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199 RECUERO, R.; ZAGO, G.; BASTOS, M. T. O Discurso dos
#ProtestosBR: anlise de contedo do Twitter. Galaxia (So Paulo,
Online), n. 28, p. 199-216, dez. 2014.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542014217911
O Discurso dos #ProtestosBR: anlise de contedo do Twitter1
Raquel RecueroGabriela Zago
Marco Toledo Bastos
Resumo: O artigo foca na anlise do discurso de mensagens no
Twitter relacionadas aos protestos que ocorreram, em junho, no
Brasil. Nosso objetivo discutir as relaes entre os conceitos e suas
redes de sentido de forma a desvelar caractersticas e elementos que
conformem padres discursivos. Como principais resultados,
discutimos o uso do Twitter para narrar os protestos e mobilizar as
pessoas, mais do que efetivamente para discuti-los, bem como a
presena de atores-chave, contextos e demandas, alm do foco na
narrativa ao vivo, o uso de hashtags panfletrias e a localizao
especfica dos tweets.
Palavras-chave: protestos; discurso; anlise de contedo;
twitter.
Abstract: The Discourse of #ProtestosBR: content analysis of
Twitter This paper focus on an analysis of the discourse of Twitter
messages during the protests in Brazil during June 2013. Our
objective is to discuss how the concepts relate to each other and
form networks of meanings around the tweets about the protests. Our
search for common characteristics and elements reveals how Twitter
was used to describe the protests and to mobilize people rather
than to discuss what was actually taking place. We describe the key
actors, contexts and demands, as well as the focus on live
narratives, #pamphleteer hashtags, and the specific location of
tweets.
Keywords: protests; discourse; content analysis; twitter.
Introduo
Em junho de 2013, o Brasil foi palco de alguns dos maiores
protestos de sua histria
recente. Durante vrios dias, em diversas cidades e regies do
Pas, mais de dois milhes
de pessoas foram s ruas pedindo mudanas. O que diferenciou essas
manifestaes,
entretanto, foi o uso dos sites de rede social como Twitter2 e
Facebook3 durante
1 Projeto desenvolvido com o apoio do CNPq, processo nmero
408650/2013-3.2 Disponvel em: .3 Disponvel em: .
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o desenrolar dos eventos. Essas ferramentas tiveram um papel
expressivo na organizao
e na reverberao dos protestos, como alis tem ocorrido em outras
regies do mundo
(BURNS; ELTHAM, 2009 e BASTOS, RAIMUNDO e TRAVITZKI, 2012).
Neste artigo, nosso objetivo compreender esses eventos atravs de
uma anlise
de contedo. Assim, as questes de pesquisa, que guiam o trabalho,
so: (1) Quais so
as caractersticas dos discursos sobre os protestos?; (2) Quais
as diferenas de discursos
entre as diferentes regies brasileiras?; (3) Quais discursos a
rede de coocorrncias desvela?
Para discutir essas questes, empregamos uma anlise de contedo de
foco referencial
(Bardin, 2004) de 218.568 tweets publicados entre os dias 14 e
20 de junho de 2013.
O advento dos Protestos em Rede
O uso de sites de rede social como espao para o ativismo poltico
j foi documentado
por diversos autores. Castells (2012), por exemplo, entende que
tais protestos, que
coexistem nos ambientes on-line e off-line, so movimentos
sociais em rede e argumenta
que dependem das mdias sociais para sua estruturao, constituindo
um espao
pblico hbrido de liberdade, onde manifestantes de ambos os lados
(on-line e off-line)
participam na revoluo.
Twitter, Localizao e Protestos
O papel do Twitter na organizao e participao de protestos e
movimentos foi
estudado por diversos autores. Gleason (2013, online) estudou o
movimento Occupy e
discutiu o papel do Twitter como criador de oportunidades de
participao: desde criar,
taguear e compartilhar contedo at ler, assistir e seguir uma
hashtag45. De forma parecida,
Penney e Dadas (2013) identificaram sete papis sobrepostos de
participao no Twitter
durante o movimento Occupy: (1) facilitao de protestos face a
face, (2) cobertura ao vivo
de protestos face a face, (3) retuite de informaes e incorporao
de links, (4) expresso de
vises pessoais sobre o movimento, (5) envolvimento em discusses
sobre o movimento,
(6) estabelecimento de conexes com outros ativistas e (7)
facilitao de aes on-line.
Esses papis indicam formas por meio das quais a ferramenta foi
utilizada nessas manifestaes.
Malini e Antoun (2013), comentando o movimento #12M (tambm
dentro do
Occupy), discutem o papel dos retweets e das hashtags na
organizao e repercusso das
aes polticas. Nessa linha, Bastos, Raimundo e Travitzki (2012)
tambm investigaram as hashtags polticas, classificando seu papel
como panfletagem, no sentido de que parte
de sua motivao espalhar a ideia e obter apoio, o que poderia ser
discutido como mais
4 A hashtag uma etiqueta, um termo ou conjunto de termos que
marcado com o sinal #. Ela buscvel e todos os tweets que possuem a
marcao podem ser recuperados em uma nica busca.
5 Traduo de: from creating, tagging, and sharing content to
reading, watching, and following a hashtag.
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um dos objetivos dos papis de participao na ferramenta. Cancian,
Moura e Malini (2013)
tambm discutem o papel das hashtags, mas focando seu papel de
unificao das narrativas.
Gutierrez (2013) destaca, como caractersticas desses movimentos
organizados
em rede (e especialmente via Twitter), o desaparecimento dos
mediadores tradicionais
(atores como sindicatos, partidos e grupos), a no presena de
lideranas, a convocao
em torno de causas concretas e de fcil adeso (Ibid., p. 2).
Toret (2012), falando sobre
o #15M, caracteriza esses elementos como parte da caracterstica
hbrida desses
movimentos, onde as multides transformam, atravs de sua
capacidade tecnopoltica6
o mal-estar individual em processos de politizao coletiva.
A funo democrtica da mdia social7 em polticos foi desafiada por
outros estudos.
Burns e Eltham (2009) estudaram as limitaes da mdia social para
os protestos do Ir,
revelando que o mesmo Twitter, que serviu aos ativistas, serviu
tambm ao governo para
identificar e caar os manifestantes pr-democracia8. Ou seja, a
mesma ferramenta
que permite aos manifestantes se organizarem e atuarem tambm
permite a reao e
represso governamental. Nesse sentido, Howard e Hussain (2011)
explicam que, embora
potencialmente democrticas, as ferramentas digitais permitem aos
governos autoritrios
reprimir ou impedir os protestos. Por outro lado, os autores
ressaltam que essa mdia
tambm permitiu que eventos localizados se tornassem movimentos
estruturados diante
de oportunidades de ao e amplificao.
Essa caracterstica da amplificao fundamental para que possamos
compreender
como protestos locais se tornam movimentos nacionais ou globais.
Vallina-Rodriguez et al.
(2011) fizeram uma ampla anlise do movimento Indignados na
Espanha, especialmente
de hashtags e tweets e sua geolocalizao. Os autores observaram
que a participao de
movimentos populares dominou os tweets, apagando a participao
dos atores polticos
tradicionais. A anlise tambm mostrou o rpido espalhamento do
movimento pela Espanha
atravs da localizao dos tweets e das interseces entre tweets de
localidades diferentes.
Discursos e Twitter
O termo discurso, neste trabalho, definido como uma forma de
representao e
reproduo ideolgica, que compreende o domnio geral de todas as
afirmaes, algumas
vezes como um grupo individualizado de afirmaes, outras vezes,
como uma prtica
regulada que reflete um nmero de afirmaes (FOUCAULT, 1999, p.
80). O discurso,
assim, no se resume ao enunciado, mas a um conjunto ideolgico em
que determinadas
formaes discursivas (Ibid.) esto presentes e para os quais os
enunciados se filiam.
6 Capacidade de apropriao das tecnologias (CANCIAN; MOURA;
MALINI, 2013).7 Compreendemos aqui o termo mdia social como sinnimo
da ao plural das redes sociais sobre os sites
de rede social, gerando e negociando novos fluxos de informao.8
Traduo de: to identify and hunt down pro-democracy protestors.
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Assim, discurso, poder e ideologia so indissociveis. Em sentido
semelhante,
Bourdieu (1991) foca as trocas lingusticas como relaes de poder
simblico, ou seja,
momentos onde as relaes de poder (e dominao) entre os falantes
so atualizadas
(ibid., p. 37). O discurso, assim, uma imposio dos dominantes
sobre os dominados
que reconstri e determina as estruturas da dominao e legitima a
ordem social vigente.
Bourdieu (1977) explicita que essas trocas lingusticas tambm
dependem do que ele
chama de campo lingustico, a expresso das relaes de fora
estabelecidas pela
linguagem (ibid., p. 4).
Um dos motivos pelos quais muitos autores consideram o espao
on-line como
democrtico em termos de mdia justamente o fato de permitir a
publicao de discursos
no hegemnicos e a pluralidade de formaes discursivas. Assim, o
estudo desses
discursos pode desvelar estratgias e modos de ao de grupos
filiados a outras formaes
no sentido de tentar construir maior visibilidade.
Dentre esses discursos, est o dos protestos e do ativismo.
Malini e Antoun (2013,
p. 249), por exemplo, referem-se a essas narrativas como
contrrias naturalizao
do funcionamento do poder, como uma apropriao da estrutura pelos
usurios como
forma de democratizar as vozes e o acesso democrtico. Lindgren e
Lundstrom (2011)
abordam a questo do ativismo on-line sob o ponto de vista
discursivo e discutem o uso
da hashtag #WikiLeaks e seus padres discursivos de forma
semelhante ao proposto neste artigo.
Os autores tambm utilizam a anlise textual relacional para
discutir as redes de
coocorrncia e desvelar o que chamam de discurso dos piratas no
Twitter.
Abordagem metodolgica
Dissemos, no incio deste trabalho, que nossas questes de
pesquisa focavam:
(1) Quais so as caractersticas dos discursos sobre os
protestos?; (2) Quais as diferenas de
discursos entre as diferentes regies brasileiras?; (3) Quais
discursos a rede de coocorrncias
desvela? Nesse sentido, passaremos a discutir o mtodo que
utilizaremos para atingir
esses objetivos.
A anlise de contedo referencial como mtodo
A anlise de contedo (AC) um tipo de anlise textual que vem
ganhando grande
aceitao como mtodo de estudo dos discursos on-line (Lindgren e
Lundstrom, 2011).
A AC tem vrias formas e abordagens e permite o estudo dos
rastros publicados
no espao digital tanto de forma qualitativa quanto de forma
quantitativa (Bardin, 2004).
O mtodo da AC bastante simples. Ele compreende fundamentalmente
trs procedimentos:
codificao dos dados, categorizao e inferncia. A codificao
implica na construo
de categorias a partir de enumerao e agregao, criando-se
elementos que representem
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o contedo observado (ibid., p. 97). A categorizao compreende a
construo de critrios
e a classificao dos dados em conjuntos a partir deles. A
inferncia a interpretao
dos dados e das categorias a partir dos contextos da anlise.
Neste trabalho, focaremos a anlise de contedo de foco
referencial, ou seja,
um conjunto de tcnicas de estudo das relaes entre os contedos e
conceitos, focando,
principalmente, nas coocorrncias e na estrutura da rede (Bardin,
2004). Este foco bastante
adequado para a extrao de relaes de grandes conjuntos de dados
(Lindgren e Lundstrom,
2011), justamente porque permite a codificao de termos por
frequncia e correlaes.
Anlise Estrutural de Redes Sociais
A anlise de redes sociais (ARS) uma abordagem terico-metodolgica
focada na anlise da estrutura social e baseada no estudo dos atores
sociais (ns ou nodos) e suas interconexes. Na ARS, h dois tipos de
variveis: as estruturais e as de composio (WASSERMAN; FAUST, 1994).
As variveis estruturais que utilizaremos neste trabalho, assim,
referem-se frequncia de conexo (frequncia em que aparecem juntas)
das palavras utilizadas nos tweets e suas conexes. As variveis de
composio, por outro lado, referem-se s palavras (conceitos), que
aparecerem mais e com mais fora nos tweets analisados.
Embora a ARS disponha de vrias medidas e abordagens para
analisar as estruturas do corpus, neste trabalho, focaremos algumas
das mais simples:
a) Grau de conexo o grau de conexo refere-se fora da conexo
entre dois
ns. O grau de conexo uma medida numrica, normalmente referida
como o somatrio
de todas as conexes existentes entre A e B.
b) Centralizao a centralizao uma medida focada no quo
centralizado um grafo
est em torno de determinados ns, focando em torno de quais
pontos a rede est organizada.
c) Modularidade a modularidade uma medida de rede, de
clusterizao, de
vizinhana dos ns. Ela divide a rede em grupos, de acordo com a
fora das conexes
entre os diversos ns. Ns includos em um mdulo tm conexes mais
fortes entre si
do que com os demais.
Embora este trabalho analise a materialidade dos discursos,
esses discursos representam uma pliade de atores e de prticas
sociais que justificam a abordagem dos conceitos da ARS. Para
analisar esses dados, utilizou-se o software Gephi9.
Procedimentos metodolgicos
Para responder s questes de pesquisa elencadas neste trabalho,
primeiramente procedeu-se agregao de uma amostragem de conjunto de
dados; depois sua codificao, categorizao e anlise de
coocorrncias.
9 Software de visualizao de redes. Disponvel em: .
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a) Procedimentos de amostragem como dissemos, iniciamos a coleta
dos dados que
so aqui apresentados no dia 14 de junho de 2013. A partir dessa
data, foram coletados
tweets atravs da API pblica do Twitter de forma automtica,
utilizando-se scripts de
coleta em R. Os tweets foram coletados a partir de um conjunto
de palavras-chaves,
tais como protesto emanifestao, dentre outros. Esse conjunto de
dados continha mais de
trs milhes de tweets. Os dados utilizados, neste trabalho,
compreendem tweets publicados
entre os dias 14 e 20 de junho de 2013, que foram filtrados pelo
uso de hashtags localizadas
(por exemplo, #protestosp ou #protestorj), o que constituiu um
conjunto de 218.568 tweets.
Depois da filtragem, os tweets foram categorizados por localizao
geogrfica com base
no conjunto de dados relativos descrio, localizao do tweet e
localizao do usurio.
Em termos absolutos, tivemos a seguinte distribuio de tweets por
regio (Figura 1)10.
Fig.1. Tweets por regio
Todos os estados brasileiros aparecem no dataset, embora de
maneira desigual. H muitos
tweets localizados na regio Sudeste em detrimento das demais
regies (197168 tweets).
Nordeste (7367 tweets) e Sul (10062 tweets) aparecem bastante
prximos (saliente-se que
h, entretanto, mais estados no primeiro) e Centro-Oeste (2726
tweets) e Norte (1243 tweets).
b) Procedimentos de anlise os tweets foram separados por regio
do Pas.
Dentro desses cinco conjuntos de dados, foram codificados os
termos mais utilizados
por frequncia at o limite de 100 (cem termos)11, utilizando-se
um conjunto de palavras
a ser descartadas (stopwords). O foco foi semntico e foram
privilegiados substantivos
e adjetivos em detrimento de outros lxicos. Esses termos foram
ento codificados
em categorias semnticas, de acordo com a proposta da AC. Assim,
por exemplo,
manifestaes, manifestao e protesto ficaram dentro da mesma
categoria
10 Como a distribuio bastante desigual, optamos por apresentar o
grfico em escala logartmica para possibilitar que se vejam essas
diferenas de forma mais clara.
11 Utilizamos o Textometrica. Disponvel em: .
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protestos. A seguir, aplicamos um processo de codificao
conceitual s categorias,
buscando incluir termos que se referissem ao mesmo evento.
Assim, por exemplo,
protestos inclui tambm manifestantes.
Tab. 1. Resumo dos Dados Classificados por Regio12
Assim, as palavras foram codificadas dentro de um mesmo conceito
quando seu
sentido era o mesmo. Optamos por manter as hashtags em grupos
separados no corpus,
12 Na tabela, h regies com maior e menor nmero de conceitos.
Aquelas onde h menor nmero de tweets para anlise a tendncia
encontrada foi a de uma maior pluralidade de conceitos, por isso a
diferena. O Termo F refere-se frequncia do conceito nos dados.
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uma vez que a utilizao desses termos no ocorre em todos os
grupos, ao contrrio
dos demais termos analisados neste estudo. Esses conceitos
foram, posteriormente,
analisados por regio e de forma geral (Tabela 1). Em seguida,
foram ainda analisados
em termos de coocorrncias, ou seja, quais ocorreram mais em
conjunto em um mesmo
tweet. Com base na Tabela 1, foram montadas as redes de
coocorrncias mais fortes
(normalizadas) dentro das cem palavras e conceitos mais
frequentes.
O discurso sobre os protestos no Twitter
A seguir, detalharemos a anlise dos dados coletados. Na primeira
parte, enfocamos
a anlise de frequncia dos conceitos encontrados nos dados. Na
segunda, a anlise de
coocorrncias e as redes em torno desses conceitos.
Anlise de frequncia dos conceitos
A Tabela 1 indica alguns padres com base na frequncia de
conceitos geral e
especfica por regio. Esses padres so discutidos a seguir com
base nos elementos
do discurso e nas caractersticas da narrativa.
Elementos do Discurso: iniciaremos a anlise trabalhando os
conceitos que traduzem
os elementos presentes nos dados dos discursos.
a) Principais atores outro elemento que podemos observar nos
termos e conceitos
mais frequentes so os atores dos protestos. Primeiramente,
aparecem em todos
os dados os manifestantes, dentro da categoria protestos. Tambm
aparecem como atores
as pessoas, o governo e a mdia. Na primeira categoria esto todos
os termos
referentes aos manifestantes e aos eventos dos protestos em si.
Na categoria pessoas
esto os termos referentes a pessoas em geral (no necessariamente
participantes dos
eventos). Na categoria governo esto as referncias aos
governantes de modo especfico
(por exemplo, Dilma). Finalmente, na categoria mdia foram
reunidos os veculos
miditicos e suas referncias. Vemos que a categoria mdia aparece
em todos os grupos,
mostrando a importncia dos veculos na cobertura e na amplificao
dos eventos.
importante salientar, entretanto, que a mdia citada varia
bastante entre as localidades.
A ltima categoria, que tambm compreende um dos principais atores
dos protestos,
polcia. Observa-se aqui a ausncia de referncias a coletivos,
sindicatos e grupos
tradicionais, apontando para a pluralidade da participao e sua
no apropriao como
movimento de forma semelhante ao que Gutierrez (2013); Toret
(2012) e Cancian,
Moura e Malini (2013) apontam com relao aos atores e
mobilizadores dos protestos.
De todas as categorias, governo foi a mais desigual. Referncias
especficas
aos governantes aparecem apenas nos dados dos protestos da regio
Centro-Oeste
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(onde os protestos realizados em Braslia pesam bastante), da
regio Norte e da regio
Sul. Nos dados dos protestos do Sudeste e Nordeste essas
referncias existem em menor
escala e no aparecem entre os termos mais citados. Tal ausncia
significativa no sentido
que mostra o governo como pouco presente no discurso. Ou seja,
pouco se falou sobre
e para o governo no perodo.
b) Reivindicaes a principal reivindicao que aparece no conjunto
de dados
analisados diz respeito, de modo especfico, tarifa de nibus.
Vemos, assim, que nos
dados do perodo analisado, a questo da tarifa de nibus tem uma
frequncia bastante
significativa. Exceto na regio Norte, o conceito tarifa apareceu
em todos os dados,
e em alguns espaos inclusive com a presena da hashtag
#passelivre, que fazia referncia
ao movimento que originou os protestos. Essa, entretanto, a nica
reivindicao
que aparece nos principais termos com maior frequncia. Esse foco
talvez seja uma
consequncia da fcil adeso a uma causa concreta como motivao
(GUTIERREZ, 2013).
c) Contextos finalmente, um ltimo elemento relevante para o
estudo dos protestos
dentro desses elementos de anlise so os contextuais, que
aparecem nos protestos de
forma mais abrangente. Assim, quais as diferenas e semelhanas
podem ser observadas
no discurso dos termos mais frequentes em cada regio? A regio
Sul tem vrios termos
relacionados com a violncia. Por exemplo, bombas, fogo, gritos,
vandalismo, etc.
constroem um conjunto discursivo bastante focado na questo da
violncia. Alm disso,
a nica regio onde aparecem referncias a 1992 e ao impeachment do
ento presidente
Fernando Collor de Mello. Na regio Nordeste, observamos uma
grande quantidade de
referncias ao estdio Castelo e ao jogo, referncia ao jogo da
seleo brasileira em
Fortaleza durante o perodo, quando houve protestos tanto fora
como dentro do estdio.
Na regio Norte, aparecem mais termos como orgulho, respeito,
linda e etc.
O foco dos discursos parece estar no elogio s manifestaes e na
sua narrativa.
Na regio Centro-Oeste, o foco est principalmente nas palavras de
ordem e as
manifestaes foram pouco comentadas. J na regio Sudeste, h um
misto de termos
positivos, como orgulho e lindo, termos relacionados violncia,
como bombas
violncia, alm de palavras de ordem.
Caractersticas da Narrativa: alm dos elementos-atores,
reivindicaes e contexto,
observamos tambm a presena de conceitos que caracterizam o tipo
de narrativa
durante os protestos.
a) Localizao w abundam termos que permitem a localizao da
narrativa.
Assim, em todas as regies a frequncia de termos indicando a
localizao (por exemplo,
paulista, em referncia Avenida Paulista em So Paulo ou ipiranga,
em referncia
Avenida Ipiranga em Porto Alegre) alta. Esses termos aparecem
justamente nos conjuntos
de dados de suas regies, indicando que houve uma preocupao em
localizar as narrativas
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dos protestos aos espaos onde estavam sendo produzidas. Esses
dados se assemelham
queles observados por Vallina-Rodriguez et al. (2011) na
Espanha.
Observamos tambm que apesar de localizar a narrativa dentro de
fronteiras
geogrficas, h referncias entre regies, principalmente regio
Sudeste. Nos respectivos
conjuntos de dados de todas as regies, vemos a presena de
referncias a essa regio tanto
em hashtags quanto em conceitos. As cidades mais comentadas so,
assim, So Paulo,
Rio de Janeiro e Belo Horizonte (nos dados do Sudeste no foram
encontradas menes
a outras localidades). Vemos aqui que Rio de Janeiro, So Paulo e
Belo Horizonte assumem,
assim, o papel de protagonistas nos eventos de junho e que as
demais regies cumprem
um papel de reverberao de seus protestos.
b) Hashtags panfletrias um segundo elemento relevante, que pode
ser observado
nos termos mais frequentes do conjunto de dados, o uso de
hashtags como bandeiras,
ou palavras de ordem. Algumas delas, nesse contexto, perdem seu
sentido unicamente
contextual e adquirem uma nova funo: tornam-se em si mesmas
manifestos. o caso das
hashtags mais comuns observadas, como #vemprarua, #changebrazil
e #ogiganteacordou.
Seu uso diferente das demais, uma vez que seu objetivo propagar
a ideia do protesto
em si e das reivindicaes, mais do que criar um contexto
interpretativo para o tweet ou
unificar a narrativa do que est acontecendo. Vemos, aqui, que o
Twitter no funciona apenas
como um espao discursivo de relato, mas tambm de mobilizao. Essa
funo bastante
semelhante panfletagem observada por BASTOS, RAIMUNDO e
TRAVITZKI (2012).
c) Valorizao do ao vivo uma das categorias que apareceu de forma
sutil
mas com bastante impacto nos dados foi aquela do ao vivo. Tweets
com marcadores
temporais e locais direcionam bastante a narrativa para o aqui e
o agora, indicando que
o Twitter teve um papel fundamental nessa questo. Se observarmos
isso em conjunto
com o uso de hashtags localizadas, parece mais evidente esse
papel. Esses dados reforam
o papel do Twitter como elemento narrativo do ao vivo, tambm
observado por Penney
e Dadas (2013).
Anlise de rede das coocorrncias
Nesta ltima parte da anlise, discutiremos as correlaes e
coocorrncias dos
conceitos encontrados nos dados. A Figura 2 mostra os termos que
mais apareceram
no conjunto de dados e as conexes mais fortes. Os termos mais
centrais so aqueles que
aparecem mais conectados rede (maior centralidade). Os conceitos
mais perifricos so
aqueles que esto menos conectados aos demais (provavelmente mais
localizados nos
discursos, ou seja, com menor centralidade geral). O grafo est
dividido por modularidade
(vizinhana), onde os ns maiores so aqueles com mais conexes com
os demais ns.
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Fig. 2. Grafo com a rede de coocorrncias dos conceitos
A Figura 2 mostra quatro grandes grupos. O primeiro, em roxo,
contm a maior
parte das hashtags de ordem. O segundo, em verde, est mais
localizado nos termos
que apareceram conjuntamente com BH (Belo Horizonte). O
terceiro, em azul, est
mais focado nos discursos de So Paulo (que, de longe, conforme
vimos na Tabela 1,
constitui-se no lugar mais citado e, por isso, contm tambm os
atores e conceitos dos demais).
O terceiro contm mais os discursos do grupo de tweets do Rio de
Janeiro. interessante
notar como as hashtags #protestosp e #protestorj so extremamente
centrais no grafo,
indicando sua hiperconexo em todas as regies. Pode-se observar a
importncia da funo
ao vivo, da localizao e do termo tarifa, principal demanda do
movimento que
se encontra mais afastada do centro do grafo. J palavras de
ordem como #vemprarua
e #mudabrasil so muito centrais.
importante observar que os atores polcia e protestos esto quase
juntos ao
centro, mostrando seu protagonismo e associao nos discursos.
Igualmente, a forte
associao de polcia a cuidado e violncia indica um discurso da ao
entre
esses atores. Do mesmo modo, ao vivo e localizao, caractersticas
das narrativas,
tambm esto conectados com protestos, polcia e violncia. Isso
evidencia o papel
da narrativa ao vivo como uma maneira de reportar as aes da
polcia e eventos violentos.
Essa violncia que parece marcadamente associada polcia tambm est
associada
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#ProtestosBR: anlise de contedo do Twitter.
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a bombas e gs (como a conexo entre ambos muito forte, observamos
que os termos aparecem quase sempre juntos), sobretudo nos
protestos de Belo Horizonte.
Vemos tambm que as hashtags com sentido panfletrio (BASTOS,
RAIMUNDO e TRAVITZKI, 2012) tendem a apresentar maior articulao
(vide o mdulo) e aparecem desconectadas dos demais conceitos. Isso
tambm evidencia sua diferente funo discursiva e as contrape s
hashtags mais localizadas, como #protestosp e #protestorj, que
pertencem a grupos diferentes. Estas ltimas parecem ter como funo a
unificao das narrativas, conforme proposto por Cancian, Moura e
Malini (2013), devido sua maior proximidade para com os atores e
demandas da rede e sua no clusterizao em torno de um mdulo,
conforme as hashtags mais panfletrias.
As coocorrncias por regio demonstram pequenas diferenas da
figura geral. Na Figura 3, temos a rede de coocorrncias mais fortes
localizadas na regio sudeste. Vemos que algumas associaes so
bastante fortes, como tarifa e nibus, que demarcam a principal
reivindicao presente no corpus, assim como violncia e momento.
interessante notar a localizao dos termos por hashtag: h um cluster
em torno de #protestorj, outro em torno de #protestosp e um
terceiro em torno de #protestobh. A presena de hashtags panfletrias
em um cluster tambm mostra sua importncia e sua tendncia em
aparecer conjuntamente.
Fig. 3. Coocorrncias da regio Sudeste
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Fig. 4. Coocorrncias regio Sul
Na Figura 4, temos as coocorrncias mais fortes na regio Sul.
Enquanto que ao centro
do grafo aparece a hashtag #protestopoa (localizao) conectada
aos atores e demandas,
vemos em um cluster verde referncias a So Paulo e Rio de Janeiro
atravs de suas
hashtags respectivas. Novamente, observamos uma localizao. Tambm
interessante
notar as palavras associadas aos protestos em Porto Alegre como
vandalismo, gritos
e fogo, conforme j vimos anteriormente.
Na Figura 5, vemos a imagem das coocorrncias dos protestos na
regio Centro-Oeste.
Vemos, de novo, coocorrncias bastante especficas e localizadas,
centralizadas em torno
de dois clusters, um focado no #protestodf e o outro, no
#protestosp. Interessante notar
que em torno deste ltimo esto tambm outras hashtags
localizadoras. Vemos tambm
algumas particularidades como a presena do cluster conectando os
protestos s redes
sociais (em azul), bem como as referncias direita e
esquerda.
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Fig. 5. Co-ocorrncias da regio Centro-Oeste
Na Figura 6 aparece a regio Nordeste. Vemos um primeiro cluster
central em torno
da hashtag #protestoce e, a seguir, um segundo cluster em azul,
conectando protesto
e #protestosp. Observamos que neste segundo cluster, conectado a
#protestosp est
o #passelivre e o tarifa, que representam as demandas. Vemos
tambm a ocorrncia
dos adjetivos lindo e orgulho no primeiro cluster. Finalmente,
no ltimo grafo temos a regio Norte (Figura 8). Esta a nica regio
onde
a centralizao em torno de uma nica hashtag menor. O conceito
mais central, ao contrrio das demais, protesto. Tambm neste grafo,
vemos a profuso de conceitos positivos e adjetivos relacionados ao
evento, como orgulho, boa, lindo e etc. O conceito pacfico, por
exemplo, aparece apenas aqui. Ao contrrio da regio Sul, a narrativa
aqui
a que contm menor volume de termos relacionados com a violncia
entre todas as regies.
Vemos assim que, embora a maior parte dos grafos das regies
tenha um padro
semelhante (centralizao em torno de hashtags locais narrativas e
clusters com hashtags de
outras regies; mesmos atores, demandas e conceitos), h algumas
diferenas. O discurso
na regio Sul mais violento, enquanto o da regio Centro-Oeste
foca o governo com
mais intensidade, e as regies Norte e Nordeste parecem amenizar
a questo negativa
e falar mais de conceitos positivos, como orgulho, lindo e
pacfico aos protestos.
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Fig. 6. Coocorrncias da regio Nordeste
Essas associaes demarcam os campos lingusticos estabelecidos por
Bourdieu
(1977), e sinalizam os discursos mais presentes nos dados
analisados. H um discurso
panfletrio e um narrativo dos protestos que coexistem
conjuntamente. Enquanto o
primeiro reflete a necessidade de mobilizar as pessoas, o
segundo reflete a prpria
narrativa dos eventos (CANCIAN; MOURA; MALINI, 2013), ao vivo,
alm de localiz-la,
e traduzi-la como violenta, especialmente entre os atores
principais (polcia e
protestos), principalmente na regio Sul. Ao mesmo tempo, vemos
tambm o uso de
hashtags que demarcam o contexto dessas narrativas e que tm uma
posio mais central
nos grafos, enquanto hashtags que demarcam ao mais panfletria
(BASTOS, RAIMUNDO
e TRAVITZKI, 2012) ficam mais conectadas entre si e menos
conectadas ao contexto dos
protestos, ressaltando as funes do Twitter, proposta por Gleason
(2013).
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Fig. 7. Co-ocorrncias regio Norte
Concluses
Nosso objetivo neste trabalho foi discutir o discurso dos
protestos de junho de 2013
no Brasil a partir de um recorte especfico de tweets. Nossas
questes focaram a identificao
e discusso das caractersticas dos discursos sobre esses
protestos, notadamente a questo
da localizao e do ao vivo, bem como a presena comum de
determinados atores e
demandas. A respeito dessa questo, pudemos observar a presena de
atores relativamente
comuns na maior parte das regies (como manifestantes e polcia,
por exemplo),
indicando a pluralidade de participao no movimento.
No segundo ponto, que objetivava verificar as diferenas de
discurso nas regies,
observamos pequenas diferenas sutis e uma estrutura
relativamente homognea que
fala de um protesto cujos atores protesto, polcia, governo e
mdia aparecem interligados
com os protestos associados a conceitos mais positivos (notamos
a presena do adjetivo
lindo em todas as redes). A violncia aparece pouco, com exceo do
grafo da regio Sul.
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A rede de coocorrncias refora essas anlises, mostrando
narrativas com um fio condutor
bastante parecido, como a narrativa do ao vivo e a presena de
determinados atores.
Entretanto, observamos algumas diferenas importantes entre as
regies, tais como
a ausncia de termos relacionados ao governo, por exemplo.
Essas observaes indicam que, apesar de um fio condutor
principal, que permeou
as narrativas de todas as regies, no houve uma percepo nica em
todos os discursos.
Observamos esses dois fios como sendo o narrativo e o
panfletrio, ou discurso mobilizador.
Embora o discurso panfletrio tenha mais unicidade em torno das
hashtags utilizadas,
a narrativa dos eventos apresentou variaes nas diferentes
regies, conforme discutimos.
Outros elementos observados trazem a questo do foco narrativo
dos protestos,
principalmente atravs da associao dos atores principais a
hashtags mais contextuais,
enquanto as mais focadas em aes panfletrias associavam-se entre
si. Chama ainda a ateno
a ausncia de centralizao do discurso em torno de demandas, mesmo
quando o discurso
patentemente panfletrio. Por outro lado, o discurso narrativo,
focado na localizao dos
eventos e no ao vivo, particularmente presente no Twitter e
bastante esperado.
A ausncia de demandas e a homogeneizao dessas caractersticas
tambm parece
reduzir a funo democrtica do Twitter enquanto espao de organizao
e demanda,
dando-lhe uma funo imediatista nessas narrativas. Essas
caractersticas delimitam
o campo lingustico dos protestos no Twitter e as possibilidades
discursivas da ferramenta.
Notadamente, a homogeneizao da estrutura das coocorrncias parece
sugerir o Twitter
no como um espao de debate e organizao, mas de narrativa e
mobilizao.
Raquel Recuero professora e pesquisadora do Programa
de Ps-Graduao em Letras e dos cursos de Jornalismo e
Publicidade e Propaganda da Universidade Catlica de Pelotas
[email protected]
Gabriela Zago doutoranda em Comunicao e Informao
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora
dos cursos de Design da Universidade Federal de Pelotas.
[email protected]
Marco Toledo Bastos ps-doutorando no centro HASTAC
da Duke University. ps-doutor e doutor em Cincias da
Comunicao pela Universidade de So Paulo.
[email protected]
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#ProtestosBR: anlise de contedo do Twitter.
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Artigo recebido em janeiro e aprovado em maro de 2014.