Redescobeda mente na educao: a expanso do aprender e a conquista
do conhecimento complexo
Artigo publicado em 2009.Educao & Sociedade.verso impressa
ISSN 0101-7330Educ. Soc. vol.30 no.106 Campinas jan./abr.
2009http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302009000100008
Redescoberta da mente na educao: a expanso do aprender e a
conquista do conhecimento complexo*
The rediscovery of the mind in education: the expansion of
learning and the conquest of complex knowledge
Gilson Lima.Doutor em Sociologia e professor e pesquisador em
processos de inovao em Reabilitao e Incluso. (Porto Alegre, RS).
E-mail: [email protected]
Somos complexos e inteligentes porque esquecemos, umcomputador
uma poderosa mquina cognitiva, masmuito menos complexa entre outras
questes, porque noesquece "nunca", porque apenas computa informaes
eporque no tem um complexo sistema nervoso para umaaprendizagem,
que efetivamente transforme seus processosem mudanas e, portanto,
conquiste a aprendizagem emconhecimento. (Gilson Lima)
RESUMO
Neste artigo tratamos de alguns apontamentos colhidos durante
uma pesquisa vinculada Sociologia das Cincias, mais especificamente
das Cincias da Mente. Primeiro realizaremos uma introduo ao tema da
redescoberta da mente. A seguir, destacaremos as diferentes
modalidades sistemticas das prticas educativas e das diversificaes
de seus estados de mentitude. Ento discorreremos uma considerao
sobre um os resultados da pesquisa que constatou a importncia do
marcador somtico para a memria de longa durao. Por fim,
apresentamos uma rpida concluso.
Palavras-chave: Cincias da mente e educao. Neurocincia e educao.
Sociologia da educao. Sociologia das cincias.
ABSTRACT
This paper focuses on some notes picked during a research linked
to the Sociology of the Sciences and more specifically to the
Sciences of the Mind. After introducing to the theme of the
rediscovery of the mind, it stresses the different systematic
modalities of the educational practices and the diversifications of
their "minditude" states. It then considers one research result
that verified the importance of the somatic marker for long term
memory and presents a brief conclusion.
Key words: Sciences of the mind and education. Neuroscience and
education. Sociology of education. Sociology of sciences.
Por que a mente na educao?
Este artigo produto de uma pesquisa na rea da Sociologia das
Cincias, mais especificamente das cincias da mente, escrito para
professores, educadores, cientistas e pesquisadores envolvidos com
seus bolsistas ou para todos que, de um modo geral, lidam
diretamente com a mente e os estados simbiticos de mentitude(Nota
01)no processo de aprendizagem.
As descobertas realizadas sobre a mente humana, nas ltimas trs
dcadas, incluem o mapeamento de ressonncia enceflica, que
estabeleceu novos substratos para o conhecimento da mente, bem como
de suas modificaes embrionrias e duradouras nos processos de
aprendizagem.
Desde muito, os seres humanos se perguntam sobre os mistrios da
mente e das possibilidades de conhecimento do conhecimento. H uma
longa trajetria do pensamento ocidental de Plato, Hegel e
Descartes, em que a razo entendida como "a faculdade essencialmente
humana", at cticos que afirmaram sobre a impossibilidade de
produzirmos e criarmos conhecimento. Pensadores como John Locke e
Emanuel Kant tambm indagaram sobre a razo e seus limites. A
filosofia h muito se pergunta se o conhecimento produzido a partir
das condies a priori existentes no sujeito cognitivo-racional, que
vai indagar o objeto, para nome-lo, classific-lo, enfim, para
conhec-lo, adaptando-o s suas condies inatas. No empirismo, ao
contrrio, afirma-se, de diferentes modos, que o objeto produz no
sujeito o conhecimento a partir das exigncias que ele estabelece no
seu meio. Nesse sentido, no h condies a priori para que haja
conhecimento, mas, sim, que a razo for-ma-se pelo conjunto do
sujeito com a realidade. A partir da ideia de que pensar era o
mesmo que imaginar e que imaginar no a mesma coisa que realidade,
uma das perguntas mais intrigantes que os antigos se faziam : onde
se encontrava a sede ou o lugar responsvel pela complexidade do
pensar e quais sero as implicaes desta sede para a conquista do
conhecimento e a produo de idias e de imaginao?
Para alguns dos antigos pensadores gregos, que so praticamente
os inventores das prticas sistemticas educacionais, o crebro, tal
como hoje o conhecemos, localizava-se no fgado. No foi por acaso
que no conhecido mito de Prometeu este teve seu castigo vinculado a
dilacerao de seu fgado por uma guia.(Nota 2).
Depois, tivemos Plato, um dos grandes filsofos do Ocidente, que
formulou mais uma anatomia espiritual, encontrada nos gregos
antigos, que o que entendemos hoje por mente: o apx. Porm, alguns
anos mais tarde, Aristteles identificou que a ideia da existncia de
um crebro no combinava com a concepo que os gregos possuam. Sculos
mais tarde, digno de nota na histria da mente, o filsofo e pensador
Ren Descartes, principal defensor da compreenso dualista do crebro
e da mente, juntando filosofia especulativa terica com
experimentao, abria crebros de bezerros na Holanda, tentando
acomodar a alma dentro da glndula pineal.
Foi assim durante um longo perodo da histria, em que filsofos e
cientistas teceram longos debates sobre a existncia ou no de um rgo
responsvel pela "alma" (o pensamento) e qual seria esse "rgo". Os
antigos, depois do fgado, apostavam no corao, um rgo "quente",
consistente e pulstil que fica bem no meio do corpo. Aos poucos, o
crebro e o encfalo foram se firmando como a sede bsica responsvel
pela imaginao, pelo pensamento e por uma imensa gama de processos,
tanto de controle como de mobilizao de todo o organismo, apesar de
ser "frio", gelatinoso e praticamente imvel (Zimmer, 2004).
Ser que a aprendizagem do conhecimento complexo deve
restringir-se ao tratamento cognitivista das informaes e dos
contedos?
Encontramos, nos dicionrios, que "cognio" sinnimo de
conhecimento. Ser?Entendo por cognio apenas um dos processos
mentais da complexidade do aprender e do
conhecer.Trata-se,especificamente, do processo e tratamento
informacional que envolve basicamente raciocnios complexos. Entre
razo e emoo, temos um imenso caldo de possibilidades de
entendimento e de redues sobre as possibilidades de conhecimento do
conhecimento, mas entre conhecimento e cognio, essas possibilidades
se reduzem ainda mais.
Certamente que todo o planejamento de processos de aprendizagens
simuladas, realizado por um educador, tem por objetivo sua efetiva
execuo. A relao entre os planos de ensino e a execuo dos mesmos no
tem sido muito considerada. Mapeamos e destacamos alguns dos itens
mais significativos encontrados no planejamento dos educadores para
realizarem suas prticas educacionais de ensino, de instruo, de
informao e de conhecimento do conhecimento, a saber:
1. De apresentador de dinmicas informacionais e de contedos,
para a memria de longo prazo;2. De execuo procedimental, para a
realizao das atividades de aprendizagens visando construo de
conhecimento;3. De avaliador de desempenho, ou seja, de evocao de
memria de longo prazo;4. De motivador.
De todos os quatro itens mapeados, o que recebe menos importncia
nos planejamentos das prticas formativas dos educadores o do seu
papel de motivador. Pesquisas neurocientficas descobriram, h mais
de duas dcadas, que, no nvel molecular, sem emoo no existe uma
aprendizagem complexa, sobretudo de longo prazo.(Nota 3).Isso
implica, sobretudo, mudana qualitativa na importncia da motivao,
dos estmulos ambientais e da cintica corporal, tanto dos estudantes
como dos educadores, para a construo e conquista do conhecimento
complexo na aprendizagem (Morin, 1987).
Alguns educadores, j h algum tempo, tm indicado e discutido
sobre a significao das emoes na aprendizagem (Restrepo, 1998; De
Masi, 1997). Tambm foi muito importante como um marco histrico para
este debate entre os educadores o livro de Humberto Maturana
(1999), intitulado Emoes e linguagem na educao e na poltica.
O processo de conhecimento do conhecimento tem na mente sua mais
significativa sede de relaes e teias para sua efetivao.
interessante que microprocessos moleculares gerem: ateno, memria,
cognio, emoo, transportes qumicos envolvendo dinmicas moleculares e
celulares (Brizendine, 2006) (Nota 4)e tambm mobilizem
micromovimentos corpreos provenientes das descargas
bioeletroqumicas nas conexes realizadas nos processos
informacionais e comunicacionais. Esses microrritnos corporais so
expresses de microprocessos celulares que se manifestam e tambm
podem ser devidamente detectados no macroplano da realidade como
microcomportamentos ou mais precisamente como microrhythms
communicatives (Condon, 1982, p. 53-76).(Nota 5).
Hoje, j sabemos que numa comunicao oral, por exemplo, ocorrem
trocas de linguagem, no apenas entre o que se diz e o que se
escuta, mas em microlinguagens corporal, qumica e emocional
interpostas em mltiplas camadas simultneas, num vaivm de
incessantes microrritimos. Os estudantes escutam, o professor
tambm. Interrompem, gesticulam. Motivam-se e se desmotivam.
Interessam-se e se desinteressam. Produzem e reproduzem graus
variados de participaes, atuaes, passividades e apatia, capturados
pela sensibilidade que d uma imensa importncia aos detalhes
considerados "insignificantes" de uma intensa sincronia
interacional (Gladwell, 2002, p. 79-83).
Nossas recentes pesquisas, aplicadas atravs de dirios de campo
sobre diferentes prticas de aulas tericas no ensino superior,
revelaram que, alm dos microrritmos corporais, no so apenas os
microgestos que se padronizam, mas o ritmo da conversa tambm tende
a se harmonizar. Quando surgem interaes entre educadores e
estudantes provocadas por uma exposio terica, at mesmo o volume e o
tom das conversas se equilibram. O que chamamos geralmente de
freqncia da fala - nmero de sons da fala por segundo - se
equaliza.(Nota 6).Trata-se de inmeros processamentos ativos na
aprendizagem, que tambm metacognitiva. Isto muito importante para a
consolidao da aprendizagem, para uma expanso do conhecimento, ou
seja, necessria a criao de mltiplas e diferentes relaes para que os
estudantes experimentem e realizem conexes adicionais. O crebro
tambm aprende muito diante de um estado de mentidude, de concentrao
apropriada, mas aprende tambm, e muito, com o que ocorre na
periferia dessa metaconcentrao.
isso que, ao criticarmos o cognitivismo informacional reinante
na aprendizagem escolar, advogamos em prol de uma complexa
aprendizagem, visando expanso do conhecimento metacognitivo. No
queremos anular a importncia da cognio informacional, apenas
interrelacion-la de modo complexo a uma aprendizagem de inteligncia
mltipla. Queremos ir alm da cognio de uma metacognio, incluindo a
reflexo e a anlise relacional de temas interpessoais e aprendizagem
emocional envolvida em motivaes e estmulos afetivos, bem como na
realizao de movimentos mais flexveis do corpo, potencializando mais
ainda a inteligncia cintica.
Trs modalidades de aprendizagem escolar e a diversificao de
estados de mentitude
Consideremos trs grandes modalidades existentes na aprendizagem
e o modo como elas influenciam (disparam ou reprimem) as
potencialidades nos diferentes estados de mentitude: modalidades de
aulas tericas, de aulas experimentais e de aulas
demonstrativas.
Modalidade de aulas tericas tradicionais
Salas de aulas tradicionais que, geralmente, envolvem
procedimentos de exposies orais, dialogadas, recursos visuais e
audiovisuais, tais como ilustraes, para a reflexividade terica
almejada.
O que um professor ministra numa aula terica costumeira,
tradicional, , sobretudo, uma comunicao que interage numa espcie de
super reflexos, envolvendo habilidades fisiolgicas fundamentais,
das quais mal temos conscincia e que algumas pessoas dominam melhor
do que outras. Foulcault, nas dcadas de 1980 e 1990, chamou a ateno
dos educadores para a importncia do enclausuramento disciplinar e
das prticas educacionais como prticas de poder disciplinar
(Foulcault, 1979, 1987).
Parte do que significa ter uma personalidade forte ou
persuasiva, portanto, ser capaz de fazer os outros entrarem no seu
prprio ritmo e ditar os termos da interao. Podemos dizer que a
eficcia de uma aula terica pode ser medida pelo nvel de confiana em
uma freqncia detalhada que se expressa numa meticulosa dana
microrrtmica.
Ento, se somos professores, mesmo h dezenas de anos, podemos
ento tambm comear a nos considerar maestros de microrritmos
corporais, pois, quando ministramos uma aula, somos tambm danarinos
e, sejam quais forem os contedos de nossas aulas, estamos tambm
ministrando, de algum modo, uma sofisticada aula de dana.
Nos processos de ensino-aprendizagem, os estados de mentitude so
condicionados, potencializados e despotencializados de acordo com
mobilizaes de recursos humanos e fsicos, estmulos ou desestmulos
estticos utilizados para a realizao de diferentes prticas de
sistematizao do ato de aprender.
Na educao formal da sociedade industrial, as salas de aula so
montadas como se fossem um casulo, do tipo de uma armadura
medieval, visando a limitar e a moldar o corpo e a mente, a fim de
tornar-se uma modesta mquina cognitiva, para o mundo do trabalho
(Lima, 2007).
Modalidade de aulas experimentais
Com ambientes e recursos organizados para a possibilidade de
realizao de experimentos. Geralmente, so laboratrios e oficinas
para um aprendizado atravs de experimentaes.
Modalidade de aulas demonstrativas
Nesta modalidade, a experincia de aprendizagens dos estudantes
direcionada a meios e recursos capazes de demonstrar um ou mais
determinados conhecimentos. Podem envolver, tambm, recursos visuais
e audiovisuais como ilustrao do conhecimento em demonstrao.
Nossas pesquisas sobre a criatividade aplicada na aprendizagem,
em 2004, j revelaram a importncia da experimentao ainda pouco
valorizada nos padres educacionais brasileiros, sobretudo no mbito
do ensino bsico. Pesquisas recentes na Itlia descobriram que a
elevada produtividade criativa dos renascentistas estava vinculada
a um tratamento muito singular e significativo da aprendizagem
experimental: a bottega.
Bottega era uma espcie de oficina, uma habitao de um ou mais
cmodos, na qual um mestre ao mesmo tempo morava e trabalhava,
desenhando, esculpindo, pintando, modelando, fundindo suas obras
(De Masi & Frei Betto, 2002). Apenas a cidade de Florena
contava, na poca do Renascimento, com mais de cinqenta bottegas.
Michelangelo, Donatello, Leonardo e Botticelli, entre outros, foram
formados em algumas dessas bottegas, ou seja, oficinas, um tipo de
laboratrio de experimentaes.
Os mestres, em geral, separavam o aprendizado experimental em
ambientes de bottega do aprendizado terico em ambientes conhecido
como academias (salas de aulas tericas). O interessante que eles
migravam de um ambiente para outro com grande flexibilidade, diante
de desafios colocados pelas descobertas e pelo aprendizado
conquistado.
A grande novidade da metodologia pedaggica inventada na Itlia
renascentista, que produziu um nmero significativo de grandes
artistas, intelectuais e cientistas, foi operada pela sagaz
combinao entre a oficina (laboratrios especializados na modulao da
aplicao do conhecimento) e a academia (com lugares especializados
na aprendizagem reflexiva do conhecimento complexo).
O trabalho de Marian Diamond (1991) foi pioneiro, ao demonstrar
que ratos que estavam em ambientes mais ricos e tinham jaulas mais
arejadas, mais ateno, mais chances de brincar livremente ou de
pular sobre obstculos, apresentaram um maior crescimento de clulas
cerebrais. Quando os crebros desses ratos foram comparados com os
dos ratos que estavam em jaulas escuras, isolados e que no tiveram
oportunidade de brincar, os resultados apontaram modificaes
corticais para os ratos de ambiente rico, os quais tinham um nmero
maior de clulas enceflicas, conhecidas como gliais, apresentando,
tambm, um nmero maior de conexes celulares.
Durante dcadas, fisiologistas se concentravam nos neurnios como
os principais comunicadores do crebro, mas as pesquisas recentes
evidenciam cada vez mais que tambm as clulas gliais, muito mais
numerosas que os neurnios no crebro, desempenham um papel muito
mais importante do que se imaginava (Filds, 2004).
Os ambientes de aprendizagem precisam ser devidamente planejados
para possibilitar estmulos estticos capazes de minimizar as ameaas
e estimular a sensibilidade e o aconchego, permitindo organizar
novos desafios e conquistas do conhecimento aos alunos. Se possvel,
em grupos reduzidos, onde se verifica o aumento da participao, a
expanso da personalizao e da individuao(Nota 7)e da ao coletiva,
bem como, e conseqentemente, do rendimento de todos.
Tambm como educadores, devemos preparar as instrues
informacionais, mas, antes, precisamos nos preparar tambm para um
ambiente favorvel supresso das ameaas que interfiram negativamente
no grupo de aprendentes. necessrio que estabeleamos um clima que
favorea ao mximo os estados de mentitude microcerebrais, que
chamamos de alerta relaxado. Por exemplo, no avisarmos que vai
haver uma prova. No temos que fazer uma lista de verdades
objetivas, que sejam certas ou erradas. Os resultados das
atividades devem estar sempre em aberto e tudo o que delas resultar
tem valor. Porm, uma conquista do conhecimento , antes de tudo, uma
conquista de desafios. Assim, remover a ameaa no o suficiente;
temos que lanar os desafios.
Algumas consideraes sobre o marcador somtico na memria de longa
durao
O neurocientista Antnio Damsio demonstrou a importncia do estado
somtico (emocional) para a evocao das memrias, o que ele denominou
de hiptese somtica da aprendizagem (Damsio, 1996). Hoje, quase
nenhum neurocientista nega a hiptese somtica para a memria,
invertendo a mxima de Descartes, ou seja, para um conhecimento de
longo prazo, existir preciso sentir, tal como: "sinto, logo
existo".
No plano macrocomportamental, testamos essa hiptese somtica
perguntando sobre um evento de alta densidade emocional que
relacionado a uma lembrana para algum. Realizamos diversas
entrevistas (2007) e testamos a hiptese somtica com uma dezena de
professores e estudantes universitrios de diferentes gneros,
idades, cursos. Perguntamos se lembravam do momento em que
receberam a notcia sobre a queda das torres gmeas, fato que ocorreu
nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001. Verificamos que 100%
deles lembravam e que a quase totalidade dos entrevistados
lembravam, inclusive, o que estavam fazendo logo aps o momento em
que receberam essa informao.
Perguntamos, tambm, como que eles explicavam essa lembrana
depois de quase seis anos do acontecido. Em geral, responderam que
era porque foi algo muito "significativo", "impactante",
"espetacular", "chocante". Como traduzir significativo, impactante
e espetacular nesse contexto? simples: como algo de elevada
intensidade emocional. Suas mentes j detectaram, desde o incio, que
se tratava de uma informao de longo prazo. Trata-se de um
acontecimento de tal monta, de elevada carga de intensidade
emocional, que o interior de nossa mente tomado por processos
moleculares bioqumicos, que enviam mensagens para todos os recantos
do crebro, formando uma supermemria de longo prazo ou
superpotencializao de longa durao (LTP).
Assim como j foi demonstrado a nvel molecular em experimentos
laboratoriais por neurocientistas (Izquierdo, 2006), tambm pudemos
verificar, no mbito macrocomportamental da aprendizagem, que,
efetivamente, no existe aprendizagem molecular de memria sem
envolvimento de emoo, e quanto maior a intensidade da significao
emocional, maior ser o poder de evocao e da expanso do conhecimento
natural e da conquista do conhecimento de longo prazo.
Em mbito bem geral, os cientistas da mente apresentam diferentes
tipos de memria (de curta e de longa durao, operacional, subjetiva,
explcita e implcita, episdica e semntica, sensorial, motora,
visual-espacial, linguagem e verbal). Para nossos fins, vamos
sintetizar em dois os diferentes tipos de memrias: as declarativas
e as nodeclarativas. As memrias no-declarativas incluem uma grande
famlia de diferentes capacidades de lembranas e evocaes, que
compartilham uma caracterstica particular. So um tipo de memria que
envolve diferentes habilidades motoras e sensrias, hbitos e
aprendizados emocionais, assim como toda a forma de aprendizado
reflexo (no-reflexivo), tais como a habituao, sensibilizao e
condicionamento clssico e operante. As memrias no-declarativas
envolvem um tipo de conhecimento reflexivo, mas que no exige
reflexo, sobretudo, no processo de sua evocao.
Vejamos! Um dia, quando voc ou algum conhecido seu iniciou o
aprendizado de andar de bicicleta, voc teve que envolver uma grande
intensidade emocional, muita ateno e uma elevada dose de conscincia
no processamento de cada um dos microrritmos dessa aventura
cintica. No entanto, medida que andar de bicicleta tornou-se uma
prtica habituada, as tarefas para isso foram armazenadas na sua
mente ou na de seu conhecido como memria no-declarativa.
As memrias declarativas so diferentes das no-declarativas,
principalmente por envolver alguma imaginao simblica reconstrutiva
a ser declarada na evocao de sua lembrana (eventos, nomes,
conceitos...). Tentemos recordar um nome de um amigo, de uma
escola, de um conhecido. Trazer tona o rosto dessa pessoa, sua voz,
sua maneira de falar e suas lembranas conectadas a eventos
significativos, tudo isso envolve, de algum modo, na sua evocao,
alguma imaginao e uma efetiva reconstruo de cenas ou eventos que
ocorreram. Quanto mais longnquo for o tempo em que ocorreu a
lembrana, certamente, maior ser o grau de significncia e
intensidade emocional que depositamos nela.
Pensamos agora em trs os tipos de memrias declarativas: as
memrias de trabalho, que utilizamos para entender a realidade que
nos rodeia e que so tambm importantes para formar as outras memrias
declarativas; as memrias de curta durao ou de curto prazo, que
duram segundos, minutos, no mximo horas; e as memrias de longa
durao ou longo prazo, tambm chamadas de memria remota e que duram
dias, anos ou dcadas.
Nas escolas e, sobretudo, nas universidades, lidamos de modo
significativo com as memrias declarativas e, mais efetivamente, as
de longo prazo para a expanso do conhecimento. No entanto, fazemos
isso, infelizmente, sem muita clareza da importncia, por exemplo,
do contedo emocional para o processo de conquista da memria de
longo prazo para a efetiva expanso do conhecimento natural.
No entanto, parece que os sistemas escolares de aprendizagem
ainda no se deram conta da importncia de tratarmos as emoes na
experimentao do prprio aprender (Maturana, 1999). Ao entrar nas
salas de aula, nossos sistemas de ensino induzem os estudantes a
fecharem tambm os portais somticos, no apenas as portas do mundo
vivido, mas, tambm, ao exerccio da aprendizagem de suas prprias
emoes para a expanso do conhecimento. As emoes esto ento abrigadas,
separadas e at mesmo colonizadas pela razo. Como educadores, no
fomos sequer preparados em nossa formao para realizarmos uma educao
das emoes nas escolas. Tivemos que nos virar para lidarmos com
nossas emoes sempre que podamos, mas estvamos solitrios nessa
misso, ramos, e ainda somos, artesos entregues ao autodidatismo
emocional.
Quais so as implicaes da negao do processo somtico para prticas
escolares que visam expanso do conhecimento?
As cincias da mente j demonstraram que o aprendizado emocional
um pressuposto-chave para a obteno de uma efetiva memria de longo
prazo. O grave disso que, para a mente envolvida num evento
situacional de aprendizagem, uma memria de longo prazo j deve
nascer moldada para efetivamente ser considerada uma memria de
longo prazo, e uma memria de curto prazo j nasce tambm moldada a se
tornar uma mera "decoreba" morta, sem vida frente a uma almejada
expanso do saber e de conquista do conhecimento, num determinado
evento de aprendizagem.
vital, para a expanso do conhecimento natural, a interligao
entre a complexidade emocional e a racional. Educar para a emoo
importante, pois tambm a prpria emoo pode no ajudar e, muitas
vezes, no ajuda na conquista do conhecimento complexo.
O problema da no aprendizagem das emoes ligadas ao aprendizado
da expanso do conhecimento vem de uma limitao histrica. Certamente
que a conquista histrica da razo pelos humanos de uma faanha tal,
que chegamos a pensar que ela praticamente inata frente aos outros
seres. Muitos chegam a pensar que a razo no uma inveno histrica de
nossa evoluo, mas algo tido como inato, ou seja, os seres humanos
so racionais por filogenia. Por isso, criamos uma civilizao, uma
civilidade baseada na razo.
Nesse sentido, as emoes no so entendidas como significativas
para o processo de aprendizagem complexo. As emoes pertencem ao
universo da no-racionalidade, da barbrie no-racional, a qual temos
que enfrentar e, sobretudo, vencer, para nos civilizarmos; algo
assim como uma expresso evidentemente humana, mas um tipo de
expresso primitiva, quando no meramente negativa.
Emoo e razo so fundamentais para a expanso do conhecimento.
Encontramos, em dicionrios, conceitos de emoo como sendo um abalo
afetivo e, de razo, como raciocnio, julgamento. Lidamos com
conceitos reducionistas a todo momento, mas sabemos que razo e emoo
no so bem isso, mas no sabemos defini-las com preciso.
As emoes envolvem sempre trs aspectos: (1) sentimento, que pode
ser positivo ou negativo; (2) comportamentos motores,
caractersticos de cada emoo; e (3) ajustes fisiolgicos
correspondentes. As regies neurais envolvidas so, geralmente,
reunidas em um conjunto denominado sistema lmbico, que agrupa
regies corticais e subcorticais situadas, principalmente, mas no
exclusivamente, nos setores mais mediais do encfalo. Tomemos, como
exemplo, o medo. Inegavelmente, uma expresso emocional vinculada s
nossas entranhas, mas que fundamental para a sobrevivncia de nossa
espcie.
O medo uma experincia subjetiva, que surge quando algo nos ameaa
e provoca em ns comportamentos de fuga ou luta, ativando o sistema
nervoso autnomo, de modo a garantir o dispndio sbito de energia que
se segue para a sobrevivncia ameaada. So mecanismos entranhados,
quando somos ameaados ou sobrepujados, visando garantir a nossa
sobrevivncia ou da espcie.
As emoes positivas, porm, so pouco conhecidas at mesmo pelos
cientistas da mente e podemos defini-las, mas ainda no possvel
atribuir-lhes uma base neural segura. Uma abordagem reducionista da
emoo acabou por entender os aspectos apenas negativos da emoo, no
permitindo verificarmos, nas atitudes e prticas, o envolvimento
positivo da emoo para a expanso do conhecimento e a predominncia
marcante das emoes entre um estado de mentitude sobre o outro nos
processos de aprendizagem.
A razo e a emoo so aspectos genricos de um mesmo contnuo e
expressam as mais sofisticadas propriedades do crebro humano. Como
parte dessa continuao, podemos destacar, no extremo racional,
operaes como o pensamento lgico, o clculo mental e a resoluo de
problemas; na ponta emocional, o medo, a agressividade e o prazer.
No meio, uma infinidade de possibilidades: o comportamento
socialmente determinado (ajuste social), a apreciao e a criao
artstica, a tomada de decises, o planejamento de aes futuras. Um
contnuo infinito o que chamamos de estados simbiticos de
mentitude.
Palavras finais
importante considerarmos, no entanto, que a imerso para uma
efetiva aprendizagem, com vistas expanso do saber e conquista do
conhecimento, encontra-se significativamente envolvida em condies
consolidadas de um poder saber disciplinar do corpo e da mente
cognitiva para o mundo industrial do trabalho.
O processo de redescobrimos a mente na educao no se trata apenas
de uma mudana no paradigma da macroconcepo pedaggica da educao
industrial. Precisamos de novas prticas, novos estmulos estticos e
ambientais, novas dinmicas de modelaes criativas do aprendizado,
visando no a mera disciplinarizao do corpo e da cognio, mas a
efetiva expanso ampliada do saber cada vez mais envolvido numa
sociedade que acelera o acesso e a produo da informao e do
conhecimento. Dinmicas de um aprender a saber que valorize a prpria
experincia desse mesmo saber, um poder aprender. Estamos chamando
esse processo, provisoriamente, de pedagogia do acontecimento.
Certamente que isso implicaria vivermos um evento de
aprendizagem, no meramente como um fato, uma data, um contedo ou um
programa apenas planejado, mas como um acontecimento. Os fatos
comuns so ordenados no tempo, dispostos em seqncia como uma fila.
Ali, eles tm seus antecedentes e suas conseqncias, que se agrupam,
pisam nos calcanhares uns dos outros, sem parar, e sem qualquer
lacuna (Schultz, 1994).
A vida sempre nos chamou para que tomemos por inteiro os
acontecimentos. Para mergulharmos profundamente nos acontecimentos,
precisamos que desassosseguemos do sossego funcional dos fatos.
Porm, para tomarmos por inteiro os acontecimentos do mundo,
precisamos tambm viver, acontecer tambm no mundo. Os acontecimentos
envolvem, antes de qualquer coisa, mudanas na maneira de pensarmos
o mundo. Caso queiramos nos reunir para planejar um novo
acontecimento no mundo, antes de ele mesmo acontecer, no podemos
esquecer que deveramos, primeiro,desassossegarmo-nos de ns
mesmos.
A expresso "desassossego de si mesmo no mundo" foi pensada por
Fernando Pessoa e nos parece interessante aqui, pois "desassossegar
de si no mundo" implica uma perturbao (Pessoa, 2001). Mas no uma
perturbao qualquer e sim uma perturbao existencial, que inquieta
profundamente nossas certezas. Trata-se de um desassossego
profundo, ntimo, num milmetro, que termina quando sinto que no
esqueo o que sinto e que, pouco a pouco, vai impondo-se e me torna
cada vez mais apto ao novo e inesperada emoo do acontecer (Lima,
2005).
Concordamos com os neurocientistas, quando eles afirmam que
processos individuais e coletivos de aprendizagem envolvem tambm as
relaes e as associaes entre uma ou mais molculas e que os
mecanismos cerebrais da memria e da aprendizagem esto tambm
associados a microprocessos neurais responsveis pela ateno,
percepo, motivao, pensamento e outros processos neuropsicolgicos,
de forma que perturbaes em qualquer um deles tendem a afetar,
indiretamente, a aprendizagem e a memria.
Porm, asimbiose da aprendizagem muito complexa e vai desde o
nvel quntico molecular ao macrofsico corpreo e comportamental, em
nvel individual e coletivo.
Em educao, preciso que os estudantes tenham experincias ricas,
estmulos estticos e ambientais e, para isso, temos que lhes dar
tempo e oportunidades para compreenderem suas experincias e para
conquistarem os desafios e o conhecimento complexo. Eles precisam
ter oportunidade para refletir, para ver como as coisas se
relacionam. Uma das mais ricas fontes de aprendizagem provm de uma
pedagogia que acontece na experincia, uma pedagogia evolvida
intensamente no acontecimento do aprender a aprender, para
efetivamente expandir o saber, o conhecimento.
Assim, reduzirmos o processo de aprendizagem e do conhecimento
ao acesso, produo e evocao da informao e do tratamento da informao
meramente cognitiva , no mnimo, muito simplificador. Desde o final
do sculo XIX e de modo mais intenso com o surgimento da informtica
e das cincias cognitivas no sculo XX, a cognio foi geralmente
compreendida como o esprito ou a prpria materializao da inteligncia
ou do conhecimento (Andler, 1992; Ganascia, 1996). Ou seja,
reduzimos a expanso do saber e a conquista do conhecimento ao
processo mental que envolve o sistema de tratamento da
informao.
Praticamente, a cognio virou um objeto de sntese de muitas reas
do saber cientfico, que organiza numa estruturao hbrida de saberes,
que se convencionou chamar decincias cognitivas, ou, como pretendem
alguns, de uma espcie de cincias das cincias ou uma "big cincia"
(Pombo, 2004, 2006).Um dos problemas das cincias cognitivas,
diferenciadamente da maioria das abordagens dos neurocientistas,
que a mente no apenas computacional.
A informtica deu as bases para a consolidao das cincias
cognitivas, que tem sua importncia, mas tambm seus limites na
compreenso sobre os processos de mentitude. Na verdade,
consideramos at mesmo a informtica como um campo especfico e
significativo do que se convencionou a ser chamado, no plural, de
cincias cognitivas. Os cognitivistas, em geral, no gostam da
explicitao desse vnculo, que demonstra claramente os seus modelos
reducionistas da mente humana. A prpria neurocincia, que, em geral,
desconstituiu a abordagem reducionista da mente computacional,
acabou tambm por dar uma nfase muito maior a suas pesquisas sobre a
dimenso computacional da mente. Basta verificarmos, por exemplo, a
importncia que foi dada at agora s pesquisas neurofsicas das clulas
neuroniais - que so cerca de 100 bilhes -, em comparao com a pouca
importncia que foi dada as clulas gliais, que existem em quantidade
dez vezes maior do que os neurnios no mesmo crebro humano (Lent,
2004; Filds, 2004).(Nota 8).Isso tem implicaes ainda mais profundas
nas prticas educacionais e na compreenso sobre a complexidade da
conquista do conhecimento do conhecimento. Por exemplo: a reduo do
conceito de linguagem ao da linguagem computacional; a reduo da
linguagem filogentica dos processos mentais ao da linguagem lxica e
aos smbolos lgicos; a reduo do conceito de memria ao da abordagem
computacional binria ou de algoritmizao; a reduo da comunicao
informao cognitiva, esquecendo da comunicao qumica e emocional.
Assim, alguns educadores acabam por repetir a mesma reduo dos
conceitos de inteligncia e de aprendizagem realizada pelos
cognitivistas da informao computacional e da inteligncia artificial
(Lima, 2005). Por exemplo, assim como para a informtica bastaria
aprendermos a programao binria para decifrarmos a linguagem da vida
e da mente, para alguns educadores, ensinar a distncia nossos
jovens, atravs de sofisticados suportes de mquinas cognitivas
informacionais, seria suficiente para a bioexpanso do saber e para
a conquista do conhecimento complexo. Assim, ao manipularmos de
modo eficaz imagens e smbolos em uma tela de computador, quase que
estaremos aptos a sermos efetivamente educados, adquirindo o
conhecimento necessrio para a vida em sociedade.
Tambm encontramos nas cincias da mente, sobretudo, na neurologia
do comportamento, abordagens de aprendizagens comportamentais muito
limitadas e reduzidas escala micro e neuromolecular, onde a
identificao dos processos de ao e reao neurobioqumicas da
aprendizagem, entre outras questes, deixa de fora significativos
macro e microprocessos envolvidos na dinmica vital da aprendizagem,
como, por exemplo, a dobra sociolgica de todo o comportamento
biolgico. Uma abordagem que temos chamado de simbiognica, em
homenagem ao microbiologista Lynn Margulis (Lima, 2005).
A ideia de uma dobra dos planos de realidade em micro e macro
implica pensarmos a aprendizagem de modo complexo, ao invs de
verificarmos corpos, objetos, dados, clulas e trocas se
desdobrando. Deleuze tambm opera com o universo conceitual de
Leibniz e joga com a palavra latina plica (dobra). Dobrar-desdobrar
no significa simplesmente tender-distender, contrair-dilatar, mas
envolver-desenvolver, involuir-evoluir (Deleuze, 1991).
Isso pressupe que os estados de mentitude operam nas
singularidades microcerebral, macroindividual, comportamental e na
dimenso macrossocial, numa complexa simultaneidade da complexidade.
Por isso, precisamos de uma pesquisa que se opere de modo
multidisciplinar no dilogo da educao com as cincias da mente, no
plural.
Os neurocientistas se limitam muito dimenso do comportamento
individual e social, de mbito micromolecular. Os educadores,
socilogos e filsofos da mente, com algumas excees, se concentram
mais no plano do macrocomportamental.Hoje, j sabemos que a mente um
grande organismo de secreo. Processa muito e secreta tudo o que
processa. por isso que estudiosos da memria, como o pesquisador
Ivan Izquierdo, afirmam que a complexidade da memria humana reside
no esquecimento e no na lembrana, ou melhor, na sabedoria e na arte
do esquecimento (Izquierdo, 2004).
Aqui, comeamos uma primeira e importante lio com a descoberta da
mente na educao: aprender a esquecer , assim, muito mais importante
do que aprender a lembrar. Um dos mais significativos processos
para a aprendizagem complexa a sabedoria frente ao esquecimento e
no o "informats" conteudista e memorialista to proliferado em
nossas prticas educacionais, nas modernas sociedades
industriais.
Somos complexos porque esquecemos para poder aprender.Um
computador uma poderosa mquina cognitiva, mas muito menos complexa
entre outras questes, porque no esquece "nunca", porque apenas
computa informaes (e ainda de um modo muito simplificado, de forma
discreta e, atualmente, ainda de modo apenas binrio) e porque no
tem um complexo sistema nervoso para uma aprendizagem, que
efetivamente transforme seus processos em mudanas e, portanto,
conquiste a aprendizagem e conhecimento.
Como ainda no fazemos nas escolas e universidades, e para que
seja efetivada a aprendizagem do poder cognitivo disciplinador,
teramos que reprimir o sentir e o disciplinarizar dos processos de
aprendizagem, como ritos religiosos dogmatizados que se tornam
habituais ou, ainda, como afirma o socilogo Bourdieu (1989 p
60-61): vestimos habitus rigorosos.
A ideia de habitus, na sociologia, forte; vem da religio, de
vestimentas de tradies. A fora tradicional do habitus provm de seu
vnculo com as disposies estruturais pr-interativas, como os
componentes de pertencimento a uma estrutura (classe, posio na
estrutura e poder, lutas entre afirmao societal de gneros...), mas
a prpria reproduo do habitus dinmica e quase nunca igual a ela
mesma das condies pr-interativas. As condies pr-interativas e
ps-interativas compem o habitus, que um sistema de disposies
durveis, estruturas estruturadas predispostas ou estruturas
estruturantes de prticas e de representaes, que podem ser
objetivamente reguladas e regulares, sem que, por isso, sejam o
produto da obedincia a regras, objetivamente adaptadas a seu
objetivo, sem supor a visada consciente dos fins e o domnio
expresso das operaes necessrias para atingi-los. Os habitus,
integrando todas as experincias passadas, so transferveis e operam
a cada momento como uma matriz de percepes, apreciaes e aes, e
tornam possvel a realizao de tarefas infinitamente diferenciadas,
graas s transferncias analgicas de esquemas que permitem resolver
os problemas da mesma forma e graas s correes incessantes dos
resultados obtidos, dialeticamente produzidas por estes
resultados.
No somos educados para a alegria do viver e, sim, para vestirmos
hbitos, quase religiosos, operados por rituais repetitivos que os
tornam cada vez mais naturais e reais. Numa pedagogia que estamos
denominando como a pedagogia do acontecimento, diferente da
pedagogia meramente cognitivista, o prprio aprender se volta,
agora, para a experimentao da prpria expanso bionatural do prprio
ato de aprender, do prprio conhecer e da prpria expanso do
conhecimento.
Pensamos que um dilogo de modo muito ampliado com as cincias da
mente pode nos ajudar a compreender melhor o labirinto
cognitivista, cada vez mais computacional, em que nos encontramos
na educao e, ao mesmo tempo, permitir renascer uma educao atravs da
redescoberta da mente nos processos do aprendizado complexo, frente
conquista, tambm, do conhecimento complexo e, mais especificamente,
do conhecimento do conhecimento.
Notas
1.Entendemos por estados simbiticos de mentitude, envolvidos em
dinmicas de aprendizagens, o percurso de estados da mente e do
corpo, frente s diferentes singularidades de dobras micro e macro
da realidade. um percurso vital que envolve complexos processos de
associaes e conexes de conflitos e cooperaes, desde as entranhas
comportamentais micromoleculares, at as micro e
macrocomportamentais de nossos sentidos cotidianos, visveis na
escala macrofsica da realidade. Essa trajetria de estado de
mentitude, em cada uma dessas dobras micro e macro da realidade,
singular e especfica a cada uma dessas dobras da realidade, mas, ao
mesmo tempo que so diferentes e singulares, inclusive em suas
regras de comportamentos, essas dobras da realidade so tambm
simultneas. Por isso, o estado de mentitude simbitico (de symbon,
que vive junto). A complexidade do estudo da aprendizagem reside na
simbiose e na simbiognese dos planos micro e macro da realidade,
respeitando sempre as singularidades de cada plano, mas
religando-os, pois esses planos singulares so, ao mesmo tempo,
singulares e simultneos, ou seja, operam em simultaneidade. Enfim,
o processo de aprendizagem uma conjuno de simbiose de eventos
moleculares, neuroqumicos, cognitivos, emocionais e cinticos que
envolve uma complexa auto-eco-organizao.
2.Prometeu era um semideus que gostava muito dos homens. Conta a
lenda que Prometeu subiu ao Olimpo, roubou o fogo dos deuses e o
presenteou aos homens. O fogo trouxe aos homens a fora do
extraordinrio pela sua luz, a fora da imaginao, e estes puderam
criar a civilizao e fundar o inesperado da terra: a cidade do
homem. Os deuses, ao descobrirem, instituram um sofrido castigo a
Prometeu. Era um castigo cruel que expressava a vingana de Zeus, o
deus dos deuses, sobre o fato de ele ter permitido aos homens
mortais o acesso em seu mundo ordinrio do extraordinrio. Zeus
ordenou que o deusferreiro, Hefastos, forjasse uma corrente
indestrutvel de elos inviolveis - incumbncia que ele aceitou de bom
grado, porque, afinal, fora de sua forja que Prometeu roubara o
fogo. Com essa corrente indestrutvel, Prometeu foi preso e amarrado
no alto de um pico, no Cucaso - onde hoje fica a Gergia, na antiga
Unio Sovitica, portanto, bem longe do Olimpo grego -, e condenado a
ter o fgado eternamente devorado e dilacerado por uma guia. Cada
vez que a guia terminasse de devorar parte do fgado de Prometeu, as
dilaceraes da vscera renasceriam e a guia comearia de novo a
devor-la.
3.Alguns educadores tambm discutem sobre a significao das emoes
na aprendizagem. Ver Restrepo (1998). Tambm foi muito importante
como um marco histrico para este debate entre os educadores o livro
de Humberto Maturana, Emoes e linguagem na educao e na poltica
(1999). Ver, tambm, De Masi (1997).
4.Os principais componentes qumicos (personagens hormonais)
envolvidos pelos neurotransmissores nas trocas de informaes
cerebrais de nossa mente so: 1. Estrognio - um hormnio poderoso que
envolve o consumo de muita energia. O estrognio muito significativo
e muito presente nas mulheres e tambm presente nos homens. O
estrognio estimula as aes de controle e preciso, mas de um modo
"mais feminino", ou seja, gera reaes por vezes mais agressivas e
por vezes mais sedutoras. um hormnio que atua em parceria constante
com a dopamina, a serotonina, a oxitocina, a acetilcolina e a
norepinefrina (as substncias cerebrais do bem-estar). 2.
Progesterona - irmo poderoso do estrognio; aparece
intermitentemente e ora atua como uma nuvem de chuva que afeta os
efeitos do estrognio, ora como um agente suavizante; atua muito
integrado com a alopregnanolona ( uma espcie de Valium do crebro,
ou a plula da calma); 3. Testosterona - um hormnio masculino.
rpido, assertivo, focado, energtico. tambm poderoso e sedutor tal
como o estrognio, mas de um modo mais agressivo, frio, que no tem
tempo para carinhos. Ver Brizendine (2006, p. XV e XVI).
5.O pioneiro deste tipo de anlise - conhecido pelo nome de
estudo de microrhythms culturais - William Condon (1982).
6.O mesmo acontece com a latncia, ou seja, o espao de tempo
entre o momento em que um falante pra de falar e o outro comea.
Duas pessoas podem entrar numa conversa com padres muito
diferentes, mas quase instantaneamente elas entram em acordo.
Fazemos isso o tempo todo. Bebs de um ou dois dias sincronizam seus
movimentos de cabea, cotovelos, ombros, quadris e ps com os padres
da fala dos adultos. A sincronia tem sido encontrada na interao de
humanos e macacos. Faz parte da nossa programao gentica e
filogentica. Desde pequenos, aprendemos a ler as faces dos adultos
e a observar seus fluxos em microrritmos.
7.Na complexidade, precisamos do processo de individuaes, em
favor de aes coletivas e no da simples individualizao. Os processos
de associaes de clulas cerebrais individuais so envoltos em redes
neuronais complexas da mente e so bem diferentes das estruturas
modernas das macroindividualizaes funcionais mecanicistas, onde,
para agirmos coletivamente, precisaramos nos anular como agentes
individuais e suprimir nosso agenciamento individual a favor de
estruturas, normalizaes e instituies que permitiriam, assim, pela
anulao do indivduo, a plena realizao do agenciamento das aes
coletivas. Na complexidade organizacional, assim como nos processos
celulares celebrais, quanto mais individuamos - isto , individuar e
no individualizar - para nos diferenciarmos, mais agimos
coletivamente e vice-versa. Somos como so os solistas de Jazz:
quanto mais dominamos nosso instrumento, mais solamos e, quanto
mais solamos de modo complexo, mais qualificamos a orquestrao
coletiva.
8.Conforme afirmamos anteriormente neste artigo, durante dcadas,
fisiologistas se concentravam nos neurnios como os principais
comunicadores do crebro. Achava-se que as clulas gliais, apesar de
superarem os neurnios na proporo de nove para um, tinham somente
papel de manuteno: levar nutrientes dos vasos sanguneos para os
neurnios, manter um equilbrio saudvel de ons no crebro e afugentar
patgenos que tivessem escapado do sistema imunolgico. Nos ltimos
anos, tcnicas mais sensveis de imagem mostraram que neurnios e
clulas gliais dialogam entre si, do desenvolvimento embrionrio at a
velhice. As clulas gliais influenciam a formao de sinapses e ajudam
a determinar as conexes neurais que se fortalecero com o tempo.
Essas alteraes so essenciais para o aprendizado e o armazenamento
de memrias duradouras. Trabalhos mais recentes mostram que as
clulas gliais tambm se comunicam entre si numa rede independente,
mas paralela neural, influenciando o desempenho do crebro. Os
neurologistas ainda esto cautelosos e evitam atribuir importncia
glia. Apesar disso, estamos entusiasmados com a perspectiva de que
mais da metade do crebro permanece inexplorada e pode representar
uma mina de ouro em informaes sobre o funcionamento da mente.
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Postado porGILSON LIMAsquinta-feira, outubro 18, 2012Enviar por
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