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REFLEXÕES SOBRE MODERNIDADE E MODERNISMO Thais Helena Medeiros I. ABRINDO JANELAS As interpelações sobre modernidade e modernismo enquanto movimentos ocidentais e capitalistas, estendendo seus tentáculos sobre os ombros do século XX, que seguem neste trabalho, fazem parte de uma reflexão maior originada nas leituras e estudos de amplitude da sociologia da globalização e da cultura. A temática é pano de fundo das minhas explorações científicas em torno dA pesquisa do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Análises que nascem da inquietação em torno da produção de relações e resignificações socioculturais advindas do fortalecimento de inovações sociais 1 e indicação geográfica 2 característico do artesanato em palha de tucumã ( Astrocaryum vulgare Mart.). 1 Entendo inovação social ancorada em Ezio Manzini (2008), quando diz que as inovações sociais em geral referem-se a novas estratégias, conceitos e métodos (seus campos de aplicação são os mais variados, condições de trabalho, lazer, educação, saúde, etc.). As inovações sociais referem-se tanto a a processos sociais de inovação como a inovação de interesse social, como também ao empreendedorismo de interesse social como suporte de ação inovadora. (...) Elas são comprometidas com a ampliação e o aprofundamento de nosso senso de comunidade. (...) O código de acesso para nossa possibilidade de mudarmos a mudança não é um artefato técnico, mas sim nossas atitudes, palavras e atos, nossa capacidade de afirmar valores e compromissos. (...) O artefato técnico é uma ferramenta a serviço das relações interpessoais. (...) Não é um dispositivo de formatação das identidades, num mundo onde nossas liberdades se confundem com as pré-programações de possibilidades enumeradas segundo regras de videogames. Dizer isso significa reconhecer que as imposições da racionalidade instrumental (e da produtividade) precisam ter limites. E que desses limites se tece o lugar próprio para espaços de experiência e horizontes de expectativa da convivencialidade (p.5-6). 2 Sobre Indicação Geográfica, harmonizo com Belas (2011) onde a introduz como uma espécie de marca, mas enquanto a marca simplesmente diferencia um produto de outro no mercado, a Indicação Geográfica, além disso, informa que determinado produto possui características específicas que podem ser atribuías ao seu território de origem, relacionadas a condições naturais e sociais de produção. Isso tem implicações muito mais amplas do que uma marca, individual ou coletiva (Belas, 2011).
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REFLEXÕES SOBRE MODERNIDADE E MODERNISMO

Jul 26, 2015

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Page 1: REFLEXÕES SOBRE MODERNIDADE E MODERNISMO

REFLEXÕES SOBRE MODERNIDADE E MODERNISMO

Thais Helena Medeiros

I. ABRINDO JANELAS

As interpelações sobre modernidade e modernismo enquanto movimentos ocidentais e

capitalistas, estendendo seus tentáculos sobre os ombros do século XX, que seguem neste

trabalho, fazem parte de uma reflexão maior originada nas leituras e estudos de amplitude da

sociologia da globalização e da cultura. A temática é pano de fundo das minhas explorações

científicas em torno dA pesquisa do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia

na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Análises que nascem da inquietação em torno da produção de relações e

resignificações socioculturais advindas do fortalecimento de inovações sociais1 e indicação

geográfica2 característico do artesanato em palha de tucumã (Astrocaryum vulgare Mart.).

1 Entendo inovação social ancorada em Ezio Manzini (2008), quando diz que

as inovações sociais em geral referem-se a novas estratégias, conceitos e métodos (seus campos de aplicação são os mais variados, condições de trabalho, lazer, educação, saúde, etc.). As inovações sociais referem-se tanto a a processos sociais de inovação como a

inovação de interesse social, como também ao empreendedorismo de interesse social como suporte de ação inovadora. (...) Elas são comprometidas com a ampliação e o aprofundamento de nosso senso de comunidade. (...) O código de acesso para nossa possibilidade de mudarmos a mudança não é um artefato técnico, mas sim nossas atitudes, palavras e atos, nossa capacidade de afirmar valores e compromissos. (...) O artefato técnico é uma ferramenta a serviço das relações interpessoais. (...) Não é um dispositivo de formatação das identidades, num mundo onde nossas liberdades se confundem com as pré-programações de possibilidades enumeradas segundo regras de videogames. Dizer isso significa reconhecer que as imposições

da racionalidade instrumental (e da produtividade) precisam ter limites. E que desses limites se tece o lugar próprio para espaços de experiência e horizontes de expectativa da convivencialidade (p.5-6).

2 Sobre Indicação Geográfica, harmonizo com Belas (2011) onde a introduz como uma espécie de marca, mas enquanto a marca simplesmente diferencia um produto de outro no mercado, a Indicação Geográfica, além disso, informa que determinado produto possui características específicas que podem ser atribuías ao seu território de origem, relacionadas a condições naturais e sociais de produção. Isso tem implicações muito mais amplas do que

uma marca, individual ou coletiva (Belas, 2011).

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Como uma prática cultural transmutada do saber local, são elaborados por artesãos(ãs) em

algumas localidades situadas as margens do Rio Arapiuns, no município de Santarém, na

Mesorregião do Baixo Amazonas Paraense.

Revestidos de valor simbólico, atualmente, a artesania entremeia-se no valor de troca

como alternativa geradora de renda na conservação das florestas manejadas. Em contrapartida

ao deflorestamento; na busca pelo bem estar dos povos em suas territorialidades e modos de

vida, esses produtos se enquadram como florestais não madeireiros (PFNM)3. Nesse sentido,

configuram-se em objetos de mercado que, agrupados, recebem classificação mercadológica

em utilitários, decorativos e ornamentais.

Modernidade e modernismo também foram abordagens sociológicas da disciplina

Teoria Sociológica II, sob a batuta do professor Dr. Marco Aurélio Coelho de Paiva. O

desenvolvimento deste trabalho, portanto, é resultado da apreciação dos estudos bem como

objeto de avaliação. Para tal, não poderia deixar de selecionar as obras que mais se

aproximam do meu objeto de pesquisa, ademais da minha trajetória acadêmica como

comunicadora social, bem como minha história de vida.

Antes, porém, ressalto que meu interesse por Política do modernismo, de Raymond

Williams, a obra que também destaquei para comentar em sala de aula, vem de outras

paisagens autorais. Foi estudando o mexicano Arturo Escobar em diálogo com as teorias da

cultura, embasamento das argumentações da prática cultural do teçume em palha de tucumã,

que me aproximei deste pensador, escritor e crítico do modernismo britânico.

Aqui, a guisa das transformações que moldam o modo de vida na segunda parte do

século XX, do qual são parte e produto de um momento histórico de maior mobilidade social,

realiza uma crítica “à visão elitista da tal maioria iluminada que detém a cultura, ele vai

contrapor a ideia de que a cultura é a organização simbólica dos significados e valores de uma

determinada sociedade” (Maria Elisa Cevasco apud Williams, 2011, p.VIII). No preâmbulo

que abre a edição inglesa escrito por Tony Pinkney, teorizaria o materialismo cultural em

Williams, base social das vanguardas na burguesia dissidente.

Ao lado de Theodor Adorno, vivenciando um mundo dominado pelo sentimento de

catástrofe que iniciou o século XX, junto com Max Horkheimer e a Escola de Frankfurt,

amarro mais alguns fios sobre a teoria da cultura no auge da produção de massa. Aqui, Alain

3 PFNM consistem em todo material biológico de origem não lenhoso. Exemplos citados no texto. Para saber mais: www.ciflorestas.com.br/texto.php?p=nao_madeireiros

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Touraine (1994) assim preconiza o pensamento que não reconhece “nenhum ator histórico,

nem o proletariado, nem, como quer Lukács, o partido, eles inauguram uma crítica total da

sociedade moderna e, sobretudo, de sua cultura”. Em seu As estrelas descem a terra (2008),

Adorno revê a indústria cultural num diálogo com as idéias freudianas e calcadas na macro

estrutura do capitalismo tardio.

Inspiro-me, então, nessas argumentações em busca de práticas teóricas que muito me

serão úteis no desafio acadêmico das ciências sociais em compreender alguns caminhos das

múltiplas faces da sociologia da globalização e da cultura. Como dito, sedimento crítico que

me embaso na construção da base teórica da dissertação do mestrado.

O tópico que segue logo abaixo, é uma conversa com críticos da modernidade como

suporte das análises no tempo histórico em que se situam as sentenças de Williams e Adorno

nas obras citadas. Estas argumentações estão desenvolvidas no tópico seguinte. Adiciono um

breve arremate no posterior a este último já envolvendo este tourbillon social, este tempo

onde se interpenetram o tempo e espaço no agora, agora mesmo ou ainda neste instante.

II. UMA PLATAFORMA CHAMADA MODERNIDADE E SEUS

MODERNISMOS

A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo

a outra o eterno e o imutável.

Baudelaire apud Harvey, 2010

Abordar e discorrer sobre sociedades modernas é pensar que a modernidade tem uma

definição? Mesmo assim, definir não é o suficiente: cada autor tem lá suas predileções de

interpretação, de tradução e de teorizar o mundo dito moderno e que pode permear mais de

quatro séculos. Para começar as argumentações em torno do tema aqui, Alain Touraine em

sua Crítica da modernidade (1994) aponta que “a idéia de modernidade está portanto

estreitamente associada à da racionalização. Renunciar a uma é rejeitar a outra” (p.18).

Entende o autor que a modernidade é o período “que vai da Renascença à Revolução

Francesa e aos princípios da industrialização em massa na Grã-Bretanha” (p.36). E dispara

que é a “razão mais que o capital e o trabalho, que desempenha o papel principal” na era

moderna. Resume a sociedade moderna em harmonia com a ideia de Giddens sobre a

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reflexidade. Este último autor citado, no entanto, em seu Modernidade e Identidade, (2002),

emprega o “termo modernidade [grifada por ele] num sentido muito geral para referir-me às

instituições e modos de comportamento estabelecidos pela primeira vez na Europa depois do

feudalismo, mas que no século XX se tornaram mundiais em seu impacto” (p.21).

Assim, Touraine (1994) elucida que “a sociedade moderna separa o indivíduo e o

sagrado auto-produzido, auto-controlado e auto-regulado. Instala-se assim uma concepção que

afasta cada vez mais ativamente a idéia de sujeito”. E vai mais longe quando diz que

a ideologia ocidental da modernidade, que podemos chamar de modernismo,

substitui a idéia de Sujeito e a de Deus à qual ela se prendia, da mesma forma que as mediações sobre a alma foram substituídas pela dissecação dos

cadáveres ou o estudo das sinapses do cérebro (p. 20).

Berman (2011) por sua vez, postula que o fluxo moderno tem sua primeira fase desde

o “início do século XVI até o fim do século XVIII”. Insere, ele, que é o momento onde “as

pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna, mal fazem ideia do que as

atingiu”. A seguir, incorpora que a segunda fase “começa com a grande onda revolucionária

de 1790” (citações p.25). Compartilha que a “Revolução Francesa e suas reverberações” irá

desencadear “explosivas convulsões em todos os níveis de vida pessoal, social e política”

(p.26).

Williams (2011) filia o moderno surgindo como “sinônimo de agora no fim do século

XVI, sempre usado na época para marcar o período posterior ao medieval”. Evoca que a

despeito de Jane Austen embrenhar-se num estado de alteração, talvez de melhoria, “seus

conterrâneos do século XVIII usaram modernizar, modernismo e modernista sem essa ironia

indicando renovação e melhoria” (citações da p.2). Tal como Williams que constata o

surgimento do novo a partir do velho, Harvey dirá que

A imagem da destruição é muito importante para a compreensão da

modernidade, precisamente porque derivou dos dilemas práticos enfrentados pela implantação do projeto modernista. Afinal, como poderia um novo

mundo ser criado sem se destruir boa parte do que viera antes? (2010, p. 26).

Personificando essa perplexidade dos rumos da humanidade, está a figura de Fausto,

que tal como o modernismo inaugura os idos do século XVI. Este mesmo que pelas alças de

Goethe discorre que “o sujeito e o objeto de transformação não é apenas o herói, mas o

mundo todo” (Berman, 2011, p. 52). Este personagem, que se humanificou nas ciências

sociais, é “um herói épico preparado para destruir mitos religiosos, valores tradicionais e

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modos de vida costumeiros para destruir um admirável mundo novo a partir das cinzas do

antigo” (Harvey, 2010, p.26), expondo a tragédia humana na Terra.

Berman constata o ser moderno na obra Tudo que é sólido desmancha no ar (2007),

enfrenta uma sensação avassaladora de fragmentação, efemeridade e mudança caótica.

Existe um tipo de experiência vital –experiência de tempo e espaço, de si

mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida – que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei

esse conjunto de experiências como modernidade [grifo do autor]. Ser

moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,

alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas, ao mesmo tempo ameaça destruir tudo que temos, tudo o que

sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula

todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a

espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de

desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiquidade e angústia.

Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, “tudo

que é sólido desmancha no ar ( BERMAN, 2007, p.24).

Na origem da modernidade, grandes pensadores vivenciaram o impulso de gigantescas

e abruptas mudanças culturais, principalmente no século XIX, como marcou Williams (2011).

Desde Marx e Nietzsche o pensamento moderno cresceu e desenvolveu atacando esse

ambiente de estagnação e regressão dos princípios filosóficos que a humanidade havia

alcançado. Berman (2007) realça este momento como “nova paisagem, altamente

desenvolvida, diferenciada e dinâmica” (p.28) para se referir ao lugar que se dá a motivação

desse tempo.

Trata-se de uma paisagem de engenhos a vapor, fábricas automatizadas,

ferrovias, amplas novas zonas industriais; prolíferas cidades que crescem do dia para a noite, quase com aterradoras consequências para o ser humano;

jornais diários, telégrafos, telefones e outros instrumentos de media, que se

comunicam em escala cada vez maior; Estados nacionais cada vez mais fortes e conglomerados multinacionais de capital; movimentos sociais de

massa, que lutam contra a modernização de cima para baixo, contando só

com seus próprios meios de modernização de baixo para cima; um mercado mundial que tudo abarca, em crescente expansão, capaz de um estarrecedor

desperdício, capaz de tudo exceto solidez e estabilidade (2007, p. 28).

Um retrato fiel da vivência atual ou da vida que explodia no séculos XVII e XVIII?

Ainda na mesma obra, como ele mesmo diz, tenta definir espaço para o pensamento

marxiano. Para ele, este autor e a tradição modernista confrontam e veem a vida moderna com

“temor respeitoso e exaltação impregnados de um senso de horror”, bem como “crivada de

impulsos e potencialidades contraditórias e ambos endossam uma visão de extremada ou

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ultra-modernidade” (citações da p.146-147). Continua que Marx via nos homens recém

criados uma associação com os inventos da modernidade comparando-os como o próprio

maquinário. Essa leitura sugere o autor, advém da perspectiva de que

com suas energias, instituições e ansiedades mais características brotam dos

movimentos e pressões da moderna vida econômica: de sua incansável

demanda de crescimento e progresso; sua expansão dos desejos humanos para além das fronteiras locais, nacionais e morais; sua pressão sobre as

pessoas no sentido de explorarem não só aos outros seres humanos mas a si

mesmas; a volubilidade e a interminável metamorfose de todos os seus valores no vórtice do mercado mundial; a impiedosa destruição de tudo e

todos os que a moderna economia não pode utilizar –quer em relação ao

mundo pré-moderno, quer em relação a si mesma e ao próprio mundo moderno– e sua capacidade de explorar a crise e o caos como trampolim

para ainda mais desenvolvimento, de alimentar-se de sua própria

autodestruição (2011, p. 147).

Se aqui, esse pensamento com relação a Marx é singular a Berman (2011), os autores

de referência neste trabalho, coadunam com a importância do pensamento de Weber na

acepção do fenômeno, que me sugere a globalização. Autor que colocou o capitalismo como

“forma econômica da ideologia ocidental da modernidade”. O capitalismo então é como uma

“concepção particular da modernidade que repousa sobre a ruptura entre a razão e a crença e

todas as pertenças sociais e culturais, entre os fenômenos analisáveis e calculáveis e o Ser

bem como a História” (Touraine, 1994 (citações da p.34). Weber imputou ao “todo poderoso

cosmo da moderna ordem econômica” a imagem da sociedade traduzida como cárcere de

ferro em Berman (2011, p.39); jaula de ferro em Bernstein apud Harvey (2010, p.25); gaiola

de ferro em Touraine (1994, p.21).

O século XX, que para Marshall Berman é a terceira e última fase, indica que o

processo de modernização é ampliado

a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo, e a cultura mundial do

modernismo em desenvolvimento atinge espetaculares triunfos na arte e no

pensamento. Por outro lado, à medida que se expande, o público moderno se

multiplica em uma multidão de fragmentos, que falam linguagens incomensuravelmente confidenciais; a ideia de modernidade, concebida em

inúmeros e fragmentários caminhos, perde muito de sua nitidez, ressonância

e profundidade e perde sua capacidade de organizar e dar sentido à vida das pessoas. Em consequência, encontramo-nos hoje em meio a uma era

moderna que perdeu contato com as raízes de sua própria modernidade

(2011, p.26).

Assim, esse tempo se abre deixando para trás e deitando por terra os lampejos do

pensamento iluminista. Antes de mear o centenário, conflitos e contradições, desigualdade e

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opulência já demonstravam o conflituoso cenário que despontava. A noção de que a arte e a

ciência poderia promover o controle das forças naturais como também a compreensão do

mundo e do eu se esvai dizimando a idéia do consenso e alterado para sempre o significado da

vida humana e natureza desta na própria natureza (Harvey, 2010).

A lente que veste o século XX antevê “campos de concentração e esquadrões da

morte, seu militarismo e duas guerras mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua

experiência de Hiroshima e Nagasaki” (Harvey, 2010, p.23). Assim, ficava exposto que o

“cerne do pensamento filosófico pós-modernista” insistido por muitos, segundo Harvey,

deveria “em nome da emancipação humana, abandonar por inteiro o projeto do Iluminismo”

(2010).

III. DE MODERNOS A GLOBAIS?

O início do século XX emerge com a explosão do consumo de massa pelos

instrumentos comunicacionais e as facilidades de transporte. E nesse sentido, o mundo

vivencia uma explosão na cultura de massa. Se instalado estava o modernismo no início do

século XX, antes da Primeira Guerra Mundial

era mais uma reação às novas condições de produção (a máquina, a fábrica, a

urbanização), a circulação (os novos sistemas de transportes e

comunicações) e de consumo ( a ascensão dos mercados de massa, da publicidade, da moda de massas) do que um pioneiro na produção dessas

mudanças (HARVEY, 2010, p.32).

É nesse contexto que se insere as críticas da chamada Escola de Frankfurt, da qual

Theodor Adorno, de formação marxista, era amigo e parceiro de Max Horkheim, figura

central do movimento que realizava críticas contundentes em torno da indústria cultural.

Touraine (1994) explica que os adeptos da escola partiam da separação que ela constatava

“entre a práxis e o pensamento, entre a ação política e a filosofia” (p.160). Entabula ele que

“não reconhecendo mais nenhum sujeito histórico”, inauguram “uma crítica total da sociedade

moderna sobretudo de sua cultura”; a cultura de massa a qual veem como um instrumento de

repressão; “não de sublimação, de escravidão portanto” (p.160-161).

As condições culturais implementadas pelo capitalismo tardio, união de poder

econômico e político, se tornaram onipresente no pensamento de Adorno. Alain Touraine, na

mesma obra, atenta também que os autores, reunidos em torno da Escola de Frankfurt,

alimentavam um pessimismo na compreensão profunda do “desmoronamento de uma

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civilização na qual os judeus emancipados tinham pela primeira vez penetrado livre e

amplamente, lançando-se com todas as forças nas atividades mais carregadas de universal: a

ciência, a arte, o direito, a reflexão filosófica” (p.166).

É no bojo da sociedade industrial com sua participação de massa e seus sistemas de

comunicação trazendo novos problemas sociais, que Adorno buscou o “absoluto sem

transcendência, o além da guerra e da utilidade” (Touraine, 1994, p.291). Em As estrelas

descem a Terra, o autor examina temas da indústria cultural na contramão de assuntos mais

tradicionais, se aproximando de seu conterrâneo e atuante no mesmo ambiente intelectual,

George Simmel.

No período entre guerras, muitas tendências se formaram em nome do novo e

detonando a cultura de massa, como o anarquismo, por exemplo. Entretanto, logo a seguir, o

mundo presencia perplexo as atrocidades totalitárias de Hitler, do facismo bem como do

comunismo. Mas, também, na hostilidade das guerras se alimentaram os movimentos

culturais da arte e literatura, que primavam o novo; “dos dadaístas aos surrealistas e dos

simbolistas russos aos futuristas do mesmo país”. É justamente por este veio que Raymond

Williams percorrerá em seus estudos culturais. Em Política do modernismo (2011), reflete

que nesse período nascem os movimentos de retorno ao simples e exótico, populares e

folclóricos. E pondera que “tratava-se da cultura nativa verdadeira ou reprimida, qual havia

sido refreada por formas e fórmulas acadêmicas e institucionais”. Harvey (2010) reflete que

este momento “pode ter sido heroico, mas também estava assolado pelo desastre”.

A queda das crenças iluministas unificadas e a emergência do

perspectivismo deixavam aberta a possibilidade de dar à ação social a

contribuição de alguma visão estética, de modo que as lutas entre diferentes correntes modernistas passaram a ter um interesse mais do que passageiro. O

atrativo do mito eterno tornou-se ainda mais imperativo. (...) “A razão,

chegando a um acordo com suas origens míticas, se torna espantosamente misturada com o mito... O mito já é o iluminismo, e o iluminismo volta a ser

mitologia (Huyssens citado por Harvey, 2010, p. 38)

Raymond Williams enquanto filho de trabalhadores ingleses emerge de um momento

histórico de mobilidade construindo, então, um pensamento crítico cultural, originado nos

oposicionistas e que se incorpora perfeitamente às transformações do modo de vida que

marcam a segunda metade do século XX. Tanto um quanto o outro beberam das influências

de migrantes nos Estados Unidos, Adorno como exilado e Williams no turbilhão dos

movimentos culturais disseminando suas práticas em palestras pelas universidades das

cidades mundiais, principalmente Nova York. Nesse panorama, portanto diferenciado da

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origem de Adorno, ergue “a partir da valorização da herança do pensamento oposicionista,

uma outra tradição” (p.. Maria Elisa Cevasco, professora, conhecedora da biografia,

continuando seu prefácio de Política do modernismo (2011) diz que

À visão elitista da tal minoria iluminada que detém a cultura, ela vai contrapor a

ideia de cultura é a organização simbólica dos significados e valores de uma

determinada sociedade, sendo, portanto, patrimônio de todos. A produção cultural é fundamental na reprodução da sociedade e está profundamente

imbricada em seus conflitos e lutas, cujas marcas moldam a própria

estruturação dos modos de dar sentido a vida, sejam eles obras de elaboração artística densa ou tipos de organizações e instituições sociais (apud

Williams, 2011, p. VIII).

Vivenciando o após guerra, uma trupe de intelectuais reúne-se na formação da Nova

Esquerda britânica numa “atmosfera intelectual anticapitalista; e o interesse por ideias que

batiam de frente com o anti-intelectualismo não só do establishment britânico como da

própria esquerda trabalhista ou comunista”. Da análise transformada em instrumento de

conhecimento, de saber original e complexo do funcionamento social, Williams transforma

em instrumento importante na configuração de um sentido mais humano e igualitário. Realiza,

portanto, uma crítica as especializações após o declínio dos grandes sistemas filosóficos

apontando que hoje em dia se vive uma maneira própria de se pensar. Segundo Cevasco,

Williams caracteriza esse movimento, tão comum em nossos dias, de forma fulminante: trata-

se de “teóricos pequeno-burgueses produzindo ajustes a longo prazo para situações de curto

prazo” (citações da p. XII). Desse nexo, elucida que “a diversidade da obra de Williams é

costurada pelo esforço constante de fazer conexões, entre a arte e a sociedade, as

determinações e as ações humanas, a crítica e a criação, a política e as letras, a teoria e a

prática” (p. XIII-XIV).

Tanto Williams quanto Adorno, no entanto, se encaixaram nos estudos da

comunicação social, sendo que Williams assiste a formação dos estudos culturais encabeçado

pela Nova Esquerda britânica e inaugura uma tradição materialista da cultura. Os estudos

culturais em Williams “se transforma em um instrumento de conhecimento, uma forma de

adquirir um saber original e complexo do funcionamento social” (Maria Elisa Cevasco in

Williams, 2011, p. XI).

Após a segunda guerra mundial, as mudanças exigem que o moderno redirecione “a

sua referência de agora para agora mesmo ou ainda neste instante”. Williams (2011) revela

que esse deslocamento vem a algum tempo se dirigindo “para o passado, ao qual a

contemporaneidade pode ser contrastada por seu presenteísmo”. Nesse sentido, compreende

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que desde a década de 1950, o modernismo é comumente usado como um “título para todo

um movimento e momento cultural”. Adverte que as formas que desvendaram a cultura

ideológica do modernismo se mostram em toda sua extensão pelos instrumentos da arte como

o teatro e a literatura, vagueando por entre os anos de 1890 a 1940; momento muitas vezes de

desenraizamento cultural. Aventa que nesses momentos, “a ideologia tardia do modernismo

seleciona o grupo mais recente” na escala cultural na base social das vanguardas; suas

linguagens e imposições da classe burguesa dissidente (citações da p.2-3).

Tony Pinkney, no preâmbulo que abre a edição inglesa de 1989, inclui que “enquanto

Williams ponderava o modernismo nas diversas formas, o capitalismo pós guerra colocou-o

em prática no futurismo brilhante da sociedade de consumo em voga, que seria a nova forma

do capitalismo a partir da década de 1950”. Deste momento em diante, o modernismo “exibia

uma relação muito mais confortável com os centros de produção dominantes da sociedade”

(Harvey, 2010). O que marca profundamente o pensamento de Williams em seu Política do

modernismo, e que antecede a teoria da cultura, é a noção das migrações facilitadas pela

mobilidade proporcionada pela indústria dos meios de comunicação e transporte que o mundo

passa a viver.

Na corrente de análise pelos movimentos estéticos sob o pano de fundo da política no

bojo da sociedade vivenciada, Williams vai dizer que a “ideologia tardia do modernismo

seleciona o grupo mais recente”. Mas, qualquer “explicação dessas mudanças e suas

consequências ideológicas” são decorrentes do final do século XIX de onde “ocorreram as

maiores mudanças jamais vistas nos meios de produção cultural”. E justifica que os

movimentos futuristas, imagistas, surrealistas, cubistas, formalistas e construtivistas t inham

no novo sua mais legítima filiação e que todos eles “são produtos de mudança nos meios de

comunicação públicos”. E o caminho que todos eles trilharam foi o da migração: “a

experiência do estranhamento visual e linguístico, a narrativa intensa e singular do

deslocamento, da itinerância da solidão e da independência empobrecida: o artista solitário

olhando de cima, de seu apartamento surrado, a cidade incogniscível” (citações da p.3-5).

Numa desesperante vontade de deixar o academicismo com suas racionalidades

positivistas, o movimento de vanguarda e cultural se instala num modernismo confinado,

“campo altamente seletivo e desconectado de todo o resto em um ato de pura ideologia, cuja

primeira ironia inconsciente é o fato absurdo de parar a história. O modernismo sendo o

término, tudo o que vem depois é removido de seu desenvolvimento. (...) É o posterior, preso

no pós” (citações da p.6).

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Como num “outro movimento ideológico, uma condição normal”, os artistas não se

fixavam em lugar nenhum, e eles foram como emigrantes, dominantes entre os grupos chaves.

Para Williams, o modernismo perdeu rapidamente sua versão antiburguesa e se instalou

“confortável no novo capitalismo internacional” (p.7).

E a cidade era o palco dos estudos e práxis dos modernistas, as metrópoles que hoje se

transformaram em cidades globais e vales do silício, na ampliação das redes urbanas em suas

infra-estruturas. Para ele, “era o lugar no qual novas relações sociais, econômicas e culturais

começavam a ser formadas” (p.20). É

essa atmosfera –de agitação e turbulência, aturdimento psíquico e

embriaguez, expansão de possibilidades de experiência e destruição das

barreiras morais e dos compromissos pessoais, auto-expansão e auto-desordem, fantasmas na rua e na alma – é a atmosfera que dá origem à

sensibilidade moderna” (BERMAN, 2011, p. 28).

O autor reitera a tese de que foram nas grandes metrópoles, cidades como Nova York,

Paris, Berlim, Londres que afloraram os movimentos culturais em seus instrumentos de

comunicação de massa e modernistas como o cinema e em seguida a televisão e seus

derivados. Para ele, “não poderia haver um contraste cultural maior do que o existente entre as

tecnologias e instituições do que ainda é chamado arte moderna (...) –e a produção eficaz da

metrópoles do final do século XX” (p.10).

Na explosão dos movimentos culturais que se colocavam como opositores ao sistema,

a cultura de massa força o sujeito “a se divertir de modo a se ajustar ou, pelo menos, de modo

a transmitir aos outros a imagem de alguém ajustado, pois apenas as pessoas ajustadas são

aceitas como normais e podem ter sucesso” (Adorno, 2010). O autor revela ainda que no

capitalismo tardio, o prazer se sujeita ao trabalho, uma tendência expansiva intrínseca da

disposição burocrática aludindo ao pensamente de Max Weber.

Adorno, por sua vez, sob o olhar freudiano, trata em As estrelas descem a Terra do

intencional modo de exploração da fraqueza do ego de seus leitores. Nesse sentido, o autor

ressalta que “do ponto de vista da psicologia social, estamos interessados justamente na

pseudo-racionalidade, na zona de lusco-fusco entre razão e os impulsos inconscientes”. E se

estende, enfatizando que “em todo campo das comunicações de massa, o significado oculto

não é de modo algum inconsciente, mas representa uma camada que não é admitida nem é

reprimida –a esfera da insinuação, da piscadela de olho, do você sabe do que estou falando”

(citações p.40-41). Daí, o professor Rodrigo Duarte, na apresentação à edição brasileira do

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livro, apontar que isso “corresponde uma situação de fragilidade social e econômica”, e que se

tornou a segunda natureza das camadas mais amplas das sociedades capitalistas tardias.

Williams insiste que é anacrônico “descrever aspectos da arte e do pensamento de um

século XX”, e “na pior delas, arcaica”. E cita três motivos: arte das minorias; privilégios e

oportunidades metropolitanas e hegemonia dos meios de comunicação e intelectualidade

como residuais, estão envoltos em questões sociais. E o produto do século XX “foi a

formulação de um novo conjunto de conceitos universais em contraste, “de forma aguda aos

antigos universais de culturas, períodos e crenças específicos”: “o moderno absoluto, a

universalidade da condição humana que seria, de fato, permanente”. Para sair disso, propõe

“análises contemporâneas em um mundo ainda em rápida transformação” (citações p.10-11).

O modernismo cultural cultuou as aglomerações humanas nas metrópoles, beneficiado

pelos emigrantes na mistura de culturas, comportamentos e modos de vida! “Já havia há

tempos pressões para que a obra de arte assumisse características de artefato e de mercadoria,

mas agora essa tendência havia se intensificado, sob um conjunto de pressões bastante

complexo”. E diz que a “forma social da metrópole”, sua mobilidade e “diversidade social

crescentes, passando pela dominação continuada”, onde algumas se destacam pela

“desigualdade de todos os outros fenômenos sociais e culturais” na condução a uma

“expansão significativa das formas metropolitanas de percepção, tanto internas como

impostas”. As metrópoles são interpretadas em seus “próprios processos como universais”

(citações p.22-23).

Mas pode-se prever que o período no qual o estranhamento e a exposição

social isolaram a arte apenas como um meio está fadada a desaparecer,

mesmo dentro da metrópole, deixando, de suas fases mais ativas, os novos monumentos culturais e suas academias que, por sua vez, estão sendo

contestados” (WILLIAMS, 2011, p.25).

Williams não pensa que seja fácil distinguir entre modernismo e vanguarda. No

entanto, ele propõe a hipótese de que o “modernismo teria se iniciado no segundo tipo de

grupo– os artistas e escritores experimentais alternativos e radicalmente inovadores -,

enquanto a vanguarda teria se iniciado com o grupo do terceiro tipo, totalmente oposicional”.

Para ele, o “modernismo havia proposto um novo tipo de arte para um novo tipo de mundo

social e perceptivo. A vanguarda, agressiva desde o início, via-se como a desbravadora do

futuro: seus membros não eram os portadores do progresso já repetidamente definido, mas os

militantes de uma criatividade que reviveria e libertaria a humanidade” (p. 30).

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Era o momento do mais novo que novo: não tinha espaço para as tradições, pois elas

agora teriam que ser destruídas! Quem destruiria a tradição se não um movimento que

igualasse a todos, um movimento que abraçava a massificação do sujeito pelas seus próprios

instrumentos de comunicação de massa? Adorno em As estrelas descem a Terra inseriu suas

ponderações num novo automatizado, Williams insere esse novo na “ênfase da criatividade”

ligado e emergindo das velhas tradições “da Renascença e posteriormente no movimento

romântico” (citações p.32).

O que marca essa ênfase tanto no modernismo como na vanguarda é uma

oposição e, ao cabo, uma rejeição violenta da tradição: a insistência em uma ruptura total com o passado (p. 32-33).

A união entre modernismo e vanguarda se dá no momento em que, na guerra contra a

burguesia,

a classe trabalhadora e os movimentos socialistas e anarquistas

desenvolveram sua própria crítica. Identificando a burguesia como a

organizadora e agente do capitalismo e, dessa forma, como a ponte específica da redução de todos os valores humanos mais amplos, incluindo o

valor da arte, o do dinheiro e do comércio, havia uma oportunidade para os

artistas aderirem ou colaborarem com um movimento amplo e em expansão

que iria derrubar e superar a sociedade burguesa (p. 36).

Ao contrário das massas, das silenciosas massas, Williams aponta como “uma

pequena alteração da auto-representação artística convencional”, “a apoteose máxima daquela

figura burguesa central: o indivíduo soberano”. Entretanto, mostra que a burguesia não estava

parada e inerte. Colocou em pauta o que de melhor tinha: suas formas de organização social.

“Aqui, diz ele, uma instância particular de grande importância para o modernismo e para a

vanguarda foi o que veio a ser chamado de família burguesa” (citações p.37).

A Escola de Frankfurt que Adorno cooptava intelectualmente por sua vez, e segundo

Touraine (1994), colocou o indivíduo isolado pela decomposição da família na sociedade

moderna. Ele “está a mercê dos poderes sociais como o espectador de cinema é manipulado

pelas indústrias culturais. (...) O cinema anda muito depressa para permitir reflexões” (p.162).

Para Adorno, os instrumentos de comunicação teem como objetivo integrar o indivíduo na

multidão.

Williams vai dizer que a linguagem dessa condição contemporânea deverá ser criativa

enquanto oposição a ela mesma. E por esta entende

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um estado de representação ativa das possibilidades humanas; um estado de

discurso e composição antiquados; um estado em que a linguagem é

entorpecida e exaurida pelo costume e pelo hábito, ou reduzida ao meramente prosaico; um estado no qual a linguagem cotidiana torna a

composição literária difícil ou impossível; um estado no qual a linguagem

meramente instrumental bloqueia o acesso a uma realidade subjacente

espiritual ou inconsciente; e, por fim, um estado no qual a linguagem meramente social impede a expressão individual mais profunda (p. 56).

É nessa condição contraditória que a “intenção da prática emancipatória precede a

prática interpretativa”. Williams, então, desenvolve que “emerge como elemento mais central

e prático na análise da cultura é o que também sinaliza a teoria da cultura mais significativa: a

exploração e especificação das formações culturais mais distintas” (p.206). Tanto ele, quanto

Adorno está fazendo uma crítica desta sociedade, desta realidade, hoje traduzida enquanto

globalização.

IV. AO FINAL

Se as sociedades da contemporaneidade são modernistas ou pós-mordernistas, e se o

novo nasce do velho, um novo terá que nascer do velho modernismo e do já mesmo passado

pós-modernismo? Será ele a era digital nascendo da analógica era modernista? A sociedade

atual não difere muito daquela de sessenta anos? Existe um confronto instalado da

humanidade com o Planeta no desenvolvimento acelerado que ocorre a sua volta, onde as

descobertas se sucedem em frações de segundos?

Este mundo um pouco mais global do que no modernismo de sessenta anos, se apegou

ao conhecimento científico, tecnológico e, ademais, inovador. Aqui também se vê nascer um

ser humano reposicionando-se em novas relações sociais e de produção. Em contraposição, a

cultura do consumo segue o rumo do capitalismo mundial que, ao dominar as mídias, acaba

por dominar as emoções, os sentimentos, os hábitos e seduz fortemente os desejos das

pessoas.

Mas, a dominação impôs também o surgimento de tomadas de consciência colocando

em cheque os rumos do desenvolvimento num espaço global, colando a crise da natureza em

consonância com a crise da identidade da natureza. Raymond Williams em seu livro Culture

and Materialism, no ensaio Ideas of Nature, obra que ele contribui para a teoria da cultura e

fundamenta a tradição materialista de pensar a cultura, inscreve que a idéia de natureza

contém, apesar de seguidamente despercebida, uma quantidade extraordinária de história

humana. E, mais a frente desenvolve que “in the idea of nature is the idea of man, and its not

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only generally, or in ultimate ways, but the idea of man in society, indeed the ideas of kinds of

societies” (p.71). Nesse sentido Arturo Escobar, no seu Depois da Natureza: passos para uma

ecologia política antiessencialista (apud Parreira e Alimonda, 2005) enfatiza que “o

significado da natureza modificou-se através da história de acordo com fatores culturais,

socioeconômicos e políticos” (p.18).

Este espaço abrangente está marcado, entre outros fatores, por fluxo e refluxo de

rompimentos e recriações do “mapa do mundo” de uma “forte mobilidade da população e do

trabalho no interior do território”, modificando a paisagem no “aparecimento de novas

cidades e frentes de trabalho em curto espaço de tempo” (Machado, 2002, versão digital).

Neste bojo multiplural, diria Williams (2011), se entrecruzam culturas num rearranjo

sociocultural. Estamos em pleno envolvimento com as novas práticas, onde se percebe

sobressair um espírito de ação e liderança, da capacitação para o trabalho em grupo na

utilização da ciência, tecnologia e inovação. Os movimentos sociais buscam a integração com

os demais setores da economia para se sobrepujarem da marginalidade impondo de certa

forma a entrada nos mercados, o direito a participarem dos processos alastrando propostas

diferenciadas de desenvolvimento econômico em suas territorialidades.

Essa condição global manifesta-se num (re)posicionamento identitário em auto-

definição, no posicionamento de territorialidades em terras tradicionalmente ocupadas

(Almeida, 2008). Ela também pode ser, em Giddens (2010), corroborando com o pensamento

de Williams (2011), como a “razão do ressurgimento de identidades culturais locais em várias

partes do mundo” (p.23). Diversidade de modo de vida e de produção artística, de valores e

formas de enxergar o mundo.

V. REFERÊNCIA

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BERMAN, Marshall (2007). Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade.

Tradução Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Ioriatti. São Paulo: Companhia das Letras.

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_____ (2002). Modernidade e identidade. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar.

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HARVEY, David (2010). Condição pós-moderna. Tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela

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