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Revista Crtica de CinciasSociais85 (2009)Nmero no temtico
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Jos Ricardo Ramalho, Iram Jcome Rodrigues e Jefferson Jos
daConceio
Reestruturao industrial, sindicato eterritrio Alternativas
polticas emmomentos de crise na regio do ABCem So Paulo
Brasil................................................................................................................................................................................................................................................................................................
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Referncia eletrnicaJos Ricardo Ramalho, Iram Jcome Rodrigues e
Jefferson Jos da Conceio, Reestruturao industrial, sindicatoe
territrio Alternativas polticas em momentos de crise na regio do
ABC em So Paulo Brasil, Revista Crticade Cincias Sociais [Online],
85|2009, posto online no dia 01 Dezembro 2012, consultado o 30
Janeiro 2013. URL:http://rccs.revues.org/369
Editor: Centro de Estudos
Sociaishttp://rccs.revues.orghttp://www.revues.org
Documento acessvel online em: http://rccs.revues.org/369Este
documento o fac-smile da edio em papel. CES
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Revista Crtica de Cincias Sociais, 85, Junho 2009: 147-167
JOS RICARDO RAMALHOIRAM JCOME RODRIGUESJEFFERSON JOS DA
CONCEIO
Reestruturao industrial, sindicato e territrio Alternativas
polticas em momentos de crisena regio do ABC em So Paulo
Brasil*
Este texto prope-se discutir os efeitos sociais e polticos de
crises e transformaes econmicas sobre a histria de distritos
industriais, constitudos a partir da concen-trao de empresas de
grande porte e de seus desdobramentos em termos de redes de
pequenas e mdias empresas. Tomando como exemplo a trajetria do
principal distrito industrial brasileiro, consolidado a partir de
meados do sculo xx em uma regio que ficou conhecida como ABC, e no
contexto de um pas em busca de uma vocao manufatureira, pretendemos
contribuir para o debate sobre o papel dos territrios e seus atores
sociais, em especial os trabalhadores e seus sindicatos, em situaes
de crise da produo e do emprego, relacionadas dinmica das cadeias
produtivas em uma economia mundializada.
Palavras-chave: Reestruturao industrial, trabalhadores,
sindicatos no Brasil, territ-rios produtivos, regio do
ABC-Brasil.
A proposta do texto discutir os efeitos sociais e polticos de
crises e transformaes econmicas sobre a histria de distritos
industriais, consti-tudos a partir da concentrao de empresas de
grande porte e de seus desdobramentos em termos de redes de
pequenas e mdias empresas. Tomando como exemplo a trajetria do
principal distrito industrial brasi-leiro, consolidado a partir de
meados do sculo xx em uma regio que ficou
* Este texto se beneficia de parte dos resultados das seguintes
pesquisas que vm sendo desenvol-vidas pelos autores: Trabalho,
distritos industriais e novas estratgias de desenvolvimento
regional, Trabalho, sindicato e desenvolvimento regional: estudo
comparativo entre as regies do ABC Paulista e do Sul Fluminense e
Quando o apito da fbrica silencia: sindicatos, empresas e poder
pblico diante do fechamento de indstrias e da eliminao de empregos
na Regio do ABC, que contam com o apoio do CNPq e da Faperj
(Programa Cientistas do Nosso Estado e Pensa Rio).
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14 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
conhecida como ABC, e no contexto de um pas em busca de uma
vocao manufatureira, pretendemos contribuir para o debate sobre o
papel dos territrios e seus atores sociais, em especial os
trabalhadores e seus sindi-catos, em situaes de crise da produo e
do emprego, relacionadas dinmica das cadeias produtivas em uma
economia mundializada.
Embora na histria da sua formao urbana houvesse desde o incio
sinais de uma vocao industrial, foi com os investimentos do setor
metal-mecnico (montadoras de veculos, fabricantes de autopeas,
indstria de bens de capital, eletroeletrnica) e do setor qumico, a
partir dos anos 950, que a regio do ABC, localizada na periferia da
cidade de So Paulo, se transfor-mou no maior aglomerado industrial
da Amrica Latina e desde ento se caracterizou pela presena
expressiva de firmas multinacionais e pela for-mao de um conjunto
substantivo de empresas fornecedoras de pequeno e mdio porte; pela
constituio de uma classe operria e de um sindicalismo ativo e com
poder de presso poltica; e pelo crescimento urbano e popula-cional,
atravs de um intenso processo migratrio.
A crise desta regio, a partir dos anos 990, relacionada com o
processo de reestruturao produtiva das empresas globais, resultou
no fechamento de fbricas, no aumento do desemprego, e no
deslocamento de investimen-tos produtivos para outras localidades
(cf. Conceio, 2008 e Jcome Rodrigues e Ramalho, 2007). A gravidade
da situao social imposta pela nova conjuntura econmica colocou em
xeque a proposta produtiva ante-rior, de base fordista, e
impulsionou a criao de instncias institucionais com vista a propor
alternativas e novas estratgias regionais de desenvolvi-mento,
reunindo diferentes foras sociais, inclusive os sindicatos mais
militantes. A crise econmica de 2008 tambm atingiu a regio de forma
grave em termos da reduo das atividades econmicas e do aumento das
demisses, e os mecanismos polticos articulados na dcada de 990
esto, na atual conjuntura, sendo acionados para buscar solues para
as novas necessidades colocadas pelo desemprego e pela recesso.
O surgimento da Cmara Regional do ABC, em meados dos anos 990,
nos servir de exemplo para discutir possveis situaes de inovao
insti-tucional e de novos espaos pblicos de deciso que seriam
articuladas pelas localidades como reao aos sinais de crise e de
mudanas econmicas, colocando em questo frmulas anteriores da relao
entre empresas e territrios produtivos. Apesar das dificuldades
inerentes a um processo de
O ABC composto por sete municpios situados na Regio
Metropolitana do Estado de So Paulo: Santo Andr, So Bernardo do
Campo, So Caetano do Sul, Diadema, Mau, Ribeiro Pires e Rio Grande
da Serra. Por sua proximidade e vizinhana, a regio foi muitas vezes
tratada como subrbio ou periferia urbana da cidade de So Paulo.
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Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 14
construo institucional de grande dimenso, tentaremos mostrar no
texto que, na regio do ABC, as novas prticas de participao
implementadas ao longo dos ltimos vinte anos produziram decises de
razovel consenso sobre polticas pblicas e privadas entre os atores
locais, com o objetivo de incluir diferentes foras sociais no
processo decisrio sobre a recuperao econmica regional e a discusso
sobre novas formas de investimento.
Pretendemos tambm discutir o papel dos trabalhadores e de seus
rgos de representao nesse processo, sugerindo a hiptese de que o
acmulo de fora poltica e capacidade de articulao em nvel nacional e
internacional, como o caso do sindicalismo no ABC, mesmo em uma
conjuntura desfavorvel, tem um efeito fundamental para a
continuidade desses novos arranjos institucionais, e impulsiona as
entidades sindicais na direo de uma posio propositiva nos fruns de
debate e elaborao de estratgias voltadas para um tipo de
desenvolvimento econmico atento s questes sociais.
Em termos tericos, nossa proposta trabalha com uma concepo de
localidade que, como diz Cooke (989: 296), no pode ser vista apenas
como mera receptora de algo decidido em processos nacionais e
interna-cionais, mas que est ativamente envolvida na sua
transformao, mesmo que no tenha controle total sobre seu prprio
destino. As localidades no seriam apenas lugares ou mesmo
comunidades. Elas seriam a soma de energia social e agncia, e o
resultado da aglomerao de diversos indivduos, grupos ou interesses
sociais no espao; no seriam passivas ou residuais, mas, de vrios
modos e graus, centros de conscincia coletiva.
O texto tenta tambm incorporar elementos do debate atual sobre
dis-tritos industriais, que, a partir de definies anteriores de
Marshall (920) e das experincias dos distritos industriais
italianos (Sengemberger e Pike, 999: 0-03), destacam a importncia
poltica e organizacional das peque-nas e mdias empresas no contexto
dos territrios produtivos. Polticas voltadas para a organizao e
promoo desse perfil de empresa teriam, em princpio, a capacidade de
criar um tipo de proteo contra a dominao das grandes empresas e a
dependncia em relao a elas.
No que diz respeito concepo de desenvolvimento territorial,
vamos trabalhar com a percepo que a entende como uma construo de
atores (Pecqueur, 2005: ,2). Os territrios so concebidos como
espaos socialmente criados e organizados pelos atores sociais, a
partir dos seus ativos e recursos, como condies e capacidades para
materializar inovaes tcni-cas e sociais, alm de gerar sinergias
positivas entre os responsveis pelas atividades produtivas (tecido
empresarial) e a comunidade (tecido cida-do). (Pires e Verdi, 2007:
-2).
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150 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
Do nosso ponto de vista, a experincia do ABC traz bons elementos
para um debate sobre a relao entre atores sociais, com interesses e
posi-es econmicas e polticas diversas, em territrio produtivo, o
que pode significar:
a) a criao das condies necessrias emergncia de atividades
pro-dutivas capazes de incorporar setores da populao esfera da
cidadania, dando conotao poltica ao universo produtivo (Cocco et
al., 999: 28);
b) o estabelecimento de uma nova ordem econmica regional na qual
h um domnio coletivo de exterioridades [...], que deve ser
gerenciado por instituies pblicas, mas que, segundo Scott (999:
30-3), depen-dendo das condies, tradies e conscincia poltica locais
poderia ocorrer sob a forma de associaes civis (incluindo, por ex.,
alianas industriais, sindicatos operrios, ou grupos comunitrios),
ou de parcerias pblico- -privadas, ou mesmo qualquer outro tipo de
organizao que possua legi-timidade necessria e os poderes sociais
indispensveis;
c) o reconhecimento da populao de uma cidade como protagonista
de desenvolvimento local e poltico, o que requer uma viso
estratgica do novo papel das cidades no cenrio internacional.
Segundo Klink (2003: 33), cidade no sinnimo de governo local, e
hoje h uma busca de parcerias com apoiadores e gestores locais,
criando-se interfaces com ONGs, setor privado, universidades,
redes, etc.;
d) a possibilidade de conciliar as demandas da governana com os
ideais da cidadania. De acordo com Guimares e Martin (200: 5-6),
nesse novo contexto, notvel no somente a diversificao dos
protagonistas como ainda a transfigurao dos seus espaos de
interveno nas disputas em torno de uma definio da cidadania no
mbito das relaes sociais que regulam a vida econmica.
Breve histria do ABC PaulistaNo final do sculo xix, a regio do
ABC se caracterizava por uma economia agrcola, voltada para a
subsistncia e para o abastecimento da cidade de So Paulo, embora j
houvesse alguma produo manufatureira. Este cen-rio muda com a
implantao da primeira ferrovia do estado de So Paulo, a partir de
867, voltada para o escoamento do caf que vinha das fazen-das do
interior do estado para o principal porto brasileiro, em Santos. Ao
lado do incremento do fluxo comercial, a ferrovia gerou tambm uma
srie de impactos urbanos, estruturando na prtica o territrio e sua
urbaniza-o, e ajudou a impulsionar a expanso de manufaturas:
fbricas de cer-micas, mveis, cimento, txteis, chapus, curtumes,
vinhos, charutos, sabo, velas, carvo, leos lubrificantes, etc.
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Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 151
Nesse contexto, estavam dadas as condies histricas para o
surgimento da indstria na regio, nas primeiras dcadas do sculo xx:
mo-de-obra livre, assalariamento, demanda interna de produtos de
primeira necessidade e recursos financeiros provenientes da
exportao do caf. Deve-se notar, no entanto, que at meados da dcada
de 950, o processo de industriali-zao foi de natureza restrita e
tardia (se comparada com os pases j indus-trializados) e ficou
limitada aos segmentos produtores de bens-salrio (alimentos,
vesturio, calados, higiene e limpeza, entre outros).
A regio do ABC tornou-se o epicentro da industrializao
brasileira a partir da segunda metade da dcada de 950, como
resultado do Plano de Metas do governo Kubitschek (956-960), que
tinha como proposta atrair novos investimentos internacionais em
setores-chave da indstria.
Por sua localizao estratgica, entre o principal porto do pas
(Santos) e o principal mercado consumidor (So Paulo), pela
experincia anterior de empresrios e trabalhadores com a atividade
industrial, pela infraestru-tura ferroviria e rodoviria e pela
existncia de grandes reas verdes dis-ponveis a preos baixos,
somadas aos incentivos dos governos municipais (acesso a gua,
energia eltrica, esgoto, transporte, entre outros), a Regio do ABC
foi escolhida pelas empresas multinacionais da indstria
automo-bilstica para receber os investimentos relativos sua
implantao no Brasil. A histria da indstria automobilstica se
confunde com a histria da regio. No final da dcada de 970, a Regio
do ABC representava cerca de 80% da produo nacional de veculos no
Brasil, e ao final da dcada de 980, concentrava 200
estabelecimentos produtores de autopeas, representando 20% do total
no pas (Conceio, 200: 52).
Destaque tambm deve ser dado indstria de insumos. A cadeia
qumica e petroqumica, fornecedora de alguns dos insumos bsicos para
a indstria metal-mecnica, adquiriu tamanho peso na economia
regional, que, junto com a indstria automobilstica, representam
ainda hoje quase a metade do valor adicionado na economia
regional.
Nos anos 980, o setor industrial apresentou taxas elevadas de
cresci-mento, mas grande parte das decises continuaram sendo
determinadas de maneira exgena, isto , fora da regio. A estrutura
construda conforme os padres do modelo fordista de produo no
estimulou a participao ou uma cultura de cooperao entre os atores
sociais das localidades (cf. Scott, 999), o que acabou
dificultando, na dcada de 990, a busca de alternativas coletivas
para a revitalizao do setor industrial em crise. Segundo Klink
(200: 38), a economia do ABC se caracterizou pela pre-sena
expressiva de grandes empresas multinacionais, em um regime de alta
proteo tarifria, sem ter enfrentado exigncias mais estratgicas
no
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152 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
mbito de uma poltica industrial nacional, como, por exemplo, a
transfe-rncia de tecnologia para a indstria local, mais
particularmente para a rede de micro e pequenas empresas, o que
constituiu um distrito industrial extremamente hierrquico e
fragmentado, com pouca articulao entre os setores dinmicos da
indstria.
O desenvolvimento do distrito industrial e a formao da classe
operriaAs fbricas construdas na dcada de 950 requeriam a contratao
de grandes contingentes de trabalhadores. A maior delas, a fbrica
da Volkswagen, fundada em 957, passou de cerca de 5 mil
trabalhadores em 959 para quase 44 mil no final da dcada de 970. As
oportunidades de emprego na indstria atraram migrantes de
diferentes lugares do pas, boa parte de zonas rurais, resultando
tambm em um expressivo cresci-mento populacional. De um pequeno
ncleo urbano, com cerca de 90 mil habitantes, em 945, a regio
ultrapassou 2 milhes de pessoas na dcada de 990.
A contratao de migrantes, a maioria de baixa qualificao, no se
dava pelas montadoras de veculos, empresas de tecnologias mais
avanadas. Com freqncia esses operrios faziam uma trajetria no
mercado de tra-balho que comeava nas empresas menores, onde
aprendiam a atividade metalrgica, para em seguida serem contratados
pelas montadoras, aps um treinamento especial. Esse processo de
diferenciao atingiu tambm os salrios.
A presena de um nmero expressivo de trabalhadores na regio criou
tambm condies para a existncia de um movimento sindical atuante e
protagonista de eventos polticos importantes na histria recente do
pas. A regio j contava com uma tradio de luta operria constituda
nas primeiras atividades manufatureiras do incio do sculo xx,
marcada pela influncia poltica do anarco-sindicalismo, e que
permaneceu a partir de 925, com a presena do Partido Comunista no
ABC e com sua insero nas fbricas e nos sindicatos. Em 947, a regio
elegeu o primeiro prefeito comunista e de origem operria do
pas.
Essa tradio de resistncia se renovou com o surgimento do
movimento conhecido como novo sindicalismo, que teve o ABC como
bero e que se manifestou de modo mais explcito durante as greves
dos metalrgicos nos anos de 978, 979 e 980 (cf. Almeida, 996;
Cardoso, 999b; Comin, 994; Jcome Rodrigues, 997; Rodrigues, 99;
Vras, 2002, entre outros). Esse movimento desafiou a ditadura
militar instaurada em 964, ao no cumprir publicamente a legislao
anti-greve e ao questionar a subor-dinao dos sindicatos ao
Ministrio do Trabalho. Sua legitimidade foi
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Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 153
reforada pelo trabalho poltico realizado nos locais de trabalho.
A regio do ABC , ainda hoje, uma das poucas regies em que os
trabalhadores esto organizados nos locais de trabalho, seja em
comisses de fbricas e/ou em comits sindicais de empresa. Por
exemplo, na base do sindicato dos metalrgicos do ABC, em 2008,
existiam 0 fbricas com comits sindicais de empresa, o que
representava, aproximadamente, 85% do total dos trabalhadores do
sindicato.
O perodo dos anos 970 e incio dos anos 980 ficou marcado por
muitos conflitos, com diversos tipos de greves e paralisaes, e com
as aes sindicais duramente reprimidas dentro e fora das empresas,
alm de inter-venes do Ministrio do Trabalho nos sindicatos e do
afastamento e prises de seus dirigentes. A luta trabalhista dos
metalrgicos por melhores sal-rios, condies de trabalho e pelo
direito livre organizao sindical foi vista tambm como um ato
poltico de enfrentamento do regime militar e pela redemocratizao do
pas. Este fato deu s greves uma conotao nacional e um reforo ao
movimento pelo retorno das liberdades democr-ticas. A regio do ABC,
o principal centro industrial do pas, tornou-se naquele momento um
palco importante de contestao ao autoritarismo poltico vigente.
A crise econmica e social dos anos 10Se a dcada de 950 ficou
marcada pelo empenho dos governos brasileiros em atribuir
prioridade mxima industrializao, a dcada de 990 repre-sentou a
abertura econmica para os mercados internacionais e o fim do
processo de substituio de importaes, em um contexto de rigidez nas
polticas monetria e fiscal e de difuso do novo modelo de produo em
substituio ao padro fordista. Nesse novo contexto, prevaleceram
polti-cas de governo favorveis ao Estado Mnimo e contrrias a
incentivos e salvaguardas e, com relao reestruturao das empresas,
um forte enxu-gamento do contingente operrio e at mesmo, algumas
vezes, do fecha-mento da unidade produtiva.
A partir da dcada de 990, a regio do ABC deixou de ser vista
como smbolo da modernidade e passou a ser apontada como o lugar do
atraso e das ineficincias geradas pelo antigo modelo de
industrializao por subs-tituio de importaes. No entanto, foi como
resposta ao questionamento de sua vocao que se criou, no incio da
dcada, a Cmara Setorial da indstria automobilstica (cf. Arbix, 996
e 997; Oliveira, 992 e 993; Diniz, 993; Cardoso e Comin, 995 e
Cardoso, 999a; Bresciani e Benites Filho, 995; Anderson, 999;
Silva, 997). Esta experincia de negociao tripartite (sindicatos,
empresas e governo) foi inovadora quanto elabora-
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154 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
o de uma poltica industrial, por ter exercitado um mecanismo
democr-tico de gesto pblica setorial, e porque representou um
aprendizado para os atores sociais da regio do ABC que iria se
refletir mais tarde na criao da Cmara Regional do ABC, em 997.
A Cmara Setorial no foi indita no Brasil apenas pelo seu formato
tripartite, mas tambm pelo contedo da negociao. Com os acordos
obtidos, embora tenham sido de curto prazo, houve uma queda nos
preos dos veculos, uma reduo das alquotas de impostos federais e
estaduais e uma diminuio de margens de lucro ao longo da cadeia
produtiva. Ao mesmo tempo, estabeleceu-se uma correo mensal de
salrios e a manu-teno do nvel de emprego. O resultado imediato foi
o crescimento da produo nacional de veculos, dos postos de trabalho
e da arrecadao de impostos.
revelia dos bons resultados quantitativos e qualitativos da
Cmara Setorial, esta iniciativa foi abandonada pelo Governo Cardoso
(995-2002), em boa parte porque no combinava com o modelo econmico
implemen-tado pelo Plano Real, que se baseava em uma economia mais
aberta, no aumento da carga tributria e no baixo alcance das
polticas industriais. Em 995, a expanso das importaes do setor
automobilstico foi um dos principais motivos do desequilbrio na
balana comercial brasileira e, para reduzir o dficit neste setor, o
Governo Cardoso criou o regime automo-tivo, que consistia em
incentivos fiscais para as empresas montadoras de veculos e para as
fabricantes de autopeas j instaladas ou que viessem a se instalar
no Brasil (cf. Arbix, 2006 e Cardoso, 2006, entre outros). Essa
poltica implicou em uma intensa disputa entre estados e municpios
pelos novos investimentos, atravs da oferta de incentivos
tributrios, creditcios, doao de terrenos e realizao de obras de
infraestrutura pelo poder pblico (portos, estradas, ferrovias,
aeroportos, etc.).
A regio do ABC ficou prejudicada nessa disputa e viu aumentar
seus ndices de desemprego. A totalidade da indstria de transformao
apre-sentou reduo de empregados, entre 990 e 999, em torno de 50%
(caindo de 363.333 empregados em 989 para 87.759 em 999). A
combinao da guerra fiscal, do crescimento da demanda por veculos
novos e dos incen-tivos gerados pelo Regime Automotivo (com a reduo
das alquotas de importao de peas, componentes, insumos e
maquinrios) gerou um expressivo aumento de novas fbricas de veculos
e de componentes, todas fora do ABC.
O crescimento urbano dos municpios que compem a regio do ABC
passou tambm a ser alegado pelas empresas como uma das razes para o
desestmulo produo e o deslocamento para outras regies. O
processo
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Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 155
urbano acelerado das ltimas dcadas fez surgir e expandir vrios
problemas econmicos, sociais e ambientais que, reunidos em uma
conjuntura econ-mica desfavorvel, colocaram em discusso a vocao
industrial da regio e a sua identidade tantas vezes referida como
exemplar para a histria da indstria no pas.
Os culpados pela crise o debate sobre o custo ABCA crise
econmica regional motivou vrios tipos de reao, algumas
repre-sentando novas sadas coletivas e institucionalizadas (como
veremos adiante), outras como uma forma de aproveitar o momento de
fragilidade dos setores ligados ao trabalho, aos sindicatos
operrios e s localidades para questionar seu modo de atuao poltica
e justificar a opo pelo des-locamento para outras regies do pas. Os
problemas de competitividade e a realidade de salrios e benefcios
mais altos em comparao com outras regies foram alegados,
principalmente pelos empresrios, como fatores de gerao de conflitos
sociais e de empecilho modernizao. A ao sindi-cal foi apontada como
responsvel por este custo ABC, que estaria invia-bilizando a
competitividade regional e a superao da crise.
Nesse debate, o sindicato dos metalrgicos contra-argumentou
criticando o uso sistemtico da rotatividade no emprego realizado
pelas empresas como mecanismo para reduzir os salrios, alm de
demonstrar que o mercado de trabalho regional era extremamente
heterogneo. Mostrou tambm os efeitos positivos na economia da
regio, dos reajustes obtidos atravs da fora da ao sindical e do
melhor padro salarial do trabalhador regional, questionando o
rebaixamento de salrios como estratgia de preservao do parque
industrial e dos empregos (Conceio, 2008 e 200). As aes sindicais
nesse perodo buscaram preservar e ampliar as conquistas econ-micas
e sociais (o que de fato pode se refletir em custos mais elevados,
mas tambm em incremento da produtividade), mas tambm procuraram
nego-ciar a modernizao das fbricas e processos cooperativos locais
com o objetivo de ampliar a competitividade.
Na viso sindical, o fechamento de fbricas, a transferncia de
unidades fabris para outras regies do pas e a perda de empregos na
regio do ABC, a partir da dcada de 990, no podia ser uma deciso
restrita ao empres-rio e alegavam a necessidade do sindicato e do
poder pblico influir antes (de modo preventivo) e depois (de modo a
reduzir os impactos negativos) da deciso do fechamento, assim como
cobrar compromissos das empresas com a regio.
Um exemplo dessa formulao aparece em artigo publicado na
imprensa, pelo ento presidente do sindicato dos metalrgicos, Luiz
Marinho (200),
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15 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
que resumiu a forma como os trabalhadores e o sindicato dos
metalrgicos encaravam uma deciso de fechamento de fbrica ocorrida
na ocasio:
Alm dos aspectos estritamente financeiros [perda de salrios,
impostos, demanda para os fornecedores locais], uma fbrica tambm o
smbolo de um acmulo tecno-lgico, de um saber fazer a respeito da
produo de um determinado produto. Em cada funcionrio, em cada
departamento, em cada norma escrita esto incorporados, em
realidade, vrios anos de conhecimentos que no se reproduzem com o
mero deslocamento da fbrica para outra localidade. E vai se esvair
tambm um know how acumulado pelos fornecedores [...]. Uma srie de
empresas acaba sendo afetada. Portanto, quando uma empresa do porte
da [...] decide pela desativao de uma fbrica, ela no est tomando
uma deciso que diz respeito unicamente aos interesses privados da
companhia. toda uma comunidade pblica e privada que est envolvida
[...]. Se a empresa tem o direito de estabelecer a estratgia de
produo e mercado que considere a mais adequada para si, a sociedade
tem o direito tambm de preser-var o que de fato seu patrimnio: as
relaes sociais, econmicas e tecnolgicas que giram em torno de uma
[...] fbrica.
A reao regional e a criao de novas instncias institucionaisA
regio do ABC foi a que sofreu mais com a reestruturao industrial.
No entanto, este processo parece ter impulsionado os atores sociais
a constitu-rem, na regio e no Brasil, uma indita experincia de
gesto pblica, que foi a Cmara Regional do ABC. A construo e
realizao desta experin-cia beneficiou de outros fruns criados
anteriormente na prpria regio, como por exemplo o Consrcio
Intermunicipal do ABC, que surgiu em 990, reunindo sete
prefeituras, com o objetivo de discutir, planejar e agir de modo
integrado nos temas de interesse comum, em especial no que tange
infraestrutura, desenvolvimento econmico e meio-ambiente (Daniel,
200a; Abrucio & Soares, 200; e Reis, 2005).2
A criao do Consrcio est tambm relacionada com o esforo dos novos
prefeitos eleitos em 988, preocupados em dar novas respostas a
antigos problemas da regio. Naquelas eleies, o Partido dos
Trabalhadores (PT) cujas origens esto ligadas prpria ao operria no
ABC e que desde o incio lutou por mudanas na forma de funcionamento
do Estado e de suas instituies elegeria trs dos sete prefeitos.
Desse grupo veio tambm a principal liderana do Consrcio, o prefeito
de Santo Andr, Celso Daniel, defensor declarado dos novos formatos
de gesto pblica baseados na
2 Sobre a experincia do Consrcio do Grande ABC, consultar tambm
http://www.consorcioabc.org.br.
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Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 15
cooperao para a elaborao de polticas integradas de
desenvolvimento local (cf. Daniel, 995, 996, 200a, 200b; Daniel
& Somekh, 999).
Outro movimento importante e antecessor da Cmara Regional foi o
Frum da Cidadania do Grande ABC, criado em 994, por iniciativa de
setores da sociedade civil regional. Nesse primeiro momento, o Frum
da Cidadania esteve bastante associado ao movimento vote no Grande
ABC (cf. Petrolli, 2000 e Horta, 2003), cujo objetivo era
incentivar a populao a votar em candidatos da regio e ampliar sua
representao poltica nas eleies legislativas estaduais e federais
realizadas no ano de 994.3 Aps as eleies, as entidades
participantes desse movimento, apoiadas por outras entidades da
sociedade civil, decidiram por sua institucionalizao. O Frum chegou
a congregar cerca de 80 entidades da sociedade civil, dos mais
diversos segmentos (associaes empresariais da indstria e do
comrcio, sindicatos de trabalhadores, representaes da mdia local,
organizaes no-governamentais, etc.), articulados em grupos temticos
com o intuito de produzir subsdios para resolver os problemas
regionais. O Frum representou um avano no dilogo e na busca de
consensos entre os atores sociais, mas no se constituiu em um espao
de negociao, o que o enfra-queceria como instrumento de resoluo de
problemas urgentes exigido pela crise regional.
O espao da negociao viria a ser estruturado com a criao da Cmara
Regional em 997, que se diferenciou do Consrcio Intermunicipal e do
Frum da Cidadania, porque buscava integrar os atores pblicos e da
sociedade civil em uma mesma mesa de discusses (cf. Daniel &
Somekh, 999 e 200; Gomes, 999; Leite, 999; Guimares et al., 200;
Boniface, 200; Klink, 2000 e 200; Albuquerque, 200; Camargo, 2003;
Bresciani, 2004). Os componentes da Cmara Regional do ABC, na
segunda metade da dcada de 990, foram: o Governo do Estado de So
Paulo, o Con-srcio Intermunicipal (sete Prefeituras), os
Legislativos Municipais, os Parlamentares do ABC na Assemblia
Legislativa e no Congresso Nacio-nal, o Frum da Cidadania, as
Associaes Empresariais e os Sindicatos de Trabalhadores.
Uma das mais importantes realizaes da Cmara Regional foi a
criao, em 998, da Agncia de Desenvolvimento Econmico do Grande ABC.
A Agncia uma instituio no governamental, sem fins lucrativos, cuja
principal misso dar suporte institucional aos acordos debatidos
dentro
3 Nas eleies de 994, a Regio do ABC elegeu 5 deputados federais
e 8 deputados estaduais, o que foi a maior representao parlamentar
observada em sua histria.
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15 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
da Cmara Regional.4 A composio do capital da Agncia expressa sua
natureza mista, no estatal: 5% das cotas relativas aos custos da
instituio referem-se sociedade civil e 49%, aos municpios, atravs
do Consrcio Intermunicipal do ABC.
Os pontos positivos: [...] todo esse processo [...] representa
um embrio de um modelo de governana participativa, governana
regional, inclusive participativa, um processo que bota os
conflitos na mesa. Os conflitos que a partir de um processo
participativo se vo negociando para criar pequenas vitrias,
pequenos consensos em torno de projetos concretos. Acho que esse o
grande avano do modelo do ABC paulista. O de tentar avanar de
maneira flexvel, desburocratizado em torno das grandes prioridades
da reestruturao socioeconmica. Isso o avano. (Ex-secre-trio de
Desenvolvimento e Ao Regional da Prefeitura de Santo Andr, no ABC,
So Paulo, 2005)
Essa iniciativa teve resultados positivos e, nos anos 2000, a
regio do ABC viu surgir novos arranjos produtivos locais, como so
os casos dos Plos de Plstico e de Cosmticos.5 Verificou-se tambm a
retomada dos nveis de produo e da atividade econmica em geral em
setores tradicio-nais como o metalrgico e o qumico. Houve reduo do
fechamento de fbricas e da transferncia de produo para outras
localidades. Os inves-timentos anunciados na totalidade dos setores
alcanaram cerca de US$ 3,9 bilhes, entre 200 e 2004 (estimativas da
Prefeitura de Santo Andr). A participao da Indstria no valor
adicionado da Regio evoluiu de 53,7% para 6,9% em 2003
(IBGE/SEADE).6 A participao do ABC no total da
4 A Agncia tem como scios o Consrcio Intermunicipal (que envolve
as sete Prefeituras); as quatro diretorias regionais do Centro de
Indstrias do Estado de So Paulo (CIESP); as Associaes Comerciais e
Industriais dos sete Municpios; os Sindicatos de Trabalhadores
(Sindicato dos Metalrgicos do ABC, Sindicato dos Qumicos do ABC,
Sindicato das Costureiras, Sindicato da Construo Civil); o Servio
de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), as empresas do plo
petroqumico regional (Petroqumica Unio, Solvay, Cabot, Polietilenos
Unio, Polibrasil, Crevron, Oxicap e Petrobrs) e as universidades
(IMES, UNI-A, Fundao Santo Andr, UNIBAN, UNIABC, Metodista, FOCO).5
Para Pires e Verdi (2007: 4-5), a anlise da governana territorial
local, dinamizada pelos agentes organizados em instituies e
empresas, mostra uma configurao territorial mais complexa, dada
pelo aumento dos recursos imateriais e pela velocidade das
informaes e das inovaes. Segundo estes autores, na perspectiva do
desenvolvimento territorial, as localidades e regies tornam-se,
cada vez mais, as fontes especficas de vantagens competitivas e de
solidariedade na globalizao e, por esta razo, o desenvolvimento
territorial no universalizvel nem transfe-rvel. Ele um mtodo de ao
para os agentes e as comunidades em um quadro normativo de resposta
ao desenvolvimento por cima, que valoriza a intimidade das relaes
que partilham os mecanismos econmicos com a sociedade e a cultura
locais.6 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica;
SEADE, Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (Secretaria de
Economia e Planejamento do Estado de So Paulo).
-
Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 15
arrecadao de Impostos Sobre Circulao de Mercadorias e Prestao de
Servios no Estado de So Paulo voltou a elevar-se a partir de 200
(Secre-taria da Fazenda do Estado de So Paulo). O emprego formal
subiu em cerca de 35%, entre 999 e 2005, e em 6%, no caso especfico
do setor industrial (RAIS-CAGED).7 A taxa de desemprego caiu do
patamar de 2% em 999 para 6% em 2005 (PED/SEADE/DIEESE).8
A viabilidade de todo esse processo de renovao institucional,
que se constituiu em uma mobilizao coletiva para reverter o quadro
de crise econmica que atingia o distrito industrial e a regio do
ABC, se deveu em grande parte participao decisiva dos sindicatos,
em particular do sindicato dos metalrgicos. Desde a experincia da
Cmara Setorial da Indstria Automobilstica, em 992, o sindicato dos
metalrgicos passou a desempenhar um papel importante de formulador,
negociador, coorde-nador, enfim, indutor de polticas pblicas,
voltadas para o desenvolvi-mento regional.
Algumas aes associam diretamente o sindicato dos metalrgicos do
ABC com a elaborao de polticas industriais e regionais que
almejavam o crescimento industrial, a gerao de emprego, a
distribuio da renda e a melhoria das condies de vida e de trabalho.
Um dos marcos da ao sin-dical em relao ao tema da regio foi a
publicao, em novembro de 995, do documento Rumos do ABC: a economia
do ABC na viso dos metalr-gicos, elaborado pela subseo do DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatsticas e Estudos
Scio-econmicos) do sindicato. O documento faz um diagnstico de
obstculos enfrentados pela economia local e sugere diretrizes para
uma poltica de desenvolvimento da regio.
Na verdade, o sindicalismo do ABC (seja metalrgico, qumico ou
bancrio) j representava uma vanguarda ao incluir nas suas
preocupaes as questes sociais que se mostravam mais candentes com a
crise econ-mica regional. Esse tipo de participao ganhou inclusive
o nome de sindicato cidado, e se transformou em referncia no debate
poltico da principal central sindical do pas a CUT (Central nica
dos Traba-lhadores) (cf. Vras, 2002; Jcome Rodrigues, 997 e 2006;
entre outros).9
7 RAIS, Relao Anual de Informaes Sociais; CAGED, Cadastro Geral
de Empregados e Desem-pregados, ambos pertencentes ao Ministrio do
Trabalho e Emprego. 8 PED, Pesquisa de Emprego e Desemprego; SEADE,
Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados (Secretaria de Economia
e Planejamento do Estado de So Paulo); DIEESE, Departamento
Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos.9 De acordo
com Vras (2002: 3), nos anos 990, diante das propostas de
flexibilizao das relaes de trabalho e do ataque aos direitos
sociais dos trabalhadores, o sindicalismo CUT, conhecido pela
combatividade dos anos 980, obrigado a assumir uma posio defensiva.
Por outro lado, o sindicalismo CUT, embora mantivesse em seu
discurso o referencial da
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10 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
A novidade desse processo est na incluso da economia e da regio
como temas importantes da pauta sindical e na ampliao e
responsabilidade dos sindicatos sobre os destinos das localidades e
seus moradores.
O sindicato ao se preocupar com outras questes referentes aos
trabalhadores na sociedade [...] enfatizava mais as questes
sociais, enfim questo da educao, anal-fabetismo, transporte, da
educao, segurana, habitao, etc. S o ABC, a partir dos meados dos
anos 990, passa a discutir tambm a questo da economia. [...] Uma
coisa voc estar preocupado com a [...] pauta do sindicato cidado,
com a questo social [...], mas dos anos 990 em diante [...], os
sindicatos passam atuar na esfera da economia, quer dizer, discutir
[...] como que voc vai fazer investimento ou para onde vai o
investimento. (Diretor do Sindicato dos Qumicos do ABC 2005)
O desenvolvimento econmico passou a ser o principal tema desses
novos espaos pblicos de cooperao. Nesse sentido, as polticas de
fortaleci-mento das cadeias produtivas na regio do ABC encontram-se
no centro deste debate, e nesse ponto que aparecem algumas das
principais dificul-dades, em geral ligadas a pouca participao das
montadoras do setor automobilstico. Estas empresas, na verdade, no
tm aceitado as novas propostas regionais que exigem maior
compromisso com as localidades onde esto instaladas e parecem
preferir reproduzir aspectos do modelo de produo fordista,
caracterizados por um baixo grau de integrao social entre as
grandes empresas multinacionais e o conjunto de atores e
institui-es locais, e pelo fato do centro de decises destas
empresas estar localizado fora da regio e do pas. Isto no tem
impedido, no entanto, que se insista no envolvimento dessas
empresas nos esforos de cooperao, tendo em vista seu papel de
liderana nas cadeias de produo que compem o par-que industrial da
regio. Um apoio institucional Cmara Regional por parte dos governos
federal e estadual tem sido visto como um dos caminhos para induzir
estas empresas a participarem deste processo de discusso visando a
elaborao e execuo de polticas pblicas locais.
Embora a conjuntura de crise tenha se dissipado um pouco nos
anos 2000 com o crescimento da atividade do setor metalrgico,
especialmente da produo do complexo automobilstico, a reduo do
fechamento de fbri-
participao das bases, ou o referencial socialista, comea a
conformar um novo arranjo e ganha importncia a idia de cidadania,
de tal maneira que deu margem ao surgimento de denominaes como
sindicato cidado e CUT cidad. A idia de cidadania passou a ser
asso-ciada a situaes diversas que foram desde tornar prioridade a
defesa do emprego, dos direitos sociais e da prpria democracia,
como tambm diversificar a participao sindical em espaos
institucionais e at execuo de polticas pblicas, sobretudo do campo
social.
-
Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 11
cas e da transferncia de atividades para outras reas do pas, a
deciso do Governo Federal em modernizar e ampliar o Plo Petroqumico
da regio , as presses pelo aumento da competitividade do parque
industrial da regio do ABC continuam fortes, exigindo mudanas na
organizao da produ-o e do trabalho, impondo dificuldades e desafios
para os atores locais.
ConclusoA experincia da regio do ABC traz questes para um debate
sobre situa-es de crise de distritos industriais tradicionais,
formados a partir da orga-nizao fordista e confrontados com as
mudanas trazidas pela reestrutu-rao e flexibilizao do processo
produtivo. O fato do nosso exemplo ocorrer em um pas tardiamente
industrializado agrega novos elementos s possveis explicaes sobre
esse processo e o envolvimento dos principais atores sociais. A
crise de 2008, que novamente atinge a regio, vem mar-cada pela
recesso e o desemprego em um contexto produtivo j flexibili-zado.
No entanto, as prticas de articulao poltica experimentadas nos anos
990 retomam o cenrio poltico, se refazem, em funo das necessi-dades
colocadas para todos os atores instalados naquele territrio.
Para finalizar, gostaramos de resumidamente apontar algumas
consta-taes e problemas para futuras investigaes:
) Um primeiro aspecto, que pode ser ressaltado no caso de
anlises de situaes semelhantes, refere-se s diferenas entre
empresas quando est em jogo a participao em novas iniciativas de
cooperao econmica regio-nal. No caso do ABC, este processo variou
significativamente e demonstrou um fosso entre os interesses de
empresas multinacionais e o interesse das pequenas e mdias
empresas, que tm menos mobilidade e dependem dos arranjos
produtivos locais para o sucesso dos seus negcios. No caso do setor
metalrgico do ABC, as iniciativas institucionais voltadas para a
coope-rao econmica e construo de polticas de desenvolvimento local
tiveram muito pouco apoio por parte das empresas multinacionais. A
mobilizao poltica pela revitalizao industrial do ABC colocou em
xeque as diretrizes de planejamento estabelecidas em sedes de
empresas localizadas fora do Brasil, habitualmente no envolvidas em
negociaes e planos desenvolvidos a partir do espao regional ou
local. O receio era o de que a participao nas negociaes regionais
poderia colocar em risco a poltica de vantagens fiscais
implementadas pelas empresas em meados dos anos 990, que resul-tou
em reduo de custos atravs dos baixos salrios e em grandes
conces-ses por parte das administraes locais com poucas
contrapartidas por parte das montadoras. Por outro lado, houve um
engajamento efetivo das pequenas e mdias empresas no novo processo
institucional.
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12 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
2) A participao sindical parece ser essencial para o avano de
qualquer experincia de inovao institucional que envolva os atores
sociais de dis-tritos industriais em crise. Mas est condicionada
capacidade de atuao poltica acumulada ao longo da histria de lutas
sindicais. Percebe-se, ao menos no caso estudado, que o dilogo
nesse nvel no anulou as diferenas de classe que continuam presentes
nos universos fabris e que se referem a questes relativas s questes
salariais e s condies de trabalho. Mas a crise econmica e social
das localidades empurra a discusso para um pata-mar que privilegia
questes mais gerais ligadas ao desenvolvimento regional. A ao
sindical nesse nvel de participao institucional tem uma forte
associao com a capacidade de atuao poltica acumulada ao longo da
histria de lutas sindicais. So esses sindicatos que conseguem mal
ou bem enfrentar os efeitos deletrios do processo de reestruturao
produtiva e da flexibilizao do trabalho. A reconstituio das aes do
sindicato dos metalrgicos do ABC demonstrou um comportamento que,
malgrado o severo corte de empregos e a ameaa de perda de
conquistas trabalhistas, no recuou na sua atuao e militncia. O
sindicato buscou, a partir de uma ao de carter propositivo,
negociar com as empresas e minorar os efeitos do processo de
reestruturao sobre os trabalhadores; procurou intervir nos rumos da
poltica industrial nacional que regula o desempenho da indstria;
participou dos novos espaos pblicos de discusso sobre os destinos
regionais; promoveu o cooperativismo como uma resposta faln-cia da
empresa e preservao da renda, do emprego e do know how por parte
dos trabalhadores da regio.
3) A reao dos sindicatos do ABC crise econmica de 2008
demons-tra a capacidade acumulada de atuao poltica e institucional
construda ao longo dos anos 990 e 2000. Um dos principais exemplos
desse processo foi a realizao, em Maro de 2009, em So Bernardo do
Campo, do semi-nrio ABC do dilogo e do desenvolvimento. Idealizado
e articulado pelo sindicato dos metalrgicos do ABC, com o apoio dos
principais seto-res polticos, econmicos e sociais da regio, este
evento contou com a presena e a participao dos sete prefeitos do
Grande ABC, dos repre-sentantes das associaes empresariais e dos
trabalhadores, e discutiu temas variados como a questo do crdito,
do emprego e desemprego, das poten-cialidades da regio, das relaes
de trabalho e trabalho decente e da questo tributria e fiscal. O
resultado foi a Carta do ABC (25 de Agosto de 2009), endereada ao
Presidente da Repblica, com propostas e suges-tes concretas para
atenuar e criar alternativas aos problemas da recesso econmica. O
mais importante, no entanto, foi a confirmao desse novo tipo de
militncia sindical, que passou a considerar de forma efetiva a
-
Reestruturao industrial, sindicato e territrio | 13
participao poltica nessas instncias institucionais como tarefa
poltica de primeira ordem.
4) A relao do distrito industrial com o padro produtivo flexvel
e com a estruturao das empresas em rede coloca novos desafios para
os agentes do empresariado regional e local, que precisam se
engajar em outros processos voltados para as novas exigncias da
cadeia produtiva, o que reala a necessidade de um plano regional
por cadeia produtiva para potencializar vantagens competitivas e
valorizar os acmulos de conhecimento e prticas que sejam prprias da
regio. No caso do ABC, foi estimulada a constituio de um modelo
exportador e utilizados argu-mentos que foram desde a proximidade
da regio com o porto de Santos at qualidade da mo-de-obra e do
produto, aspectos considerados como fortes do parque industrial do
ABC.
5) A ao do Estado e dos rgos da administrao pblica ganham outra
dimenso nos momentos de crise econmica e social regional e passam a
ser fundamentais no processo de coordenao dessas novas experincias
institucionais pelo seu poder de arregimentao e de aplicao de
polticas pblicas. No caso do ABC, os agentes do setor pblico
evoluram no sentido de estabelecer na regio polticas visando o
desenvolvimento e a internali-zao de servios industriais avanados
no ABC, tais como a logstica, o processamento de dados, a
engenharia de produtos, o marketing, entre outros. O balano dessa
experincia demonstra o avano em algumas pau-tas e diretrizes
voltadas para o aprofundamento de polticas de revitalizao local que
tiveram participao importante dos rgos pblicos. Cresceu o discurso
sobre a necessidade de integrar de forma coordenada, as demandas da
indstria do ABC com os programas, pesquisas e aes das escolas
tcni-cas, universidades e centros de Pesquisa & Desenvolvimento
na regio. E as polticas de incentivo s inovaes de produtos e
processos na regio passaram ser vistas como promotoras de ganhos de
competitividade, fun-damentais preservao do parque industrial local
e manuteno das conquistas trabalhistas.
6) As solues de cooperao em nvel institucional dependem de
atores sociais fortes politicamente. A experincia institucional do
ABC indica que as alternativas criadas at o momento para a crise da
indstria no parecem residir em um suposto rearranjo automtico
propiciado pelo funcionamento do mercado. A trajetria histrica e o
acmulo de experincias desta regio parecem combinar mais com a
articulao consciente dos atores sociais, sem desconsiderar suas
divergncias de diagnsticos sobre os temas em questo e sem desprezar
os conflitos de classe inerentes. O fato de a regio ter tido
protagonismo na histria sindical do pas e ter sido o bero
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14 | J. R. Ramalho, I. J. Rodrigues e J. J. Conceio
do principal partido poltico oriundo do sindicalismo e o caso da
Cmara Regional e da Agncia de Desenvolvimento Regional agora
inovado em termos de acordos no campo das relaes de trabalho e das
experincias na gesto pblica demonstra que as localidades que compem
esse distrito industrial podem ser objeto de pesquisa sobre novas
prticas democrticas de discusso de polticas de desenvolvimento
econmico local e regional.
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