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REFLEXÕES SOBRE UMA POLÍTICA PÚBLICA PARA O
ENSINO SUPERIOR NO BRASIL – UM OLHAR SOBRE O
REUNI1
José Raimundo de J Santos2
Resumo: O REUNI enquanto política pública de expansão e reestruturação das
universidades fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões
exógenas à própria universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e
interpretações sobre a universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à
formação e à profissionalização, como também, à docência e à pesquisa. Mas qual seria
esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na educação superior? De
fato a tendência é concordar com a afirmativa de que a reconfiguração geopolítica global
é parte propulsora destas reformas, assim como a constituição de blocos econômicos e
comerciais e; a consequente fragmentação das relações de produção e, mercadorização
das relações sociais e dos serviços, tal como educação. Razões que contribuíram para
fazer com que a universidade deixasse de ser uma instituição social e passasse a ser
planejada como uma organização, cujo caráter instrumental passa a ser o orientador
regimental da mesma.
Palavras-chave:
Abstract: The REUNI as public policy of expansion and restructuring of universities
strengthens the logic of previous reforms, and it is driven by exogenous reasons from the
university itself. They guide the formation of new paradigms and interpretations of the
university, the knowledge and the market, interposing themselves into the formation and
professional training, as well as to the teaching and research. But what would be this
exogenous propellant for deploying more reform in higher education? In fact the
tendency is to agree with the statement that global geopolitical reconfiguration is rhe
driving part of these reforms, as well as the establishment of economic and trade blocs
and; the consequent fragmentation of production relations and commodification of social
relations and services, such as education. Reasons that have contributed to make the
university ceased to be a social institution and pass to be planned as an organization
whose instrumental character becomes the regimental guiding in it.
Key-words: REUNI; Public Policy; Higher Education.
1 Este texto integra as discussões em desenvolvimento na pesquisa de Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da UFBA, intitulado; Saberes do Recôncavo- juventude, universidade e
conhecimento. 2 Professor CFP/UFRB Doutorando em CISO - PPGCS/FFCH/UFBA Bolsista CAPES/UFRB
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O impacto da Introdução
Para se pensar a Universidade no contexto sociopolítico brasileiro atual, torna-se
necessário desviar o olhar para uma perspectiva histórica, com o objetivo de compreender
os sentidos atribuídos no processo efetivo de implantação desta modalidade de ensino no
ocidente e no país. Inicialmente, devemos destacar que somente no século XIX as
primeiras escolas de formação superior foram implantadas no país e, isto só ocorre
devido a fuga da família imperial para a colônia em virtude das guerras napoleônicas que
assolavam a Europa. Foi na Bahia onde se fundou a primeira Escola de Cirurgia (1808) e,
posteriormente, neste mesmo ano, outra instituição similar é implantada na cidade do Rio
Janeiro, onde se fixou a família imperial.
O contexto de surgimento desta modalidade de ensino na colônia portuguesa
ocorre em descompasso com o desenvolvimento da educação superior na Europa, que há
longos períodos já havia se consolidado. E é por este descompasso, promovido pelo
modelo colonial português em comparação com o restante dos países da Europa, que o
processo inicial de implantação do ensino superior no Brasil é considerado por inúmeros
autores como produto de um constrangimento político e ideológico para a época. O
modelo da política colonialista imposta por Portugal, principalmente na educação
superior, impedia o desenvolvimento desta modalidade de ensino em terras da colônia,
permitindo apenas, que determinados funcionários e aristocratas pudessem complementar
seus estudos na Universidade de Coimbra, cuja formação, no século XVIII, restringia-se
aos graus de Doutor em Teologia, Direito e Medicina.
Diferentemente dos demais países da América Latina a implantação da educação
superior no Brasil ocorreu tardiamente. As instituições públicas brasileiras, na sua
gênese, atenderam principalmente a uma juventude das classes mais abastadas, enquanto
que parcela significativa da população trabalhadora e de origem popular completava seus
estudos e formação nas instituições privadas de ensino. É neste cenário, aliado a uma
política internacional de redução do tamanho do Estado e consequente esvaziamento dos
investimentos públicos em direitos sociais como educação e saúde, que observamos na
década de 90, um decréscimo nos investimentos públicos na universidade e um
crescimento acelerado das instituições particulares. Paralelamente a esta mercadorização
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e aliado a uma tendência global de otimização dos serviços e aumento da produtividade
no âmbito da educação superior, o governo brasileiro implanta a política nacional de
avaliação institucional para toda a educação superior, cujos objetivos estendiam-se desde
os modelos organizacionais das instituições de ensino, até mesmo a formas de avaliação
docente pelos discentes. Em uma outra via e orientado por um viés mercadologizante, o
governo brasileiro, com a suposta intenção de aumentar a inclusão no ensino superior,
cria nos primeiros anos do século XXI, o PROUNI – Programa Universidade para Todos,
que objetiva fornecer bolsas de estudo para graduação nas instituições privadas, ou seja,
muda-se a fôrma mas mantém-se as ideias de redução do papel do Estado e da superação
da Educação como bem público.
A ideia de Universidade
O surgimento da universidade no contexto ocidental ocorre em consonância com a
transformação das relações de produção vigentes no período medieval, como também,
pelo novo ethos civilizatório da Idade Média, cuja emergência de novas classes e
especializações práticas profissionais, agora circunscritas nas emergentes cidades,
estabelece novas necessidades e demandas para o processo de formação educacional. Por
esta razão, e em contraposição aos centros de formação clerical, que até então, eram
responsáveis pela formação da elite pensante da época, surgem às novas instituições de
educação de caráter superior cujo objetivo era atender às demandas desta nova sociedade
civil, composta por burgueses, artesãos etc.. Neste período, as novas instituições que
surgem reforçam as características da nova classe social emergente e têm sua gênese na
organização de corporações de estudantes livres (Universidade de Bolonha) ou por
iniciativa autônomas dos Estados (Universidade de Oxford), ou, em outra via, mais
conservadora, pela manutenção de uma linhagem religiosa como a Universidade de Paris
(Almeida Filho, 2007).
O surgimento das universidades na Europa do período medieval, reflete no
contexto brasileiro de fundação das primeiras instituições de educação superior no início
do século XIX, na medida em que observamos a constituição de uma nova sociedade
civil na então colônia, principalmente, em virtude da instalação da família imperial no
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Brasil, como também, pelo processo de reestruturação produtiva promovido pela nova
ordem mundial imposta, inicialmente, pela Inglaterra, que buscava a expansão do
mercado consumidor para sua atividade fabril emergente. O surgimento de uma nova
classe demanda um novo estilo e uma nova forma de consumir bens materiais e culturais,
como também a prestação de serviços e a capacitação dos profissionais. Logo, a
implantação das escolas de educação superior não é uma estratégia civilizatória do
império português, mas sim uma forma de atribuir à colônia uma ar de “civilidade”, quer
seja, uma maior capacidade de consumir bens materiais, culturais e simbólicos que
qualifique este novo citadino e o aproxime do ideal civilizado do homem europeu.
Desta forma, a reconfiguração política do Brasil, que na condição de colônia
passa a ser a sede da metrópole, impulsionou o ego político imperial a assemelhar-se a
Europa colonizadora e, instala-se na colônia um modelo escolástico de educação
superior. Vale ressaltar que só após a independência, em 1822, é que outras instituições
isoladas de educação superior surgem, todas focadas nas especializações práticas cujo
caráter reprodutor de sua arquitetura curricular, não estava atrelado ao desenvolvimento
da pesquisa, como proposto pela reforma de Humboldt (1810). Esta característica só
emerge após a república sob a forte influência de um modelo de educação superior
francesa.
Diante do exposto podemos apreender que o contexto sociopolítico de
transformação e/ou surgimento de novas modalidades de ensino está atrelado a uma
transformação geopolítica da sociedade civil. E isto está associado a reestruturação das
forças produtivas para atender as novas demandas de produção presentes no mercado.
Almeida Filho (2007) observa que,
A arquitetura curricular da universidade medieval era
bastante simples, em tese articulando o saber legitimado da
época em um ciclo básico composto pelo ensino das sete
artes liberais, divididas em dois blocos: o trivium
(Gramática, Retórica e Dialética) e o quadrivium
(Aritmética, Geometria, Astronomia e Música).
Inicialmente, o único ensino especializado admitido era
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Teologia. Com a organização das primeiras
universidade s laicas , especialmente, no cenário norte-
italiano, acrescentou-se o estudo das Leis como
formação jurídica especializada, visando à consolidação
de uma ordem mercantil, essencial ao poderio
econômico da nascente burguesia. [grifo nosso]
Daí observa-se a sobredeterminação do mercado sobre a constituição e arquitetura
curricular das novas modalidades de educação presente nas universidades. Enquanto que
a universidade da era medieval possuía uma arquitetura curricular limitada à Teologia e
ao Direito (faculdades superiores) e posteriormente medicina, no século XV. Na
emergência da sociedade industrial e, sob forte influência do racionalismo iluminista,
coube as Faculdades de Filosofia, denominadas de faculdades inferiores, tornar-se as
agregadoras da formação científica. Não obstante o prestígio contemporâneo, às artes
mecânicas (engenharias) e de formação tecnológica e profissional estavam fora das
universidades e funcionavam em escolas militares ou em iniciativas isoladas do Estado,
mas com foco no desenvolvimento do mercado, como é o caso da Escola de Sagres,
reconhecida como a maior escola náutica da época.
E é neste sentido que Almeida Filho resgata o pensamento de Kant quanto a observação
sobre o caráter autônomo da universidade,
Kant argumenta com clareza que a verdade da Faculdade
de Filosofia resultava do escrutínio científico do mundo e
que, portanto, as faculdades inferiores deveriam ter como
princípio não se ater a vontade de Deus, dos velhos mestres
ou do soberano para a definição da verdade (...) O texto
kantiano propõe uma reforma da instituição universitária,
para que ela deixe de obedecer a princípios religiosos e
políticos e enfim se constitua como espaço livre, onde não
haja magister, soberano ou pontífice para atestar a verdade
mesmo para as faculdades superiores, aquelas que hoje em
dia parecem muito independentes.
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Nesta obra de 1790, Kant observa o caráter significativo da autonomia das universidades
para o desenvolvimento do conhecimento científico e filosófico. E demonstra a
necessidade que as ditas faculdades superiores têm de dissociar-se das verdades
atribuídas a ela, pelo Estado ou pela Religião e, até mesmo, pela emergente composição
da sociedade civil, que por intermédio das demandas do mercado estabelecem as
interdependências entre os saberes, as experiências e o conhecimento, na manutenção e
reprodução das estruturas sociais vigentes.
No modelo proposto pela reforma de Humboldt, o primado da pesquisa deveria
estender-se a toda formação universitária, servindo como eixo de integração do ensino
superior e, legitimando assim, tudo o que pode ou não ser ensinado nas universidades,
enquanto produto das investigações científicas.
Não obstante, cem anos depois, na emergente nação norte-americana, ocorre outra
reforma universitária, orquestrada pela sociedade civil e representada pelo grande capital.
E é em 1905, através das recém-criadas fundações, que representavam os interesses deste
mercado promissor e desta parcela representativa do grande capital, que se desenvolveu
um estudo de avaliação do ensino superior nos EUA, com foco na área de saúde. O
relatório apontava para além da análise do ensino superior na área de saúde e,
apresentava indícios fortes para uma necessária reorganização do sistema americano de
educação superior. Neste sentido, propunha a implementação de uma arquitetura
curricular flexível, antes da graduação, que possibilitasse o prosseguimento dos estudos
em mestrados profissionais e noutro, acadêmico, que permitisse acesso ao doutorado. De
caráter eminentemente departamental, esta reforma propunha também a formação de
institutos e centros de pesquisas autônomos. Contudo, nesta transformação da arquitetura
acadêmica, estavam resguardados os cursos das antigas faculdades superiores (Direito e
Medicina), cuja formação completa equivaleria ao doutorado. (ALMEIDA FILHO,
2007).
No Brasil, o século XX é marcante para a consolidação do que hoje denominamos
e reconhecemos como universidade e, neste sentido, há controvérsias no debate acerca do
surgimento da primeira universidade brasileira, em comum tem-se apenas o ano de 1934,
onde ocorre a fundação da USP e da Universidade do Distrito Federal, pelo então
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Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira. As duas renomadas
universidades foram produto de missões específicas cujo foco centrava-se em fornecer ao
Brasil uma instituição firmada na pesquisa. A primeira reuniu intelectuais franceses
formados pela Sorbonne, a segunda reuniu intelectuais brasileiros em diversas áreas do
conhecimento, que foram instigados a implementar os princípios da educação
democrática no ensino universitário. Essa concepção democrática idealizada por Anísio
Teixeira foi atropelada pela ditadura Vargas que o afasta do projeto, nomeando um
interventor a serviço do Estado, cujo objetivo era desmontar a estrutura então pensada.
Será, após a ditadura Vargas, no ano de 1946 que se cria a rede de universidades federais,
inaugurando a Universidade do Rio de Janeiro, Universidade da Bahia e Universidade do
Recife. Posteriormente, nos anos 60, a convite do Presidente Juscelino Kubitscheck,
Anísio Teixeira dedica-se a um novo projeto de universidade, dessa vez, ajustando-se ao
modelo norte americano de características pragmáticas concebe a UNB, cuja arquitetura
curricular fugia ao padrão nacional então existente. E, mais uma vez, Teixeira vê seu
projeto sendo sucateado por uma transformação no ethos geopolítico da sociedade
brasileira, a ditadura militar o exonera e o exila, demiti professores e pesquisadores e, a
então recém-criada universidade passa a integrar o modelo vigente.
Em 1968, o acordo MEC/USAID implanta no Brasil aquilo que é considerado por
especialista como sendo a visão mais empobrecida do sistema americano de ensino
(SALMERON, 1998; ALMEIDA FILHO, 2007; RIBEIRO, 1986; TEIXEIRA, 2005). De
acordo com esses autores o sistema híbrido que foi implantado no Brasil não está em
sintonia com os modelos existentes no mundo e o tempo de formação na graduação e na
pós-graduação diferem, sobrecarregando o estudante brasileiro no seu processo de
formação completa, em média estuda-se 10 anos entre graduação e Doutorado no Brasil,
enquanto que em outras praças acadêmicas isto pode variar entre 07 a 08 anos, podendo-
se estender a 10 anos para a medicina, que no Brasil pode variar entre 14 a 16 anos.
Esta digressão acerca do surgimento das universidades e das consequentes
reformas a que foram submetidas permite perceber a forte interdependência existente
entre o contexto geopolítico e as influências do mercado na determinação dos sentidos
atribuídos ao ensino superior. Pode - se observar que as reformas propostas estavam
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aliadas a emergência de novos atores na sociedade civil, cujas demandas transgrediam a
ordem vigente extrapolando o sentido da formação e da profissionalização nas
denominadas universidades.
De fato a construção e consolidação da universidade no Brasil está
intrinsecamente associada ao modelo político e de desenvolvimento que florescia no país
como também às características geopolíticas globais que passam a influenciar a economia
local após a segunda grande guerra, instaurando uma crise do modelo econômico, com
altas taxas de inflação e crescimento baixo ou negativo. A crise encontrou terreno
propício para a propagação das ideias neoliberais, que ganharam propulsão, deferindo
severas críticas ao estado intervencionista. Dentre as medidas neoliberais de contenção do
Estado, ocorre a minimização da atuação estatal em políticas sociais, desmonte do
protecionismo e desmantelamento das instituições públicas. O discurso vigente era o da
modernização e racionalização do Estado e tinha na otimização e na elevação do
desempenho dos serviços públicos uma meta/coeficiente a ser alcançado. Esta
perspectiva transplantava para o setor público a lógica produtivista do mercado,
promovendo uma forte mercadorização das relações sociais, inclusive da educação
(LIMA, AZEVEDO & CATANI, 2008).
O processo de consolidação do modelo neoliberal no Brasil, traz como referência
paradigmática o denominado ajuste fiscal, que passa a balizar o processo de
transformação institucional do setor público brasileiro. Em outras palavras, a reforma da
educação superior brasileira neste período passa por um processo de redução de
investimentos públicos e, pela inserção das fundações como órgãos de fomento e
financiamento. Esta ação está aliada com as determinações dos órgãos internacionais de
gerenciamento da economia e do mercado global (BIRD, FMI, Banco Mundial, OMC)
que diagnosticavam que o modelo universitário brasileiro atrelado à pesquisa era
abusivamente caro e, por esta razão, tornava insustentável ao Estado assegurar tal
empreendimento, confirmando, assim, esta como a principal razão da crise da educação
brasileira.
Para Chauí (2003) o processo de ajuste fiscal e os modelos de reforma propostos
no período modificaram o sentido atribuído a universidade federal, cujas características
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do que seria uma instituição social passam a configurar aquilo que Freitag (1996)
denominou como sendo uma organização social. Nas palavras da autora;
Ora, desde seu surgimento (no século XIII europeu) a universidade
sempre foi uma instituição social, isto é, uma ação social, uma
prática social fundada no reconhecimento público de sua
legitimidade ou de suas atribuições, num princípio de
diferenciação, que lhe confere autonomia perante outras
instituições sociais, e estruturadas por ordenamentos, regras,
normas e valores de reconhecimento e de legitimidade internos a
ela. A legitimidade da universidade moderna fundou-se na
conquista da ideia de autonomia do saber diante da religião e do
Estado, portanto na ideia de um conhecimento guiado por sua
própria lógica, por necessidades imanentes a ele, tanto do ponto de
vista de sua intervenção ou descoberta como de sua transmissão.
.....
Uma organização [social] difere de uma instituição por definir-se
por outra prática social, qual seja a de sua instrumentalidade: está
referida ao conjunto dos meios particulares para obtenção de um
objetivo particular. (...) não está referida a ações articuladas às
ideias de reconhecimento interno e externo, de legitimidade interna
e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas
pelas ideias de eficácia e sucesso no emprego de determinados
meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma
administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento,
previsão, controle e êxito (1999:6) [grifo nosso]
E é esta perspectiva da instrumentalidade que afasta a universidade da sua característica
de mantenedora de um bem público, comum a todo e qualquer cidadão, portanto
acessível a todas as classes e pessoas. Ao incorporar o sentido da organização, ocorre um
desmembramento da criticidade e da cidadania, como também da autonomia, a
universidade neste contexto atua para manter-se e competir com as demais universidades.
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Aí os cidadãos são tratados como clientes que dependem deste serviço e das políticas
necessárias para assegurar sua permanência. A sua estrutura está focada em aspectos
gerencias, distanciando os docentes da pesquisa e atolando-os em atividades de cunho
gerencial administrativo, cujo objetivo é assegurar os programas de eficácia
organizacional, totalmente alheios ao desenvolvimento da pesquisa e à formação
intelectual.
Assim sendo, ocorre na universidade aquilo que na sociedade manifesta-se como
uma reprodução da forma atual de capitalismo, onde a fragmentação da vida social em
toda sua extensão destrói os referenciais que orientam a formação das múltiplas
identidades. Ou como argumenta Chauí (2003); “a sociedade aparece como uma rede
móvel, instável, efêmera de organizações particulares e programas particulares,
competindo entre si”.
Democratização e interiorização do ensino superior ao Plano de Apoio aos
Programas de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).
Para tratar a questão da democratização e da importância das políticas públicas para o
ensino superior em curso no Brasil, faz-se necessário compreender de que forma estas se
tornaram necessárias. No século XX, a estrutura da universidade cuja rigidez funcional e
organizacional, para além da conjuntura do momento, estabelecia uma flexibilidade na
relação do Estado com as instituições e caracteriza a educação superior como um serviço
público de uso não exclusivo do Estado. Em tempo, vale registrar tem-se uma grande
resistência destas instituições em aceitar as demandas oriundas exclusivamente do
mercado, como orientadora e regente dos currículos e atividades acadêmicas. (Cf. Santos,
Boaventura: 1997)
Há de se refletir que os avanços na universalização de direitos e de cidadania
promoveram a eclosão de identidades que passaram a clamar por oportunidades
equitativas no acesso a bens e serviços sob a tutela do Estado. Este processo revelou para
as sociedades em desenvolvimento a necessidade de formulação de políticas públicas que
fossem capazes de assegurar a estes novos personagens o acesso pleiteado, como
também, revelou a existência de bolsões de desigualdade que promoviam significativa
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exclusão de parcelas de indivíduos no acesso aos seus direitos. Em se tratando da
educação superior deve-se estar atento para a importância e o grau de desenvolvimento
atribuído a este nível escolarização e de formação profissional em cada sociedade e a
cada época, pois esta compreensão é que estabelece como os distintos países em
desenvolvimento articulam formas particulares de tratar o problema da democratização e
universalização desta modalidade de ensino.
Nos anos oitenta, a política de liberalização econômica em curso nos países
desenvolvidos, impôs aos países em desenvolvimento uma série de ajustes fiscais e
estruturais que reconfiguram a estrutura geopolítica global, pois ao tempo que promovem
uma adequação destes países a uma nova ordem mundial, determina aos seus governos
uma série de medidas que adequariam à economia destes países a realidade global (Cf:
Silva Jr & Sguissardi, 2001). Os autores, citando Soares (1996), apresentam algumas das
diretrizes que passaram a orientar a atuação dos Estados Nacionais de primeiro mundo
em relação aos países do terceiro mundo ou em desenvolvimento. Conforme dito:
A preocupação destes países em relação aos países de
terceiro mundo, no final dos anos oitenta e início dos
noventa, revelava-se em alguns eixos de sua concepção de
desenvolvimento/crescimento, que, nos termos do chamado
Consenso de Washington, assim se traduziam: 1. Equilíbrio
orçamentário, sobretudo mediante a redução dos gastos
públicos; 2. Abertura comercial, pela redução das tarifas
de importação e eliminação das barreiras não-tarifárias; 3.
Liberalização financeira, por meio de normas que
restringem o ingresso de capital estrangeiro; 4.
Desregulamentação dos mercados domésticos, pela
eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado,
como controle de preços, incentivos, etc.; 5. Privatização
das empresas e serviços públicos.
Para Sguissardi e Silva Jr, este processo de liberalização econômica tem início no Brasil,
a partir de 1990, no governo de Collor de Mello. Mas é no governo de FHC que se torna
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mais intenso com a criação do Ministério de Administração e Reforma do Estado
(MARE), sob a regência de Bresser Pereira.
O debate sobre a gerência do processo de liberalização econômica que influi e
interfere sobre a universidade é observada por Boaventura Sousa Santos (1997) a nível
global desde os anos sessenta. Este autor comenta que nos anos sessenta ocorre uma
ruptura com o modelo de privilégios e utilitário propagado pelas universidades, cujos fins
abstratos definem as funções gerando o aumento do corpo acadêmico e a expansão das
áreas do conhecimento.
Esta (aparente?) perenidade de objetivos só foi abalada na década
de sessenta, perante as pressões e as transformações a que foi então
sujeita a universidade. Mesmo assim, ao nível mais abstracto, a
formulação dos objetivos manteve uma notável continuidade. Os
três fins principais da universidade passaram a ser a investigação, o
ensino e a prestação de serviços. Apesar de a inflexão ser, em si
mesma, significativa e de se ter dado no sentido do atrofiamento da
dimensão cultural da universidade e do privilegiamento do seu
conteúdo utilitário, produtivista, foi, sobretudo ao nível das
políticas universitárias concretas que a unicidade dos fins
abstractos explodiu numa multiplicidade de funções por vezes
contraditórias entre si. A explosão das funções foi, afinal, o
correlato da explosão da universidade, do aumento dramático da
população estudantil e do corpo docente, da proliferação das
universidades, da expansão do ensino e da investigação
universitárias a novas áreas do saber. (1997: 188)
Este processo que ocorreu em diversos países do globo nos anos sessenta reverbera no
Brasil a partir dos primeiros anos do século XXI. A redefinição do ethos acadêmico a
partir da democratização do acesso ao ensino superior mais o incremento no número de
universidades públicas e federais possibilitou o aumento da população estudantil e do
corpo docente e técnico administrativo. Paralelamente, ocorre a multiplicação de ofertas
de cursos nas mais distintas áreas do conhecimento e, consequentemente, uma ampliação
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das possibilidades de acesso ao ensino superior, com o surgimento de novas carreiras
profissionais. O que ocorre no Brasil, não está dissociado do que ocorreu nos países
centrais na segunda metade do século XX, a influência do modelo geopolítico global de
liberalização econômica interfere diretamente nas formas como a universidade e a
educação superior vão ser tratadas por diferentes governos. Na concepção do Ministro
Bresser Pereira a reforma do Estado é assim definida:
A proposta de reforma do aparelho do Estado parte da existência
de quatro setores dentro do Estado: (1) núcleo estratégico do
Estado, (2) as atividades exclusivas do Estado, (3) os serviços não
exclusivos ou competitivos, e (4) a produção dos bens e serviços
para o mercado. (...) Na União, os serviços não exclusivos de
Estado mais relevantes são as universidades, as escolas
técnicas, os centros de pesquisa, os hospitais e os museus. A
reforma proposta é a de transformá-los em um tipo especial de
entidade não-estatal, as organizações sociais . A ideia é
transformá-los, voluntariamente , em “organizações sociais”,
ou seja, em entidades que celebrem um contrato de gestão com
o poder executivo e contem com a autorização para participar
do orçamento público. ( Bresser Pereira apud Sguissardi e Silva
Jr, 2001:32) [grifo nosso]
Este processo de transformação das universidades em organizações sociais, como
também de outras instituições e entidades que atuam no Estado, foi denominado pelo
Ministro Bresser como “Programa de Publicização”. A partir da adesão voluntária, estas
novas entidades passariam a ser denominadas de “entidades públicas não estatais ou
fundações públicas de direito privado”. Enquanto organizações sociais seriam assim
definidas:
Esta última reforma se dará através da dramática concessão de
autonomia financeira e administrativa às entidades de serviço do
Estado, particularmente de serviço social, como as universidades,
as escolas técnicas, os hospitais, os museus, os centros de pesquisa,
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e o próprio sistema de previdência. Para isto, a ideia é de criar a
possibilidade dessas entidades serem transformadas em
“organizações sociais”.
Organizações sociais serão organizações públicas não-estatais –
mais especificamente fundações de direito privado – que têm
autorização legislativa para celebrar contrato de gestão com o
poder executivo, e, assim, poder, através do órgão do executivo
correspondente, fazer parte do orçamento público federal, estadual
e municipal. (Ib. Id.: 34)
Esta proposta, PEC no 173/95, é encaminhada pelo governo ao Congresso e após
sucessivos debates, será em 2015 que o Supremo Tribunal Federal reconhece a
constitucionalidade da proposta de reforma constitucional. A eleição de
constitucionalidade da PEC ocorre durante um período de crise do governo com cortes
expressivos na pasta da Educação. Se resgatarmos a política de reforma do estado
proposta no governo FHC sob a regência de Bresser Pereira, se verifica que o
desmantelamento do estado, transferindo para o setor privado tudo àquilo que poderia ser
controlado pelo mercado, ganha notoriedade discursiva e prática com a generalização das
privatizações de empresas estatais. Contudo o debate sobre a desestatização dos serviços
que devem ser subsidiados pelo Estado, como saúde e educação, ganha eco na sociedade,
em concordância com as gestões empreendidas pelo governo do Presidente FHC.
No bojo do programa de Publicização proposto por Bresser tinha-se:
Para isto será necessário extinguir as atuais entidades e
substituí-las por fundações públicas de direito privado,
criadas por pessoas físicas. Desta forma se evita que as
organizações sociais sejam consideradas entidades estatais,
como aconteceu com as fundações de direito privado
instituídas pelo Estado, e assim submetidas a todas as
restrições da administração estatal. As novas entidades
receberão por cessão precária os bens da entidade extinta.
Os atuais servidores da entidade transforma-se-ão em uma
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categoria em extinção e ficarão à disposição da nova
entidade. O orçamento da organização social será global.
(Bresser Pereira, 1996 apud Sguissardi; Silva Jr. 2001)
REUNI
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fortalece a lógica das reformas anteriores, é impulsionado por razões exógenas à própria
universidade, mas que orientam a formação de novos paradigmas e interpretações sobre a
universidade, o conhecimento e o mercado, interpondo-se à formação e à
profissionalização, como também, à docência e à pesquisa.
Mas qual seria esse propulsor exógeno para implantação de mais uma reforma na
educação superior? De fato a tendência é concordar com a afirmativa supracitada de que
a reconfiguração geopolítica global é a propulsora destas reformas, cujas características
fundamentais podem ser enumeradas a partir: da constituição de blocos econômicos
orientados pela OMC e demais órgãos internacionais; a consequente fragmentação das
relações de produção e; a mercadorização das relações sociais e dos serviços, tal como
educação, contribuíram para fazer com que a universidade deixasse de ser um instituição
social e passasse a ser reconhecida como uma organização, cujo caráter instrumental
passa a ser o orientador regimental da mesma.
Quer seja, torna-se importante o número de matriculas e de concluintes, as baixas
taxas de evasão, a produtividade técnica e científica dos docentes na gestão e na pesquisa,
ainda que, neste tipo de universidade, para o discente, o diploma não represente
criticidade ou comprometimento com o desenvolvimento da ciência. Portanto, as
reformas do estado sempre atuam de forma abrupta na universidade brasileira, até mesmo
porque, na contemporaneidade, esta ainda não consegue romper com os vícios do modelo
híbrido imposto pela reforma MEC/USAID no auge da ditadura militar. Assim para
processarmos esta migração de instituição para organização social, observemos as
palavras de Chauí, no que tange a reforma neoliberal em curso,
De fato, essa reforma, ao definir os setores que compõem o
Estado, designou um desses setores como setor serviços
não exclusivos do Estado e nele colocou a educação, a
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saúde e a cultura. Essa localização da educação no setor de
serviços não exclusivos do Estado significou: a) que a
educação deixou de ser concebida como um direito e
passou a ser considerada um serviço; b)que a educação
deixou de ser considerada um serviço público e passou a
ser considerada um serviço que pode ser privado ou
privatizado. Mas não só isso. A reforma do Estado definiu a
universidade como uma organização social e não uma
instituição social. (2003:6)
Nesta lógica podemos observar que as motivações para a implantação do REUNI não
estão associadas há um princípio endogâmico à universidade brasileira, mas se constitui
como reflexo de um reestruturação geo-política que influi de forma abrupta nas
arquiteturas curriculares das universidades ao redor do mundo. A constituição de blocos
econômicos gerou uma nova classe e um novo ethos científico, logo um novo estilo de se
fazer e se reconhecer o conhecimento como científico, como também propiciou um certo
encurtar do tempo de reflexão e criação intelectual, fazendo com que cientistas e
pesquisadores passassem a se preocupar, de forma demasiada, na publicação do
parcialmente apreendido do que na reflexão amadurecida do sentido do que está sendo
produzido como conhecimento científico. A proliferação das especialidades transformou
o todo em um conhecimento inatingível, caracterizando como generalista todo
conhecimento que buscasse extrapolar os limites do objeto reconhecido. Neste sentido,
ergueram-se estantes do que pode ser investigado nesta ou naquela instituição e,
consequentemente, criou-se pequenos nichos de especialidades que não podem ser
rompidas, senão por um novo (endo)paradigma.
Foi por esta razão, que buscando reintegrar a Europa no ciclo técnico científico
global, que no ano de 1998, os ministros da educação de quatro países europeus – Reino
Unido, Alemanha, França e Itália -, assinaram uma declaração objetivando constituir um
espaço europeu da educação superior (Declaração de Sorbonne). Mais tarde, esta ação
tornou-se a gênese da Declaração de Bolonha que para além dos países supracitados
reúne mais 25 estados europeus, perfazendo 29 signatários a este pacto. Nele, os estados
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europeus assumem a necessidade de constituição de um espaço de ensino superior
europeu que fosse atrativo para estudantes da própria Europa e de outros países e
continentes. (Cf. CATANI, AZEVEDO & LIMA, 2008).
Este modelo pensado pela declaração de Bolonha propunha um sistema de
educação superior que fosse capaz de promover a mobilidade e empregabilidade dos
cidadãos, além de compatibilidade e comparabilidade da educação superior em cada
Estado, quer seja, estabelecia-se aí a lógica de unificação de mercado, engendrando uma
arquitetura curricular que alcançasse uma dimensão europeia dos currículos. Vale
ressaltar que não propunham uma homogeneização ou padronização, mas sim uma
harmonização que subsidiasse a mobilidade estudantil e de pesquisadores. Este
empreendimento resguarda a eleição de indicadores em múltiplas dimensões da educação
superior que permitem uma avaliação de caráter comparativo entre os países signatários.
Portanto, a reconstrução das fronteiras com base nos acordos multilaterais de integração
econômica e política foram propulsores de uma reconfiguração geopolítica e de definição
das especializações e profissões para atender a este novo espaço, União Europeia.
REUNI/BRASIL – Diretrizes e análises
Diante de tal contexto e com vistas a estabelecer uma ruptura com o descaso promovido
pelo modelo anterior, é que se cria em abril de 2007 o Programa de Apoio a Planos de
Expansão e Reestruturação das Universidades Federais – REUNI – cujas diretrizes ( i-
ampliação da oferta da educação pública; ii -reestruturação acadêmico curricular; iii –
renovação pedagógica da educação superior; iv – mobilidade inter e intra institucional; v
– compromisso social da instituição e; vi – suporte da pós-graduação ao desenvolvimento
e aperfeiçoamento qualitativo dos cursos de graduação.) estabeleciam a constituição de
uma nova arquitetura acadêmica para educação superior, subsidiando o objetivo principal
que é: criar condições para o acesso e permanência na educação superior, ao nível de
graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos
existentes nas universidades federais (BRASIL, 2007). Logo, as universidades que
aderissem ao programa teriam um prazo de até cinco anos para atender ao proposto em
seu plano de reestruturação e, para tanto, teriam que elaborar um plano para atingir os
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objetivos e diretrizes estabelecidos pelo programa, com as estratégias definidas para se
alcançar as metas e índices neste período. Das 55 universidades federais existentes logo
após a apresentação do REUNI, apenas duas (UFABC: criada em 2005 e a UNIPAMPA
criada em 2008) não aderiram inicialmente ao programa.
Aliado ao discurso do caráter dispendioso da universidade brasileira, focada na
pesquisa, pelos órgãos internacionais, a meta estabelecida pelo REUNI para as IFE's foi
de aumentar a saída da graduação para 90% e elevar a relação aluno professor para 18.
Observa-se aí, que se trata de se constituir um conjunto de números que revelem, com
uma simples análise, o quantitativo que produziu cada universidade em seus distintos
segmentos. Estes indicadores transformam o conhecimento numa mercadoria e as
relações de aprender e saber num fetiche de atratividade para novos alunos e professores.
Na compreensão de Ball (apud PINTO, 2011), existe a necessidade de superação
das análises deterministas, sempre focadas numa perspectiva micro ou macro acerca da
implementação de políticas públicas, ele nos propõe uma análise a partir do processo,
quer seja; permite analisar o ciclo de políticas como um método para percepção das ações
por meio das práticas e, assim, apresenta os possíveis contextos onde podemos observar o
processo de intervenção e atuação do Estado, classificando-os da seguinte forma:
contexto de influência (a estratégia política e o cenário que a envolve); contexto do texto
(documentos e escritos) e; contexto da prática ( a ação, o fazer e os resultados). Neste
contexto, cabe observar a atuação de alguns dos agentes envolvidos na formulação e
implementação da política, assim tem-se a ANDIFES – Associação Nacional de
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – que agrega os dirigentes
institucionais de todas as universidades que aderiram ao REUNI. A ANDIFES passou a
defender o programa e percebeu neste uma forma de aumentar o número de vagas para os
cursos de graduação e consequente contratação de novos docentes, atuando como
interlocutor passou a defender a política não somente internamente à universidade, mas
extrapola para a sociedade civil, apresentando publicações e planos que se adéquam ao
proposto no REUNI e no Plano de Desenvolvimento da Educação. Outro ator de
relevante papel é a ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior –
que observa no REUNI um plano de expansão deslocado da pesquisa e extensão,
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priorizando o ensino de graduação e promovendo a precarização do trabalho docente,
com exigência de indicadores cada vez maiores de produtividade, transformando a
pesquisa e a produção do conhecimento numa mercadoria produzida em série. A UNE –
União Nacional dos Estudantes – vê na expansão e no aumento do número de vagas e
entradas no ensino superior, principalmente no turno noturno, uma vitória dos
movimentos sociais e da classe trabalhadora, dá credibilidade à interiorização e a criação
de novos campi como uma forma de reduzir as desigualdades regionais de acesso ao
ensino superior.
Do outro lado, numa relação de proximidade e distanciamento têm-se os órgãos
internacionais, que no passado haviam declarado o caráter dispendioso do modelo
brasileiro que opera como impeditivo ao crescimento desta modalidade de ensino no país,
cabe destacar o papel do Banco Mundial e da UNESCO, que produzem um discurso que
reitera a opinião da necessidade de dissociação entre a pesquisa e o ensino de graduação.
Ainda neste contexto transnacional tem-se que o processo de Bolonha assemelha-se ao
modelo proposto no REUNI na medida em que estabelece a necessidade de criação de
novos ciclos formativos na graduação.
Portanto, ao analisarmos o contexto motivacional para o surgimento do REUNI
temos que a transformação geopolítica global forçou as instituições europeias a
constituírem uma reforma que lhe dessem competitividade, principalmente com relação
aos EUA e Canadá e, que apesar da secularidade de suas instituições tornou-se necessário
estabelecer indicadores e variáveis capazes de mensurar a produção docente e
transformar o conhecimento de uma forma mais especializada. O modelo transnacional
de educação superior europeu demonstra a interdependência entre o mercado e o ensino
superior, pois esse servirá como mais um atrativo de mercado para novos estudantes e
novas profissões.
No Brasil o acarajé a bolonhesa, quer seja; a junção do proposto pela
Universidade Nova (ALMEIDA FILHO, 2003) e pelo REUNI (BRASIL,2007),
representa a busca de construir uma reforma de caráter paradigmático e de transformação
de um ethos cultural que ainda se encontra jovem perante as demais instituições na
América Latina e em outras partes do mundo. É certo que, a idade dos jovens que
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acessam ao ensino superior está cada vez menor e, que esta condição de prematuridade
no acesso, implicava diretamente na escolha das carreiras e profissões, promovendo
sucessivos abandonos e, consequentes, novas escolhas. Portanto, tínhamos um número de
vagas ociosas muito grande, como também uma exclusão significativa de parcelas
expressivas da sociedade brasileira, estudantes de origem popular, negros, oriundos do
interior e/ou da zona rural estavam cada vez mais distantes da educação superior pública
e federalizada.
Em sua proposta o REUNI pretende alcançar 30% dos jovens na faixa etária de 18
a 24 anos e, no documento produzido em agosto de 2007, intitulado: REUNI Diretrizes
Gerais, afirma;
Ao lado da ampliação do acesso, com o melhor aproveitamento da
estrutura física e do aumento do qualificado contingente de
recursos humanos existentes nas univeridade federais, está também
a preocupação de garantira a qualidade da graduação da educação
pública. Ela é fundamental para que os diferentes percursos
acadêmicos oferecidos possam levar à formação de pessoas
aptas a enfrentar os desafios do mundo contemporâneo, em
que a aceleração do processo de conhecimento exige
profissionais com formação ampla e sólida. A educação
superior, por outro lado, não deve apenas formar recursos
humanos para o mundo do trabalho, mas também formar
cidadãos com espírito crítico que possam contribuir para a solução
de problemas cada vez mais complexos da vida pública. [grifo
nosso]
O subtexto presente nas diretrizes gerais do programa de restruturação, orienta para o
mercado e para as novas necessidades que dele demandam. Formar recursos humanos e
como subproduto cidadãos críticos e implicados com o bem comum e público. O sentido
estabelecido nesta diretrizes estão em consonância com os do processo de Bolonha, quer
seja, uma arquitetura curricular flexível e desprovida de pré-requisitos, uma busca
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constante pela inovação nos campos de atuação profissional e consequente formação,
aumento das vagas ocupadas e mobilidade estudantil.
A herança de 68, promoveu um fosso entre o ensino de graduação e pós
graduação, a dissociação entre os saberes e as experiências práticas demonstrou uma
fragilidade do modelo anterior, contudo, ainda que propondo uma reestruturação espacial
e organizacional das universidades, os agentes executores do REUNI não observaram os
contextos em que parcela dos sujeitos envolvidos na construção da Universidade estavam
submetidos. Oriundos de um modelo educacional focado na profissionalização e,
consequente, mobilidade social os docentes das universidades não foram convidados para
atuarem de forma protagonista neste processo. As pesquisas, cuja produção, reflexão e
análise ultrapassam a relação temporal estabelecida pelo mercado, foram substituídas por
fragmentos discurssivos que demonstram a produtividade dos docentes e, assim,
consituiu-se num indicador numérico curricular para a disputa dos editais, que a partir de
então, passaram a ser a nova forma de atração de recursos para as universidades. Os
discente, convidados a escolha de uma profissão pelo mercado, buscam na seleta
disponibilidade de percursos acadêmicos, aquele que lhe possibilitará inserção e
reconhecimento no mercado de trabalho. E quando optantes pela vida acadêmica,
procedem uma nova escolha, agora na estante dos objetos possíveis de serem pensados e
pesquisados, como também financiados. Em suma, o mercado estabelece para a
universidade, em especial para as formações cujo foco está nas especializações práticas,
um paradigma efêmero acerca do que é o conhecimento, mas uma perspectiva material e
concreta, acerca da forma como esta deve atuar.
À guisa de uma conclusão...
A lógica da reestruturação do ensino superior e das universidades pensadas no REUNI,
resguarda-se em princípios de isonomia e equidade social, tendo como base a propalada
justiça social promovida pela interiorização das universidades; pela reestruturação e
construção de novos campi e universidades; pelas políticas de acesso e de ações
afirmativas e, até mesmo, pelo aumento significativo de bolsas de permanência.
Contanto, ainda que, propulsora de um refazer acerca das arquiteturas curriculares, o
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REUNI destitui a autonomia das universidades e promove uma relação de centro e
periferia, constituindo assim, tipologias de universidades e classificando - as como
produtoras e ou reprodutoras do conhecimento, formadoras e ou repetidoras de modelos
de formação, profissionalizantes e ou responsáveis pela formação intelectual e
acadêmico-política da sociedade.
Como política pública o REUNI objetiva a expansão como forma de reduzir o
impacto da ação estatal que privilegia a manutenção das diferenças de status, pois ao
tempo que possibilita uma maior quantidade de vagas ao ensino superior, estabelece
políticas inclusivas que assegurem o acesso de camadas marginalizadas socialmente, a
esta modalidade de educação. Nesta lógica, no contexto textual, busca-se otimizar o bem
público para o acesso universal por todas as classes e não constituí-lo como algo que
atendesse a apenas uma parcela da sociedade. Logo, observa-se o caráter híbrido que este
modelo de políticas públicas têm no Brasil, pois como afirma Esping-Andersen (1991),
“os social-democratas buscaram um welfare state que promovesse a igualdade com os
melhores padrões de qualidade, e não uma igualdade das necessidades mínimas (...) Esta
fórmula traduz-se numa mistura de programas altamente desmercadorizantes e
universalistas que, mesmo assim, correspondessem a expectativas diferenciadas”.
Teoricamente todos os trabalhadores estariam aí desfrutando de um sistema universal e o
produto dessa relação social seria a solidariedade com os custos operacionais e de
funcionamento do produto da política. Ou seja, se a universidade agora é inclusiva e
alcança inúmeros recantos do país, os custos de manutenção e ampliação do sistema
educacional deve ser repartido por todos e em todas as unidades da federação.
Esta premissa, ainda que de relevante importância para um tipo ideal de política
pública para a reestruturação e expansão da educação superior, não se concretiza, na
medida em que, esta instituição, universidade, representa um ethos conflitivo e que gera
poder para os seus partícipes. E esse poder representa a possibilidade de deslocamento
social, cultural e econômico para parcelas significativas da sociedade. Vale ressaltar, que
por esta característica, a interdependência desta modalidade de ensino com o mercado é
cada vez mais estreita. Além do mais, a configuração geopolítica do Estado, engajado em
blocos econômicos e acordos bilaterais de comércio e desenvolvimento, estabelece os
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paradigmas transnacionais e norteadores do fazer educacional e do fazer cientifico,
orientando tudo o que se pode ou não financiar e, consequentemente, produzir ou não
como forma de conhecimento.
Logo, para se gestar uma política tal qual o modelo social-democrata prevê, se faz
necessário uma avaliação geral das necessidades e desequilíbrios existentes no contexto
de atuação da política. Ou como diz Santos (1987), “políticas de desenvolvimento social,
destinadas a maximizar o bem-estar coletivo, e a equidade devem ser aferidas levando-se
em consideração o fundo contrastante da situação presente.” Pois, o modelo conceitual
norteador da política e da avaliação é produzido no âmbito do próprio Estado.
É compreensível, portanto, que os sistemas produtores de
informação, refletindo tanto a preocupação predominantemente
econômica dos governos, quanto o maior amadurecimento relativo
da análise econômica, entre as disciplinas sociais, atentem,
sobretudo, para as dimensões econômicas e demográficas, e a um
nível de agregação cujo valor, como base empírica, para as análises
sociais, deixa muito a desejar.
...
a escolha de políticas visando a reduzir disparidades sociais
fundamenta-se não apenas no reconhecimento da existência das
desigualdades, mas, sobretudo, em juízos comparativos predicados
de realidades relativamente estáveis. (ib. id.)
Este mergulho sócio-histórico acerca da educação superior e das formas de desigualdades
existentes no país, principalmente acerca da escolaridade da população brasileira em seus
diversos estratos, não foi feito pelo Estado, ao contrário, mais uma vez importou-se a
matriz de um modelo pré- existente em detrimento da nossa própria condição de
universidade. O REUNI constitui aquilo que, à moda brasileira, foi implantado na
comunidade europeia e nas universidades americanas. Adaptou-se o modelo híbrido
anterior a uma nova metamorfose do fazer universidade, isto é, passa- se a coexistir no
país dois modelos de universidade, atuando no mesmo espaço físico e social. Este
mecanismo de criar o novo paralelamente ao modelo existente, pode revelar o descrédito
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do próprio Estado na política, ou a força e a importância que as elites dominantes vêm no
modelo anterior, que assegura aos seus membros a permanência nos espaços de prestígio
e nos cursos de relevância econômica e social.
Logo, a lógica que estrutura os processos de implantação e funcionamento do
REUNI como política pública voltada para o ensino superior está relacionado ao contexto
geo-político de surgimento desta, como também, ao conceito ou ideia de universidade
existente no Estado brasileiro e na sociedade. A universidade como lugar da pesquisa e
do ensino através da pesquisa, está cada vez mais distante das proposições otimizadoras
estabelecidas por este programa. Por outro lado, observa-se cada vez mais o processo de
mercadorização das relações sociais e de sobrevalorização das formações inovadoras
estritamente vinculadas a uma realidade de mercado.
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