REDES DE COMÉRCIO ILEGAL NA ZONA DE FRONTEIRA BRASILEIRO-PARAGUAIA: EXTREMO OESTE DO PARANÁ (BRA) LIMÍTROFE AOS DEPARTAMENTOS DE CANINDEYÚ E ALTO PARANÁ (PYG) 1 ALAN DIOGO SCHONS 2 MARISTELA FERRARI 3 Resumo O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes transfronteiriças de comércio ilegal no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai). Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-bibliográfico e pesquisa de campo com organismos de controles na região de fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai. Tal segmento fronteiriço há muito vem sendo apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul, devido à crescente intensificação de redes de comércio ilegal de toda ordem. Por comércio ilegal entendemos aqui todas as atividades que não respeitam as leis territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata- se, portanto, de um espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os produtos e mercadorias que mais circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do território brasileiro destaca-se: armas de fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e entorpecentes diversos), veneno para produção agrícola, eletrônicos (computadores, iPAD, tablets, celulares, câmeras fotográficas, filmadoras, drones), roupas, perfumes, bolsas, brinquedos, medicamentos, dentre outros. Grande parte daqueles produtos e mercadorias não são de produção paraguaia, são oriundos de outras escalas internacionais, de países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos produtos e mercadorias que chegam a Ciudad Del Leste e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui analisada), tem como destino final o Brasil por meio de redes ilegais. Embora seja difícil indicar dados quantitativos, segundo notícias divulgadas pelos jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de arrecadar 130 bilhões de reais, por ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui analisada, o limite territorial entre os dois países é extremamente poroso, característica que tem facilitado inúmeras atividades de comércio ilegal entre Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet) facilitam a comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de esquemas para burlar a fiscalização e as normas territoriais, visando introduzir produtos e mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal. Neste sentido, o trabalho revela que tal segmento fronteiriço vem sendo caracterizando como espaço geográfico de tensão entre organismos de controle dos Estados nacionais e organizações criminosas que comandam atividades econômico-comerciais ilegais e que extrapolam a escala da zona de fronteira articulando- se a outras escalas como a internacional e/ou transnacional. Palavras- Chave: Zona de Fronteira; Redes Ilegais; Oeste Do Paraná; Canindeyú; Alto Paraná. Resumen El objetivo de este trabajo es analizar cómo se estructuran / organizan las redes de comercio ilegal transfronterizo en el segmento de la frontera entre Brasil y Paraguay entre la región del extremo oeste del estado de Paraná (BRA) que limita con los departamentos de Alto Paraná y Canindeyú (PYG). Para lograr el objetivo propuesto, la metodología consistió en un estudio teórico-bibliográfico e investigación de campo con organismos de control en la región fronteriza de Brasil y Paraguay. Este segmento de frontera ha sido considerado durante mucho tiempo como uno de los más problemáticos de América del Sur, debido a la creciente intensificación de 1 O presente trabalho faz parte de pesquisa de mestrado em andamento, no PPGG (Programa de Pós-graduação em Geografia) da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon (PR), sob Orientação da Prof.ª Drª Maristela Ferrari. O mesmo está vinculado ao Grupo de Estudos sobre Fronteira, Território e Ambiente (GEFTA); 2 Aluno do Programa de Pós-graduação em Geografia – Mestrado – pela UNIOESTE (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), campus Marechal Cândido Rondon – PR, e-mail: [email protected]; 3 Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon - PR E-mail: [email protected].
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REDES DE COMÉRCIO ILEGAL NA ZONA DE FRONTEIRA
BRASILEIRO-PARAGUAIA: EXTREMO OESTE DO PARANÁ (BRA)
LIMÍTROFE AOS DEPARTAMENTOS DE CANINDEYÚ E ALTO
PARANÁ (PYG)1
ALAN DIOGO SCHONS2
MARISTELA FERRARI3
Resumo O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes transfronteiriças de comércio ilegal
no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do
Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai).
Para consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-bibliográfico e pesquisa
de campo com organismos de controles na região de fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai. Tal segmento
fronteiriço há muito vem sendo apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul, devido à
crescente intensificação de redes de comércio ilegal de toda ordem. Por comércio ilegal entendemos aqui todas
as atividades que não respeitam as leis territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata-
se, portanto, de um espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os produtos e mercadorias que mais
circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do território brasileiro destaca-se: armas de fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e entorpecentes diversos), veneno para produção agrícola, eletrônicos
brinquedos, medicamentos, dentre outros. Grande parte daqueles produtos e mercadorias não são de produção
paraguaia, são oriundos de outras escalas internacionais, de países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos
produtos e mercadorias que chegam a Ciudad Del Leste e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui
analisada), tem como destino final o Brasil por meio de redes ilegais. Embora seja difícil indicar dados
quantitativos, segundo notícias divulgadas pelos jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de
arrecadar 130 bilhões de reais, por ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui analisada, o limite
territorial entre os dois países é extremamente poroso, característica que tem facilitado inúmeras atividades de
comércio ilegal entre Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet) facilitam a
comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de esquemas para burlar a fiscalização e
as normas territoriais, visando introduzir produtos e mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal. Neste sentido, o trabalho revela que tal segmento fronteiriço vem sendo caracterizando como
espaço geográfico de tensão entre organismos de controle dos Estados nacionais e organizações criminosas que
comandam atividades econômico-comerciais ilegais e que extrapolam a escala da zona de fronteira articulando-
se a outras escalas como a internacional e/ou transnacional.
Palavras- Chave: Zona de Fronteira; Redes Ilegais; Oeste Do Paraná; Canindeyú; Alto Paraná.
Resumen El objetivo de este trabajo es analizar cómo se estructuran / organizan las redes de comercio ilegal
transfronterizo en el segmento de la frontera entre Brasil y Paraguay entre la región del extremo oeste del estado
de Paraná (BRA) que limita con los departamentos de Alto Paraná y Canindeyú (PYG). Para lograr el objetivo
propuesto, la metodología consistió en un estudio teórico-bibliográfico e investigación de campo con organismos
de control en la región fronteriza de Brasil y Paraguay. Este segmento de frontera ha sido considerado durante mucho tiempo como uno de los más problemáticos de América del Sur, debido a la creciente intensificación de
1 O presente trabalho faz parte de pesquisa de mestrado em andamento, no PPGG (Programa de Pós-graduação
em Geografia) da UNIOESTE (Universidade do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon (PR), sob
Orientação da Prof.ª Drª Maristela Ferrari. O mesmo está vinculado ao Grupo de Estudos sobre Fronteira,
Território e Ambiente (GEFTA); 2 Aluno do Programa de Pós-graduação em Geografia – Mestrado – pela UNIOESTE (Universidade Estadual do
Oeste do Paraná), campus Marechal Cândido Rondon – PR, e-mail: [email protected]; 3 Doutora em Geografia. Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNIOESTE (Universidade
do Oeste do Paraná) campus Marechal Cândido Rondon - PR E-mail: [email protected].
las redes de comercio ilegal de todo tipo. Por comercio ilegal nos referimos aquí a todas las actividades que no respetan las leyes territoriales, no pagan impuestos y evitan la inspección de aduanas, por lo que es un espacio
donde los delitos fiscales son constantes. Entre los productos y mercancías que circulan de manera más ilegal
desde Paraguay hasta el interior de Brasil se encuentran: armas de fuego, drogas (marihuana, cocaína, cigarrillos
y varias drogas), veneno para la producción agrícola, electrónica (computadoras, iPAD, tabletas, etc.). Teléfonos
celulares, cámaras, videocámaras, drones), ropa, perfumes, bolsos, juguetes, medicinas, entre otros. La mayoría
de estos productos y productos no son de producción paraguaya, provienen de otras escalas internacionales, de
países de Asia, Europa y América del Norte. Muchos productos y bienes que llegan a Ciudad Del Este y Salto
Del Guairá, (ciudades en el área fronteriza analizada aquí), tienen como destino final Brasil a través de redes
ilegales. Aunque es difícil indicar datos cuantitativos, según las noticias publicadas por los periódicos
occidentales de Paraná (2018), Brasil no logra recaudar 130 mil millones de reales por año debido al comercio
ilegal. En la zona fronteriza analizada aquí, el límite territorial entre los dos países es extremadamente poroso,
una característica que ha facilitado numerosas actividades de comercio ilegal entre Paraguay y Brasil. Sin embargo, las redes técnicas (telefonía e internet) facilitan la comunicación de los actores fronterizos brasileño-
paraguayos en la organización de esquemas para eludir la inspección y las normas territoriales, con el objetivo de
introducir productos y mercancías en uno u otro territorio a través del llamado comercio ilegal. En este sentido,
el trabajo revela que tal segmento de frontera se ha caracterizado como un espacio geográfico de tensión entre
las organizaciones nacionales de control estatal y las organizaciones criminales que realizan actividades
comerciales y económicas ilegales, actividades que van más allá de las fronteras de la zona fronteriza a otras
Escalas como internacional y / o transnacional.
Palabras clave: zona fronteriza; Redes ilegales; Al oeste de Paraná; Canindeyú; Alto Paraná.
Introdução
As redes de comércio ilegais ao longo de toda fronteira do Brasil e Paraguai são antigas,
mas no segmento fronteiriço compreendido entre a região geográfica do extremo oeste do
Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região
oriental do Paraguai) parecem ter aumentado significativamente após obras binacionais entre
os dois países, como a construção da Ponte da Amizade (1965) (ligando Paraná a Cuidad Del
Este - Departamento Alto Paraná), a formação do Lago da hidrelétrica de Itaipu sobre o rio
Paraná (1982), obra que favoreceu a navegação, a construção da Ponte Ayrton Sena, em 1998,
ligando Paraná ao Mato Grosso do Sul. Além de tais obras, o advento do MERCOSUL (1995)
também parece ter contribuído para a porosidade fronteiriça e por consequência o crescimento
de atividades de comércio ilegais. O comércio ilegal tem aumentado significativamente desde
as últimas décadas do século XX e vem contribuído para que tal segmento fronteiriço seja
apontado como um dos mais problemáticos da América do Sul, pois está inserido na lógica
das redes de comércio ilegais e do crime organizado que não se restringe a escala local e
regional, envolve a escala nacional e também escalas transcontinentais.
Por comércio ilegal entendemos aqui todas as atividades que não respeitam as leis
territoriais, não pagam impostos e fogem da fiscalização aduaneira, trata-se, portanto, de um
espaço onde os crimes tributários são constantes. Dentre os produtos e mercadorias que mais
circulam ilegalmente do Paraguai para o interior do território brasileiro destaca-se: armas de
fogo, drogas (maconha, cocaína, cigarros e entorpecentes diversos), veneno para o controle de
Grande parte daqueles produtos e mercadorias são oriundos de outras escalas internacionais,
de países da Ásia, Europa e América do norte. Muitos produtos e mercadorias que chegam a
Ciudad Del Este e Salto Del Guairá, (cidades da zona de fronteira aqui analisada), tem como
destino final o Brasil por meio de redes ilegais.
Embora seja difícil indicar dados quantitativos, segundo notícias divulgadas pelos
jornais da região oeste do Paraná (2018), o Brasil deixa de arrecadar 130 bilhões de reais, por
ano, devido ao comércio ilegal. Na zona de fronteira aqui analisada, o limite territorial entre
os dois países é extremamente poroso, característica que tem facilitado inúmeras atividades de
comércio ilegal entre Paraguai e Brasil. Não obstante, as redes técnicas (telefonia e internet)
facilitam a comunicação de atores fronteiriços brasileiro-paraguaios na organização de
esquemas para burlar a fiscalização e as normas territoriais, visando introduzir produtos e
mercadorias num ou noutro território através do chamado comércio ilegal.
O objetivo deste trabalho é analisar como se estruturam/organizam as redes
transfronteiriças de comércio ilegal no segmento da fronteira brasileiro-paraguaia
compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe
aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai). Para
consecução do objetivo proposto, a metodologia consistiu em levantamento teórico-
bibliográfico dando ênfase aos conceitos de zona de fronteira e redes ilegais e pesquisa de
campo com organismos de controles na região de fronteira tanto do Brasil quanto do Paraguai.
O trabalho foi dividido em duas partes: a primeira analisa como o conceito rede pode auxiliar
na análise do comércio ilegal transfronteirço. A segunda parte do trabalho analisa como se
estruturam as redes transfronteiriças do comércio ilegal e quais suas escalas de atuação.
Finalizamos o trabalho argumentando que o comércio ilícito não fere apenas as leis
territoriais, penaliza sociedades, gera problemas de saúde pública, promove territorialidades
sem leis e por consequência contribui para o aumento da violência urbana não apenas em
cidades fronteiriças, mas igualmente em cidades de outras escalas territoriais.
A rede como conceito teórico e instrumento metodológico para análise de atividades
ilegais transfronteiriças
Refletir sobre redes de comércio ilegal em zona de fronteira requer pensar em vários
conceitos, dentre os quais território, Estado, política, fronteira, zona de fronteira e rede, além
de outros, conceitos que podem auxiliar na análise da problemática, mas neste trabalho,
damos ênfase ao conceito de rede, pois as atividades de comércio ilegal na zona de fronteira
brasileiro-paraguaia compreendida entre a região geográfica do extremo oeste do Estado do
Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do
Paraguai) é uma região de conectividade de lugares e de atores que transportam produtos e
mercadorias de natureza diversa por meio de organizações em rede. Segundo Dias (2005),
uma das propriedades da rede é a conectividade, isto é, conecta lugares e pessoas. De acordo
com Santos (1999) a rede não é somente técnica ela é também social, já que é pensada,
desenhada e modificada por atores e suas conexões. Corrêa (2014) contribui com o debate
sobre rede, notadamente rede geográfica. Para ele “rede geográfica é um conjunto de
localizações geográficas interconectadas entre si por certo número de ligações”. Assim, toda
rede prioriza mobilidade/circulação e a fluidez/fluxos por onde circulam bens materiais ou
imateriais, (DIAS 2005). Neste sentido, o conceito de rede ajuda a compreender as
articulações transfronteirças de comércio ilegal ou redes de comércio ilegais. Mas qual a
noção de redes ilegais? Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006) respondem:
Redes ilegais – são espaços reticulares comandados por grupos e entidades não
reconhecidas legalmente pela sociedade e que, embora intimamente articuladas a
economia e ao sistema político dominante (como o caso das redes do narcotráfico), não partilham da maior parte das regras formalmente instituídas. (HAESBAERT e
PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 150).
Em regiões de fronteira, é bastante comum as atividades econômicas que burlam os
controles territoriais, atividades que envolvem atores de organismos de controle dos estados
nacionais e atores locais (fronteiriços) que auxiliam na passagem de ilegalidades pela
fronteira, confrontando constantemente as leis territoriais como revela Machado (1998):
O desafio ao conceito de lei territorial é representado pela situação de fluidez e
imprevisibilidade nas faixas de fronteira, onde [...] pouco respeito à lei desafiam os
limites de cada Estado. Esse processo de diluição dos limites nacionais se deve não
só à multiplicação de redes transfronteiriças, mas também a competição entre
diferentes sistemas de normas, induzida pelos próprios Estados e por outras grandes organizações, legais e ilegais. Frente a essa instabilidade, a circulação informal
organizada em torno de relações de parentesco, amizade e mesmo etnicidade, é
reforçada em detrimento da circulação regulada pela lei (MACHADO, 1998, p. 46).
Assim, mobilizar o conceito de rede em análises sobre interações transfronteiriças
ilegais significa também aceitar a sugestão de Machado (1998, p.45) quando argumenta que
“a palavra rede é empregada hoje em numerosos campos de investigação”. A autora diz ainda
“[...] as redes ajudam a compreender a relação entre território e a ação a distancia [...]
esclarecem igualmente o próprio conceito de território” (MACHADO, 1998, p.45). Nesta
direção, Raffestin (1993, p. 204) explica: “a rede faz e desfaz as prisões do espaço tornando
território: tanto liberta quanto aprisiona. É o porquê de ela ser instrumento por excelência de
poder [...]”. É neste sentido que o conceito de rede auxilia nossa problemática, ele serve tanto
como um conceito teórico quanto como ferramenta de análise que permite ponderar e explicar
atividades de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia compreendida entre a
região geográfica do extremo oeste do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de
Alto Paraná e Canindeyú (região oriental do Paraguai).
As redes ilegais transfronteiriças naquele segmento fronteiriço brasileiro-paraguaio
não são recentes, mas ganham expressividade a partir das décadas de 1980 e 1990,
notadamente com a construção da Hidrelétrica Binacional de Itaipu, e a construção da Ponte
Ayrton Sena, obras que favoreceram aumento de redes ilegais. A ampliação de redes ilegais
na escala local/regional pode também ser associado a outros fatores, como a globalização
neoliberal. Na visão de Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), a globalização neoliberal, veio
acompanhada do aumento de redes ilegais, redes que transcendem os limites territoriais.
Segundo Machado (1998), são redes que afrontam reiteradamente as leis territoriais, pondo
em cheque o poder dos Estados-nacionais.
Tais ponderações podem ser associadas a zona de fronteira que estamos analisando.
Segundo as primeiras pesquisas de campo, as redes ilegais mobilizam: redes sociais (diversos
atores), redes de infraestrutura-técnicas (pontes, hidrovias, rodovias etc) e geográficas
(conectadas a diferentes escalas espaciais/lugares) que compõem o modus operandi de
facções criminosas nacionais e internacionais, sobretudo para a prática de tráfico, contrabando
e descaminho. Ainda segundo a pesquisa de campo, as redes ilegais transfronteiriças possuem
ampla articulação e múltipla capilaridade, que pode ser evidenciada através dos tipos de
produtos apreendidos, a forma como essas mercadorias são transportadas e os caminhos
utilizados para a realização do transporte. É o que veremos no próximo item.
Organização de redes de comércio ilegal na zona de fronteira brasileiro-paraguaia
(extremo oeste do Paraná (BR) limítrofes aos Departamentos Alto Paraná e Canindeyú -
PY.)
A partir das primeiras pesquisas de campo é possível ponderar que, o comércio ilegal –
aquele que foge dada arrecadação fiscal –, na zona de fronteira brasileiro-paraguaia aqui
analisada, se desenvolve fortemente estruturado em redes sociais transfronteirças, redes que
envolvem atores da zona de fronteira, conectados a atores de outras escalas fora da zona
fronteiriça. Portanto, pode-se dizer que existem atores da escala local, que participam da
organização de redes ilegais, pois eles conhecem a geografia do lugar, elemento indispensável
para burlar as leis territoriais e fugir do controle dos Estados-nacionais. Assim, os atores da
rede social organizam a travessia de produtos e mercadorias de um território ao outro com o
auxílio de atores locais que conhecem descaminhos4 na fronteira. Como já dito, as atividades
de comércio ilegal ao longo da fronteira do Brasil com o Paraguai são antigos, mas ganham
expressividade após a formação do Lago ou reservatório de água da Hidrelétrica Binacional
de Itaipu e a construção da Ponte Ayrton Sena.
O lago da Itaipu transformou a característica do limite internacional, de obstáculo torna-
se poroso e permitiu maior circulação de pessoas, bens e mercadorias do que no passado. Não
obstante, no segmento fronteiriço compreendido entre a região geográfica do extremo oeste
do Estado do Paraná (BR) limítrofe aos Departamentos de Alto Paraná e Canindeyú (região
oriental do Paraguai) existem apenas três pontos de passagem habilitados entre os dois países
ao turismo e comércio exterior, são eles: Guaíra/Salto Del Guairá5, Santa Helena/Mbcarayú6 e
Foz do Iguaçu/Ciudad del Este7 como pode ser observado na Figura 1.
Figura 1: Esquema da Zona de fronteira e pontos de passagem habilitados ao turismo e comércio entre Brasil e Paraguai
4 Descaminho são pontos de passagem de um território ao outro que não são habilitados ao comércio
internacional entre os dois países, mas que são frequentemente criados e utilizados para atividades ilegais por
onde circulam bens e mercadorias com intuito de fugir da fiscalização dos Estados-nacionais. 5 Ressalta-se que tal conexão, também é estabelecida através da Ponte Ayrton Senna, que conecta os Estados do
Paraná com Mato Grosso do Sul, sendo intensamente utilizada para acessar Salto Del Guairá a partir do Estado
do Paraná. 6 Conexão internacional realizada por meio de Balsas de transporte 7 Conexão internacional fixa, por meio da Ponte Internacional da Amizade – recentemente Brasil e Paraguai
firmaram acordo por meio da Itaipu Binacional, para a construção da segunda ponte.
Fonte: Esquema inspirado em Machado (2011), organizado pelo autor a
partir da pesquisa de campo 2018
Contudo, desde a formação do Lago da Itaipu, dada a facilidade de navegação, inúmeros
descaminhos foram criados para atividades ilegais, obra de atores locais da zona de fronteira
articulados com atores de outras escalas nacionais e internacionais. A Figura 2 retrata, em
parte, os descaminhos de atividades ilegais de redes criminosas articuladas entre os dois lados
da zona fronteiriça brasileiro-paraguaia aqui analisada. Nela estima-se que existam
aproximadamente 465 descaminhos ou portos clandestinos que são frequentemente utilizados
para atividades ilegais. Antigos portos entre os dois países também foram reativados com a
criação do Lago da Itaipu, dentre eles, Porto Mendes/Puerto Adela (entre Marechal Cândido
Rondon/Puerto Adela), Porto Britânia/Puerto Marangatu (entre Pato Bragado/Nueva
Esperenza), onde conexões diárias são estabelecidas por meio de embarcações e por onde
circulam pessoas, produtos e mercadorias a revelia dos Estados-nacionais.
Figura 2: Descaminhos entre Brasil e Paraguai ao longo do Lago da Itaipu – criados e utilizados