de crédito por parte das
instituições financeiras internacionais.
A decisão tomada pelos governantes latino-americanos foi a de acatar aos ajustes
econômicos propostos pelo FMI, sendo estes conduzidos de forma drástica.
Entre 1981 e 1984 o PIB por habitante da América Latina reduziu-se em 8,9%. Verificou-se neste período um empobrecimento das massas, já que os trabalhadores foram extremamente penalizados pelas constantes desvalorizações reais das moedas locais, justificadas pelo FMI como forma de estimular as exportações e conter as importações. Estas maxi-desvalorizações reduziram significativamente os salários e favoreceram o lucro dos exportadores. Durante este período foi observada uma redução média de 10% no valor dos salários dos trabalhadores deste continente, bem como foi desencadeado um vigoroso processo de aceleração inflacionária (PEREIRA, 1992, p.163).
Inerte neste contexto latino-americano, a economia brasileira apresentou um
desempenho pífio nos três primeiros anos da década de 1980, durante o Gove rno do general
Figueiredo - cuja recessão somente pode ser comparada à crise dos anos trinta -
completamente diferente do período anterior compreendido entre 1967 a 1979, onde se
verificou um elevado crescimento econômico nacional, o qual foi impulsionado pelo mais
longo ciclo internacional de expansão do capitalismo.
Somente em 1985, primeiro ano de mandato do presidente civil José Sarney, tem
início a recuperação do processo de crescimento da economia brasileira. Todavia este
crescimento não foi suficiente para anular a obtenção de empréstimos para o pagamento dos
juros da dívida externa, concedidos pelo Fundo Monetário Internacional apenas e tão somente
40
estando em sintonia com as exigências de política econômica defendidas pelo Consenso de
Washington.
Os economistas integrantes do FMI exigiram que fosse realizada uma série de
reformas macroeconômicas no País. A principal modificação promovida por esta linha de
ação era a mudança na natureza do Estado Brasileiro e de suas atribuições. Após várias
décadas de convivência com um Estado que absorvia grande parte das responsabilidades pela
provisão de bens e serviços, ganhava corpo a proposta de minimizar o papel do Estado na
economia.
Depois de várias tentativas “heterodoxas” de combate à inflação, no final dos anos 1980 começava a se desenhar para o país um cenário similar ao dos outros países latino-americanos – a adesão ao neoliberalismo. Em relação ao Chile, a Bolívia, o México e a Argentina, o Brasil chegou mais tarde às políticas de ajuste fiscal, pois o fim da ditadura militar no país revelou um clima pouco propício, num primeiro momento, ao neoliberalismo. O retorno à democracia foi consolidado institucionalmente com uma nova Constituição, que afirmou direitos, expropriados da cidadania pela ditadura. A força dos movimentos sociais emergentes e essa constituição colocavam o Brasil na contramão do já avançado progresso de hegemonia neoliberal no continente (SADER, 2001, p. 152).
A principal fonte de riqueza latino-americana ainda estava por ser explorada. Um país
detentor de um amplo mercado interno e um robusto e lucrativo setor público onde desfilavam
empresas como a Petrobrás, a Embraer, a Vale do Rio Doce, a Telebrás e outras tantas,
negava-se a promover uma mudança profunda na sua política econômica, adiando a adoção
do modelo de desenvolvimento econômico proposto pelo FMI e Banco Mundial. As forças
sócio-políticas identificadas em diversos setores da sociedade brasileira durante a década de
1980, simbolizavam um revés ao pensamento neoliberal ao se mostrarem avessas as profecias
do laissez-faire.
Sem dúvida a aplicação das reformas neoliberais no Brasil aconteceram tardiamente
em relação a outros países da América Latina. Foram executadas de forma pioneira no
governo de Fernando Collor de Mello, eleito presidente em 1989, porém deposto pelo
41
congresso, por corrupção, em 1992, deixando interrompido o processo de abertura da
economia, de privatização, de diminuição do tamanho do Estado e de desregulação econômica
– pilares do Consenso de Washington (SADER, 2001).
Através da confecção de um plano econômico no primeiro ano da década de 1990,
idealizado pela Ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello, o qual misturava política
monetária intervencionista com a privatização ao estilo do FMI, surgia como um dos
objetivos principais no Plano Collor a demissão de 360 mil funcionários públicos. Todavia
por falta de apoio no congresso para alterar a Constituição Federal, onde se tornava necessário
a adesão de uma maioria de dois terços dos congressistas, esta meta terminou ficando muito
aquém do desejado, pois apenas 14 mil funcionários foram demitidos.
O objetivo maior do avanço das políticas neoliberais em solo brasileiro, representadas
pelo Plano Collor, cristalizava-se silenciosamente no corte dos gastos do governo e nos
salários, promovendo uma redução do déficit público, cujo fim a ser alcançado perpassava
pela transferência de recursos anteriormente utilizados sob a forma de investimento e
pagamento da folha salarial do funcionalismo público para o pagamento do serviço das
dívidas externa e interna.
Um sutil desvio perante as recomendações propostas pelo FMI, no qual estaria
caracterizado o não cumprimento integral das condições defendidas pelo Consenso de
Washington, promoveria uma mudança nas regras do jogo. Por não seguir à risca o que fora
proposto e acordado o governo brasileiro foi penalizado. O grupo consultivo dos 22 bancos
comerciais liderados pelo Citicorp pronunciou-se contrário à concessão de novos empréstimos
por parte do FMI, como também instruíram os bancos multilaterais à não realizar novos
empréstimos ao País (CHOSSUDOVSKY, 1999).
42
Esta ação foi planejada em uma reunião realizada em Washington pelo G7, onde o
2tesouro norte-americano aconselhou o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID a adiarem os empréstimos concedidos ao Brasil. O futuro do
desenvolvimento econômico brasileiro estava sendo definido mais uma vez pelos organismos
internacionais de Bretton Woods, intitulados por Stiglitz (2002)² como as instituições
missionárias.
Nas reuniões do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID ocorridas em Nagóia, Japão, em abril de 1991, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello, irritada, acusou o G7 de usar uma pressão política desleal ao bloquear o crédito multilateral para o Brasil (CHOSSUDOVSKY, 1999, p.173).
Estas declarações afrontaram à comunidade financeira internacional custando-lhe a
exoneração do Ministério da Economia, pois neste mundo globalizado a evocação
nacionalista revela-se ainda mais inoportuna em países periféricos.
O sucessor de Zélia no Ministério da Economia foi Marcílio Marques Moreira,
intelectual renomado, havia desenvolvido um estreito relacionamento com Michel
Camedessus, do FMI, e com David Mulford, subsecretário do tesouro dos Estados Unidos
enquanto embaixador do Brasil em Washington (CHOSSUDOVSKY, 1999). A montagem
desta nova equipe econômica trazia consigo o nome de Pedro Malan para a negociação da
dívida externa perante os credores internacionais, o qual futuramente teria um papel decisivo
no desmonte do Estado Brasileiro.
A continuidade dos acordos de empréstimos com o FMI demandava uma reforma
ainda mais intensa na organização do Estado Brasileiro, caracterizada por Stiglitz (2002)
como terapia de choque, nas quais estavam previstas alterações profundas na Constituição
Cidadã de 1988. Os pontos a serem atacados focalizavam o fim da estabilidade do
2 Expressão utilizada por Stiglitz em seu livro: A globalização e os seus malefícios, para demonstrar a essência destas instituições que freqüentemente promovem intervenções nas economias periféricas em prol dos países desenvolvidos e das grandes corporações econômico-financeiras.
43
funcionalismo público, a reforma previdenciária, a modificação nas regras de financiamento
dos programas estaduais e municipais voltados para a área social e o repasse das empresas
estatais à iniciativa privada.
O excessivo tamanho do Estado deveria ser combatido a partir da reforma da
Constituição Cidadã, viabilizada através de uma série de emendas constitucionais, onde
estaria inserida a quebra da estabilidade do servidor público, abrindo caminho para a
implementação de um programa de demissão em massa; a redução no déficit da previdência,
potencializando um amplo mercado para a disseminação de planos de previdência privada; a
reforma no modelo de financiamento público, sendo permitido o corte nos gastos sociais,
redirecionando-os ao pagamento da dívida e a privatização dos setores estratégicos da
economia brasileira. Todas estas mudanças aglutinadas permitiriam a realocação de recursos
para o pagamento da dívida.
Os diversos escândalos de corrupção envolvendo o então presidente Fernando Collor
de Mello e o seu tesoureiro de campanha Paulo César Farias transformaram-se num revés ao
desmonte do Estado. A decadente credibilidade do Presidente da Repúb lica que se elegera
prometendo combater os crimes de colarinho branco, não açambarcou o apoio popular
necessário às reformas sugeridas pelo FMI, interrompendo momentaneamente a execução da
agenda neoliberal no país.
O impeachment de Collor trouxe à Presidência da República o mineiro Itamar
Franco, moldando um cenário caracterizado pela suspensão das reformas neoliberais,
construído pela grande mobilização de forças populares de esquerda, as quais exerceram uma
intensa pressão para que Collor fosse deposto pelo Congresso Nacional, como também pelo
temor de Itamar à completa abertura da economia aos controladores estrangeiros.
O sucessor de Collor, ao assumir o cargo de Presidente da República, prometeu
desenvolver algumas ações de cunho populista que desagradaram profundamente os credores
44
e a elite nacional, tais como: aumentar os salários reais, reduzir os preços das tarifas públicas
e alterar o modelo de privatização proposto pelo governo de Fernando Collor de Mello.
Todavia a pequena margem de manobra para a implementação de suas ações, devido ao
acordo assinado entre o Governo anterior e o FMI, fez com que a sua promessa se não se
realizasse.
As atitudes propostas pelo novo Governo brasileiro desagradavam profundamente o
FMI. Numa revisão efetuada pelos auditores do fundo objetivando monitorar e comparar os
progressos econômicos em relação aos termos do acordo firmado anteriormente a posse de
Itamar Franco verificou-se que as metas trimestrais referentes à diminuição do déficit público,
estabelecidas pela equipe técnica do FMI, não haviam sido alcançadas pela economia
brasileira. Na verdade só poderiam ser alcançadas mediante uma intensa reforma na
Constituição Federal (CHOSSUDOVSKY, 1999).
O resultado deste insucesso técnico-administrativo por parte do governo Brasileiro, na
visão das instituições de Bretton Woods, revelou-se um obstáculo à liberação das parcelas
referentes aos empréstimos Standby, os quais segundo o corpo técnico do Ministério da
Fazenda seriam imprescindíveis para a reoxigenação da economia (CHOSSUDOVSKY,
1999). A entrada do país na “lista negra” do FMI funcionava como um campo repulsivo aos
investimentos no país.
Chossudovvsky (1999, p.176) descreveu assim, a renegociação do Estado Brasileiro
com o FMI:
Em fevereiro de 1994, o então Minis tro da Fazenda de Itamar Franco, Paulo Haddad, foi recebido em Washington por Michel Camedessus. O encontro representava uma tentativa de se discutir um novo programa econômico para o Brasil, cuja exigência principal estava arraigada na contemplação das condicionalidades impostas à renovação dos empréstimos. Semanas depois uma missão enviada pelo FMI, chefiada por José Fajgebaun, que dois anos antes fazia alusão à necessidade de promover uma reforma constitucional no País, desembarcava em Brasília. Porém Paulo Haddad não ocupava mais o cargo. Quando a missão chegou, para a surpresa de todos a pasta ministerial estava totalmente desorganizada.
45
A retomada das reformas neoliberais no país ocorreu a partir do primeiro mandato do
Presidente Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1994. Sob a orientação de políticas
defensoras da mínima intervenção do Estado na economia, ganhava força a idéia que uma boa
parte das empresas estatais brasileiras deveriam ser repassadas à iniciativa privada.
Foi justamente Fernando Henrique Cardoso defensor da social-democracia e autor de
uma brilhante análise da nova dependência e do novo imperialismo apresentada no livro
intitulado: “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, escrito em parceria com
Enzo Faletto, no qual denunciou a existência de uma burguesia de Estado parasita responsável
pela execução de ações dentro das empresas estatais, onde o interesse público era renegado
em detrimento ao privilégio do interesse privado, o grande condutor da reforma neoliberal no
país.
Quando foi indicado para ocupar o cargo de Ministro da Fazenda no Governo de
Itamar Franco, a elite nacional ficou inicialmente bastante assustada, já que Fernando
Henrique Cardoso ao longo de sua vida acadêmica produziu diversos textos esquerdistas,
calcados na análise crítica das classes sociais no capitalismo periférico. Todavia não demorou
muito para que a elite nacional viesse a se tranqüilizar. Durante um encontro com importantes
banqueiros e industriais, o então Ministro pronunciou a célebre frase: “Esqueçam tudo o que
escrevi...”, a qual ecoou de forma bastante agradável aos ouvidos das elites nacionais e
internacionais.
Recorrendo-se a Gramsci nasce uma explicação cabível para as ações de um sociólogo
e intelectual renomado, as quais se contradisseram integralmente aos seus ideais enquanto
acadêmico. Para este importante filósofo, existe uma relação estreita entre política e filosofia,
pois a verdadeira filosofia de cada pessoa está em sua maneira de agir, consiste mais em suas
ações do que em suas declarações teóricas (GRUPPI, 1980).
46
A posse de Fernando Henrique Cardoso em 1994 marcava o início de uma nova fase
da economia brasileira, caracterizada por uma intensa mudança no modelo de
desenvolvimento econômico nacional. Os imensos benefícios trazidos ao país pelo modelo
populista realizado durante a década de 1930 até 1964, responsável por altas taxas de
crescimento do PIB, o qual apoiava-se num poderoso setor estatal controlador de empresas
estratégicas e tarifas e subsídios que protegiam as empresas nacionais, foi completamente
descartado.
A análise do gráfico abaixo demonstra a trajetória histórica dos investimentos do setor
público no período compreendido entre 1970 e 1999. Torna-se bastante evidente que durante
a maior parte da década de 1980 o investimento estatal sofreu uma redução bastante
significativa, fruto do baixo crescimento do Produto Interno Bruto – PIB, bem como devido à
elevação vertiginosa da dívida externa, demandando a transferência de uma quantidade
exorbitante de recursos do tesouro para o pagamento dos juros da dívida, esvaziando o
montante de recursos públicos destinados aos investimentos em infra-estrutura.
Nos anos de 1994 a 2001, período onde a Presidência da República era ocupada por
Fernando Henrique Cardoso identifica-se uma significativa expansão dos IED no Brasil. Entre
os anos de 1994 até 1999 esta ampliação foi de 1430% aproximadamente, representando uma
verdadeira invasão do capital internacional ao país. Em 1998 o Brasil ocupava o oitavo lugar
no Ranking referente ao estoque de IED em todo o sistema mundial e o segundo lugar no que
diz respeito aos países em desenvolvimento, ficando atrás apenas da China.
Com a chegada de Fernando Henrique Cardoso a Presidência da República em outubro de 1994, o Brasil representava, para o capital estrangeiro, um mercado emergente com enormes reservas de recursos naturais e humanos e um ativo líquido altamente produtivo e oportunidades muito lucrativas. Aproveitando estas oportunidades, o capital estrangeiro entrou rapidamente e em grande quantidade no país, sob as condições criadas pelo Plano Real e uma série de reformas neoliberais focalizadas num intenso plano de desestatização das empresas brasileiras (PETRAS; VELTMEYER, 2001, p.43).
A justificativa utilizada pelo Governo para a venda do patrimônio público seria a de
que durante toda a década de 1980, a chamada década “perdida”, o Estado teria sido o
principal responsável pela falta de recursos e a não realização de investimentos necessários
para fomentar o desenvolvimento econômico. Segundo os tecnocratas do governo, a
desorganização das finanças públicas representaria um entrave ao combate efetivo da
inflação, remetendo o país a uma situação de agravamento na concentração de renda
(POCHMANN, 2001).
A privatização acabaria sendo utilizada como um importante instrumento de ajuste
fiscal e redução do endividamento externo. O patrimônio das estatais seria utilizado para
abater a dívida interna, promovendo assim, uma redução nos gastos financeiros do governo e
nas taxas de juros.
Todavia o resultado ficou bastante aquém do esperado, pois a dívida interna no início
do primeiro mandato do governo FHC (1994-98) estava situada em 59 bilhões de reais e,
mesmo com o dinheiro arrecadado com a venda do patrimônio nacional durante os seus dois
50
mandatos enquanto presidente, alcançou o valor de 685 Bilhões de reais em 2002, fazendo da
dívida interna brasileira uma das três maiores do planeta.
Presenciou-se também o não cumprimento da promessa realizada pelo governo,
segundo a qual, a venda das estatais à iniciativa privada potencializaria uma maior
concentração nas atividades do Estado em atividades como: educação, saúde e segurança, que
conseqüentemente seriam ampliadas e ofertadas com melhor qualidade, derrubando a idéia de
que no Brasil as pessoas pagam uma carga tributária bastante elevada, semelhante à cobrada
em países como a França e a Suécia, mas usufruem serviços de péssima qualidade, parecidos
com os ofertados as populações mais pobres do planeta.
O orçamento de 2001 revelou que o Estado destinou um total de 53 bilhões de reais
para ser aplicado na saúde, educação, erradicação da pobreza, cultura e ciência e tecnologia,
enquanto destinou 140 bilhões de reais a rolagem da dívida interna. Ao final do governo FHC,
50 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza, desprovidos das mínimas
condições para sobreviver com dignidade, situando-se à margem da sociedade e
impossibilitados de desfrutar da riqueza da nação (BENJAMIN, 2002).
A imprensa teve um papel fundamental no processo de privatização brasileiro, através
da divulgação de uma intensa campanha contra as estatais e o funcionalismo público,
tornando-se um catalisador no processo de desmonte do Estado. Tanto os grupos nacionais,
como os internacionais, atuaram de forma eficiente para derrubar as barreiras políticas,
ideológicas e culturais que viessem a oferecer algum tipo de resistência a realização de
políticas neoliberais. Foram veiculadas notícias de que as empresas estatais ao serem
adquiridas pela iniciativa privada adquiriam uma maior eficiência, proporcionando preços
mais baixos para o consumidor, bem como traria uma maior competitividade à economia
brasileira no cenário internacional.
51
Os principais defensores da privatização reivindicavam fervorosamente o repasse das
empresas de domínio público ao capital privado, alegando a necessidade de atrair tecnologias
de ponta para a economia brasileira, bem como acreditavam ser importantíssimo
desnacionalizar as estatais, transferindo o domínio destas a grandes empresas estrangeiras dos
países desenvolvidos, objetivando a transferência de tecnologia ao Brasil, a qual seria
utilizada amplamente na modernização de diversos setores nacionais.
A venda de uma parte das estatais brasileiras ao capital internacional gerou impactos
negativos incalculáveis em nossa economia, pois essas empresas adquiridas pelo capital
estrangeiro, enquanto estavam sob o domínio do Estado, eram matrizes, passando a ser filiais
após a privatização. Segundo Benjamin (2004) existe uma enorme diferença entre estas duas
modalidades. A primeira é um corpo completo, com cabeça, corpo e membros, enquanto a
segunda é uma parte subordinada. A diferença básica entre elas é que a primeira produz
tecnologia, enquanto a segunda funciona apenas como receptora. Dentro desta lógica de
funcionamento diferenciada todas as empresas adquiridas pelo capital internacional tiveram
seus antigos centros de pesquisa fechados, não se tendo registro de abertura de nenhum novo
centro de pesquisa por parte destes grandes grupos no Brasil.
Do total dos investimentos estrangeiros ingressos no país, entre 1997 e 2000, do
montante total de U$$ 102,5 bilhões, 40% se destinaram a transnacionais já instaladas no
Brasil, 10% para instalações de novas empresas estrangeiras no Brasil, 30% para as aquisições
de ativos públicos e o restante para outras decisões estratégicas (LACERDA, 2000).
A análise da tabela 2 revela a participação do capital internacional na aquisição das
estatais brasileiras. Os capitais que mais arremataram empresas nacionais nos leilões de venda
das empresas anteriormente administradas pela esfera pública federal foram de origem norte-
americana e francesa. No que diz respeito à aquisição das empresas estaduais verifica-se
como os grandes investidores os grupos norte-americanos e espanhóis. O maior percentual em
52
participação de capital internacional no processo de privatização da economia brasileira foi
identificado no setor de telecomunicações, tendo como maiores arrematadores os capitais
oriundos da Espanha, Portugal e Estados Unidos.
Quase todas as empresas privatizadas eram superavitárias, como o sistema telebrás, vendido a um preço muito abaixo do seu real valor ao capital internacional. Segundo estudos realizados pelo falecido ministro Sérgio Motta, a privatização das empresas telefônicas de todo o país, renderia aos cofres públicos 35 bilhões de reais (BIONDI, 2000a, p.24).
Tabela 1 – Participação do capital estrangeiro na privatização de empresas brasileiras do setor público, 1991-1998 ª (em milhões de dólares e percentagem)
Total 18.411,0 100 20.833,0 100 26.520,0 100 65.764,0 100 Fonte: Petras e Veltmeyer (2001, p. 72). a. Dados de 1991 a julho de 1998 b. Telefonia celular e sistema Telebrás
A febre da privatização e o impulso ao neoliberalismo promovido pelos países
desenvolvidos foram bastante diferentes da desestatização do patrimônio público brasileiro.
Em países como a Inglaterra e a Itália, a venda das estatais foi realizada através da
pulverização das ações, isto é, o repasse de um grande número de ações para as mãos da
53
população, havendo a preocupação de democratizar, garantir a distribuição do patrimônio
nacional, evitando a concentração de renda.
A França também seguiu esta linha de conduta. Com a privatização parcial do sistema
de telecomunicações, em 1998, 4 milhões de franceses sentiram-se atraídos em adquirir ações
destas empresas, graças aos atrativos oferecidos pelo governo. Enquanto que no Governo
Fernando Henrique Cardoso o processo foi conduzido de forma bastante particular, onde
grande parte das empresas estatais foram vendidas a poucos grupos empresariais (BIONDI,
2000a).
100
61,368,8
64,8
8,44,4
35,632,6
9,30,6 1,3 1,2
0
20
40
60
80
100
120
Serviçospúblicos
Bancos Mineração Siderurgica Material detarnsporte
Construçãopesada
Gráfico 4 - Brasil: Participação Relativa do Estado em Setores de Atividade Econômica Selecionados Antes e Depois da Privatização, 1989 e 1999 (em % de vendas) Fonte: Pochmann (2001, p. 35).
Mediante a análise do gráfico acima se identifica um claro processo de desmonte do
Estado, no qual foi consolidado o repasse de uma grande quantidade de empresas públicas à
iniciativa privada. No que refere ao setor financeiro nacional verificou-se durante o período
de 1989 a 1999, uma forte tendência à desestatização. Segundo Pochmann (2001), a
54
participação do Estado Brasileiro neste setor caiu de 61,3% para 35,6%, enquanto que a
participação relativa do setor privado estrangeiro aumentou de 6% para 29,6%. Vários bancos
estatais como o Banco Nacional do Estado do Rio de Janeiro – BANERJ, foram adquiridos
por bancos privados, oligopolizando ainda mais o setor financeiro nacional.
No período compreendido entre 1996 e 1998, o processo de privatização da economia brasileira se intensificou, podendo ser dividido em duas fases. A primeira terminou com a transferência de importantes complexos industriais estatais nos subsetores como: aeronáutica, mineração, ferro e aço, química, petroquímica e fertilizantes para a iniciativa privada nacional, sendo a participação de investimentos estrangeiros quase que insignificante. Na segunda, o programa de privatização passou para a área das empresas de utilidade pública, incluindo geração e distribuição de gás, água e esgoto, telecomunicações e finanças. Em 1998, mais de 40% destas empresas privatizadas foram adquiridas pelo capital internacional (PETRAS e VELTMEYER, 2001, p.45).
A transformação na natureza do Estado brasileiro, outrora provedor de bens e serviços
e atualmente regulador, fruto da onda neoliberal que se espalhou pelo mundo nos últimos anos
do século XX, influenciando o planejamento dos governos, trouxe importantes desafios à
administração pública no tocante à realidade brasileira.
A respeito dessas mudanças, Rezende (2001, p.31) afirma:
É preciso modificar a cultura burocrática, estabelecer novos padrões de gerenciamento das políticas públicas, instruir novas formas de parceria e controle social. É preciso acima de tudo, aumentar a transparência dos governos, pois, embora a privatização reduza o dispêndio público, a regulação impõe custos sociais que nem sempre são facilmente percebidos.
Talvez a questão mais complexa em relação às mudanças trazidas pela privatização
seja a indefinição de um modelo que seja capaz de administrar de forma imparcial, o “eterno”
conflito travado entre ofertantes e usuários, no tocante ao preço dos serviços ofertados pelas
empresas que adquiriram as estatais.
Constantemente as Agências Reguladoras se deparam com este dilema. É comum a
todos, o pensamento relacionado à administração dos órgãos reguladores serem entregues a
um colegiado. Entretanto a sua composição tem gerado uma imensa polêmica. Enquanto
55
alguns tecnocratas e especialistas no assunto defendem e reivindicam a composição através da
escolha de três representantes das partes interessadas, ou seja: governo, produtores e usuários,
outros defendem a escolha de profissionais suficientemente capacitados para resolver as
questões pertinentes ao debate (REZENDE, 2001).
Este tema surge e demanda especial atenção do Estado brasileiro, pois é fundamental o
estabelecimento de um modelo que seja capaz de encontrar um ponto de equilíbrio que
assegure à remuneração das atividades realizadas agora pela iniciativa privada, mas não
esqueça de ampliar o acesso dos serviços às populações mais pobres.
É papel dos governantes das nações onde o patrimônio público foi repassado a
iniciativa privada regular as relações econômicas existentes nos diversos mercados, por
vivermos um processo de globalização cada vez mais voltado para a fusão de grandes
conglomerados econômico-financeiros. No atual estágio de desenvolvimento capitalista, a
intervenção de órgãos em prol da concorrência, tornam-se fundamentais para estancar a
violenta acumulação de capital por parte de uma pequena quantidade de empresas, guiada por
uma engenharia econômica onde a decisão de investimento se dá apenas pela relação custo-
benefício.
Talvez seja um ponto bastante delicado. Quando os serviços eram ofertados pelo
Estado a questão social era levada em consideração, tendo como exemplo a isenção de taxas
para populações de baixa renda. Atualmente estas isenções foram abolidas, sendo cobrado a
todos os consumidores uma taxa relativa a quantidade utilizada do serviço ofertado.
56
Tabela 2 – Brasil: Evolução das Empresas Privatizadas e do Ajuste do Emprego no Setor Estatal entre 1979 e 1999 Período Empresas
privatizadas Receita (Milhões
de dólares) Transferência de dívida pública em milhões de
dólares
Empregos formais
envolvidos * 1979/84 20 274 16 146.980
1985/89 18 549 620 82.125 Anos 80 38 823 636 229.105 1990/92 44 15.128 2.664 -198.136 1993/94 35 17.320 3.752 -47.732 1995/99 84 42.008 11.660 -300.120 Anos 90 166 74.456 18.076 -545.988 Fonte: Pochmann (2001, p. 28) * Refere-se ao saldo líquido de empregos destruídos e criados no setor estatal resultante do efeito do conjunto das empresas privatizadas, fechadas e incorporadas.
O processo de privatização da economia brasileira possuiu aspectos bastante
particulares. A metade dos recursos aplicados para a compra destas empresas pela iniciativa
privada foi emprestada generosamente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento - BNDES
em condições excelentes, abrindo espaço para um fato um tanto quanto controvertido, pois
uma das razões levantadas pelo governo em prol da desestatização apoiava-se no elevado
endividamento do Estado, o qual consumia uma grande soma dos recursos e acabava
restringindo os investimentos em infra-estrutura, freando a expansão da atividade econômica
e dos empregos.
O repasse das estatais ao capital privado, segundo a ótica do governo, acabaria
promovendo uma expansão na infra-estrutura do país, resolvendo velhos gargalos em nossa
economia. A injeção de novos e vultuosos investimentos por parte da iniciativa privada
acabaria por promover um maior dinamismo aos setores onde o monopólio estatal havia sido
quebrado, aquecendo a economia e conseqüentemente gerando mais empregos à população.
O crescimento das empresas transferidas ao setor privado geraria uma elevação no
nível de empregos formais na economia, minimizando um dos maiores fantasmas do
57
capitalismo moderno – o desemprego. Todavia, a análise da tabela 3 demonstra que a
expectativa do governo não se concretizou. Somente na década de 1990, cerca de 545.988
empregos formais foram destruídos no setor público, sendo a economia incapaz de absorver
este contingente de pessoas no setor formal. Uma parcela destes desempregados foi forçada a
adentrar no mercado informal, enquanto o restante acabou por integrar o que Marx chama de
exército industrial de reserva.
Aprofundando a análise da destruição dos empregos públicos formais ao longo da década de 1990, percebe-se que nos quatro primeiros anos, o repasse das empresas públicas a iniciativa privada esteve focado na indústria de transformação, ocasionando uma perda líquida de 246 mil postos de trabalho. Em 1995 foi consolidada a venda dos setores relacionados aos serviços públicos, como telecomunicações, energia, transportes, bancos, entre outros. Os impactos no volume de empregos no setor públicos foram bastante nocivos à sociedade brasileira, pois ocorreu uma destruição de 300 mil postos de trabalho (POCHMANN, 2001, p.29).
Segundo Pochmann (2001), dos 3,2 milhões de empregos assalariados formais
destruídos na economia brasileira durante a última década do século XX, 17,1% foram fruto
das políticas de minimização do Estado, onde foram criados planos de demissão voluntária e
ocorreu um enxugamento do quadro de funcionários no momento em que as estatais foram
adquiridas pelo capital privado.
Para cada cinco empregos destruídos durante a década de 1990, um pertencia ao setor estatal. Ainda mais grave é a identificação de que o setor público sofreu uma redução de 43,9% no seu quadro de funcionários. A faixa etária mais afetada foi a composta por pessoas com mais de 49 anos, tendo esta sofrido uma redução de 46% no volume de postos de trabalho. No tocante ao grau de instrução os mais afetados foram os de baixa qualificação. Para aqueles com até o primeiro grau ocorreu uma redução nos postos de trabalho de 72,3% (POCHMANN, 2001, p.31),
58
3 A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS E SUAS REPERCUSSÕES.
A privatização do sistema brasileiro de telecomunicações foi fruto de uma intensa
onda neoliberal que veio a inundar os países latino-americanos inicialmente a partir de um
convênio firmado pelo departamento de economia da Universidade de Chicago com a
Universidade Católica do Chile. Neste intercâmbio foram dados os primeiros passos para a
formação de jovens economistas que mais tarde viriam a ser os condutores das primeiras
políticas neoliberais no continente. Os Chicago Boys de Pinochet anteciparam procedimentos
que iram ganhar relevância mundial na década de 1980 nos países desenvolvidos (MORAES,
2001) sendo intensificados na América Latina em um segundo momento, através do avanço
de um novo modelo político-econômico onde a presença do Estado na economia era cada vez
mais repudiada.
Para Souza (2000, p. 1041) “a desregulamentação das telecomunicações nos Estados
Unidos e posteriormente no Japão e na União Européia fomentou a liberalização dos
mercados periféricos”. A incapacidade dos governos dos países em desenvolvimento de
ofertar uma grande quantidade de linhas telefônicas e serviços de qualidade às suas
populações, no momento em que a revolução da informação estava na ordem do dia,
consolidou-se como a grande justificativa para a quebra dos monopólios naturais, idealizados
em uma época em que o Estado era elemento preponderante no desenvolvimento econômico.
A ascensão da ideologia neoliberal no mundo e a elevação da dívida externa dos países
latino-americanos durante a década de 1980, fortaleceram as reformas político-econômicas
demandadas pelos que entendiam que a substituição do capitalismo de estado por um modelo
de livre-mercado tornava-se fundamental à melhoria e ampliação dos serviços de utilidade
pública. Dentro desta nova concepção ocorre no continente uma série de reformas no
desenvolvimento das telecomunicações. A primeira experiência se deu no Chile no início da
59
década de 1980, o qual a partir de 1995, encontrava-se totalmente aberto à concorrência,
sendo deferido o primeiro passo rumo à liberalização.
Na Argentina o processo de privatização da Empresa Nacional de Telecomunicações – ENTEL foi consolidado no final de 1989, fortalecido pelo discurso dos pequenos investimentos realizados pelo Estado no setor. A desestatização surgia como oportunidade à modernização da rede de telecomunicações, promovendo a substituição do sistema analógico pelo digital (SOUZA, 2000 p.1049)
Diferente do que fizeram Chile e Argentina, o Uruguai, atualmente detentor da rede de
telecomunicações mais avançada da América Latina, seguiu a direção contrária, graças à
intensa mobilização popular. Quando muito se falava na inabilidade do setor público em gerir
atividades complexas como as telecomunicações em uma era identificada por Castells (2002)
como a da informação, a população reivindicou e conseguiu que fosse realizado um plebiscito
onde 70% dos uruguaios mostraram-se contrários a privatização da Administración Nacional
de Telecomunicaciones – ANTEL, única empresa a ofertar serviços de telefonia no país.
Definido o modelo de desenvolvimento do setor, o Estado buscou alternativas frente à
falta de recursos disponíveis para realização de investimentos na ANTEL. Sob a forma de
leasing de equipamentos e instalações, o setor público conseguiu promover uma intensa
modernização e ampliação na sua rede de telecomunicações (SOUZA, 2000).
Em conseqüência de uma gestão eficiente e criativa, tornou-se possível o
desenvolvimento de uma política de universalização dos serviços, fazendo o país alcançar
uma teledensidade semelhante e até mesmo superior a alguns países europeus. Detentor de
uma rede inteiramente digitalizada e com tarifas bastante acessíveis a população local, o
exemplo uruguaio mostrou-se bastante interessante pela sua autenticidade e os seus positivos
resultados.
Diante do cenário moldado na América-Latina, onde um novo modelo de
desenvolvimento político-econômico ganhava grande aceitação perante a maioria dos
governos, chegava o momento do Brasil, à beira do século XXI, definir o seu rumo, optando
60
ou não pela privatização de suas empresas. Remetendo-se ao setor de telecomunicações, a
escolha perpassava pelo modelo adotado por Chile e Argentina ou por privilegiar o exemplo
uruguaio.
Depois de um longo período onde o Estado brasileiro foi guiado por políticas
keynesianas, promoveu-se a escolha de um novo modelo de desenvolvimento econômico para
o país, capitaneado por Fernando Henrique Cardoso. A privatização das estatais passou a ser
um tema constante nos noticiários, os quais costumeiramente revelavam a ineficiência destas
empresas, gerada pelos baixos investimentos e pela falta de comprometimento de seus
funcionários.
Os jornalistas, economistas e congressistas defensores da privatização alegavam que
as empresas eram antiquadas e os serviços de utilidade pública se desenvolviam a passos
lentos. Quantos anos os pernambucanos tinham que esperar para adquirir uma linha telefônica
junto a Companhia Telefônica do Estado de Pernambuco – TELPE, como também os cariocas
junto a Companhia Telefônica do Estado do Rio de Janeiro - TELERJ e os paulistas junto a
Companhia Telefônica do Estado de São Paulo - TELESP. Enfim, existiam imensas listas de
espera que fomentavam a existência de um mercado paralelo, onde as linhas telefônicas
possuíam um alto valor de venda e eram muitas vezes utilizadas como reserva de valor.
Os defensores da privatização argumentavam que o telefone no Brasil era tido como
um objeto de desejo, enquanto que nos países desenvolvidos representava um meio de
comunicação de massa (OLIVEIRA e GIMENEZ, 1998). Diante desta nova perspectiva
residia a esperança de disseminação de novos serviços a preços mais baixos e
qualitativamente superiores em relação aos ofertados pelo estado.
Dentro desta nova realidade adotada pelo governo brasileiro, a Telecomunicações
Brasileiras S.A. – TELEBRÀS, uma companhia holding, responsável pela administração do
sistema nacional de telecomunicações, foi duramente criticada, sendo considerada atrasada e
61
inoperante. Estudos demonstravam que o atual sistema ofertava uma quantidade de linhas
abaixo do desejado, já que o mercado potencial estimado situava-se entre 18 e 25 milhões de
habitantes.
64
56
44
40
39
17
15,5
11,5
Estados Unidos
França
Itália
Espanha
Portugal
Argentina
Chile
Brasil
Gráfico 5 - O Brasil e o Mundo. Número de Telefones Fixos por Grupo de 100 Habitantes – 1996.
Fonte: Oliveira e Jimenez (1998, p.105)
A análise do gráfico 5 revela uma disparidade em relação a quantidade de linhas
telefônicas ofertadas em países onde os serviços de telefonia estão sob a responsabilidade da
iniciativa privada e o que continua a optar pelo modelo estatal. Diante dos números referentes
aos oito países mostrados no gráfico, apenas o Brasil promovia o desenvolvimento do setor de
telecomunicações ainda no formato de monopólio estatal. Todos os outros já haviam
promovido a liberalização dos seus mercados, adaptando-os a uma situação concorrencial. Os
defensores da privatização enxergavam como a principal causa para a inferioridade numérica
do sistema TELEBRÁS, a resistência à adoção de um modelo que era sinônimo de
modernidade.
62
Este entrave à expansão na oferta dos serviços, impedia que o setor de
telecomunicações brasileiro caminhasse para o rumo da universalização, acumulando
números indesejáveis, os quais demonstravam um fraco dinamismo de um ramo da economia
que se mostrava fundamental na virada do milênio.
A contratação de consultorias nacionais e estrangeiras objetivando a realização de um
diagnóstico da real estruturação do sistema brasileiro de telecomunicações mostrava-se
importante, tendo sido um dos carros chefes do Governo Federal. Algumas estatísticas
mostraram-se pertinentes: 81% dos telefones residenciais pertenciam às classes A e B e a
demanda reprimida chegava a quase 20 milhões de linhas telefônicas (PRATA; BEIRÃO e
TOMIOKA, 1999).
Segundo Tavares (1998, p. 01) estas consultorias foram contratadas a peso de ouro:
Chamaram vários “médicos” de renome internacional, para diagnosticar os males e o valor do Sistema Brasileiro de Telecomunicações. A análise da Telebrás foi feita pela Mc Yinssen Consulting, da Embratel pela Gemini Consulting e no BNDES pela Salomon Smith Barney e pela Morgan Stanley. A avaliação econômico-financeira foi realizada pela Arthur D. Little associada à Coopers & Lybrand e à Deloitte & Touche Corporative Finance.
Em abril de 1995 foi produzido pelo Ministério das Comunicações um estudo
minucioso da realidade vivenciada pelo setor de telecomunicações no Brasil, onde estava
contida uma proposta de modificação do modelo de gestão formulado na década de 1970.
O documento intitulado: As Telecomunicações e o Futuro do Brasil – Flexibilização
do Modelo Atual, continha valiosas informações e apresentava-se recheado de argumentos em
prol da privatização, os quais seriam apresentados no Congresso Nacional objetivando a
aprovação da reforma constitucional, com o intuito de desbancar o monopólio natural.
Parte deste documento destinava-se a analisar as estratégias utilizadas pelos países no
desenvolvimento do seu setor de telecomunicações. Continha exemplos dos modelos adotados
em países desenvolvidos e em desenvolvimento, estando o argumento central posicionado a
favor da concorrência. O texto buscava demonstrar a inexistência de um leque de opções no
63
que diz respeito ao desenvolvimento das telecomunicações no mundo, sendo uma questão de
tempo a transição do Estado brasileiro para um sistema de mercado, vivenciado há tempos por
alguns países europeus e pela maioria dos latino-americanos.
Apesar de reconhecer as façanhas do sistema TELEBRÁS, o qual foi capaz de
promover a ampliação da planta instalada de terminais telefônicos em 526% nas duas últimas
décadas, quando neste mesmo período o crescimento vegetativo registrado foi de 50% e o PIB
brasileiro havia crescido 90% em valores constantes de 1994 (PRATA; BEIRÃO e
TOMIOKA, 1999), o corpo técnico responsável pela confecção do documento, considerava o
modelo obsoleto e desalinhado com a realidade compartilhada pela maioria dos países
desenvolvidos. A incapacidade de atendimento da demanda reprimida decretava a falência do
modelo inaugurado quando o mundo reverenciava Keynes e debatia intensamente o
socialismo.
O Governo Federal defendia que a ineficiência nos serviços era motivada por uma
acomodação por parte do Sistema TELEBRÁS, resultante do monopólio Estatal, o qual
estabelecia uma barreira intransponível à entrada de novas empresas no setor, desprezando
assim, a concorrência. O que estava sendo reivindicado neste momento era a liberdade para
que as forças de mercado atuassem, como forma de equilibrar a relação entre fornecedores e
consumidores.
A privatização do sistema TELEBRÁS surgia para os seus defensores como um caminho natural a ser seguido dentro de uma nova realidade mundial. Avessos a essa idéia apareciam alguns setores da sociedade. A imensa maioria dos funcionários do setor condenava a privatização, ressaltando os grandes feitos realizados pela estatal, como a criação do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento – CPqD, instituição que viera a se tornar a maior do Hemisfério Sul em sua área de atuação e referência para o avanço tecnológico no setor de telecomunicações. Foi esta a grande responsável pelo desenvolvimento da fibra óptica brasileira, pela criação de centrais eletrônicas digitais e pela evolução do programa brasileiro de comunicações via-satélite (PRATA; BEIRÃO e TOMIOKA, 1999, p.330).
Nesta queda de braço entre o Governo e algumas camadas da sociedade, prevaleceu a
opção governamental, tendo início às tão necessárias reformas, as quais se iniciam mediante
64
aprovação da emenda constitucional nº 8, objetivando a eliminação da exclusividade da
concessão para exploração dos serviços públicos, buscando introduzir a concorrência no
mercado (SOUZA, 2000).
A aprovação da emenda constitucional nº 8 veio a alterar o artigo 21 da Constituição
Federal de 1988, mais especificamente o inciso XI, o qual na prática garantia o monopólio ao
sistema TELEBRÁS. O texto anterior à alteração promovida pela emenda dizia o seguinte:
“Compete à União”: (...) XI – explorar, diretamente ou mediante concessão as empresas sob o controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela União; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) Os serviços de radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações (...).
Com a aprovação da proposta na Câmara dos Deputados em 6 de junho de 1995, por
357 votos contra 136 e posteriormente a votação final no Senado Federal, no dia 11 de agosto
do mesmo ano, cujo resultado foi de 65 votos a favor e apenas 12 contra, o artigo 21 da
constituição foi finalmente alterado (PRATA; BEIRÃO e TOMIOKA, 1999).
A confecção do novo tecido textual foi então expressa:
Art 21. Compete a União: (...) XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radio difusão sonora e de sons e imagem (...).
Conquistado o aparato legal, em 1996 foi aprovada a lei nº 9295, a qual permitiu a
abertura à entrada de novas empresas no setor, abrindo espaço para a realização de
65
investimentos privados no desenvolvimento da telefonia fixa e móvel banda B, para os
serviços de sinais via-satélite e para a transmissão de dados.
Em 1997 foi outorgada a Lei Geral de Telecomunicações – LGT que revogou parcialmente o código brasileiro de telecomunicações, estabelecendo um marco regulatório global para o setor com os objetivos básicos: a) Fortalecer o papel regulador do Estado, eliminando o seu papel empresário; b) Aumentar e melhorar a oferta dos serviços; c) Moldar um ambiente competitivo, criar oportunidades atraentes de investimento e de desenvolvimento tecnológico e industrial; d) promover a adequação do modelo às metas de desenvolvimento social (SOUZA, 2000, p.1066).
Paulatinamente cristalizava-se a intenção do governo Fernando Henrique Cardoso de
privatização do sistema TELEBRÁS. Aliás, isto ficou bastante claro ainda quando candidato,
pois no seu programa de governo intitulado: “Mãos à obra, Brasil” estava inserido o ideal de
que seria responsabilidade do Estado não mais produzir, mas sim regular e fiscalizar a
prestação de serviços à sociedade.
Em 29 de julho de 1998 finalmente ocorreu o processo de privatização brasileiro, um acontecimento histórico, pois o sistema Telebrás, uma das vinte maiores empresas do mundo e a maior das economias emergentes, com 17 milhões de linhas fixas, 4 milhões de telefones celulares e mais de 400.000 telefones públicos espalhados pelo país foi a leilão. O governo brasileiro conseguiu cerca de 19 bilhões de reais com a venda de sua parte majoritária (51,9%) nas doze companhias que compunham o sistema de telefonia fixo e móvel no país. Dez empresas ficaram sob o controle do capital internacional, representando 82% da receita do leilão (PETRAS e VELTMEYER, 2001, p.74).
Um fato curioso foi que nos anos de 1996 e 1997, o governo havia investido 16
bilhões de reais no sistema Telebrás que, associado ao descongelamento rápido das tarifas e a
expansão do número de linhas obtidos com estes enormes investimentos, renderam ao país 4
bilhões de dólares sobre a forma de lucro no final de 1997. Pela lógica continuariam
crescendo nos anos seguintes, já que no primeiro semestre de 1998, as vésperas do leilão
realizado em julho deste mesmo ano, foram investidos mais 5 milhões de dólares na empresa
(BIONDI, 2000 a).
66
Tabela 3 – A Privatização das Telecomunicações no Brasil, julho de 1998
Empresa Setor Preço do Leilão
Comprador / Participação
Embratel Telefonia fixa ¹
2650 MCI Communication Corporation EUA (100% Capital estrangeiro)
Fonte: Gonçalves (1999, p. 150 ). ¹ Interurbana, internacional e transmissão de dados via-satélite.
A análise da tabela 3 demonstra a importante participação do capital internacional no
processo de privatização do sistema de telecomunicações brasileiro, expressa pela aquisição
67
de dez das doze empresas colocadas à venda neste leilão que para muitos, ficará marcado na
história do país pelas suas proporções.
À luz deste acontecimento que vem a representar a transição de um modelo apoiado na
atividade estatal, por uma estrutura que se equilibra e aposta na força da iniciativa privada
para a resolução de velhos gargalos em infra-estrutura, surgem como atores principais deste
cenário o capital espanhol e norte-americano. Pelo lado estadunidense destaca-se a compra da
Embratel pela MCI Communication Corporation, enquanto que do lado espanhol a
participação das empresas Telefônica S.A, Iberdrola e Bilbao Viscaya mostrou-se intensa e
relevante. A primeira fez o maior lance presenciado até hoje no mercado brasileiro,
oferecendo 4,96 bilhões de dólares para obter o controle da companhia de telefonia fixa do
Estado de São Paulo.
Se ao término da privatização era claro o imenso poder de barganha demonstrado
pelos grupos estrangeiros, cinco meses após a ocorrência da desestatização o que se viu foi
um aprofundamento deste panorama. A venda das ações da Tele-Celular Sul pertencentes à
União Galopar, bem como as da Tele-Nordeste Celular, de domínio do Bradesco, ambas para
a Telecom Itália, promoviam uma elevação do domínio acionário por grupos internacionais no
setor brasileiro (GONÇALVES, 1999).
A aquisição de uma grande parcela das empresas de telecomunicação brasileiras pelas
empresas estrangeiras elevou a importação dos componentes e equipamentos utilizados para
manutenção e expansão da rede de telecomunicações no Brasil, reduzindo consideravelmente
a demanda por produtos nacionais, promovendo o fechamento de várias empresas.
Na verdade a divisão da parte majoritária do sistema TELEBRÁS pelos grupos
internacionais promoveu a transferência das matrizes das empresas recém criadas, para o
exterior, tendo as suas sedes no Brasil se transformado em filiais, gerando uma significativa
redução da produção de novas tecnologias em telecomunicações no país.
68
Esta é justamente a diferença entre uma matriz e uma filial. Enquanto a primeira
produz tecnologia, a segunda é apenas receptora. A privatização no molde em que foi
implantada elevou consideravelmente as importações de componentes técnicos, arrefecendo a
atuação de importantes instituições como a CPqD. Em 2001, auge da implantação do novo
modelo, a balança comercial brasileira registrou um déficit de 11,6 bilhões na rubrica
telecomunicações (BENJAMIN, 2004).
Dados apresentados pelo economista Luciano Coutinho, da Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP, mostram que nos Estados Unidos as importações realizadas pelas
empresas de Telecomunicações não passam de 40% em peças e componentes. Na Suécia,
96% dos equipamentos são produzidos no país (BIONDI, 2000a, p.38).
Esta diferença está relacionada ao modelo de privatização adotado nestes países, onde
o capital nacional é quase sempre majoritário. Aliás, nos países desenvolvidos desde os
primeiros passos rumo a privatização das telecomunicações, ficava claro que a opção do
governo estava calcada na pulverização das ações por parte dos cidadãos, tornando-os
acionistas das estatais, enquanto no Brasil a opção esteve relacionada aos modelos adotados
pela maioria dos países em desenvolvimento, onde a compra das estatais é realizada por
poucos grupos nacionais e estrangeiros, conduzindo a economia a um estado de
oligopolização.
Em relação a este assunto, Biondi (2000a, p.13), importante jornalista econômico é
taxativo:
No governo inglês de Margareth Thatcher foram criados incentivos, “prêmios”, para qualquer cidadão comprar ações: Quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de “ganhar” determinadas quantias, em datas marcadas no momento da compra. O sistema se baseava na distribuição de custome vouchers, espécie de cupons que eram trocados por dinheiro, nos prazos previstos. Na Itália houve também a preocupação de “democratizar”, ou seja, garantir a distribuição do patrimônio nacional, evitando a concentração de renda.
69
Envolto neste modelo cheio de particularidades, tendo como uma de suas vertentes os
empréstimos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
BNDES a juros abaixo dos identificados no mercado, representando uma fração dos recursos
necessários a compra do sistema TELEBRÀS pela iniciativa privada, lançavam-se novos
desafios ao Governo, no tocante as metas de expansão e regulação do setor de
telecomunicações.
A primeira ação executada pelo Estado brasileiro frente a esta nova realidade foi a
criação, em 7 de outubro de 1997, da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL,
caracterizada como uma autarquia especial atrelada ao Ministério de Telecomunicações, a
qual nascia administrativamente independente, gozando de autonomia financeira e estando
ausente de qualquer tipo de subordinação hierárquica, o que lhe proporcionava pelo menos em
tese, liberdade para administrar os conflitos de forma imparcial (PRATA; BEIRÃO e
TOMIOKA, 1999).
Esta agência reguladora foi inaugurada em 5, tendo como finalidade estabelecer um modelo gerencial capaz de regulamentar o setor de telecomunicações, intermediando e resolvendo conflitos de ordem econômica. Seria papel deste órgão evitar que os consumidores fossem lesados, promover a concorrência, fiscalizar a forma de atuação das operadoras, bem como desenvolver um plano de especificações técnicas que viesse a garantir qualidade e segurança aos serviços ofertados. Seu regulamento especificava uma série de obrigações, das quais destacam-se (PRATA; BEIRÃO e TOMIOKA, 1999, p.375): • Formular a política nacional de telecomunicações; • Rever, periodicamente, os planos de outorgas e de metas para
universalização dos serviços prestados no regime público; • Exercer o poder normativo nas telecomunicações; • Outorgar e extinguir o direito de exploração do serviço em regime
público; • Celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do
serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; • Controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços
prestados em regime público, podendo fixa-las e homologar reajustes; • Administrar o espectro de radiofreqüências e o uso de órbitas; • Outorgar e extinguir direitos de uso de radiofreqüências e órbita,
fiscalizando e aplicando sanções; • Expedir e extinguir autorização para a prestação de serviço no regime
privado, fiscalizando e aplicando sanções; • Atuar na defesa e proteção dos direitos dos usuários, reprimindo as
infrações e compondo ou arbitrando conflitos de interesse;
70
• Controlar, prevenir e reprimir as infrações de ordem econômica.
Enquanto órgão normativo caberia ainda: a definição das modalidades de serviços a serem
ofertados ao público; o estabelecimento das restrições e limites às empresas no que diz
respeito à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, objetivando a
promoção de um ambiente competitivo, sem a formação de oligopólios; disciplinar o
cumprimento das obrigações de universalização e de continuidade atribuídas aos prestadores
de serviço no regime público; estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de
serviço; aprovar o plano de atribuição, distribuição e destinação de faixas de radiofreqüência e
de ocupações de órbitas; definir os requisitos e critérios específicos para a execução de
serviço de telecomunicações via-satélite e elaborar e editar todas as normas e
regulamentações sobre o serviço de tv a cabo (PRATA; BEIRÃO e TOMIOKA, 1999).
Com os objetivos claramente definidos, chegava o momento de definir a estrutura
organizacional da ANATEL. Após um intenso debate chegou-se a um consenso, ficando
definido que o conselho diretor seria formado por cinco membros, todos indicados pelo
Presidente da República (PRATA; BEIRÃO e TOMIOKA, 1999). Delegar ao órgão
autonomia mostrava-se imprescindível, como forma de espantar qualquer possibilidade de
subserviência em relação ao Estado, criando assim, um anteparo para a pressão realizada por
consumidores e empresas, os quais geralmente querem impor os seus desejos e fixar os seus
pontos de vista.
Posteriormente caberia a ANATEL estabelecer as metas de expansão para cada uma das
operadoras de telefonia fixa, com o intuito de promover um novo e duradouro dinamismo ao
setor, capaz de ampliar a oferta de linhas fixas aos brasileiros, ajudando a reforçar a
integração deste país de dimensões continentais.
71
Tabela 4 – O Ritmo da Expansão. Metas por Operadoras e Estados em Milhares.
MG 1854 2706 3056 3397 BA 829 1077 1294 1530 PE 439 625 745 874 CE 595 695 731 756 PA 286 431 518 613 ES 312 436 511 588 MA 194 256 308 364 AM 168 237 284 336 PB 209 260 294 328 RN 179 231 278 329 PI 150 190 227 268 AL 154 191 228 267 SE 97 131 158 186 AP 45 56 52 68 RR 32 42 46 49
Fonte: Oliveira e Jimenez (1998, p. 106) ** informação não disponível
Apoiado em vultuosos investimentos, muitas vezes ofertados pelo BNDES, o novo
modelo de desenvolvimento das telecomunicações nacional começava a ser guiado pelo
capital privado. As metas estipuladas pela ANATEL previam uma revolução no setor. Ao fim
do período contemplado na tabela 4, com o cumprimento da meta, o país deveria possuir 33
milhões de linhas telefônicas, ou seja, de março de 1998, onde existiam 15,3 milhões de
telefones fixos até 31 de dezembro de 2001, a expansão registrada seria de 116 %
aproximadamente.
72
A definição das áreas de atuação das empresas após a privatização também significava um
passo importante para o desenvolvimento do setor. O reconhecimento por parte da ANATEL
que a análise custo-benefício era a mola mestra na tomada de decisão por parte das empresas
quando definiam os locais a serem realizados os novos investimentos, revelava a importância
do estabelecimento de metas de expansão. A universalização deveria ser observada em todos
os Estados brasileiros. No tocante a este assunto, RESENDE (2001), aborda a importância de
uma intervenção por parte da agência reguladora após a privatização de qualquer setor em
uma economia, como forma de conter a elevação das disparidades regionais.
Tabela 5 – Área de Atuação das Empresas de Telefonia no Brasil
Concessionária Código Área de Atuação Telemar 31 RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB RN, CE, PI, MA,
PA, AP, AM, RR, com exceção dos municípios de código 12.
Tele Centro-Sul 14 SC, PR, MT, MS, TO, GO, DF, RO, AC e os municípios de Pelotas, Capão do Leão, Morro Redondo e Ituruçu (RS)
Telefônica 15 SP, com exceção dos municípios de código 12 e 16. Embratel 21 Todo o território Nacional Sercomtel telecomunicações 43 Londrina (PR) CRT 51 RS, com exceção dos municípios de código 14 Ceterp 16 Ribeirão Preto (SP) CTBC Telecom 12 Franca, Batatais, Brodósqui, São Joaquim da Barra,
Ituverava (SP); Parnaíba (MS); Uberaba, Uberlândia, Pato de Minas (MG), Itumbiara e São Simão (GO)
Empresa- Espelho Código Área de Atuação Canbrá Telefônica 85 RJ, MG, ES, BA, SE, AL, PE, PB, RN, CE, PI, MA,
PA, AP, AM e RR Em licitação * SC, PR, MT, MS, TO, GO, DF, RO, AC e RS Megatel do Brasil * SP Inelig 23** Todo o território nacional
Fonte: Almanaque Abril (2000, p. 116) * ainda fora de operação e sem código definido ** Deve entrar em operação no final de 1999
A tabela 5 revela uma das preocupações da agência reguladora para com a manutenção
da concorrência. A venda do sistema TELEBRAS a um número reduzido de empresas
sinalizava para o desencadeamento de um processo oligopolista. Atenta a esta nova realidade
a ANATEL resolveu aderir a criação de empresas-espelho, com o intuito de assegurar a
73
existência de um ambiente competitivo, no qual as forças de mercado fossem capazes de
garantir a empresas e usuários um ambiente favorável.
No caso da telefonia -fixa configuravam-se como empresas-espelho, a Intelig (espelho da Embratel) e a Canbrá Telefônica (espelho da Telemar), por atuarem na mesma área e ofertarem o mesmo tipo de serviço. Esta modalidade de empresa, criada em prol da concorrência, segue geralmente regras mais flexíveis. Elas não precisam cumprir metas de universalização dos serviços, desfrutam de liberdade tarifária e podem definir a área de cobertura. A licitação também não tem preço mínimo. A consolidação das empresas-espelho não era visto como a solução para o processo de concorrência na telefonia brasileira (ALMANAQUE ABRIL, 2000, p. 115).
Funcionaria apenas como um estímulo à concorrência. Para os defensores da
privatização os grandes resultados em relação ao barateamento das tarifas seriam identificados
após 2002, quando o mercado estaria totalmente aberto a entrada de novos concorrentes.
A expansão nos serviços elevaria substancialmente a média nacional por habitante. Se em
1998 existiam 10 linhas telefônicas para cada grupo de 100 habitantes, os ganhos
quantitativos gerados pelos enormes investimentos realizados pelas empresas de telefonia
elevariam a média nacional para 20 telefones para cada grupo de 100 habitantes.
A confiança neste novo modelo enchia de entusiasmo o Ministro das Telecomunicações
Mendonça de Barros, o qual afirmou em uma reunião ocorrida na Telemig, em Belo
Horizonte, que o sistema anterior de autofinanciamento havia elitizado o sistema de telefonia
no país. Segundo o Ministro, não fazia sentido continuar pedindo às pessoas que comprassem
linhas por valores elevadíssimos, como ocorria no passado. Neste novo modelo competitivo, o
telefone não seria mais visto como propriedade, mas sim como concessão, a um custo de
instalação beirando os R$ 50 (OLIVEIRA e GIMENEZ, 1998).
Quando o novo modelo estivesse implementado, seguindo as metas estipuladas pela
ANATEL, deveria ocorrer uma drástica redução no tempo de instalação das linhas telefônicas
em todo o país. Em 2002, o tempo máximo de instalação aceitável seria de até quatro
semanas. Em 2003 cairia para até três semanas e em 2004 seria aceitável até duas semanas.
74
Daí para frente a ANATEL exigiria que todas as linhas telefônicas fossem instaladas num
prazo de uma semana (OLIVEIRA e GIMENEZ, 1998)
A melhoria na qualidade dos serviços viria acompanhada de uma redução nas tarifas. As
ligações locais deveriam sofrer uma redução de 4,9% entre 2001 e 2005. As interurbanas
seriam reduzidas em 24,8% entre 1998 e 2005 e as internacionais cairiam 66% entre 1998 e
2005 (OLIVEIRA e GIMENEZ, 1998). As exigências impostas pela agência reguladora
caminhavam para o direcionamento da universalização dos serviços.
480713 835 981
dez-97 dez-99 dez-00 dez-01
Gráfico 6- A nova Rede Pública - Metas de Instalação em Milhares
Fonte: Oliveira e Jimenez (1998, p. 107)
O gráfico 6 expõe as metas estabelecidas pela ANATEL para a expansão da telefonia
pública durante o período contemplado. A expansão prevista era da ordem de 104% em quatro
anos, possibilitando a existência de um telefone a cada 800 metros. Em 2002 e 2003, o
intervalo entre os telefones públicos deveria sofrer uma redução ainda maior, sendo
respectivamente de 500 e 300 metros. A elevação no número de telefones públicos traria um
maior conforto a população, inaugurando um novo momento nas telecomunicações
brasileiras.
75
Passados quase sete anos desde a privatização do Sistema Brasileiro de
Telecomunicações, acontecimento que dividiu o território nacional em quatro grandes áreas
de outorga, arrematadas em sua grande maioria por empresas privadas, parte das quais
estrangeiras com sedes na Espanha, Portugal, Estados Unidos e México, percebe-se um
grande aumento na oferta de linhas telefônicas fixas e móveis, bem como em relação aos
telefones públicos.
38,3
47,8 49,2 49,653,8
58 58
1,6
45,5
34,928,7
23,2
52,5
1,51,41,41,40,90
10
20
30
40
50
60
70
2000 2001 2002 2003 2004 2005
Telefonia Fixa Telefonia Móvel Telefones Públicos
Gráfico 7 - Brasil. Linhas Telefônicas 2002/2005 (em Milhões) Fonte: Almanaque Abril (2004, p. 79)
Os números do gráfico 7 revelam uma intensa expansão do setor de telecomunicações
durante os quatro primeiros anos do século XXI. Na telefonia fixa ocorreu um acréscimo de
40,5% na quantidade de linhas telefônicas, enquanto que na telefonia móvel ocorreu um
acréscimo ainda maior, ficando próximo dos 127%. Em relação aos telefones públicos a
elevação foi de 77%. Os valores de 2005 representam uma projeção.
76
Segundo a ANATEL, todo este dinamismo não foi suficiente para o cumprimento integral
das metas estabelecidas. A Telefônica, a Telemar e a Tele Centro-Sul deixaram de atingir os
objetivos em indicadores considerados essenciais na avaliação da qualidade do serviço, como
número de solicitações de reparos e reclamações de contas telefônicas. Atualmente as
empresas de telefonia estão no topo das listas de reclamações da Fundação de Proteção e
Defesa do Consumidor - PROCON.
Uma outra dificuldade encontrada pelo setor é o alto índice de ociosidade. Segundo
Benjamin (2004), em 1998, momento que marcava a transição do modelo de monopólio
natural para um modelo de livre-concorrência, o país continha 20 milhões de linhas
telefônicas, estando 18 milhões em atividade e 2 milhões ociosas. No ano de 2001 a oferta era
de 47 milhões, com 36 milhões em atividade e o restante estava sendo inutilizado. A
ociosidade neste período chegava a 24%.
A grande quantidade de linhas telefônicas sem utilização é fruto de uma elevação bastante representativa no valor dos serviços ofertados pelas empresas. Quando aconteceu a assinatura dos contratos, estas passaram a reajustar as tarifas pelo Índice Geral de Preços – IGP-DI, o qual promoveu uma verdadeira explosão no preço dos serviços de telefonia no país, fazendo com que este viesse a ser questionado na justiça (ALMANAQUE ABRIL, 2004, p.78).
Naquele momento o que estava sendo reivindicado é que as tarifas de telefonia fossem
reajustadas de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.
Segundo Benjamin (2004), a telefonia brasileira era a segunda mais barata do planeta,
ficando atrás apenas da Chinesa. Os gastos com telefonia eram pouco representativos para as
famílias brasileiras, ou seja, pesavam pouco no orçamento mensal, enquanto que atualmente
até mesmo as classes mais favorecidas da sociedade começam a sentir no bolso os excessivos
aumentos verificados nas telecomunicações após a privatização.
A degradação do poder aquisitivo das famílias brasileiras nestes últimos anos associado à
elevação no preço dos serviços moldou um cenário negativo para as empresas de telefonia no
77
ano de 2002. Durante este período foram registradas elevadas taxas de inadimplência. No
segundo semestre de 2003, diversas operadoras informaram a ANATEL que o número de
pedidos de desligamento de linhas superava os de instalação (BENJAMIN, 2004), colocando
em xeque o projeto de universalização dos serviços idealizado pelos defensores do livre-
mercado.
Aliás, esta tem sido uma questão muito debatida nestes últimos tempos. Os críticos da
privatização do sistema de telecomunicações nacional apontavam para a probabilidade que a
democratização dos serviços viesse a fracassar. Segundo os intelectuais contrários ao livre-
mercado, tornava-se impossível o estabelecimento de novas bases que viessem a promover
uma intensa concorrência entre empresas no setor de telefonia em um mundo globalizado,
guiado por um frenético processo de fusões e aquisições, o qual expressa e consolida o
enorme poder do capital na virada do milênio.
Tabela 6 – Telecomunicações. Maiores Fusões e Aquisições
Ano Empresa-Alvo Empresa Ofertadora Valor em (Bilhões U$$) 2000 Timer Warner
Mannesman Mobifunk América online Vodafone-Air Touch
166,0 195,0
1999 Media One Air Touch
AT&T Vodafone
60,5 60,3
1998 Ameritech Tele-Comunications GTE
SBC Comm AT&T Bell Atlantic
62,5 53,6 53,4
1997 MCI Bell Atlamtic SBC
World Com Nynex Pacific Blue
37,0 23,0 17,0
Fonte: Almanaque Abril (2001, p.44)
Todo o ceticismo demonstrado pelos defensores do modelo Estatal em relação ao
processo de democratização da telefonia no Brasil, baseava-se nas experiências ocorridas em
outros países, as quais não lograram o efeito desejado. Nos Estados Unidos e em alguns países
da Europa, os governos tiveram que intervir pesadamente no setor de telecomunicações,
78
objetivando impedir a consolidação de monopólios. A análise da tabela acima representa esta
imensa vitalidade demonstrada pelas grandes corporações.
São exemplos destes acontecimentos, a intervenção por parte do Estado norte-
americano em relação ao projeto de fusão idealizado pelas empresas MCI World Com e
Sprint no ano de 2000, bem como a aquisição da empresa alemã Mannesman Mobifunk pela
britânica Vodafone Air Touche, que ao se concretizar geraria a maior operadora móvel do
mundo, com 10% de toda a base de assinantes do planeta (ALMANAQUE ABRIL, 2001).
Segundo Benjamin (2004, p.4):
O modelo concorrencial não foi nem será capaz de cumprir aquela que deveria ser uma meta fundamental de qualquer projeto nacional de telecomunicações: a universalização dos serviços. Isso não chega a surpreender. Em nenhum país do mundo a concorrência foi o mecanismo fundamental dessa universalização, pois nesse setor o espaço para a concorrência se limita a nichos relativamente pequenos. Foi a ação do poder público que garantiu a universalização, onde ela ocorreu.
Torna-se claro e notório que apenas as camadas mais ricas da população tem renda
suficiente para usar o telefone, para fins privados de forma rentável para a operadora. A
instalação de um novo terminal só se torna viável economicamente estando na ponta de uma
rede suficientemente densa, de modo que o custo marginal desta instalação seja pequeno.
No Brasil não ocorreu a universalização dos serviços, pois a democratização da telefonia tende a gerar uma menor rentabilidade as empresas. Os serviços de telecomunicações partem sempre das áreas mais ricas (ou mais densas), para as mais pobres (ou mais rarefeitas). Esse foi o motivo da montagem, em quase todo o mundo, durante longo período, de monopólios públicos de telecomunicações. Por meio de subsídios cruzados eles garantiam a universalização do acesso na forma de um serviço público, e não de uma mercadoria comum. Sem esse mecanismo, ou algum outro mecanismo semelhante, a rede tende a adensar-se sem universalizar-se, pois a concorrência tende a concentrar os seus investimentos em áreas, grupos e serviços rentáveis. Na verdade é isto que vem acontecendo no Brasil, após terem sido alcançadas as metas fixadas pela ANATEL (BENJAMIN, 2004, p.5).
79
CONCLUSÕES
A década de 1980 ficou marcada na história por ser o ponto de partida de um processo
de profundas transformações nas relações econômicas, políticas, sociais e culturais no mundo,
onde a hegemonia da civilização ocidental se fez presente, promovendo a adequação do
planeta a uma lógica pragmática, onde o elemento preponderante é a maximização do lucro.
Arraigado na noção de modernidade, o neoliberalismo vem se tornando triunfante,
pela escassez de alternativas concretas que representem um contraponto à essência das
políticas que idolatram o mercado e condenam a grande participação do estado na economia.
Calcado nas idéias da escola neoclássica, o neoliberalismo tem seu fôlego renovado
não só pela atuação dos integrantes das escolas monetarista e novo-clássica, no meio
acadêmico e nos gabinetes dos governos, como também por políticos e intelectuais, um dia
contrários ao Laissez-Faire e que atualmente defendem-no com firmeza.
A reforma neoliberal vem nas duas últimas décadas acumulando características
interessantes. Uma expressiva quantidade dos políticos responsáveis pela implementação de
medidas em defesa do mercado seja em economias centrais ou periféricas, mostram-se antes
de aderir ao Consenso de Washington, simpatizantes da social-democracia e até mesmo das
políticas socia listas.
A desintegração do leste europeu conferiu ao mundo um caráter unipolar, levando a
noção de desenvolvimento econômico a convergir quase que integralmente para um
denominador comum. Nunca o mercado esteve tão em evidência. Estas interferências são
sentidas até mesmo no ambiente acadêmico. Várias universidades de economia sediadas no
Brasil abandonaram o seu viés historicista para se converter a corrente neoclássica, já que a
grande arena da conduta humana respira intensamente o mercado, colocando sob a sua
responsabilidade o destino de milhões de seres humanos.
80
Sob a égide do Banco Mundial e do FMI, o neoliberalismo mantém acesa a sua chama.
Os países que recorrem aos seus empréstimos, quase sempre sufocados pelas elevadas dívidas
de curto e longo prazo, se vêem forçados a compactuar com uma série de exigências, que em
um futuro próximo se tornarão condicionalidades para a renovação de novos empréstimos.
Os modelos econômicos sugeridos aos países que recorrem ao Fundo Monetário
Internacional são permeados por uma extrema ortodoxia e se caracterizam pela
homogeneidade. Acabam sendo indiferentes as composições étnicas e culturais dos países em
que serão aplicados.
A Historiografia econômica tem demonstrado os constantes fracassos das reformas
neoliberais aplicadas nos países em desenvolvimento, independente de terem ocorrido em
países democráticos ou ditatoriais. A comparação entre as metas estabelecidas e os seus
resultados, consolidam a idéia segundo a qual o abismo entre ricos e pobres tem aumentado
nestes últimos anos no planeta.
Apoiado num engodo magistral, os países desenvolvidos estão sempre vendendo
prosperidade aos países em desenvolvimento, mesmo quando é fato que não se utilizam
integralmente de sua propaganda. Mediante uma intensa defesa das políticas pró-mercado é
ventilada a idéia da ineficiência do Estado perante os problemas de ordem econômica.
Todavia, a intervenção deste organismo nas economias capitalistas desenvolvidas, tem se
mostrado muito mais freqüente e intensa em relação à atuação do setor público nos países
periféricos.
À luz destes acontecimentos pode-se cada vez mais afirmar que estamos vivendo uma
crise ideológica profunda, a qual abre espaço para o estabelecimento de novos paradigmas
impostos pela globalização. A transformação do mundo em uma aldeia global, altamente
influenciada pela revolução da informação, permitiu a ocorrência de uma profunda e abrupta
internacionalização do capital, a qual vem desencadeando um estágio de extrema polarização
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na economia mundial. Esta é claramente identificada nos robustos processos de fusões e
aquisições vividos por esta nova e derradeira fase do capitalismo moderno, que elege poucos
vencedores e inúmeros perdedores.
Graças à revolução da informação o capital se desloca em tempo real de um lugar ao
outro, sempre em busca das melhores oportunidades de negócios, que na maioria das vezes
revelam-se no ramo financeiro da economia.
Todavia, o setor produtivo não foi e nem tem sido deixado de lado. Muito pelo
contrário. Dentro do contexto latino-americano, identificou-se durante a década de 1980 e
1990, uma verdadeira invasão de dólares sob a forma de Investimentos Externos Diretos-IED.
Utilizados inúmeras vezes para a aquisição de empresas estatais que foram repassadas a
iniciativa privada em grandes leilões, os quais despertaram o interesse de vários e poderosos
conglomerados econômico-financeiros.
A crise da dívida ocorrida durante a década de 1980 demandou das frágeis e
debilitadas economias da América Latina, um longo e duradouro contato com as instituições
de Breton Woods, o qual perdura até hoje.
As consolidações das políticas de livre-mercado no continente devem ser
compreendidas como uma conseqüência, da aplicação dos modelos defendidos pelos teóricos
neoliberais, os quais vieram a alterar a concepção do desenvolvimento econômico nos países
da América-Latina, remetendo-os a um pensamento único, contrário, ao que esteve durante
muito tempo associado às raízes ideológicas da CEPAL, que tantos mestres formou, como o
brasileiro Celso Furtado, autor de brilhantes obras que tão bem explicam as razões do
subdesenvolvimento.
As Políticas de minimização do Estado na economia se alastraram rapidamente pelo
continente. Apenas no Brasil, foi identificada uma certa resistência, pelo importante momento
histórico vivenciado a época. O fim da ditadura militar e a enorme expectativa para o
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estabelecimento do processo democrático funcionaram como um revés ao pensamento
neoliberal.
Somente no Governo de Fernando Henrique Cardoso ocorre finalmente o alinhamento
do país as políticas de livre-mercado. A privatização da economia deve ser compreendida
como apenas uma das arestas da po1lítica neoliberal, planejada ainda na campanha
presidencial, na qual sinalizava a importância de substituição do modelo estatal pelo privado,
dado o imenso endividamento acumulado pelo setor público.
A venda das empresas estatais foi vista como uma alternativa à impossibilidade do
Estado realizar investimentos em área estratégicas ao desenvolvimento da nação. O que se
esperava era que ao serem compradas pela iniciativa privada, as estatais passassem a ofertar
serviços mais baratos e de melhor qualidade à população.
Passados quase uma década desde a privatização do sistema TELEBRÁS torna-se
claro e notório que o modelo adotado pelo Estado brasileiro começa a apresentar sinais de
cansaço. A expansão da rede de telefonia, constantemente elogiada pelos tecnocratas
alinhados as políticas neoliberais, parece estar perdendo a cada dia o seu vigor. Parece um
tanto quanto paradoxal o modo como este se desenvolveu e se desenvolve. A grande elevação
nas tarifas impediu a absorção da maior oferta de linhas fixas e móveis no país, fazendo
crescer a quantidade de linhas ociosas.
A qualidade dos serviços também representa um ponto de inflexibilidade deste
modelo. As operadoras de telefonia fixa e móvel encabeçam as listas de reclamações do
PROCON, como também possuem um elevado número de reclamações na ANATEL.
Estrategicamente, o estado brasileiro perdeu espaço no ramo de produção científica e
tecnologia na área de telecomunicações. A transformação das empresas que anteriormente
eram matrizes e compunham o sistema TELEBRÁS, em filiais dos grandes grupos que as
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adquiriram, acabou minimizando o número e a vitalidade dos centros de pesquisa sediados no
país.
A diferença básica entre uma matriz e uma filial é que a primeira produz tecnologia,
enquanto a segunda é apenas receptora. Dentro deste contexto percebe-se que o modelo
brasileiro tende a ir de encontro à concepção de Schumpeter, o qual classifica o processo de
inovação como sendo a força motriz do crescimento econômico.
Justamente no momento em que a produção de ciência e tecnologia é reivindicada
intensamente pelos Estados desenvolvidos, o Brasil resolve abdicar de desenvolver um ramo
da economia que se mostra fundamental na virada do milênio.
A privatização da economia brasileira mostrou-se incapaz de solucionar os velhos e
comentados problemas de infra-estrutura, os quais se transformam em gargalos que impedem
o crescimento da economia. No caso específico das telecomunicações, percebe-se a não
consolidação dos resultados esperados pelo Governo, no instante de optar por transferir o
desafio de tornar o setor dinâmico e universal às mãos da iniciativa privada.
Se no modelo estatal a expansão dos serviços não se deu pelo lado da oferta, diante da
incapacidade do estado de ofertar uma quantidade satisfatória de linhas telefônicas à
população, atualmente os elevados preços das tarifas funcionam como um entrave à redução
da demanda reprimida por serviços de telefonia no país.
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