Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia José Prado Alves Filho Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo - PROCAM - USP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciência Ambiental. Orientador : Prof. Dr. Ricardo Abramovay Universidade de São Paulo 2000
235
Embed
Receituário agronômico: a construção de um instrumento de ... · ii Ficha Catalográfica Alves Filho, José Prado A474r Receituário agronômico: a construção de um instrumento
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos
agrotóxicos e sua controvérsia
José Prado Alves Filho
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo - PROCAM - USP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciência Ambiental.
Orientador : Prof. Dr. Ricardo Abramovay
Universidade de São Paulo
2000
ii
Ficha Catalográfica
Alves Filho, José Prado
A474r Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia / José Prado Alves Filho. -- São Paulo, 2000.
Dissertação (Mestrado) -- Programa de Pós-Graduação em Ciência
Ambiental - Universidade de São Paulo, 2000. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Abramovay 1. Agrotóxicos - Pesticidas. 2. Produtos químicos - Controle.
3. Segurança Química. 4. Meio Ambiente. 5. Agricultura. I. Título.
iii
A meus pais, Maria Inês e José, e à Eva, Mariana e Zéca, pontos de força e luz em minha rede de afetos, dedico este trabalho.
iv
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Ricardo Abramovay, pela acolhida como orientador, pelos estímulos, disponibilidade, colaboração e atenção sempre presente na construção deste estudo. Ao Prof. Dr. José Juliano de Carvalho Filho, pela acolhida e orientação inicial junto ao Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo. Aos Professores Drs. José Eli Savoia da Veiga e Ângelo Zanaga Trapé, pelas valiosas sugestões ao aprimoramento deste trabalho. Aos Engenheiros Agrônomos Sebastião Pinheiro, Walter Lazzarini, José Pedro da Costa Santiago, Reinaldo Onofre Skalisz, José Rubens Pelegrinete, Clayton Campanhola, Francisco Roberto Caporal, Valdir Antonio Secchi, e José Suzano de Almeida, pela atenção e disponibilidade no fornecimento de proveitosas informações e relatos sobre suas experiências à cerca do tema estudado. Ao Engº Agrônomo Eduardo Garcia Garcia, por assumir a Divisão de Agrotóxicos da Coordenação de Segurança Rural da FUNDACENTRO, em meus períodos de afastamento para elaboração deste trabalho, pelo estímulo, e pelo enriquecimento profissional e pessoal construídos ao longo destes doze anos de convivência e trabalho. À Susanna Acel, pela colaboração na composição do abstract. À equipe da Divisão de Documentação e Biblioteca da FUNDACENTRO, pelo apoio nas pesquisas bibliográficas. À FUNDACENTRO pelo apoio institucional e logístico. A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho.
v
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS ................................................................................. vii
ÍNDICE DE TABELAS................................................................................... x
ÍNDICE DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................... xii
RESUMO ....................................................................................................... xiv
ABSTRACT ..................................................................................................... xv
2. UMA VISÃO GERAL SOBRE OS AGROTÓXICOS ......................... 33 2. 1. UM BREVE HISTÓRICO...................................................................................................33 2. 2. OS PROCESSOS QUE ORIGINAM AS PRAGAS ...................................................................46 2. 3. O CONSUMO MUNDIAL DE AGROTÓXICOS.....................................................................53 2. 4. O MERCADO DE CONSUMO NO BRASIL .........................................................................56
3. A DIFUSÃO DO CONTROLE QUÍMICO NA AGRICULTURA BRASILEIRA................................................................................................. 71
3. 1. A CONSOLIDAÇÃO DO USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL ............................................73 3. 2. A CRIAÇÃO DA ANDEF................................................................................................78 3. 3. O PAPEL DO CRÉDITO RURAL NO CRESCIMENTO DO MERCADO ...................................82 3. 4. O INCREMENTO DO USO E A PERCEPÇÃO DOS IMPACTOS À SAÚDE E AO AMBIENTE .....84
4. A RECEITA BRASILEIRA NO CONTROLE DOS RISCOS.......... 108 4. 1. A CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS EM TORNO DO RECEITUÁRIO ..................................125
5. PERDENDO O PONTO DA RECEITA: AS CONTROVÉRSIAS MODIFICANDO A IDÉIA INICIAL ...................................................... 139
5. 1. O ESTABELECIMENTO DO DEBATE ..............................................................................139 5. 2. AS DIFICULDADES DE IMPLANTAÇÃO E OPERAÇÃO DO SISTEMA................................151 5. 3. A LEI FEDERAL DOS AGROTÓXICOS.............................................................................182 5. 4. O DISTANCIAMENTO DA IDÉIA INICIAL .......................................................................189
6. O FEITIÇO VIRA CONTRA O FEITICEIRO: A BANALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES DO RECEITUÁRIO......................................................... 192
6. 1. A INEFICÁCIA DO SISTEMA DE RECEITUÁRIO AGRONÔMICO.......................................201
vi
7. CONCLUSÃO: QUEBRANDO O FEITIÇO E BUSCANDO A RECEITA DO ANTÍDOTO .................................................................................................. 218
Página Figura 1 - Resumo dos principais argumentos favoráveis e contrários em relação
ao uso de agrotóxicos...............................................................................
39 Figura 2 - Divisão mundial do mercado de agrotóxicos em geral e em suas
principais classes de uso - 1992...............................................................
53 Figura 3 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil -
1972 a 1982 - (em US$ 1000 de 1999)...................................................
62 Figura 4 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil -
1982 a 1992 - (em US$ 1000 de 1999)...................................................
63 Figura 5 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil -
1992 a 1999 - (em US$ 1000 de 1999)...................................................
64 Figura 6 - Vendas* de agrotóxicos no Brasil, em 1985 e 1996, segundo as
unidades da federação..............................................................................
65 Figura 7 - Distribuição dos produtos registrados no Ministério da Agricultura,
segundo classes gerais de uso - Brasil - 1998.........................................
66 Figura 8 - Distribuição percentual dos casos registrados no SINITOX, de
intoxicação humana, por agente tóxico - Brasil - 1998...........................
86 Figura 9 - Distribuição percentual dos casos registrados de intoxicação humana,
que evoluíram a óbito e agente tóxico - Brasil - 1998............................
88 Figura 10 - Evolução dos casos de intoxicação humana por agrotóxicos
registrados pelo SINITOX* e das vendas de agrotóxicos** nos anos de 1992 a 1998.......................................................................................
90
viii
Figura 11 - Modelo de "Bloco de Recomendações Técnicas" utilizado pelo Serviço de Extensão Rural no Rio Grande do Sul, anterior à implantação do receituário (1978).........................................................
110 Figura 12 - Carta-circular do Banco do Brasil, destinada às agências do Estado
do Rio Grande do Sul, instituindo o receituário agronômico nas operações de crédito efetuadas pelo banco. Brasília, fevereiro de 1978........................................................................................................
114 Figura 13 - Recomendação nº 01 da Comissão de Defensivos Agrícolas,
aprovada em 17 de outubro de 1978......................................................
116 Figura 14 - Quadro resumo dos argumentos apresentados por Lutzemberger, no
debate em torno da resolução nº01 da Comissão de Defensivos Agrícolas................................................................................................
117 Figura 15 - Carta do Banco do Brasil, dirigida ao presidente da Sociedade de
Agronomia do Rio Grande do Sul, dando conta dos resultados preliminares decorrentes da adoção do receituário agronômico (1980).....................................................................................................
119 Figura 16 - Modelo de receituário agronômico adotado pela EMATER-RS, em
1978 (frente e verso)..............................................................................
120 Figura 17 - Tópicos do conteúdo programático desenvolvido no "1º Curso sobre
Fundamentos do Receituário Agronômico", e respectivos docentes. Pelotas, RS, abril de 1978......................................................................
122 Figura 18 - Alguns componentes do "Glossário de termos e conceitos em
Receituário Agronômico", apresentado no "1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico". Pelotas/RS - 1978........................................................................................................
127 Figura 19 - Perguntas básicas para o procedimento de anamnese ativa no
exercício do receituário agronômico.....................................................
130 Figura 20 - Modelo de Ficha Técnica ...................................................................... 133 Figura 21 - Fatores determinantes da eficiência do receituário................................ 134 Figura 22 - Apoio logístico ao receituário agronômico - subsídios......................... 138 Figura 23 - Aspectos comparativos entre o "receituário agronômico" e o "projeto
149 Figura 24 - Obstáculos e perspectivas inicias para a implantação da proposta de
receituário agronômico , Brasil - 1979-80.............................................
152
ix
Figura 25 - Evolução dos índices percentuais simples das quantidades vendidas de produto comercial, em diversas classes de agrotóxicos - Brasil - 1978, 1988 e 1998 (ano base 1975=100)..............................................
203 Figura 26 - Evolução dos índices percentuais simples das quantidades vendidas
de ingrediente ativo, em diversas classes de agrotóxicos - Brasil - 1978, 1988 e 1998 (ano base 1975=100)..............................................
203 Figura 27 - Evolução dos índices percentuais de produtividade, área plantada,
produção, valor de vendas de herbicidas e quantidades de ingredientes ativos de herbicidas utilizados na cultura da soja. Brasil - 1985 e 1998 (ano base 1984=100)......................................................
204 Figura 28 - Esquema geral do trabalho de tratamento e aplicação dos dados do
receituário agronômico desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente..
208 Figura 29 - Funcionamento do sistema integrado de avisos (SAI).......................... 209 Figura 30 - Exemplos de páginas na internet disponibilizando a compra de
agrotóxicos através do comércio eletrônico..........................................
214
x
ÍNDICE DE TABELAS
Página Tabela 1 - Ações regulatórias da EPA e situação especial de revisão de
agrotóxicos usados na produção agrícola .............................................
37 Tabela 2 - Produção global atual de oito principais culturas e perdas estimadas,
por tipos de pragas, no período de 1988 e 90 - (bilhões US$)..............
47 Tabela 3 - Produção global atual e perdas estimadas de oito principais culturas,
no período de 1988 e 90, por tipos de pragas e regiões - (bilhões de US$).......................................................................................................
48 Tabela 4 - Despesas* com agrotóxicos em alguns países da América Latina ....... 54 Tabela 5 - Vendas de agrotóxicos (US$ milhões) nos países do Mercosul,
segundo as principais classes de uso, 1995...........................................
55 Tabela 6 - Vendas mundiais de agrotóxicos realizadas pelas principais empresas
produtoras em 1993...............................................................................
55 Tabela 7 - Vendas de agrotóxicos - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998............ ....... 57 Tabela 8 - Vendas de inseticidas1 - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.................... 58 Tabela 9 - Vendas de fungicidas - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.................... 59 Tabela 10 - Vendas de herbicidas - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.................... 60 Tabela 11 - Participação das principais empresas atuantes no mercado de
agrotóxicos no Brasil, no ano de 1999..................................................
61 Tabela 12 - Participação das principais empresas atuantes no mercado de
agrotóxicos no Brasil, no ano de 1999, após os processos de fusões comerciais..............................................................................................
61
xi
Tabela 13 - Número de ingredientes ativos com uso permitido no país, segundo as classes de uso e classes toxicológicas a que pertencem. Brasil - 1996 a 2000............................................................................................
68 Tabela 14 - Número de produtos comerciais com uso permitido no país,
segundo as classes de uso e classes toxicológicas a que pertencem. Brasil - 1996 a 2000................................................................................
69 Tabela 15 - Número de apresentações de produtos comerciais com uso permitido
no país, segundo as classes de uso e classes toxicológicas a que pertencem. Brasil - 1996 a 2000.............................................................
70 Tabela 16 - Brasil - Agrotóxicos* - Produção, Importação, Exportação e
Consumo Aparente - 1970 - 84 (em toneladas)**.................................
76 Tabela 17 - Financiamento concedido a Produtores e Cooperativas Agrícolas
pelo Sistema Nacional de Crédito Rural, para custeio agrícola e aquisição de agrotóxicos - Brasil - 1974 - 1981.....................................
82 Tabela 18 - Evolução da participação percentual das principais culturas, no valor
total dos financiamentos concedidos a produtores e cooperativas para aquisição de agrotóxicos , Brasil , 1977 - 1981......................................
83 Tabela 19 - Evolução dos casos registrados no SINITOX, de intoxicação
humana, por agente causal geral e por pesticidas agropecuários, em situação de exposição geral e exposição ocupacional - Brasil - 1999...
88
Tabela 20 - Quantidades* de agrotóxicos comercializados, em produto comercial
e ingrediente ativo, segundo as diferentes classes de produtos - Brasil - 1987 e 1997...........................................................................................
202
xii
ÍNDICE DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AENORGS Associação dos Engenheiros Agrônomos do Nordeste do Rio
Grande do Sul
AGAPAN Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural
ANDEF Associação Nacional de Defesa Vegetal (até 1992 denominada
como Associação Nacional de Defensivos Agrícolas)
ART Anotação de Responsabilidade Técnica
BHC Hexaclorociclohexano
CCI Centro de Controle de Intoxicações
CNARA Congresso Nacional de Agrotóxicos e Receituário Agronômico
CONFEA Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
CPA Conselho de Política Aduaneira
CREA Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
DDT Dicloro Difenil Tricloroetano
EBDC Ethylene bisdithiocarbamic acid
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EPA Environmental Protection Agency
EUA Estados Unidos da América
FAEAB Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do
Brasil
FAEM Faculdade de Agronomia "Eliseu Maciel"
FAO Food and Agriculture Organization of United Nations
FIOCRUZ Fundação Instituto Oswaldo Cruz
FUNDACENTRO Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do
Trabalho
IEA Instituto de Economia Agrícola
xiii
MIP Manejo Integrado de Pragas
MS Ministério da Saúde
OECD Organization for Economic Co-operation and Development
OMS Organização Mundial de Saúde
PAHO Pan American Health Organization
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PNDA Plano Nacional de Defensivos Agrícolas
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SINDAG Sindicato Nacional das Indústrias de Defensivos Agrícolas
SINITOX Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
UBV Ultra Baixo Volume
UFPel Universidade Federal de Pelotas
Unesp Universidade Estadual Paulista
USP Universidade de São Paulo
xiv
RESUMO
ALVES FILHO, J. P. (2000). Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à
gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia. São Paulo, 2000. 235p. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo.
O uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura brasileira, e suas conseqüências
sobre os aspectos ambientais e de saúde pública, deram início a uma ampla campanha
conduzida por agrônomos, extensionistas, ambientalistas e produtores rurais, visando a
criação de mecanismos de controle do uso desses insumos químicos. Um dos caminhos
construídos no Brasil para a gestão dos agrotóxicos foi o estabelecimento, através de
legislação específica, da prescrição técnica obrigatória, a partir da participação de um
profissional habilitado (engenheiro agrônomo ou florestal), como requisito para a
comercialização dos agrotóxicos. O presente estudo visa discutir a situação atual de
aplicação e uso do receituário agronômico, comparando os princípios que
fundamentaram no passado a construção desse instrumento de gestão, com o quadro
atual de utilização dessa prática. A parte inicial deste estudo apresenta um panorama
geral sobre o uso de agrotóxicos. Em seguida, buscou-se investigar e discutir os fatores
de origem da adoção do receituário agronômico, a partir do desenho de um quadro
histórico do processo de proposição e adoção desse instituto. O passo seguinte foi
dedicado a investigar as influências do processo de institucionalização do receituário
agronômico e as distorções ocorridas em relação aos preceitos iniciais da proposta.
Buscou-se também registrar subsídios sobre o atual contexto de aplicação e
aplicabilidade do receituário agronômico.
Palavras-chave: agrotóxicos; pesticidas; segurança química; meio ambiente.
xv
ABSTRACT
ALVES FILHO, J. P. (2000). Agronomic prescription: the creation of a pesticides management support
tool and its controversy. São Paulo, 2000. 235p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo.
The unrestricted use of pesticides in Brazilian agriculture and its impact in
environmental and public health aspects, motivated a broad range of initiatives
conducted by agronomists, professionals of rural extension services, environmentalists
and farmers, with the objective of creating new mechanisms of pesticides control. One
of the ways built in Brazil for the management of pesticides was the establishment,
through a specific legislation, of the mandatory technical prescription, written by a
qualified professional (agronomist or forest engineer), as a requirement to pesticides
commercialization. The aim of this study is to discuss the status of agronomic
prescription use, comparing the principles that supported the construction of this
management tool in the past with the adoption of this practice nowadays. The initial
part of this study presents a general panorama on the use of pesticides in the
agriculture. Soon afterwards, it was looked for to investigate and to discuss the factors
of origin of the adoption of the agronomics prescriptions, starting from the drawing of
a historical picture of the proposition process and adoption of that institute. The
following step was dedicated to the investigation on the influences of the process of
adoption of the technical prescription and the distortions happened in relation to the
initial precepts of the proposal. It was also looked for to register subsidies on the
current application context and applicability of the agronomics prescriptions.
Keywords: pesticides; chemical safety; environment
16
1. APRESENTAÇÃO A implantação e adoção generalizada, da prática do que se convencionou
chamar de "receituário agronômico", a partir da aprovação da legislação federal (Lei
nº7.802, de 11 de julho de 1989) que regulamenta o uso dos agrotóxicos no país,
representa tentativa quase inédita de controle da comercialização e da utilização desses
produtos, quando analisamos as estratégias de gestão adotadas em outros países, na
busca de padrões e recomendações técnicas que possam minimizar os efeitos
negativos decorrentes do uso de agrotóxicosi.
A prescrição técnica formalizada, como instrumento legal obrigatório para a
compra destes insumos, representou um dos caminhos institucionais construídos no
Brasil para se tentar reverter os graves problemas ambientais e de saúde pública
desenhados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos nas atividades agropecuárias e
florestais.
O processo que culminou com a proposição desse sistema de controle da
comercialização dos agrotóxicos por receita, pode ser caracterizado como socialmente
construído. Ele é o resultado de um amplo debate que ocupou a agenda de vários atores
sociais envolvidos com os temas ambientais e a questão dos agrotóxicos, em especial
nos meios agronômicos, desde o final da década de 70.
i O Brasil não foi o pioneiro na exigência de autorização escrita para a venda de agrotóxicos. Países como a
Venezuela e a Polônia já praticavam tal controle bem antes do início das discussões no Brasil, sendo que na Polônia a prática existe desde 1965. Entretanto o surgimento da figura do engenheiro agrônomo como mediador dessa relação surge apenas na década de setenta, a partir da implantação na Califórnia, Estados Unidos, de um sistema de credenciamento desses profissionais para a autorização de vendas de agrotóxicos (GUERRA & SAMPAIO,1991).
17
A rede sócio-técnica (LATOUR, 1994) constituída por legisladores,
extensionistas, ambientalistas, agricultores e suas organizações, e principalmente pela
corporação agronômica, através de suas associações e conselhos profissionais,
constrói e modifica o instrumento do receituário e dessa forma vai definindo as
relações estabelecidas entre extensionista e agricultor, agrotóxicos e pragas, saúde e
doença, contaminação e preservação do ambiente.
Decorridos mais de dez anos desde a aprovação da "Lei dos Agrotóxicos",
marco da implantação prática do receituário agronômico em todo o país, é patente sua
ineficácia como instrumento de apoio à gestão desses insumos.
A ausência quase que total de qualquer tipo de processamento e
acompanhamento por parte dos órgãos fiscalizadores das áreas de defesa agropecuária
e de fiscalização do exercício profissional (Sistema CONFEA/CREA), das
informações constantes das receitas emitidas, constitui apenas uma parte das inúmeras
evidências empíricas sobre a ineficácia deste sistema de controle.
Não obstante os sinais explícitos de sua ineficácia, paradoxalmente o ritual do
receituário agronômico continua a ser cultivado pela rede de atores envolvidos,
contando inclusive com a realização de congressos anuais promovidos pela corporação
agronômica. Nesses eventos se pode constatar o debate travado entre os que buscam
ressaltar seus efeitos positivos e aqueles mais críticos que questionam sua concepção e
funcionalidade.
A reflexão sobre este quadro inspirou a realização da presente pesquisa, cujos
objetivos são os seguintes:
• estudar a história e o contexto de adoção do receituário agronômico, verificando os
processos sociais que resultaram na proposição desse instrumento de regulação do
uso de agrotóxicos na atividade agropecuária;
18
• analisar o papel da corporação agronômica (técnicos, pesquisadores,
extensionistas, universidade, conselhos e associações profissionais, etc) e da
indústria de agrotóxicos na construção e manutenção do sistema de receituário
implantado;
• investigar a situação atual de aplicação e uso do receituário e contribuir para uma
abordagem mais crítica sobre a necessidade de rever os mecanismos de controle
dos agrotóxicos no Brasil, em especial no que se refere às estratégias que buscam
definir as relações de mediação técnica para o acesso aos agrotóxicos, como
tentativa de minimizar os fatores de riscos associados a esses insumos.
As idéias que catalisaram a iniciativa de proposição e desenvolvimento do
presente estudo surgiram como decorrência de minha vivência profissional, em doze
anos dedicados à pesquisa e extensão de conceitos e técnicas de prevenção de
acidentes de trabalho na agricultura, atuando como pesquisador da Divisão de
Agrotóxicos da Coordenação de Segurança Rural da FUNDACENTRO, somados a
dois anos de atividades de assessoria na elaboração e aplicação de estratégias de
fiscalização da atividade profissional do engenheiro agrônomo, como fiscal técnico da
Câmara de Agronomia do CREA-SP, nos anos de 1986 a 1988.
Os contatos com a temática ambiental e ocupacional ligada aos agrotóxicos
foram fatores que alimentaram a preocupação com a questão do uso desses insumos no
campo e suas conseqüências influenciando a definição das condições dos ambientes de
trabalho nas atividades agrícolas e florestais, a segurança e saúde do trabalhador
exposto a esse risco, a qualidade ambiental das áreas submetidas ao emprego desses
insumos, e finalmente a qualidade dos alimentos e da água que consumimos. As visões
gerais de todas estas interfaces de implicações e relações serviram como motivação
para a realização desta pesquisa especialmente dentro de um contexto de abordagem
multidisciplinar proporcionada pela concepção somada ao ambiente que inspira a
existência do PROCAM - Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da
Universidade de São Paulo.
19
Um ponto específico de interesse dentro da questão mais ampla relativa ao uso
de agrotóxicos situa-se na forma como são construídos e aplicados os processos de
disseminação da tecnologia química, como instrumento de controle dos problemas
fitossanitários na atividade agropecuária e florestal, e o papel exercido pelos atores
responsáveis pela recomendação técnica no emprego desses insumos.
Os problemas decorrentes do uso intenso desses insumos no campo continuam
a desenhar um quadro de gravidade, tanto na produção de intoxicações de
trabalhadores expostos, como na contaminação ambiental desencadeada pelas
aplicações indiscriminadas e desprovidas de efetiva orientação e acompanhamento
técnico.
A importância e a atualidade da questão dos agrotóxicos no Brasil pode ser
constatada quando se verifica a atenção dada ao tema no conteúdo construído para a
Agenda 21 Brasileirai, em especial na área temática dedicada a "Agricultura
Sustentável". Tanto o documento final como os diversos relatórios produzidos
reservam vários tópicos dedicados a diagnosticar os problemas decorrentes do uso
atual da tecnologia química, trazendo também sugestões de estratégias e diretrizes
para a redução e fiscalização do uso desses insumos, visando o manejo sustentável dos
sistemas produtivos.
Um dos relatórios produzidos como subsídios à composição da Agenda 21
brasileira aponta que "não é de se espantar que em torno dos agrotóxicos se
desenvolvam as mais acesas polêmicas, quando se trata da relação entre agricultura e
meio ambiente. Em primeiro lugar a magnitude dos interesses em jogo é gigantesca...o
setor faturou, em 1997, quase US$2,2 bilhões, US$ 200 milhões a mais que no ano
anterior." (ABRAMOVAY, 1999:14).
A constatação do aumento no consumo dos agrotóxicos pode sugerir a
intensificação dos problemas decorrentes de saúde pública e meio ambiente;
i Resumo do documento final e demais documentos de trabalho consultados [on line] via www, URL:
http://www.atech.br/agenda21.as/final2a.htm
20
intensificação esta que fica ainda mais clara quando se analisa o contexto em que se dá
esse aumento, nas principais regiões consumidoras, como no caso do estado do
Paraná: "...a indústria registra princípios ativos que não serão captados pela
capacidade laboratorial existente. Os produtos proibidos (o que não significa, é claro,
que não sejam usados) são monitorados, mas nunca mais, após 1984, houve a
consolidação dos dados estaduais a seu respeito" (ABRAMOVAY, 1999:15).
Os casos de intoxicações humanas são registrados de forma crescente, na
medida em que os sistemas de vigilância vão sendo implantados e aperfeiçoados no
País. O Sistema de Informações Tóxico-farmacológicas - SINITOX, mantido pelo
Ministério da Saúde, registrou a ocorrência de nada menos do que 5.268 casos de
intoxicações agudas por agrotóxicos no ano de 1998. Estes registros colocam os
agrotóxicos como o quarto principal agente causal de intoxicações detectadas pelo
sistema.
O uso crescente nem sempre está associado a uma assistência e um contexto
tecnológico adequados. Alguns estudos tentando levantar a real situação de uso desses
insumos no campo têm demonstrado que a utilização muitas vezes se dá de forma
completamente desprovida do acompanhamento técnico.
Um levantamento de campo realizado pela Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo em convênio com a FUNDACENTRO no ano
de 1997 mostrou que dentre cerca de 3000 unidades rurais de produção visitadas, em
100 municípios do Estado de São Paulo, 57% dos responsáveis entrevistados relataram
não receber nenhum tipo de assistência técnica por parte de agrônomos, no
desenvolvimento de atividades de manejo fitossanitário (RAMOS, et al., 1999).
Em relação ao aprendizado sobre técnicas no manuseio de agrotóxicos a
distribuição percentual dos entrevistados mostrou que apenas 14,8% obtiveram
orientação fornecida por técnicos (extensionistas, técnicos de cooperativas, técnicos
das revendas ou técnicos particulares). Os demais relataram a seguinte situação: 39,5%
foram orientados por familiares; 16,6% por outro agricultor; 15,4% tinham o
21
empregador como fonte de aprendizado; 4,9% aprenderam com outros não
enquadrados nas categorias anteriores; e por fim, 8,8% dos entrevistados relataram não
ter acesso a nenhuma fonte de aprendizado para o manuseio de agrotóxicos
(VICENTE et al.,1998; RAMOS, et al., 1999).
Não obstante as evidências de sua insuficiência, a receita, como etapa
necessária para o acesso à tecnologia química no controle de pragas e doenças,
permanece estabelecida no cotidiano das atividades agropecuárias e florestais que
fazem uso dos agrotóxicos.
Tal presença se dá como mero ritual burocrático, desprovido de função e
eficácia, tanto em seu preconizado caráter de instrumento de gestão de riscos químicos,
como em seu papel potencial na prospecção de dados epidemiológicos sobre
incidências de pragas e doenças, e consumo de agrotóxicos. Somente no Estado de São
Paulo são emitidas mensalmente cerca de 40.000 receitas, que não recebem nenhum
tipo de processamento e tratamento de dados por parte dos órgãos responsáveis por
fiscalizar o uso - a defesa agropecuária - , ou pela fiscalização profissional da atividade
agronômica e florestal - os conselhos profissionais i.
Este quadro atual que define a situação a que foi resumida a idéia do
receituário agronômico não guarda relação coerente com a visão inicial de seus
proponentes, em especial junto a um seleto grupo de agrônomos e ambientalistas
envolvidos na luta por sua implantação desde o final dos anos 70.
Foi nesse período que a rede formada por técnicos da área agronômica,
ambientalistas, professores universitários, dentre outros, contou com a participação de
personagens de destaque, inicialmente com atuação em âmbito local (a começar pelo
Estado do Rio Grande do Sul), e em seguida ganhando espaço em escala nacional,
encaminhando a luta pela instituição do instrumento do Receituário Agronômico.
i Informação obtida em entrevista preliminar com a assessoria da Câmara de Agronomia do CREA-SP - Conselho
Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo.
22
Nomes como José Lutzenberger, Sebastião Pinheiro, Milton de Souza Guerra,
Daiser Paulo Sampaio, Antenor Ferrari, Caio Lustosa, Luiz Carlos Pinheiro Machado,
Verena Nygaard, Walter Lazzarini, Adilson Paschoal, Francisco Graziano Neto, dentre
outros, deram o impulso inicial e alimentaram, ao final da década de 70, uma ampla
campanha de adoção do Receituário Agronômico como instrumento de gestão dos
impactos ambientais e de saúde pública decorrentes do uso de agrotóxicos.
Inicialmente o receituário foi concebido como instrumento metodológico de
implantação de doutrina técnica renovadora para fazer frente aos problemas
fitossanitários. Nesta doutrina o papel do agrônomo refletia o atendimento a interesses
de produção, saúde humana, saúde animal e ambiental; a adoção da tecnologia química
estaria sendo feita levando-se em conta os aspectos sócio-culturais dos usuários. O
técnico extensionista atuaria de forma presente acompanhando e assessorando na
organização do processo produtivo, buscando soluções criativas comprometidas com a
resolução do problema representado pelas pragas, mas considerando a distribuição do
agente etiológico, buscando reduzir o consumo de agrotóxicos a um mínimo
indispensável, e dessa forma reduzir os custos de produção.
Posteriormente a massificação da prática do receituário em todo o país foi
acompanhada de um processo de distanciamento dos conceitos iniciais que inspiraram
a proposição deste instituto. Assim, a idéia do receituário agronômico como prática
profissional ampla e baseada em doutrina técnica para o manejo fitossanitário foi
sendo reduzida a uma simples preocupação operacional em torno da instituição da
receita como instrumento de controle de vendas de insumos químicos
reconhecidamente problemáticos.
Finalmente, nos padrões atuais, o receituário foi banalizado como mera
formalidade burocrática desprovida de sentido prático em relação às suas vocações
anteriores, mas dotada de papel importante para a viabilização da continuidade do
processo de disseminação do uso de agrotóxicos, agora exercitado sob leis e
regulamentos que diluem a responsabilidade decorrente da adoção dessa tecnologia
23
entre os diversos atores participantes da rede envolvida com a utilização desses
insumos.
Esse processo de institucionalização do receituário agronômico foi sendo
construído pela rede de atores formada pela corporação agronômica (através das
associações e conselhos profissionais, sindicatos, e pelos próprios técnicos atuantes),
pelos representantes da indústria química, os comerciantes, os agricultores, os
pesquisadores, as escolas de agronomia, os serviços de extensão rural, dentre outros.
A idéia de incorporar ao conteúdo do receituário os tópicos relativos ao manejo
integrado de pragas, precauções de uso, primeiros socorros nos casos de acidentes,
advertências relacionadas ao meio ambiente, conforme estabelecido na legislação,
guardaria alguma relação com as intenções colocadas nas discussões iniciais da adoção
desta prática; entretanto o reducionismo incorporado ao exercício do receituário
agronômico consegue apenas imprimir, no verso dos formulários de receita,
informações padronizadas sobre os cuidados com a saúde e com o ambiente.
Neste patamar de burocratização o exercício técnico passa a ser totalmente
desprovido de criatividade ou compromisso com as conseqüências das recomendações
formuladas, restando sempre a possibilidade da simples cópia das indicações técnicas
apresentadas nas bulas dos agrotóxicos, ou ainda a prescrição do “vide verso”,
remetendo o poder do discernimento técnico ao padrão comum da letra previamente
impressa nos formulários de receitas.
Cerca de dez anos após o estabelecimento generalizado da prática legal do
receituário no país, são suscitadas algumas questões intrigantes, surgidas na dinâmica
das relações construídas em torno desse instrumento, tais como:
1. Quais fatores motivaram um grupo seleto de agrônomos e ambientalistas,
envolvidos na luta pelo controle do uso indiscriminado dos agrotóxicos, a propor
ao final da década de 70 a institucionalização do receituário agronômico?
24
2. Que tipo de visão alimentava a concepção de seus proponentes no sentido de tornar
a prática do receituário agronômico algo além da criação de um mecanismo de
controle de vendas de insumos?
3. Como se posicionam os representantes dos diversos setores que participam dos
processos de desenvolvimento e de adoção da tecnologia dos agrotóxicos em
relação à eficácia do receituário como instrumento de controle do uso
indiscriminado de agrotóxicos?
4. Caracterizada sua ineficiência e ineficácia como instrumento de gestão dos
agrotóxicos, como explicar a permanência desse instituto no sistema?
Esta dissertação apóia-se nas seguintes hipóteses de pesquisa:
1. A prática do receituário agronômico, exercitada após a implantação da lei dos
agrotóxicos, se resume a um mero ritual burocrático sem eficácia como forma de
controle do uso dos agrotóxicos. De certa forma os princípios inicialmente
concebidos para a prática do receituário foram "traídos", ao longo do processo de
sua implantação. O receituário agronômico implantado após a lei dos
agrotóxicos descaracteriza a atuação do agrônomo como organizador do
processo produtivo na agricultura, em especial no tocante à proteção vegetal,
reduzindo sua ação ao papel de simples indutor da adoção da tecnologia química.
2. Os atores dos meios agronômicos que propuseram a idéia do receituário
O primeiro produto inseticida desenvolvido por síntese orgânica, a base de
tiocianato, foi comercializado com o nome de Lethane 384, no ano de 1932,
inaugurando assim a chamada "segunda geração" de agrotóxicos (GUERRA &
SAMPAIO, 1991).
i Uma das doenças parasitárias mais comuns que atacam especialmente as hortaliças, tais como: tomate, berinjela,
batatinha, espinafre, feijoeiro, cebola e nabo. Tem como agente etiológico os fungos Peronospora spp., Phytophthora spp. ou Plamopara spp.
35
Todavia é a partir da Segunda Guerra Mundial, com o desenvolvimento da
indústria de síntese química, que ocorre a difusão e a larga e progressiva utilização de
biocidas sintetizados.
Em 1939, com a descoberta das propriedades inseticidas do DDT (Dicloro Difenil
Tricloroetano), um composto orgânico sintetizado por Otto Ziedler em 1874, foi dado
início a um marco revolucionário nas tecnologias até então empregadas para o combate
às pragas. A relevância desse desenvolvimento, que desencadeou mudanças
importantes no campo da agricultura e da saúde pública, levou seu responsável, o
pesquisador Paul Muller, da companhia suíça Geigy, a ser contemplado com o Prêmio
Nobel de fisiologia e medicina, do ano de 1948 (PASCHOAL, 1979).
As propriedades inseticidas do BHC (Hexaclorociclohexano) foram descobertas
quase que simultaneamente, a partir de estudos realizados por pesquisadores franceses
e ingleses nos anos de 1941-42.
Durante o período da Segunda Guerra Mundial vários produtos biocidas foram
desenvolvidos pela indústria química alemã e americana. Entre os gases de guerra
produzidos pela indústria alemã, estavam alguns derivados do ácido fosfórico, os quais
posteriormente deram origem aos inseticidas do grupo do parathion. Os técnicos da
indústria química de guerra americana trabalharam intensamente no desenvolvimento
de substâncias que pudessem ser aplicadas na destruição, por via aérea, das áreas de
colheitas dos inimigos.
"...quando a primeira bomba atômica explodiu, no verão de 1945, viajava em
direção ao Japão um barco americano com uma carga de fitocidas, então declarados
como LN 8 LN 14, suficientes para destruir 30% das colheitas. Com a explosão das
bombas o Japão capitulou, o barco voltou. Mais tarde, na Guerra do Vietnam, estes
mesmos venenos, com outros nomes, tais como "agente laranja" e agentes de outras
cores, serviram para destruição de dezenas de milhares de quilômetros quadrados de
florestas e de colheitas (...) os químicos que conceberam aquela forma de guerra
química passaram a oferecer à agricultura seus venenos, agora chamados de
36
herbicidas, do grupo do ácido fenoxiacético, o 2,4-D e o 2,4,5-T MCPA e outros"
(LUTZEMBERGER, 1992:98-99).
Desde então uma grande variedade de produtos sintéticos é desenvolvida pela
indústria química mundial, resultando em milhares de formulações comerciais
difundidas no mercado internacional de insumos para a agricultura.
No Brasil, os primeiros registros de compostos organoclorados foram feitos no ano
1946. Nesse mesmo período foram introduzidos os inseticidas sistêmicos e, em 1958,
os antibióticos à base de sais de estreptomicina. Durante os anos de 1954 a 1960, foi
intenso o processo de registro de novos produtos junto ao ministério da agricultura. Os
números divulgados pelo serviço de defesa sanitária vegetal davam conta de que 2.045
produtos haviam sido registrados no período (LIMA, 1960:62).
Ao final dos anos 50 e início dos 60 surgem os primeiros processos de reavaliação
dos problemas de segurança e eficácia dos agrotóxicos, na comunidade técnica
internacional. A visão dos problemas decorrentes do uso generalizado de substâncias
químicas para o combate às pragas, em especial do DDT, foi em grande parte
influenciada pelas denúncias que culminaram com a publicação do livro da
pesquisadora americana Rachel Carson, denominado Silient Spring , no ano de 1962.
As teses sustentadas pelo livro ressaltavam os riscos crescentes envolvidos na
manutenção dos padrões de uso dos agrotóxicos e a necessidade urgente de mudanças
em busca de práticas alternativas de menor impacto ao ambiente e à saúde humana.
Não obstante a forte reação da indústria química em relação ao trabalho de Carson,
os argumentos consistentes apresentados pela pesquisadora influenciaram fortemente a
opinião pública americana, desencadeando um processo de reavaliação dos agrotóxicos
pelos órgãos governamentais daquele país, em processo que culminou com a criação
da agência ambiental americana (Environmental Protection Agency - EPA ), e
posteriormente, com o banimento do uso agrícola de produtos organoclorados.
(NRC,2000). A partir de 1971 vários produtos sintéticos são banidos ou mantidos sob
37
uso restrito, pelo órgão ambiental americano, por conta da constatação dos efeitos
nocivos à saúde e ao ambiente (Tabela 1).
Tabela 1 - Ações regulatórias da EPA e situação especial de revisão de agrotóxicos usados na produção agrícola.
Ano Produto Ação regulatória 1972 Aldrin Todos os usos cancelados, com exceção do controle de cupins.
1972 DDT Todos os usos cancelados (exceto para controle de vetores em saúde pública).
1981 Dimethoate Proibição da formulação em pó. Mudanças na rotulagem.
1982 EBDC Advertências quanto ao uso de vestimentas de proteção e aos riscos à vida silvestre.
1982 Toxaphene Cancelamento da maioria das autorizações de uso, com exceção de algumas situações emergenciais de infestações de insetos nas culturas de milho, algodão e outros grãos.
1982 Trifluralin Restrições sobre a formulação de produtos.
1985 Endrin Todos os usos cancelados.
1985 Ethalfluralin Riscos excedendo os benefícios; exigências de novos dados.
1987 Alaclor Uso restrito e rotulagem de advertência, em função de problemas decorrentes da contaminação de águas subterrâneas.
1987 Captafol Todos os usos cancelados.
1988 Chlordimeform Todos os usos cancelados, uso dos estoques existentes até 1989.
1988 Heptaclor Todos os usos cancelados, exceto para o controle de cupins.
1990 Diazinon Todos os usos em campos de golf e gramados cancelados.
1991 Parathion Uso restrito a culturas de campo. Sob revisão com exigências de dados toxicológicos.
1992 Aldicar Uso cancelado para a cultura da banana. Colocado sob risco alimentar.
1992 2,4 - D Concordância da indústria em reduzir a exposição através de mudanças nos rótulos e educação dos usuários.
1993 Methyl bromide Produção anual e uso limitado aos níveis praticados em 1991, com previsão de banimento em 2001.
1994 Mevinphos Cancelamento voluntário de todos os usos
1995 Cyanazine Diminuição voluntária da produção até 2000, com utilização dos estoques até 2003
1996 Propargite Cancelamento do registro de uso para 10 culturas Fonte: modificado de NRC (National Research Council) (2000), a partir dos dados de EPA (US
Environmental Protection Agency) (1998) e Lin et al., 1995
38
Já na década de 60 começam a surgir novos produtos classificados como de
"terceira geração", em uma fase onde a busca por produtos menos tóxicos para o
homem e o ambiente passa a ocupar a estratégia da indústria química. Tal reação se dá
em função dos graves problemas identificados, tanto em relação aos processos de
intoxicações agudas e crônicas sofridos pelas populações expostas direta e
indiretamente, como pelos acidentes ambientais e problemas de eficiência agronômica
dos produtos, estes últimos desencadeados pelos mecanismos de resistência das
populações de pragas aos produtos até então em uso.
Fazem parte desta terceira geração de agrotóxicos as formulações à base de
semioquímicos (ferormônios), os fisiológicos (diflubenzuron), os biológicos (Bacillus
thuringiensis) e também os piretróides (GUERRA & SAMPAIO, 1991).
Os avanços nos estudos entomológicos, sobretudo em relação ao campo da
fisiologia dos insetos, permitiram o desenvolvimento de produtos com modos de ação
sofisticados, que atuam no sistema endócrino, interferindo sobre hormônios que
regulam o crescimento dos insetos, tais como o methoprene, um composto que
funciona de forma análoga a um hormônio juvenil, de forma a interferir no processo de
maturação dos insetos.
Os produtos derivados destas tecnologias, identificados com pertencentes à quarta
geração de agrotóxicos, apresentam algumas vantagens comparativas com os demais,
tais como: especificidade de ação e alta capacidade de degradação ambiental (NRC,
2000); não obstante as preocupações crescentes quanto às implicações de médio e
longo prazo à saúde humana, decorrentes das exposições ocupacionais e ambientais a
estes produtos.
A utilização de substâncias químicas para o combate das pragas e doenças que
afetam a atividade agropecuária e florestal, a partir do desenvolvimento dos produtos
sintéticos e da ampla divulgação dessa tecnologia em todo os países, sempre motivou
um caloroso debate sobre os reais prejuízos e benefícios advindos dos pesticidas.
MILLER Jr.(1990) apresenta um quadro geral desse debate (Figura 1).
39
Figura 1 - Resum
o dos principais argumentos favoráveis e contrários em
relação ao uso de agrotóxicos.
AR
GU
MEN
TOS A
FAV
OR
DO
S PESTICID
AS
Pesticidas salvam
vidas
Desde a segunda guerra m
undial, o DD
T e outros inseticidas organoclorados e organofosforados têm prevenido a m
orte prem
atura de pelo menos 7 m
ilhões de pessoas, pela incidência de doenças transmitidas por vetores, tais com
o a malária
(mosquito Anopheles ), peste bubônica (pulgas do rato), tifo (piolhos e pulgas), e doença do sono (m
osca tsé-tsé). Assim
, D
DT e outros inseticidas provavelm
ente têm salvado m
ais vidas humanas do que qualquer outro produto quím
ico sintético de toda a história.
Pesticidas aum
entam a
disponibilidade de alim
entos e dim
inuem seus
custos
A cada ano cerca de 55%
da produção mundial de alim
entos é perdida por ação das pragas antes (35%) e após (20%
) as colheitas. Isto significa um
a perda estimada de aproxim
adamente 20 bilhões de dólares por ano. Existem
argumentos
afirmando que sem
o uso de pesticidas estas perdas seriam m
aiores e os preços dos alimentos poderiam
crescer (por exem
plo: em torno de 30 a 50 %
nos Estados Unidos). Estim
ativas do Departam
ento de Agricultura dos EU
A apontam
que se os herbicidas a base de triazinas, largam
ente utilizados na cultura de milho, fossem
banidos, ocorreria uma dim
inuição na ordem
de 8% da área cultivada a cada ano, aum
entando os preços em cerca de 31%
.
Pesticidas aumentam
o lucro dos agricultores
Nos EU
A 42%
da produção potencial de alimentos é destruída pela ação das pragas e doenças que atacam
as culturas antes e após a colheita. A
s empresas produtoras de pesticidas estim
am que cada dólar gasto com
pesticidas representa um aum
ento da produção na ordem
de 3 a 5 dólares para os agricultores.
Pesticidas funcionam
melhor e m
ais rápido que outras
medidas alternativas
Em com
paração com outras m
edidas alternativas de controle de pragas, os pesticidas podem controlar a m
aioria das pragas de form
a mais rápida, a custos m
ais baixos, com um
relativo efeito residual; são facilmente adquiridos e aplicados, e
apresentam segurança quando aplicados adequadam
ente. Quando a resistência genética dos insetos ou das ervas daninhas
ocorre, os agricultores podem m
antê-la sobre controle através do aumento das doses aplicadas ou trocando-se o tipo de
pesticida.
Produtos mais
seguros e efetivos estão continuam
ente sendo desenvolvidos
Os cientistas das em
presas de pesticidas estão continuamente desenvolvendo produtos m
ais seguros e que possam causar
menores im
pactos ao ambiente. Por exem
plo, os inseticidas piretróides não são muito tóxicos para m
amíferos e são efetivos
a baixas doses, diminuindo, desta form
a, as taxas de desenvolvimento da resistência genética. Seu uso em
pequenas quantidades ajuda a com
pensar seu alto custo. Novos herbicidas estão sendo desenvolvidos de form
a a serem m
ais efetivos a baixas doses. A
vanços nas técnicas de engenharia genética e a biotecnologia também
melhoram
a eficiência dos produtos.
40
A
RG
UM
ENTO
S CO
NTR
A O
S PESTICID
AS
O desenvolvim
ento de resistência
genética
O m
ais sério prejuízo decorrente do uso de produtos químicos para o controle de pragas reside no fato de que a m
aioria destes organism
os, especialmente os insetos, pode desenvolver resistência genética a qualquer substância tóxica, através do
processo de seleção natural. Quando um
a área é tratada com pesticidas, a m
aioria dos organismos considerados com
o pragas é elim
inada. Todavia, um pequeno núm
ero de organismos em
uma população de determ
inada espécie sobrevive, face à chance de que já tenha em
seus genes as informações necessárias para lhes atribuir resistência ou im
unidade a um pesticida
específico. C
omo a m
aioria das espécies de pragas, especialmente insetos e fungos, apresenta um
ciclo de vida relativamente curto, os
poucos organismos sobreviventes podem
se reproduzir em larga escala, transm
itindo rapidamente a característica de
resistência a parcelas maiores da população. Por exem
plo, o bicudo, a principal praga do algodão, pode produzir uma nova
geração em apenas 21 dias.
Entre 1950 e 1989 cerca de 500 principais espécies de insetos considerados pragas desenvolveram resistência genética a um
ou m
ais inseticidas e pelo menos 20 espécies de insetos são agora aparentem
ente imunes a todos os inseticidas.
Em função dos m
ecanismos de resistência genética, os inseticidas m
ais largamente utilizados não m
ais oferecem proteção à
saúde humana em
relação às doenças transmitidas por insetos vetores, em
muitas regiões do m
undo. Em 1986, pelo m
enos 50 dentre 61 espécies de m
osquitos Anopheles, vetores de malária, haviam
se tornados resistentes em relação a três produtos
organoclorados - DD
T, lindane, e dieldrin - mais com
umente utilizados com
o domissanitários. Pelo m
enos 10 dentre estas espécies apresentam
também
resistência a pesticidas organofosforados - malathion e fenitrothion - e quatro espécies são
resistentes ao produto carbamato - propoxur. Esta é a principal razão para o increm
ento de cerca de quarenta vezes na incidência de m
alária entre os anos de 1970 e 1988, em 84 países de regiões tropicais e sub-tropicais.
41
A m
orte dos inim
igos naturais e a conversão de pragas
secundárias em
pragas primárias
A m
aioria dos pesticidas atua como substâncias tóxicas de largo espectro de ação, m
atando não apenas os organismos
considerados alvo, mas tam
bém um
grande número de predadores naturais e parasitas que estariam
mantendo em
níveis razoáveis as populações consideradas pragas. C
om a ausência de inim
igos naturais suficientes e com a abundância de
alimentos disponíveis, espécies de pragas com
rápida capacidade de reprodução podem ressurgir fortem
ente poucos dias ou sem
anas após terem sido inicialm
ente controladas. O uso de inseticidas de largo espectro tam
bém traz efeito sobre os
inimigos naturais de pragas secundárias, que assim
podem se reproduzir, tornando-se pragas prim
árias.
O círculo vicioso dos
pesticidas
Ao tem
po em que a resistência genética se desenvolve, representantes de vendas das em
presas de pesticidas recomendam
aplicações m
ais freqüentes, doses mais altas, ou ainda a troca por novos produtos (geralm
ente mais caros), a fim
de se m
anter o controle sobre as espécies resistentes, antes de sugerirem alternativas não quím
icas. Este processo coloca os agricultores em
uma espécie de círculo vicioso, no qual eles pagam
mais e m
ais por um program
a de controle de pragas que vai se tornando cada vez m
enos efetivo. Por exemplo, entre 1940 e 1984 as perdas das culturas por ataques de insetos, nos
EUA
, aumentaram
de 7 para 13%, enquanto o uso de pesticidas aum
entou cerca de 12 vezes. N
o mundo todo as perdas de produtos agrícolas por ação de insetos e ervas daninhas atingem
cerca de 30% da produção
total, aproximadam
ente o mesm
o índice que se tinha em épocas anteriores ao uso de pesticidas. O
desenvolvimento de
novos produtos químicos pelas em
presas de pesticidas, visando reduzir os problemas originados pela resistência genética,
não consegue acompanhar o ritm
o em que esta resistência se dá, especialm
ente quando se trata de insetos e patógenos vegetais. D
avid Pimentel, um
especialista em ecologia de insetos, estim
a que quando os custos ambientais e outros custos externos
decorrentes do uso de inseticidas são considerados, eles acabam representando um
a economia aos agricultores am
ericanos da ordem
de 0 a 2,40 dólares para cada 1 dólar investido. Isto é muito m
enos do que as estimativas feitas pelas em
presas de pesticidas que preconizam
economias 3 a 5 dólares econom
izados para cada 1 dólar investido. Por conta desta constatação verifica-se a redução no uso de pesticidas e o aum
ento da utilização de outras medidas alternativas, por um
número crescente
de agricultores.
42
A m
obilidade e am
plificação biológica dos
pesticidas resistentes
Não m
ais do que 10% dos pesticidas aplicados às culturas por pulverização aérea ou terrestre atingem
o organismo alvo. O
s 90%
restantes permanecem
no ar, no solo, nas águas superficiais, nos lençóis freáticos, nos sedimentos, nos alim
entos, nos organism
os não alvos, incluindo pessoas e até os pingüins da Antártida. D
e acordo com D
avid Pimentel, freqüentem
ente m
enos de 0,1% dos inseticidas e 5%
dos herbicidas aplicados às culturas atingem seus alvos.
Pesticidas que atingem a atm
osfera, especialmente aqueles aplicados por pulverizações aéreas, podem
ser carregados a longas distâncias. N
os EUA
a EPA, agência am
biental, têm detectado pequenas concentrações de 74 pesticidas em
águas subterrâneas am
ostradas em vários locais distribuídos por 38 estados. Em
Iowa 75%
dos poços testados estavam contam
inados com
pesticidas. Alguns produtos, tais com
o o Alachlor, têm
sido detectados em águas subterrâneas em
altas concentrações. Concentrações de inseticidas organoclorados, lipossolúveis e de lenta degradação, tais com
Fonte: OERKE et al, 1995, extraído de YULDELMAN et al., 1998
48
Tabela 3 - Produção global atual e perdas estimadas de oito principais culturas, no período de 1988 e 90, por tipos de pragas e regiões - (bilhões de US$).
Perdas atribuídas a Regiões
Produção
atual Patógenos Insetos Ervas daninhas Total
Produção total
alcançávelÁfrica 13,3 4,1 4,4 4,3 12,8 26,1
América do Norte 50,5 7,1 7,5 8,4 22,9 73,4 América Latina 30,7 7,1 7,6 7,0 21,7 52,4
Fonte: OERKE et al, 1995, extraído de YULDELMAN et al., 1998
Pelo menos dois fatores ligados à atividade humana podem ser prontamente
identificados como determinantes dos processos que vão definir a incidência e a
importância do surgimento das pragas, a saber: a expansão do comércio mundial de
alimentos e produtos derivados de plantas; e as mudanças nos padrões de produção das
culturas, particularmente a intensificação dos cultivos, a redução na adoção das
técnicas de rotação de culturas, e o incremento das monoculturas (YULDEMAN et al.,
1998).
Segundo PASCHOAL (1979) o aparecimento de pragas na natureza pode ser
explicado por fatores econômicos, históricos e ambientais.
Os fatores econômicos estão ligados ao desenvolvimento das atividades agrícolas e
florestais, principalmente baseadas em sistemas de monoculturas, onde o processo de
simplificação a que são submetidos esses agroecossistemasi leva a uma situação de
instabilidade do equilíbrio biológico, o que faz com que algumas espécies venham a
assumir a categoria de pragas.
Os fatores históricos estão relacionados à atividade humana na prática da
agricultura dando origem a fatores que propiciam o surgimento de pragas, tais como:
i PASCHOAL (1979) utiliza o termo "agroecossistemas" para definir os ecossistemas artificias implantados pelo
homem com o objetivo de obtenção de alimentos, fibras, bebidas, drogas, estimulantes, etc.
49
a. introdução de espécies exóticas em locais mais favoráveis aos seus
desenvolvimentos, devido à ausência de inimigos naturais;
b. plantas exóticas favorecendo o aumento populacional de espécies nativas que
se tornam pragas quando essas plantas são economicamente exploradas;
c. técnicas de melhoramento genético para aumento da produção que trazem
como sub-produto a maior sensibilidade ao ataque de espécies que se
convertem em pragas;
d. práticas culturais e de armazenamento inadequadas, favorecendo o crescimento
populacional de alguma espécie; dentre outros.
Como fatores ambientais ao surgimento das pragas Paschoal aponta as mudanças
climáticas, as quais podem criar condições favoráveis a determinadas espécies, quer
pelo aumento da quantidade de alimento disponível, pelo aumento na reprodução ou
dispersão das espécies, ou ainda pela ausência de competidores, predadores, parasitas e
patógenos.
Os agrotóxicos e o manejo químico dos problemas fitossanitários constituem
técnicas adotadas de forma muito presente nos padrões de agricultura praticados nos
principais centros mundiais de produção de alimentos, nos últimos 40 anos. Alguns
autores sustentam que as perdas globais decorrentes dos ataques de pragas e doenças
nas culturas poderiam sofrer insustentáveis elevações de seu nível estimado em 30%,
atingindo cerca de 70 % de perdas na ausência das práticas de controle químico
(OERKE et al., 1995 apud YULDEMAN et al., 1998).
Outras avaliações dão conta ainda dos aspectos lucrativos decorrentes do uso de
agrotóxicos. Uma destas estimativas sugerem que no EUA, no ano de 1997, para cada
US$1 investido em pesticidas os retornos auferidos foram da ordem de US$4; desta
forma os US$6,5 bilhões destinados ao uso de agrotóxicos podem ter representado
uma economia de cerca de US$26 bilhões em perdas das culturas (PIMENTEL, 1997
apud YULDEMAN et al., 1998).
50
Entretanto vários autores afirmam que, a despeito dos incrementos crescentes nos
volumes de uso mundial de agrotóxicos, observa-se uma modesta diminuição nos
índices atuais de perdas das culturas pelo ataque de pragas e doenças.
Dados apresentados pelo Departamento de Agricultura dos EUA mostram que no
período entre 1940 e 1990 ocorreu um incremento na ordem de 10 vezes nas
quantidades e na toxicidade dos inseticidas utilizados. Todavia, no mesmo período, as
perdas das culturas pelo ataque de insetos cresceram de 6 para 13%; as perdas pela
incidência de patógenos elevaram-se de 10 para 12%; enquanto que as perdas pela
ação das plantas daninhas sofreram um decréscimo de 14 para 12%. (PIMENTEL,
1995 apud YULDEMAN et al., 1998:13).
Em outro estudo o mesmo autor aponta que nos EUA, em meados da década de 40,
período em que o uso de inseticidas era ainda incipiente, as perdas por pragas na
cultura de milho atingiam cerca de 3,5% da produção. Já na década de 90, ocasião em
que o uso de inseticidas sofre um incremento da ordem de 1000 vezes, atingindo 14
milhões de toneladas por ano, as perdas na cultura do milho foram estimadas em cerca
de 12%
Diferentes metodologias e abordagens são empregadas nos diversos estudos que
tentam avaliar e relacionar o uso de agrotóxicos e sua efetividade no combate aos
problemas de pragas e doenças nas atividades agropecuárias e florestais. Entretanto um
ponto comum aparece em várias análises sobre o assunto, ressaltando que a proporção
de perdas das culturas pelo ataque de pragas e doenças tem sido crescentes ao mesmo
tempo em que quantidades crescentes de agrotóxicos são empregadas em escala global
nas últimas décadas.
Autores como YULDEMAN, RATTA & NYGAARD (1998) fazem referência ao
"paradoxo do incremento no uso de agrotóxicos e o incremento das perdas pelas
pragas" para tentar identificar esta relação perversa; e uma explicação parcial para tal
paradoxo pode ser encontrada na análise do processo de industrialização da
agricultura. Esse processo permitiu o desenvolvimento de vastas áreas de agricultura
51
altamente dependente de insumos químicos, e ao mesmo tempo incrementou a
vulnerabilidade das culturas em relação ao ataque de pragas e doenças.
Os agrotóxicos, principalmente os organossintéticos, constituem os mais poderosos
instrumentos humanos de simplificação dos ecossistemas, em função dos
desequilíbrios biológicos que proporcionam.
Como conseqüência do uso indiscriminado dos agrotóxicos PASCHOAL (1979)
aponta pelo menos quatro tipos de problemas decorrentes no tocante às pragas, quais
sejam:
1. Resistência - fenômeno desenvolvido por seleção pré-adaptativa, pelo qual as
espécies antes susceptíveis a determinados agrotóxicos, sob pressão dos mesmos,
não mais são por eles controladas economicamente nas dosagens normais
recomendadas. Indivíduos portadores de genes para resistência ocorrem em
pequena percentagem nas populações de espécies suscetíveis ao agrotóxico. As
repetidas aplicações de produtos químicos acabam por selecionar tais indivíduos
que vão constituindo a maioria da nova população, agora resistente.
2. Ressurgimento - os agrotóxicos reduzem mais drasticamente as populações dos
inimigos naturais e competidores do que as das pragas. Sem um controle
satisfatório pelos agentes biológicos naturais e com a diminuição da competição
intra-específica, as populações residuais das pragas crescem em rápida escala,
causando novamente danos econômicos elevados.
3. Desencademanento secundário - pragas secundárias vivendo associadas a pragas
principais, em determinadas culturas, são transformadas em problemas, após o
tratamento com agrotóxicos que apresentem pequeno ou nenhum efeito sobre estas
pragas secundárias, as quais na ausência de inimigos naturais e competidores
passam a atuar como pragas principais.
52
4. Quebra de cadeias alimentares - agrotóxicos aplicados para combater pragas
iniciais de determinadas culturas eliminam essas pragas, sem contudo eliminarem
predadores e parasitos. Quebrada a cadeia alimentar dos inimigos naturais estes
morrem de fome, emigram ou cessam de reproduzir. Tal situação pode favorecer o
estabelecimento de pragas tardias que se instalam na cultura e se reproduzem na
ausência de inimigos naturais.
MILLER Jr. (1990) observa que em ambientes naturais é difícil para determinada
espécie sobrepor-se, pois o tamanho de suas populações sempre está limitado por
outros organismos e pela disponibilidade de nutrientes, luz solar, e outros fatores
limitantes.
Apenas cerca de 100 dentre pelo menos 1 milhão de espécies de insetos
catalogados causam aproximadamente 90 % dos danos às plantas cultivadas. Em
ecossistemas diversificados suas populações são mantidas sob controle pela presença
de várias outras espécies que atuam como inimigos naturais.
53
2. 3. O consumo mundial de agrotóxicos
O consumo mundial de agrotóxicos sofreu um rápido incremento na última metade
deste século. Entre os anos 50 e 80 o crescimento se deu a uma taxa anual de cerca de
10% (YULDEMAN et al., 1998).
Mais da metade dos agrotóxicos produzidos mundialmente são consumidos nos
Estados Unidos e na Europa Ocidental, regiões estas que abrigam cerca de 25% das
terras globais ocupadas com culturas. Por outro lado cerca de 20% dos agrotóxicos são
consumidos nos países em desenvolvimento que contam com 55% das terras
cultivadas. Uma visão geral sobre os mercados regionais dos agrotóxicos pode ser
observada na figura 2, a seguir:
Figura 2 - Divisão mundial do mercado de agrotóxicos em geral e em suas
principais classes de uso - 1992.
Fonte: modificado de WOOD MACKENZIEe Co.,Ltd, 1993, citado em USAID 1994. In: YUDELMAN, M.; RATTA, A. e NYGAARD, D. (1998) - Pest Management and Food Production - Looking to the Future-
As estimativas atuais de consumo mundial de agrotóxicos são crescentes nos
países em desenvolvimento, conforme apontado em estudo realizado pela Organização
Mundial de Saúde, através da Divisão de Saúde e Meio Ambiente da Organização Pan-
AGROTÓXICOS EM GERAL
Euro pa Ocidental
27%Euro pa Oriental
5%
A mérica do No rte
28%
A mérica Latina10%
Japão14%
Leste A siático
10%
Outros6%
HERBICIDASEuro pa
Ocidental26% Euro pa
Oriental4%
A m érica do No rte
41%
A m érica Latina10%
Japão10%
Leste A s iát ico
7%
Outro s2%
INSETICIDAS
Europa Ocidental
16%
Europa Oriental
6%
América do Norte
21%
América Latina10%
Japão16%
Leste Asiático
17%
Outros14%
FUNGICIDAS
Euro pa Oc idental
42%
Euro pa Oriental
4%
A mérica do No rte
11%
A mérica Latina
9%
Japão25%
Leste A siát ico
7%
Outro s2%
AGROTÓXICOS EM GERAL
Europa Ocidental
27%Europa Oriental
5%
América do Norte
28%
América Latina10%
Japão14%
Leste Asiático
10%
Outros6%
HERBICIDASEuropa
Ocidental26% Europa
Oriental4%
América do Norte
41%
América Latina10%
Japão10%
Leste Asiático
7%
Outros2%
INSETICIDAS
Europa Ocidental
16%
Europa Oriental
6%
América do Norte
21%
América Latina10%
Japão16%
Leste Asiático
17%
Outros14%
FUNGICIDAS
Europa Ocidental
42%
Europa Oriental
4%
América do Norte
11%
América Latina
9%Japão25%
Leste Asiático
7%
Outros2%
54
americana de Saúde (PAHO). Segundo aponta o estudo, o uso generalizado dos
agrotóxicos cresceu de 1,5 milhões de toneladas no ano de 1970 para cerca de 3
milhões em 1985, e estimava-se que nos 10 anos seguintes as vendas deveriam dobrar,
especialmente nos países em desenvolvimento.
A tabela 4, a seguir, apresenta a evolução dos gastos com agrotóxicos em alguns
países da América Latina, em estimativa realizada pela PAHO em 1993:
Tabela 4 - Despesas* com agrotóxicos em alguns países da América Latina.
* Milhões de US$. Fonte: BURTON et al, 1988, In: PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. Pesticides and Health in the Americas, Environmental Series nº 12. Washington, DC, PAHO, 1993. 109 P.
Estas estimativas feitas em 1993 foram superadas pelos fatos constatados
posteriormente, e a evolução do consumo aconteceu de forma mais acentuada que o
previsto.
Em 1995, na Argentina, as vendas já superavam em 2,5 vezes os valores estimados
para 1999. No caso do Chile a previsão da PAHO para 1999 foi superada em cerca de
7,5 vezes, já no ano de 1995. Para o Brasil os valores realizados em 1995 já
representavam cerca de 78% da estimativa de vendas feita para 1999 (Tabela 5).
País 1980 1985 1999
Argentina 102 164 241 Bolívia 9 13 18 Brasil 695 1225 1993 Chile 8 12 17
Colômbia 96 155 250 Equador 41 60 86
Peru 14 21 30 Uruguai 7 11 18
Venezuela 22 38 61 México 199 351 565
55
Tabela 5 - Vendas de agrotóxicos (US$ milhões) nos países do Mercosul, segundo as principais classes de uso, 1995.
Classes de uso Países
Inseticidas Fungicidas Herbicidas Outros Total
Argentina 108,8 42,4 434,0 17,9 603,1 Brasil 435,2 226,4 834,1 39,6 1535,2 Chile 36,6 32,8 59,2 128,6
Fonte: AGROW, 1990 In: PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION.Pesticides and Health in the Americas, Environmental Series nº 12. Washington, DC, PAHO, 1993. 109 P.
56
2. 4. O mercado de consumo no Brasil
Construir um quadro histórico geral sobre os números que envolvem o uso de
agrotóxicos no Brasil constitui tarefa árdua, tendo em vista a pouca disponibilidade de
dados, reflexo da fragilidade dos órgãos responsáveis pela fiscalização desses insumos,
os quais não apresentam condições de recolher ou mesmo dar tratamento e divulgação
adequada às poucas informações disponíveis.
A Associação Nacional de Defesa Vegetal - ANDEF e o Sindicato Nacional da
Indústria de Defensivos Agrícolas divulgam periodicamente os valores das vendas
realizadas no país, mas a divulgação de informações sobre as quantidades vendidas,
por região e por cultura, já não é tão constante, tornando difícil avaliar a real situação
de uso no país.
A reunião de alguns dados disponíveis na literatura permitiu a montagem de um
quadro geral de vendas de agrotóxicos no Brasil, contemplando valores de vendas,
quantidades de produto comercial vendido, quantidades de ingredientes ativos
vendidos e preços médios dos agrotóxicos, no período de 1972 a 1989 e de 1997 a
1998. Estes dados são mostrados nas tabelas 7, 8, 9, e 10 apresentadas a seguir.
57
Tabela 7 - Vendas de agrotóxicos - B
rasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.
* Deflator utilizado: U
nited States Inflation Annual Rates of C
hange, GD
P Deflator - em
US$1000 de 1989
Fonte: 1972 a 1989, m
odificado de FUTIN
O, A
.M. e SILV
EIRA
, J. M. J. F. (1991) "A
indústria de defensivos agrícolas no Brasil" A
gricultura em São Paulo, SP, 38 (T.Esp.):1-43.
1997-98, modificado de FER
REIR
A, Célia Regina P. T. (1999) " D
efensivos agrícolas". Informações Econôm
icas. São Paulo, 29(9):43-45, setembro.
1972
1973 1974
1975 1976
1977 1978
1979 1980
1981 valor de vendas totais
(US$1.000 de 1999*)
337.762561.834
776.410839.142
1.043.9921.228.970
1.207.9931.441.186
1.548.6421.542.013
quantidade de produto com
ercial vendido (t)146.675
194.954228.000
215.943202.817
205.736183.400
222.890198.600
157.887
quantidade de ingrediente ativovendido (t)
28.04346.335
51.16649.018
57.14862.691
55.95573.938
67.28656.218
preço médio de produto
comercial (U
S$1,000*/tonelada)2,30
2,883,41
3,895,15
5,976,59
6,477,80
9,77
1982
1983 1984
1985 1986
1987 1988
1989 1997
1998
valor de vendas totais (U
S$1.000 de 1999*) 1.188.589939.354
1.069.130944.928
1.186.6571.131.223
1.188.7951.229.950
2.237.4922.667.837
quantidade de produto com
ercial vendido (t)126.669
105.474125.156
128.714166.135
144.535148.972
151.757265.240
295.533
quantidade de ingrediente ativovendido (t)
46.53044.350
50.22451.532
69.03557.425
63.56761.820
113.933121.100
preço médio de produto
comercial (U
S$1,000*/tonelada)9,38
8,918,54
7,347,14
7,837,98
8,108,43
9,08
58
Tabela 8 - Vendas de inseticidas 1 - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.
1972 1973
1974 1975
1976 1977
1978 1979
1980 1981
valor de vendas de inseticidas (U
S$1.000 de 1999*) 192.123
289.317425.529
397.861425.646
568.184610.108
689.219595.604
503.383
quantidade de produto com
ercial vendido (t) 124.924
158.013190.827
173.915150.416
148.024129.534
146.829117.495
87.358
quantidade de ingrediente ativo vendido (t)
15.15123.828
29.90725.977
27.47228.970
26.71729.003
22.95017.675
preço médio de produto
comercial (U
S$1,000*/tonelada) 1,54
1,832,23
2,292,83
3,844,71
4,695,07
5,76
1982 1983
1984 1985
1986 1987
1988 1989
1997 1998
valor de vendas de inseticidas (U
S$1.000 de 1999*) 369.990
247.302350.937
341.163399.935
343.815386.008
408.192565.849
722.799
quantidade de produto com
ercial vendido (t) 65.057
43.32959.415
61.80871.217
63.91264.690
73.56778.434
90.678 quantidade de ingrediente ativo
vendido (t) 12.047
9.66714.166
16.01518.581
15.40917.249
21.99026.053
28.002 preço m
édio de produto com
ercial (US$1,000*/tonelada)
5,695,71
5,915,52
5,625,38
5,975,55
7,217,97
1 incluindo formicidas e acaricidas
* Deflator utilizado : U
nited States Inflation Annual Rates of C
hange, GD
P Deflator - em
US$1000 de 1989
Fonte: 1972 a 1989, m
odificado de FUTIN
O, A
.M. e SILV
EIRA
, J. M. J. F. (1991) "A
indústria de defensivos agrícolas no Brasil" A
gricultura em São Paulo, SP, 38 (T.Esp.):1-43.
1997-98, modificado de FER
REIR
A, Célia Regina P. T. (1999) " D
efensivos agrícolas". Informações Econôm
icas. São Paulo, 29(9):43-45, setembro.
59
Tabela 9 - V
endas de fungicidas - Brasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.
1972 1973
1974 1975
1976 1977
1978 1979
1980 1981
valor de vendas de fungicidas (U
S$1.000 de 1999*)93.102
159.265126.126
103.296145.785
217.286190.765
227.897294.055
235.946
quantidade de produto com
ercial vendido (t)17.428
28.18022.208
18.43023.872
28.42125.927
35.93636.673
26.394
quantidade de ingrediente ativovendido (t)
10.49017.763
14.11011.860
15.392 19.160
16.25024.078
22.32416.095
preço médio de produto
comercial (U
S$1,000*/tonelada)5,34
5,655,68
5,606,11
7,657,36
6,348,02
8,94
1982
1983 1984
1985 1986
1987 1988
1989 1997
1998 valor de vendas de fungicidas
(US$1.000 de 1999*)
230.509191.996
172.181144.439
263.304 237.843
213.939184.963
365.568454.748
quantidade de produto com
ercial vendido (t)25.555
26.67423.185
24.03936.369
28.68729.901
23.56840.133
47.164 quantidade de ingrediente ativo
vendido (t)15.713
16.79514.780
14.61022.104
17.54520.541
14.08917.369
19.993 preço m
édio de produto com
ercial (US$1,000*/tonelada)
9,027,20
7,436,01
7,24 8,29
7,157,85
9,119,64
* Deflator utilizado : U
nited States Inflation Annual Rates of C
hange, GD
P Deflator - em
US$1000 de 1989
Fonte: 1972 a 1989, m
odificado de FUTIN
O, A
.M. e SILV
EIRA
, J. M. J. F. (1991) "A
indústria de defensivos agrícolas no Brasil" A
gricultura em São Paulo, SP, 38 (T.Esp.):1-43.
1997-98, modificado de FER
REIR
A, Célia Regina P. T. (1999) " D
efensivos agrícolas". Informações Econôm
icas. São Paulo, 29(9):43-45, setembro.
60
Tabela 10 - Vendas de herbicidas - B
rasil - 1972 - 1989 e 1997-1998.
1972
1973 1974
1975 1976
1977 1978
1979 1980
1981 valor de vendas de herbicidas
(US$1.000 de 1999*)
52.538113.252
224.755337.986
472.561443.222
407.121524.071
658.983802.686
quantidade de produto com
ercial vendido (t) 4.323
8.76114.965
23.59828.529
29.29127.947
40.12544.432
44.135
Quantidade de ingrediente ativo
vendido (t) 2.402
4.7447.149
11.18114.284
14.56112.988
19.36622.012
22.448
preço médio de produto
comercial (U
S$1,000*/tonelada) 12,15
12,9315,02
14,3216,56
15,1314,57
13,0614,83
18,19
1982 1983
1984 1985
1986 1987
1988 1989
1997 1998
valor de vendas de herbicidas (U
S$1.000 de 1999*) 588.090
500.055546.011
459.326523.418
549.565588.848
636.7961.246.403
1.427.867
quantidade de produto com
ercial vendido (t) 36.057
35.47142.556
42.86758.549
51.93654.381
54.622132.574
151.095 quantidade de ingrediente ativo
vendido (t) 18.770
17.88821.278
20.90728.350
24.47125.777
25.74161.885
69.177 preço m
édio de produto com
ercial (US$1,000*/tonelada)
16,3114,10
12,8310,72
8,9410,58
10,8311,66
9,409,45
* Deflator utilizado: U
nited States Inflation Annual Rates of C
hange, GD
P Deflator - em
US$1000 de 1999
Fonte: 1972 a 1989, m
odificado de FUTIN
O, A
.M. e SILV
EIRA
, J. M. J. F. (1991) "A
indústria de defensivos agrícolas no Brasil" A
gricultura em São Paulo, SP, 38 (T.Esp.):1-43.
1997-98, modificado de FER
REIR
A, Célia Regina P. T. (1999) " D
efensivos agrícolas". Informações Econôm
icas. São Paulo, 29(9):43-45, setembro.
61
Cerca de 80% do mercado de agrotóxicos no Brasil está concentrado no
movimento de aproximadamente 10 empresas, em sua maioria constituída por grandes
corporações transnacionais, e que no Brasil têm seus interesses representados através
da associação que as congrega, a ANDEF. Em 1999, a partir dos processos de fusões
ocorridos no ramo da industria química mundial, a concentração do mercado ficou
ainda mais acentuada, passando de 10 para 8 o número de empresas que controlam
cerca de 80% do mercado de agrotóxicos no Brasil. (Tabelas 11 e 12).
Tabela 11 - Participação das principais empresas atuantes no mercado de agrotóxicos no Brasil, no ano de 1999.
Empresas Faturamento em US$ 1000 Participação no mercado (%)
FMC 90.000 3,8 TOTAL (OITO MAIORES) 1.880.000 80,0
TOTAL BRASIL 2.329.583 100,0
Fonte: WACKIN, 2000
62
Seguindo a tendência observada no consumo mundial, os maiores gastos com
agrotóxicos são realizados na compra de produtos pertencentes à classe dos herbicidas.
Estes respondem por cerca de 55% do volume de vendas dos últimos anos, seguidos
dos inseticidas e fungicidas. A evolução da participação das diferentes classes de
agrotóxicos no volume total de vendas realizadas em três períodos (1972 a 1982; 1982
a 1992; e 1992 a 1999), no Brasil, é apresentada nas figuras 3, 4, e 5 a seguir.
Figura 3 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil -
1972 a 1982 - (em US$ 1000 de 1999)1.
1Deflator utilizado: United States Inflation Annual Rates of Change, GDP Deflator - em US$1000 de 1999 * inclui formicidas e acaricidas Fonte: modificado de FUTINO, A.M. e SILVEIRA, J. M. J. F. (1991)
63
Figura 4 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil - 1982 a 1992 - (em US$ 1000 de 1999)1.
1Deflator utilizado: United States Inflation Annual Rates of Change, GDP Deflator - em US$1000 de 1999 * inclui formicidas e acaricidas Fonte: 1982 a 1989, modificado de FUTINO, A.M. e SILVEIRA, J. M. J. F. ( 1991)
1990 a 1992, modificado de SINDAG
64
Figura 5 - Vendas de agrotóxicos, segundo as principais classes de uso. Brasil - 1992 a 1999 - (em US$ 1000 de 1999)1.
1Deflator utilizado: United States Inflation Annual Rates of Change, GDP Deflator - em US$1000 de 1999 * inclui formicidas e acaricidas Fontes: 1992 a 1994, modificado de SINDAG 1995, modificado de IEA (1999) 1996-98, modificado de FERREIRA (1999) 1999, ANDEF (2000)
A figura 6 mostra a evolução dos valores totais das vendas de agrotóxicos no
Brasil, segundo os vários estados consumidores, em dois momentos: 1985 e 1996. Em
1996 os estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul responderam em conjunto
por cerca de 61% do total das vendas realizadas, e dentre estes o maior incremento de
vendas no período foi observado no estado do Paraná (156%). São Paulo e Rio Grande
do Sul apresentaram, respectivamente, incrementos de 135% e 93%.
65
Figura 6 - Vendas* de agrotóxicos no Brasil, em 1985 e 1996, segundo as unidades
* Em concentração técnica **Modificado de PESSANHA & MENEZES., 1985 Fonte: Conselho de Desenvolvimento Industrial / Ministério da Indústria e Comércio.
77
Em reportagem da revista "Química e Derivados", de julho de 1978, com o título
de "Receita Agronômica: nova ameaça ao setor", verifica-se um balanço parcial sobre
o PNDA:
"Em agosto de 1975, era lançado o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas
(PNDA), com o objetivo de eliminar, gradativamente, a dependência brasileira das
importações, por meio do fomento à produção nacional. Quase quatro anos depois,
apesar de muitas das metas para 1980 já terem sido cumpridas e redimensionadas
pela revisão do programa (outubro de 1978), a situação do setor pouco mudou. Num
mercado dominado pelas multinacionais, poucas indústrias nacionais puderam ter
acesso à tecnologia de síntese dos princípios ativos e sobressair-se" (Química e
Derivados, 1979:12).
Como resultados visíveis do PNDA SILVEIRA & FUTINO (1990) apontam a
rápida instalação no país de plantas produtivas de empresas líderes na produção de
produtos largamente difundidos. O período de 1974 a 1980 concentrou o maior volume
dos investimentos praticados e houve relevância das medidas do PNDA na realização
de resultados quanto a internalização da produção de ingredientes ativos. Os
investimentos acumulados no período atingiram cerca de US$200 milhões, o que
significava 2% do montante realizado pela indústria química no período.
Já na década de 80 o efeito das políticas macroeconômicas praticadas resultou em
retração das vendas de defensivos. Tal efeito se verifica tanto "pelo lado do clima de
instabilidade financeira (afetando as expectativas do investimento direto), quanto pelo
efeito sobre a demanda corrente por defensivos, causado pela redução dos volumes
disponíveis de crédito de custeio para a agricultura (a partir de 1983, sem subsídios)"
(SILVEIRA & FUTINO, 1990:139).
A citada reportagem da revista "Química e Derivados" aborda ainda a preocupação
crescente, no meio empresarial da indústria, com o surgimento das primeiras mudanças
na legislação que regulamentava a comercialização dos agrotóxicos, e também com a
retração do consumo interno verificada para esses produtos.
78
"Com a luta dos agrônomos pela regulamentação do Receituário Agronômico -
projeto que prevê a comercialização dos produtos mais tóxicos apenas sob receita - e
a entrada em vigor de leis institucionalizando o uso de embalagens branca-e-pretas e
faixas coloridas de acordo com o grau de toxicidade, os fabricantes de defensivos
agrícolas ganharam duas novas preocupações, além das antigas campanhas
ecológicas...: a nova legislação de comercialização e o desaquecimento da demanda
de defensivos agrícolas, em razão das adversidades climáticas dos dois últimos anos"
(Química e Derivados, 1979:12).
Não apenas as adversidades climáticas contribuíram para o desaquecimento da
demanda interna de agrotóxicos entre 1975 e 80; outros fatores também influenciaram
de forma importante essa retração. A queda em cerca de 19% da participação dos
inseticidas no mercado de agrotóxicos, no período, poderia ser atribuída a adoção do
controle integrado que passou a ser aplicado nos plantios de soja e algodão, culturas
até então grandes consumidoras de inseticidas (PESSANHA & MENEZES, 1985).
SILVEIRA & FUTINO (1990) acentuam ainda a emergência de inovações
biotecnológicas (uso de técnicas manejo ecológico de pragas e de controle biológico)
como fatores relevantes para a queda do consumo de inseticidas verificada ao final dos
anos 70 e início dos anos 80.
3. 2. A criação da ANDEF
Criada em 1974 com o objetivo de congregar os interesses da indústria de
agrotóxicos, especialmente as multinacionais que constituíam a maior parcela dentre as
empresas atuantes no ramo, a Associação Nacional de Defensivos Agrícolasi
i A Lei Federal 7.802/89 estabeleceu o termo "agrotóxicos", como denominação dos produtos e dos agentes de
processos físicos, químicos e biológicos, destinados ao controle das pragas e doenças. O emprego deste termo é uma conquista do movimento ambientalista envolvido na luta contra o uso indiscriminado de agrotóxicos no Brasil, conquista esta não reconhecida pela indústria que sempre utilizou o termo "defensivo" para definir seus produtos. Após a aprovação da lei dos agrotóxicos a ANDEF altera sua denominação para "Associação Nacional de Defesa Vegetal".
79
(ANDEF) realizou esforços concentrados na divulgação de suas estratégias de
disseminação do chamado "uso adequado dos defensivos agrícolas", através de
campanhas e ações desenhadas em parcerias com os órgãos públicos, buscando
neutralizar as ações de seus opositores que desenvolviam esforços na formação de
massa crítica, àquela altura já sedimentada, em torno do uso indiscriminado dos
agrotóxicos no país e suas danosas conseqüências.
Os argumentos defendidos pelo presidente da Associação Nacional de Defensivos
Agrícolas, Sr. Régis Nei Rahal, em depoimento prestado junto à Comissão Parlamentar
de Inquérito na Câmara Federal instituída para tratar dos graves problemas decorrentes
da contaminação dos alimentos e dos agrotóxicos, retratam em linhas gerais o
pensamento defendido pela indústria e seus interlocutores, no debate travado à época
em torno do uso de agrotóxicos.
"Eles (os agrotóxicos) compõem o único caminho para viabilizar a agricultura
brasileira: evitariam importações de alimentos in natura como prevista para este ano,
correspondente a 2 bilhões de dólares.....Evitariam, ainda, a participação dos
resultados dos investimentos no valor de milhões de cruzeiros, por parte de
agricultores, com insetos, fungos e ervas daninhas...
...Temos de ser realistas, não há outra saída viável para nossa agricultura, senão
o uso de defensivos " (Informe Agropecuário , 1979: 150).
Quatro anos após sua criação já se podia verificar alguns resultados colhidos a
partir das atividades desenvolvidas pela associação, conforme reportagem publicada na
revista "Dirigente Rural", em outubro de 1978:
"...A campanha em torno deste último aspecto (uso adequado), lançada nos
Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná pelas respectivas secretarias de
Agricultura, com a colaboração da Andef, movimentou mais de trezentos municípios,
os quais receberam 15 mil cartas circulares e 1.600 cursos. Estes, somados a mais de
80
quinhentas palestras e reuniões, foram dirigidos a um público diretamente interessado
superior a 80 mil pessoas..." (Dirigente Rural, 1978:28).
As iniciativas da ANDEF na promoção do "uso adequado" buscavam também
envolver a comunidade técnica, tanto na área agronômica como nos setores de saúde:
"...Empenha-se a Andef na criação de infra-estrutura na área toxicológica. Esta
tem a finalidade de levar aos engenheiros agrônomos e a outros profissionais de
setores afins os conceitos, características e conseqüências da toxicidade dos
defensivos agrícolas existentes no mercado...No âmbito da toxicologia deve-se
mencionar a edição pela entidade do livro Tratamento das intoxicações agudas, de
autoria dos professores Emílio Astolfi, Waldemar Ferreira de Almeida e Júlia Higa de
Londoni" (Dirigente Rural, 1978:28).
As expectativas da indústria, em relação ao papel a ser desempenhado pelo setor
público, nas campanhas sobre o uso adequado dos agrotóxicos, encontram-se bem
retratadas por um de seus dirigentes, Régis Rahal, em entrevista publicada na revista
"Informe Agropecuário" do ano de 1979.
"...Em circunstâncias normais o uso adequado dos defensivos agrícolas é uma
tarefa do governo" (Informe Agropecuário, 1979: 151).
Tentando rebater as críticas que já começavam a surgir sobre a idéia do uso
adequado como uma simples campanha de vendas, o então presidente da ANDEF
destaca na citada reportagem sua visão sobre o papel da área governamental nesta
questão. Para ele a responsabilidade pelo uso adequado seria do governo, pois em suas
mãos estavam todos os instrumentos, meios e recursos necessários para a
institucionalização das campanhas, incluindo: as redes de assistência técnica e defesa
sanitária, as estruturas operacionais e ainda o poder coercitivo da ação fiscal..
"...Campanha de uso adequado é uma tarefa educativa, concretizada basicamente
por engenheiros agrônomos especialmente treinados, com o objetivo final de levar
81
uma mensagem a todos que aplicam, manipulam trasnportam ou armazenam os
defensivos agrícolas. Porque, na realidade, trabalham com tóxicos, com veneno."
...O defensivo é uma arma de defesa, não de ataque. Ele foi criado para defender o
meio-ambiente, para aumentar a sua produtividade. Para matar insetos. Deve ser uma
ajuda à preservação da natureza. Nunca para contaminar riso, para matar pássaros"
(Informe Agropecuário, 1979: 151).
A visão do representante da indústria sobre as potencialidades do agricultor
brasileiro para absorver toda a complexidade derivada do contato com a tecnologia
química pode ser avaliada em outra manifestação constante no artigo da revista
Informe agropecuário:
"Com um verdadeiro voto de confiança na capacidade e habilidade do agricultor
brasileiro, Régis Rahal afirmou que as três mil formulações comerciais registradas no
Ministério da Agricultura, oriundas de 167 princípios ativos, não constituem pontos de
confusão para o produtor.
Não existe absolutamente tentativa de engodo ao agricultor. E ele sabe muito bem,
ele conhece profundamente, quando necessário, a marca e o princípio ativo que ela
carrega. A indústria é obrigada a colocar o princípio ativo nas suas marcas
comerciais. Mas hoje, no Brasil, estamos vivendo uma situação muito interessante. A
situação do proíba-se. Nunca do evite-se. Precisamos passar para a situação do
eduque-se, levar uma mensagem educativa e o governo deve assumir esse papel. O
governo está gastando, hoje, alguns milhões de cruzeiros em campanhas
institucionais. Perfeito. Mas vamos gastar um pouco também em campanhas
educacionais de defensivos agrícolas" (Informe Agropecuário, 1979: 151).
82
3. 3. O papel do Crédito Rural no crescimento do mercado
As mudanças nos padrões de consumo brasileiro de agrotóxicos nos anos 70 foram
fortemente influenciadas pelas políticas de crédito agrícola implementadas como forma
de subsídios à aquisição dos chamados insumos modernos.
Conforme observa FERRARI (1985), ao início dos anos 70 o Banco do Brasil
tornou obrigatório o direcionamento de 15% do valor dos empréstimos de custeio para
a aquisição de agrotóxicos, estimulando assim, de forma institucional, a ampliação do
mercado interno de consumo desses produtos.
O perfil das políticas de crédito adotadas em termos de volume disponível de
recursos, taxas de juros e forma de amortização dos empréstimos foram muito
favoráveis à aquisição desses insumos, especialmente entre 1974 e 1981, período em
que a parcela de crédito rural destinada à compra de agrotóxicos aumentou de 5% para
8%. em relação ao volume global de crédito de custeio utilizado (Tabela 17).
Tabela 17 - Financiamento concedido pelo Sistema Nacional de Crédito Rural, aos produtores e às cooperativas agrícolas, para o custeio agrícola e a aquisição de agrotóxicos - Brasil - 1974 - 1981
(1) Valores em moeda de 1984 - Foi utilizado o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) Conjuntura Econômica. * Fonte: Anuário Estatístico do Brasil ** Fonte: FERREIRA et al (1984)
83
As culturas de soja, trigo e algodão consumiram mais de 40% dos valores
concedidos de financiamentos aos produtores e às cooperativas para aquisição de
agrotóxicos, entre os anos de 1977 e 1981 (Tabela 18).
Tabela 18 - Evolução da participação percentual das principais culturas, no valor
total dos financiamentos concedidos aos produtores e às cooperativas para aquisição de agrotóxicos , Brasil , 1977 - 1981
FUTINO & SILVEIRA (1991) baseados nas demonstrações desenvolvidas por
NAIDIN (1985), observam que outro indicador da importância da política de crédito
agrícola na aquisição de agrotóxicos entre os anos de 1977 e 1980 pode ainda ser
verificado na relação entre a participação do valor do crédito sobre as vendas do setor.
Tal relação passa de 54% em 1977 para 71% em 1980, e atinge 79% das vendas já em
1980; ou seja: ao início da década de 80 aproximadamente 3/4 do mercado de
agrotóxicos no Brasil era financiado pelo crédito agrícola de custeio.
A configuração da política de concessão de crédito rural vinculado à aquisição de
agrotóxicos, ao final da década de 70, contou com a participação ativa da indústria
multinacional de agrotóxicos, através de sua associação - a ANDEF - , desencadeando
gestões junto aos órgãos do poder público responsáveis pelo estabelecimento das
condições do crédito rural no Brasil.. A manifestação de um de seus dirigentes, à
época, em reportagem à revista Dirigente Rural, traduz a medida e os resultados dessa
participação.
84
"De acordo com o presidente desse organismo, Régis Nei Rahal, ...como resultado
das sugestões endereçadas pela Andef, o Banco Central, em maio último, emitiu
comunicado às instituições financeiras no sentido de que estimulem a concessão de
crédito para a aquisição de defensivos, conjuntamente com outros insumos incluídos
no custeio. Ressalta ainda o comunicado que um projeto (para obtenção do crédito de
custeio) será julgado insatisfatório se não considerar a necessidade de inclusão
(segundo indicações técnicas) de defensivos agrícola" (Dirigente Rural, 1977:23).
FUTINO & SILVEIRA (1991) apontam duas implicações dessa política nos
padrões de consumo em diferentes cadeias produtivas agrícolas: a) notou-se o
estabelecimento de um círculo vicioso pelo aumento do número de pragas e pela
rigidez na utilização do crédito, a partir do incremento no uso preventivo de inseticidas
e fungicidas; e b) no caso dos herbicidas, a disponibilidade de crédito de custeio
estimulou as tomadas de decisão em mudanças tecnológicas da capina mecânica para a
química.
3. 4. O incremento do uso e a percepção dos impactos à saúde e ao
ambiente
Uma das graves conseqüências relacionadas ao uso de agrotóxicos são os efeitos à
saúde das populações expostas direta e indiretamente a esses insumos. A Organização
Mundial da Saúde - O.M.S (1990) estimou que o número de pessoas expostas a esse
risco, em atividades agrícolas, girava em torno de 500 milhões. Os casos estimados de
intoxicações agudas não intencionais atingiriam 1 milhão de ocorrências, sendo que
cerca de 70% destas estariam relacionadas a atividades de trabalho.
Mas as intoxicações agudas representam apenas uma parte dos danos causados à
saúde humana. Considerando-se ainda os casos de intoxicações sub-crônicas e crônicas
podemos verificar que as dimensões do problema assumem ainda proporções maiores.
Os casos de dermatoses originadas pela exposição a agrotóxicos foram estimados em
85
700.000 por ano; os diagnósticos de câncer relacionados a essas exposições atingiriam
cerca de 37.000 casos anuais; e os efeitos crônicos que resultam em seqüelas neuro-
comportamentais estariam em torno de 25.000 casos anuais.
Grande parte das estimativas sobre consumo de agrotóxicos e efeitos à saúde
humana apontam para a gravidade do problema de forma especial nos países do
terceiro mundo; e nesta perspectiva a situação do Brasil configura-se como uma das
mais preocupantes. A associação entre o alto consumo e o completo despreparo para a
utilização da tecnologia química, nas condições atuais da agricultura no país,
potencializa os danos que começam a ser desenhados a partir da exposição
ocupacional, expande-se nas dimensões da exposição ambiental e finalmente
configura-se como grave problemas de saúde pública, na medida em que podem atingir
a população em geral pela contaminação dos alimentos e dos mananciais de
abastecimento.
A ausência de dados oficiais sistemáticos sobre as ocorrências de intoxicações
envolvendo trabalhadores rurais expostos aos agrotóxicos no Brasil não invalida o
significado das estimativas possíveis de serem exercitadas com base em dados
primários sobre a população exposta ao risco e ainda sobre as quantidades de produtos
consumidos no meio rural.
Uma das poucas fontes de informações sobre notificações de casos de intoxicações
por agentes químicos existentes no Brasil é o Sistema de Informações Tóxico-
Farmacológicas (SINITOX), do Ministério da Saúde. Este serviço, cuja coordenação é
feita através da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ/MS), tem a função de consolidar
informações originadas em vários centros de atendimentos de vários estados do país.
Os dados relativos ao ano de 1998 demonstram que dentre os casos registrados
naquele ano, de intoxicações humanas, o agente tóxico definido como “pesticidas
agropecuários” foi responsável por 6,64% dos casos, representando a sexta principal
causa de intoxicações. Se considerarmos os dados relativos a pesticidas agropecuários
somados a outras classes de agentes tóxicos correlacionadas (pesticidas domésticos,
86
raticidas, e domissanitários) o percentual de casos registrados resulta em 13,66%,
passando ao terceiro lugar dentre as causas de ocorrências.
A distribuição percentual dos casos relativos ao ano de 1998, de intoxicação
humana, segundo o agente tóxico é apresentada no Figura 8, a seguir.
Figura 8 - Distribuição percentual dos casos registrados no SINITOX, de
intoxicação humana, por agente tóxico - Brasil - 1998
0,960,94
3,762,23,26
6,957,51
6,645,926,75
28,224,49
2,42
0 10 20 30
Produtos de Toalete
Alimentos
Raticidas
Plantas
Pest. domésticos
Outros produtos
Domissanitários
Pest. agropecuários
Anim.não peçonh.
Prod.quim.indust.
Medicamentos
Animais peçonhentos
Não determinado
% dos casosregistrados -1998
Fonte: SINITOX - M.S.
Tomando-se por base as informações notificadas ao SINITOX, as dimensões dos
problemas de saúde humana relacionados à exposição aos agrotóxicos, no Brasil,
aparecem em escala bem diferente daquelas apresentadas pelas estimativas da
Organização Mundial da Saúde. Os casos notificados tendo os pesticidas como agente
causal das intoxicações atingem 5.268 registros em 1998, sendo superados pelos casos
notificados relacionados a medicamentos, animais peçonhentos e outros agentes.
87
Muitas vezes estes dados são apresentados como demonstração de que a dimensão
do problema decorrente da exposição aos agrotóxicos não seria mais importante do que
aqueles oriundos da exposição a outros tipos de agentes químicos. Entretanto é preciso
salientar que os casos registrados pelo sistema são somente aqueles que chegam aos
serviços de saúde através das redes de atendimento primário e secundário, e neste
contexto são diagnosticados tendo como causa os agrotóxicos.
Ocorre entretanto que a maioria dos serviços de saúde apresenta limitação na
capacidade de diagnosticar intoxicações relacionadas a agrotóxicos. O SINITOX
consolida informações dos CCI’s - Centros de Controle de Intoxicações, os quais
representam uma rede de retaguarda e suporte aos serviços de saúde em geral no
encaminhamento dos casos agudos de intoxicação. Assim sendo, muitos casos sub-
agudos ou crônicos podem ficar fora do sistema de notificação, mascarando desta
forma a situação real de gravidade decorrente da exposição humana a esses agentes
químicos.
Os casos de intoxicação registrados no SINITOX , relacionados à exposição a
agentes químicos nas atividades de trabalho (exposição profissional) já mostram um
cenário diferente de importância dos agrotóxicos como agentes causadores das
intoxicações, onde os pesticidas surgem como responsáveis por 25,1% dos casos
notificados.
A evolução dos casos registrados pelo SINITOX entre os anos de 1993 e 1998, por
exposição geral ou profissional, e o peso percentual dos eventos relacionados aos
pesticidas agropecuários são mostrados na tabela 19.
88
Tabela 19 - Evolução dos casos registrados pelo SINITOX, de intoxicação humana, por agente causal geral e por agrotóxicos, em situações de exposição geral e exposição ocupacional - Brasil - 1999
Causa Agente Ano
Tóxico 93 94 96 97 98 nº de
casos % do total
nº de casos
% do total
nº de casos
% do total
nº de casos
% do total
nº de casos
% do total
Geral
Total
46967
44859
64690
74784
79366
Agrotóxicos
3418
( 7,2 )
3740
( 8,3 )
4829
( 7,4 )
5199
( 6,9 )
5268
( 6,6 )
Profissional
Total
3735
3858
5948
7099
6628
Agrotóxicos
779
( 20,8 )
753
( 19,5 )
1347
( 22,6 )
1433
( 20,1 )
1663
( 25,1 )
Fonte: SINITOX - 1998
Avaliando-se as informações sobre o número de registros de casos de intoxicação
que evoluíram a óbito , dentro do sistema de notificação do SINITOX, verifica-se que
os casos relacionados a agrotóxicos somaram 181 ocorrências em 1998, representando
40,2% destes casos em relação aos demais agentes tóxicos, mostrando a gravidade do
evento (Figura 9).
Figura 9 - Distribuição percentual dos casos registrados, de intoxicações humanas que evoluíram a óbito, e agente tóxico - Brasil - 1999
6,9
0,2
12
0,2
0,9
6,2
40,2
16,2
0 10 20 30 40 50
Outros
Alimentos
Medicamentos
Plantas
Domissanitários
Produtos Quím icos
Pestic idas
Animaispeçonhentos
% de casos
Fonte: SIN ITOX - M .S.
89
São diversos os fatores que contribuem para o agravamento dos riscos
ocupacionais relacionados ao uso dos agrotóxicos. Alguns deles estão ligados
diretamente ao produto e suas características, tais como: tipo de formulação, método
de aplicação, grau de toxicidade.
Outros estão associados ao contexto mais amplo do uso e podem ser identificados
como: dificuldade de acesso à orientação técnica; carência de informações sobre
técnicas de segurança no trabalho; precariedade dos equipamentos e máquinas; pouca
disponibilidade de equipamentos de proteção; condições climáticas inadequadas;
longas jornadas de trabalho potencializando os períodos de exposição; não observação
de medidas higiênicas após a exposição; precariedade das condições sanitárias
oferecidas nos locais de trabalho; condições orgânicas do trabalhador exposto, etc.
Não obstante a complexidade de fatores que contribuem para definir o padrão de
segurança para o uso dos agrotóxicos no campo é possível constatar que um dos
pontos de grande importância diz respeito às formas de regular o acesso dessa
tecnologia de risco. O conceito de que os riscos relacionados a substâncias químicas
nos locais de trabalho são diretamente proporcionais à toxicidade do produto e às
condições de exposição também é válido para o caso dos agrotóxicos no campo.
Apesar da inexistência de dados precisos sobre as quantidades de agrotóxicos
utilizadas no país, ao longo dos últimos anos, pode-se observar uma tendência de
acompanhamento no crescimento dos índices de intoxicação por agrotóxicos, na
medida em que os valores de vendas destes produtos também crescem (Figura 10)
90
Figura 10 - Evolução dos casos de intoxicação humana por agrotóxicos registrados pelo SINITOX* e das vendas de agrotóxicos** nos anos de 1992 a 1998
2.886
3.4183.740
4.775 4.8295.199 5.268
$947.399,00$1.049.811,00
$1.402.607,00$1.535.648,00
$1.792.671,00
$2.180.791,00
$2.570.000,00
0
1.000
2.000
3.000
4.000
5.000
6.000
92 93 94 95 96 97 98
ano
into
xica
ções
$-
$500.000,00
$1.000.000,00
$1.500.000,00
$2.000.000,00
$2.500.000,00
$3.000.000,00
vend
as U
S$1.
000
intoxicações vendas em US$1.000
Fonte: * Sistema Nacional de Informações Tóxico-farmacológicas - SINITOX - Ministério da Saúde ** Sindicato Nacional da Indústria de Defensivos Agrícolas - SINDAG
Inseridos na categoria de substâncias químicas denominadas como agrotóxicos
podemos encontrar uma vasta quantidade de produtos de diversas classes e grupos
químicos. Entretanto, um ponto comum caracteriza todos os componentes dessa
categoria: constituem-se como biocidas ativos, podendo representar danos potenciais
para todos os organismos vivos.
As formas de se avaliar o potencial de toxicidade e o comportamento dessas
substâncias no ambiente, passam por estudos de fatores tais como: estrutura química,
solubilidade em água e em gorduras, volatilidade, estabilidade e persistência. No
entanto, conforme aponta EDWARDS (1993) esses dados ainda são limitados pois
oferecem principalmente informações sobre a toxicidade aguda para poucas espécies
selecionadas. Para a grande maioria dos seres vivos expostos aos agrotóxicos não
existe qualquer informação sobre o grau de toxicidade que essas substâncias
apresentam para essas formas de vida.
91
Os efeitos indiretos da presença dos agrotóxicos no ambiente podem ser tão
importantes quanto os efeitos diretos da toxicidade. Os efeitos crônicos da
contaminação podem interferir em fatores tais como: expectativa de vida, crescimento,
fisiologia, comportamento e reprodução dos seres vivos expostos. Dentre os efeitos
indesejáveis pode-se destacar dois deles que representam uma contradição no uso
dessa tecnologia para o combate às pragas e doenças na agricultura, quais sejam: os
efeitos tóxicos sobre os inimigos naturais das pragas e doenças, e o desenvolvimento
de mecanismos de resistência das pragas e doenças em relação ao efeito tóxico das
moléculas de agrotóxicos em uso.
Em estudo da Organização Pan-americana de Saúde (1993) são citados vários
casos e exemplos de contaminação de águas, solo e ar em numerosos países, como
resultado de contínuas exposições a agrotóxicos, entretanto há o reconhecimento de
que com os dados disponíveis não é possível avaliar toda a magnitude do problema.
A preocupação crescente com as possibilidades reais de comprometimento dos
mananciais e fontes de abastecimento de água, como conseqüência da contaminação
pelo uso de agrotóxicos nas lavouras, pode ser detectada pelos dados apresentados pela
Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Os resultados desses estudos
indicam que aproximadamente 10,4% dos 94.600 reservatórios comunitários de água e
4,2% dos 10.500.000 poços domésticos da zona rural apresentavam níveis detectáveis
de agrotóxicos. Dentre os casos detectáveis cerca de 0,6% apresentavam índices de
contaminação acima dos permitidos pela legislação atual da EPA/ USA.
Outro ponto importante de impacto ambiental relacionado ao uso de agrotóxicos
diz respeito ao problema da descontaminação e destinação final das embalagens
utilizadas no campo.
No Brasil este problema encontrava-se, até julho de 2000, totalmente distante de
solução abrangente. Algumas iniciativas foram realizadas em comunidades que
buscavam algum tipo de solução cooperada, mas todas elas foram basicamente fruto de
voluntarismo dos consumidores, e o papel e a responsabilidade das indústrias que
92
comercializam estes produtos, e dos órgãos governamentais responsáveis pela
regulamentação e fiscalização desse setor ficava restrito a campanhas de incentivo às
iniciativas fragmentadas dos consumidores, ou ainda, como regra mais comum,
caracterizaram-se pela omissão.
Um exemplo de tais iniciativas está sendo tomada no Estado do Rio Grande do Sul,
na construção de Centrais Regionais de Embalagens, através de consórcios entre
fabricantes (ANDEF), municípios, associações de engenheiros agrônomos e
universidades. O objetivo é a montagem de um esquema logístico que permita o
recebimento das embalagens tríplice lavadas i, sua reciclagem, em conjunto com
atividades de campanhas de conscientização e esclarecimento aos usuários (PORTO,
2000).
Em Lajeado, município do Rio Grande do Sul, a Promotoria de Defesa
Comunitária da Comarca já instaurou inquérito civil para investigar o problema e
encontrar soluções. Foram realizadas várias reuniões com fornecedores de agrotóxicos
na região, os quais, num primeiro momento, mostraram-se recalcitrantes em assumir o
ônus do recolhimento, sob a alegação de que tal encargo seria do Poder Público.
Posteriormente, mudaram suas posições , a partir do conhecimento dos preceitos legais
sobre a matéria, firmando então o compromisso de recolhimento das embalagens, e
transporte até uma central de reciclagem (PORTO, 2000).
Outro exemplo dessas tentativas se deu na campanha desenvolvida no estado do
Paraná, e divulgada através de reportagem no "Suplemento Agrícola" do jornal "O
Estado de São Paulo", em maio de 1999.
O Estado do Paraná passou a operar, a partir de julho de 1999, 13 unidades de
recebimento e triagem de embalagens de agrotóxicos. A iniciativa é parte de um
i Tríplice lavagem é o nome dado ao processo pelo qual se realiza a lavagem das embalagens por no mínimo três
vezes em água limpa, depois que o produto é totalmente utilizado e a embalagem é esvaziada. A água da lavagem deve ser entornada no próprio tanque do pulverizador usado para a aplicação, de maneira que haja aproveitamento total do agrotóxico. Segundo os órgãos envolvidos no programa, o processo de tríplice lavagem, aprovado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, reduz a contaminação da embalagem para níveis mínimos.
93
programa da Secretaria de Estado do Meio Ambiente em parceria com a ANDEF -
Associação Nacional de Defesa Vegetal, denominado "Programa Terra Limpa", o qual
tem como objetivo evitar que as embalagens de agrotóxicos contaminem o ambiente.
O programa contou com uma fase piloto em 1998, a partir da experiência
desenvolvida em dois municípios (Palotina e Santa Terezinha do Itaipu), e em 1999
passa a desenvolver a fase de expansão para 60 unidades projetadas em todo o estado.
O cumprimento da etapa da tríplice lavagem caracteriza-se como um passo
fundamental no esquema do programa, de forma a propiciar o seguimento do trabalho
que prevê a reciclagem controlada da embalagem, a partir do reaproveitamento de
materiais como vidro, plástico e metal por determinadas indústrias. E é exatamente
neste ponto que reside toda a fragilidade do programa, uma vez que na prática não é
possível fazer a distinção "visual" entre uma embalagem que sofreu a "tríplice
lavagem" de outra ainda contaminada. Assim, toda a logística estabelecida para o
recolhimento, transporte e eventual destinação para reciclagem das embalagens,
tratando o material como "resíduo não-tóxico", se mostra inapropriada para a
prevenção de problemas de contaminação ambiental e humana.
A produção de embalagens contaminadas pelos agrotóxicos no estado do Paraná,
em seus diferentes tipos de ingredientes ativos, formulações e classes toxicológicas,
chega a atingir em média a quantidade de 14 milhões de unidades por ano, o que,
segundo dados da Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e
Saneamento Ambiental, equivale à cerca de 2 mil toneladas de embalagens por ano
(SUDERHSA, 1998:1).
Até junho de 2000 a legislação que regulava o uso de agrotóxicos previa que as
embalagens contaminadas deveriam ser enterradas, prática esta utilizada por grande
parte dos agricultores até então. Entretanto a resistência a esse método tem sido
crescente em vista da saturação e da escassez de espaços reservados para tal uso. A
resultante desta resistência pode ser constatada pelo número significativo de
embalagens de agrotóxicos que são jogadas dentro de rios, abandonadas nas lavouras,
94
queimadas a céu aberto, enterradas de forma inadequada, ou, na situação mais crítica,
reutilizadas para acondicionamento de alimentos e água, conforme relatam os fiscais
da defesa agropecuária do Estado do Paraná i.
O Estado de São Paulo também conta com um programa concebido nessa mesma
linha, ainda incipiente, mas que está sendo incrementado pela ANDEF, em parceria
com prefeituras e órgãos locais de algumas cidades do interior do estado (Guariba e
Piracicaba - em funcionamento; Limeira, Paraguaçu, Biritiba Mirim, Taquarivaí,
Holambra, Bebedouro, Ituverava - planejadas para funcionamento a partir de 1999; e
Araras, Tupã, Ourinhos, e Presidente Prudente - previstas para 2000; segundo dados
divulgados pela ANDEF ii).
Um passo importante na tentativa de resolução dos problemas sobre destinação
final das embalagens de agrotóxicos utilizados no campo, foi dado recentemente, a
partir da aprovação da Lei Federal Nº9.974, de 06 de junho de 2000, a qual altera a
chamada "Lei dos agrotóxicos" (Lei Nº7.802/89) acrescentando importantes aspectos
relativos ao problema da destinação correta das embalagens vazias de agrotóxicos.
"...os usuários de agrotóxicos, seus componentes e afins deverão efetuar a
devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em
que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas respectivas bulas, no
prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado
pelo órgão registrante, podendo a devolução ser intermediada por postos ou centros
de recolhimento, desde que autorizados e fiscalizados pelo órgão competente" (Lei Nº
9.974/2000).
Esta nova disposição legal atribui claramente ao fornecedor de agrotóxico
(comerciante, importador e fabricante) a obrigação em dar destinação adequada às
i Comunicação verbal concedida pelo Engº Agrº Reinaldo Skalisz, Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná,
em 8 de agosto de 2000 ii ANDEF - Associação Nacional de Defesa Vegetal, http://www.andef.com.br/segutex6.htm , acesso 26.05.99
95
embalagens vazias dos agrotóxicos, atendendo assim ao princípio do poluidor-pagador
ou princípio da responsabilidadei.
Outro ponto importante de avanço em relação a esta nova legislação contemplando
a questão das embalagens vazias de agrotóxicos assenta-se no fato de que com estas
novas disposições fica bem caracterizado o papel do poder público, o qual seja: o de
"fiscalizador", enquanto que a função de "executor" estaria a cargo dos agentes
privados envolvidos.
Isto de certa forma determina a necessidade de um novo rumo ao modelo de
solução que vem sendo estimulado pelos representantes das indústrias, os quais atuam
no fomento de projetos de recolhimento e destinação de embalagens, onde quase
sempre o poder público arca com os custos (recolhimento das embalagens,
disponibilização de área para as unidades de recebimento, etc) e a ação privada fica
restrita à colaboração nas campanhas educativas, baseadas na "tríplice lavagem".
PORTO (2000) expõe com clareza a questão da improbidade administrativa que
pode ser deduzida da ação pública que executa o patrocínio de atividades que
competem a entidades privadas.
"...Diante deste princípio e de todos os dispositivos legais antes transcritos, não se
recomenda venha o Município a assumir os encargos de coleta, transporte e
destinação final de resíduos perigosos, utilizando recursos públicos no patrocínio de
atividades que, por lei, competem a entidades privadas.
Os agentes públicos que assim agem podem estar incorrendo em atos de
improbidade administrativa causadores de lesão ao erário municipal, porquanto
ensejam perda patrimonial do Município e simultâneo enriquecimento ilícito dos
i Segundo Édis Milaré, “assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na
teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g., o custo resultante dos danos ambientais) devem ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos de produção e, conseqüentemente, assumi-los. Este princípio – escreve Prieur – visa a imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada” (in Direito do Ambiente, Ed. RT, ano 2000, pág. 100).
96
responsáveis privados pela atividade, como previsto no art. 10, XII, da Lei 8.429/92
(Lei de Improbidade Administrativa), enquadramento que é punido com o
ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos
políticos de 5 a 8 anos, pagamento de multa de até duas vezes o valor do dano e
proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos fiscais ou
creditícios pelo prazo de cinco anos" (PORTO, 2000).
Mas o problema das embalagens vazias de agrotóxicos é apenas um dos vários
pontos de preocupação geral sobre os resíduos provocados pelo uso desses insumos. A
atenção na questão dos resíduos também está centrada nas possibilidades de
ocorrências nos alimentos e nas águas de abastecimento.
O incremento dos problemas relacionados aos agrotóxicos se verificam nos
âmbitos ocupacionais, ambientais e de saúde pública; e a crescente conscientização
sobre estes aspectos pressionam a tomada de decisão no estabelecimento de
mecanismos que possam eliminar, ou controlar e mitigar tais problemas.
Também no campo internacional são várias as experiências desenvolvidas no
sentido da redução dos riscos relacionados aos agrotóxicos, em decorrência da
crescente percepção quanto aos impactos proporcionados pelos agrotóxicos. Tais
iniciativas podem ser observadas a partir do estudo publicado pela OECD, no ano de
1996, dedicado a investigar as estratégias adotas por diversos países na redução dos
riscos decorrentes do uso de agrotóxicos (OECD, 1996).
O relatório descreve as atividades de redução de riscos dos pesticidas levadas a
efeito em 20 países da OECD, na Comissão Européia e em oito países ligados à FAO,
mas não pertencentes à OECD.
A pesquisa foi conduzida entre os anos de 1994-95, abordando exclusivamente os
agrotóxicos utilizados em atividades de proteção de plantas (agricultura, horticultura e
atividades florestais).
97
Nos últimos 10 anos, os países da OECD e da FAO iniciaram uma ampla
variedade de atividades para redução dos riscos associados ao uso de agrotóxicos. Tais
atividades agregaram uma nova dimensão na definição das políticas e programas
relacionados aos agrotóxicos.
No passado as atividades de avaliação e manejo dos riscos eram desenvolvidas de
forma individual, para cada produto. Atualmente a tendência verificada é a de que os
programas busquem a redução dos riscos no uso geral dos agrotóxicos.
As estratégias de atuação também foram modificadas. Os esforços antes
concentrados basicamente em políticas e medidas legislativas e de regulação passam a
buscar abordagens de trabalho cooperativo e de parcerias entre os atores envolvidos.
Tais mudanças começam a propiciar a ampliação dos métodos e dos resultados dos
programas nacionais e criam novas oportunidades para a redução dos riscos.
As razões gerais apontadas pelos países da OECD, como motivadoras para dar
início a atividades de redução dos riscos dos agrotóxicos foram as seguintes:
• problemas nas áreas de saúde ou ambiente relacionados ao uso de agrotóxicos;
• preocupações gerais quanto a dependência da agricultura no uso maciço de
produtos químicos;
• nova legislação incorporando metas ambientais nas políticas e práticas para a
agricultura
Como questões específicas os aspectos levantados foram:
• problemas como o desenvolvimento de resistência das pragas aos agrotóxicos,
danos sobre as culturas onde se utilizam herbicidas e contaminação das fontes
de água;
• preocupações sobre os riscos aos usuários, à população em geral e ao ambiente;
98
• preocupações quanto ao incremento no uso de agrotóxicos que tem
acompanhado o processo de intensificação da agricultura, e sobre o
desenvolvimento de novos produtos que são altamente ativos biologicamente;
• atendimento aos acordos internacionais para redução das emissões químicas
em lagos e oceanos, e aos limites de países importadores quanto aos resíduos de
agrotóxicos em alimentos.
• interesse em acompanhar o modelo de redução de uso de agrotóxicos adotados
em alguns países.
A pesquisa também mostrou que como ponto de partida para as atividades de
redução de riscos os países utilizaram os programas já existentes nas áreas de registro
de agrotóxicos, pesquisa e extensão rural.
Muitas destas atividades partilhavam uma característica chave: o envolvimento dos
produtores rurais desde o início dos projetos, o que as diferenciavam das abordagens
dos regulamentos tradicionais.
As estratégias dos diversos países para a redução dos riscos diferem em três
principais áreas:
• Objetivos: alguns visam a redução das quantidades totais de uso, outros
acreditam que a redução do uso não significa necessariamente a
redução dos riscos (por exemplo: uso de menores quantidades de
produtos mais tóxicos). Tais países buscam então metas como :
minimizar o uso, reduzir a dependência, ou incrementar as práticas
de MIP (Manejo Integrado de Pragas).
• Estrutura: alguns países iniciam programas nacionais, outros fazem projetos ad
hoc a partir de programas já existentes nas áreas de agricultura e
agrotóxicos.
99
• Implementação: alguns países acreditam que a participação obrigatória dos
agricultores leva ao sucesso, outros ao contrário acreditam no
sucesso da participação voluntária. Entre estes existem experiências
combinadas associando medidas obrigatórias e participativas.
Entretanto não se identificou uma abordagem específica como de maior sucesso;
ao contrário, diferentes estratégias funcionaram bem em diferentes países.
A pesquisa confirmou que o processo de registro dos agrotóxicos foi e continua
sendo o fundamento das atividades de manejo dos riscos em todos os países da OECD.
Os processos de registro resultam em 3 situações gerais possíveis:
• produtos cujo risco foi considerado aceitável, à luz dos conhecimentos atuais,
podem ser registrados. Rotulagem obrigatória contendo indicações e instruções de
uso, e medidas de segurança, complementam o processo;
• produtos considerados inseguros não são registrados, ou apresentam uso
restrito. Tais restrições, que permitem apenas o uso sob determinadas situações
contando com pessoal especializado, devem constar dos rótulos dos produtos;
• produtos registrados que são posteriormente considerados inseguros, com base
em novos conhecimentos, tornam-se restritos ou banidos, tendo seus registros
modificados ou cancelados.
Alguns países descreveram novas medidas iniciadas para melhorar a efetividade e
eficiência de seus programas, enquanto outros relataram o início de atividades de
reavaliação do registro de produtos mais antigos. Tais atividades têm sido prioritárias
em vários países, na medida em que o conhecimento de possíveis efeitos adversos têm
sido bastante incrementado nas últimas duas décadas. Dessa forma vários países
passam a instituir programas contínuos de reavaliação de registros.
Houve uma concordância geral quanto ao sucesso dos programas de registro,
embora estes possam ser lentos e demandantes de recursos intensivos. Para enfrentar
100
os problemas identificados no processo, várias iniciativas tem sido levadas a efeito, tais
como:
• exigência de uso de ingredientes inertes não-tóxicos ou de baixa toxicidade;
• redução das exigências para registro de produtos biológicos de baixo risco;
• estabelecimento de programas de substituição de produtos antigos que superam
os níveis de riscos estabelecidos para a saúde e o ambiente, por novas formulações
registradas para as mesmas indicações de uso (Suécia e Noruega). Na Suécia há
também a possibilidade de negar registro para produtos indicados para controles
que já contam com medidas não-químicas que apresentam igual efetividade de
controle;
• implementação de programas que priorizam a revisão de processos de produtos
mais seguros que outros já no mercado, com mesma indicação de uso (EUA);
• adoção de novos critérios mais restritos para a aprovação de registros,
reduzindo grandemente o número de produtos. (Áustria, a partir de 1991);
• desenvolvimento de novos sistemas de classificação para servir de base para a
redução ou eliminação de produtos de alto risco, e para a identificação de produtos
de baixo risco usados em áreas públicas, especialmente em florestas (província
canadense de British Columbia);
A Alemanha pode fazer uso de uma regulamentação aprovada em 1971, que
permite a expressa restrição ou banimento de um produto, sem ter que provar o risco
ou enfrentar um caso no judiciário. Atualmente, colocando em prática tal regulamento,
o parlamento alemão baniu 44 princípios ativos considerados de alto risco.
A Suécia e a Finlândia mantém programas gradativos de banimento de produtos
identificados como de alto risco, mas que são difíceis de terem seus registros
cancelados, tendo em vista a inexistência de opões alternativas.
101
Os países da OECD têm incrementado e expandido seus programas de segurança
para os trabalhadores, os quais são reconhecidos como suas principais e mais efetivas
ferramentas de redução dos riscos.
Novos programas foram identificados nas áreas de :
• educação e capacitação de usuários de agrotóxicos:
• certificação de fornecedores e distribuidores;
• difusão de informações sobre segurança aos usuários;
• melhoria das rotulagens;
• aperfeiçoamento da legislação relativa a segurança do trabalhador rural;
• desenvolvimento de formulações e embalagens mais seguras;
• destinação apropriada para descarte de embalagens e sobras de produtos.
A Austrália vem desenvolvendo cursos de capacitação para agricultores usuários
de agrotóxicos, com foco nas questões de manejo seguro, desenvolvidos em conjunto
com os programas de extensão em manejo econômico de pragas e doenças. Tais cursos
são normalmente desenvolvidos pelas escolas de agricultura e desenvolvidos em
conjunto com órgãos públicos ligados a agricultura, organizações de produtores e
indústria química.
O Canadá completou em 1995 um novo padrão para a capacitação e certificação
em agrotóxicos. Os novos procedimentos foram desenhados por grupos de trabalhos
envolvendo órgãos federais e regionais, e serão implementados ao nível local de forma
paulatina.
Países como Dinamarca, Alemanha, Holanda, Noruega, Suécia e Suíça obrigam a
capacitação e certificação de todos os usuários de agrotóxicos e, em alguns casos, de
todos os fornecedores, vendedores ou armazenadores. Na Suécia, onde esta medida foi
estabelecida em 1990, envolvendo todos os agricultores e trabalhadores rurais que
fazem aplicação de agrotóxicos, as autoridades pesquisadas apontam esta iniciativa
102
como a mais bem sucedida medida de redução de riscos dos agrotóxicos. Todos os
profissionais que trabalham na aplicação de produtos (cerca de 30.000 pessoas)
completaram programas de capacitação com carga-horária mínima de 24 a 32 horas. A
Suíça também identifica o programa de certificação, adotado desde 1971, como
responsável pela grande redução nos casos de acidentes e intoxicações.
A França conduz cursos e treinamentos para manipuladores e aplicadores, visando
especialmente a difusão e adoção de medidas e procedimentos de segurança.
Muitos países obrigam os usuários dos produtos mais tóxicos a serem capacitados e
certificados, ou a trabalharem sobre orientação de alguém que atende a estes requisitos.
Alguns países ainda restringem a venda com base no nível de capacitação dos
vendedores(na Hungria os produtos de classe I - mais tóxicos - somente podem ser
vendidos para especialistas com grau universitário; os classe II já podem ser vendidos
para agricultores treinados; e os de classe III - menos tóxicos - são de venda livre).
O licenciamento de revendas e distribuidores também tem constituído parte das
estratégias de regulamentação dos países da OECD. Alguns países relatam haver
obrigatoriedade de que os comerciantes mantenham em seus quadros um certo número
de funcionários treinados e capacitados a fornecer orientações aos vendedores e
clientes.
Na Austrália a indústria desenvolve um programa de autorização de revendas, onde
o fornecimento é condicionado a existência de um quadro de pessoal treinado.
No Canadá a indústria conduz uma iniciativa para instituir um padrão nacional de
armazenamento, incluindo quesitos como: características de construção, equipe
treinada, informação documentada sobre segurança, programas de manutenção, seguro,
e planos de emergência. As companhias sustentam uma cláusula de não fornecimento
aos revendedores e distribuidores que não estejam de acordo com os padrões adotados.
Em 1995 cerca de 1260 pontos de comércio atendiam aos programa estabelecido. Na
França, programas semelhantes aos do Canadá foram recentemente iniciados.
103
Suplementando os programas de capacitação de agricultores, muitos países
relataram a elaboração e distribuição de material instrucional sobre segurança no uso
de agrotóxicos.
Um dos maiores esforços relatados na pesquisa diz respeito a distribuição de cerca
de 2 milhões de cartilhas e 500.000 cartazes promovida pelo governo dos EUA, como
parte da nova regulamentação federal sobre segurança do trabalhador.
Todos os países da OECD contam com regulamentos de rotulagem para oferecer
orientações sobre o uso seguro dos agrotóxicos. Entretanto todos reconhecem as
limitações da rotulagem como instrumento de manejo dos riscos, uma vez que
constatam a tendência dos usuários em não ler atentamente os rótulos e bulas, e ainda
as dificuldades de entendimento dos conteúdos divulgados.
A Suíça emitiu nova regulamentação sobre segurança do trabalho no início dos
anos 90. No mesmo período os Estados Unidos também promoveram revisão em seus
regulamentos, agregando novos requisitos tais como: período de reentrada em áreas
tratadas, suprimento obrigatório de equipamentos de proteção individual,
disponibilidade de água e sabão para dos trabalhadores de campo, comunicação de
riscos aos trabalhadores, dentre outras medidas.
Durante os últimos 5 anos (91 a 96) vários países da OECD iniciaram programas
para enfrentar os problemas decorrentes do descarte de embalagens e de estoques de
produtos proibidos. Alguns países buscam soluções preventivas instruindo os
agricultores a não manterem estoques de produtos. Estabelecem ainda sistemas de
retorno de embalagens vazias aos revendedores e distribuidores, para posterior
destinação final.
O incremento da eficiência e efetividade do controle de pragas também é adotado
como estratégia de redução dos riscos dentre os diversos países pesquisados. Todos
relataram melhorias nos prognósticos de incidência de pragas, e observaram ainda que
104
os limiares de tratamento para várias culturas têm sido aprimorados, propiciando a
redução de uso por parte dos produtores.
Os países da OECD também descreveram o sucesso de novos programas nas áreas
de: testes e certificação de equipamentos de aplicação; desenvolvimento de melhores
equipamentos e técnicas de aplicação; e pesquisas sobre o impacto da redução das
taxas de aplicação na produção das culturas.
Todos os países da OECD pesquisados têm desenvolvido programas de manejo
integrado de pragas, nos últimos 10 anos. Tais programas podem contempla várias
estratégias e formatos, incluindo: desenvolvimento e auxílio no uso de agentes
biológicos para o controle das pragas; provimento de variedades resistentes e de
plantas sadias aos produtores; desenvolvimento de estratégicas não-químicas para o
controle de pragas; e fornecimento de material instrucional e de difusão de
informações sobre técnicas de MIP aos os agricultores.
Cinco dos países pesquisados relataram o estabelecimento de fazendas modelo e
campos de demonstração dos métodos de MIP, visando difundir informações sobre a
viabilidade econômica e os benefícios ambientais provenientes desses métodos.
Os países da OECD utilizam de 3 tipos de instrumentos econômicos para encorajar
o uso de MIP e de métodos orgânicos:
• subsídios para o uso de práticas agrícolas "ambientalmente amigáveis";
• rotulagem ambiental para agregar vantagens de mercado aos produtores que se
utilizam de tais métodos;
• taxas sobre os pesticidas para aumentar seus preços e dessa forma desencorajar
o uso desnecessário.
Tanto os países individuais como a Comissão Européia concedem subsídios.
Alguns países relatam que estes programas são bem sucedidos. Um pequeno número
de países e a CE descrevem uso da rotulagem ambiental e alguns relatam haver
105
demanda crescente por produtos com “selo verde”. Apenas 3 países relataram o uso de
taxas sobre os agrotóxicos para tentar reduzir o uso desnecessário.
Em relação aos programas nacionais com objetivos de redução do uso o relatório
da OECD informa que durante o final dos anos 80 e ao início dos 90 vários países da
OECD e da CE iniciaram programas gerais de redução de uso de agrotóxicos.
A Suécia, a Dinamarca e a Holanda, foram os primeiros países a adotarem tais
programas. Tais países relataram resultados consideráveis na redução do uso, embora
não tenham atingido as metas preconizadas em cada caso.
Outro resultado obtido foi a maior atenção por parte dos agricultores em relação
aos riscos decorrentes dos pesticidas, e o reforço de seus compromissos com as metas
de redução do uso.
A Finlândia, Noruega, e as províncias canadenses de Quebec e Ontário também
relataram o início de programas de redução do uso de agrotóxicos.
A segunda parte do relatório produzido pela OECD sobre as atividades dos
diversos países na redução dos riscos provenientes do uso de agrotóxicos, foi dedicada
aos países integrantes da FAO e não participante da OECD, selecionados para o
estudo.
Tais países (Equador, Jamaica, Coréia, Malásia, África do Sul, Sri Lanka,
Tailândia e Zâmbia) também relataram que suas experiências diretas com o uso
indiscriminado e a necessidade de desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis
constituíram fatores de motivação para a implementação de esforços de redução de
riscos.
Estes países guardam vários pontos em comum em relação às estratégias adotadas
para a redução de riscos dos agrotóxicos: nenhum país pesquisado desenvolve
programas específicos de redução de riscos, mas todos contam com legislações,
106
geralmente voltadas aos processos de registro dos produtos, as quais cobrem algumas
atividades que implicam na redução dos riscos.
Outras características comuns observadas são: alto grau de cooperação entre
Os problemas comuns apontados no relatório dizem respeito a dificuldades no
desenvolvimento de programas e materiais de treinamento apropriados para os
agricultores de subsistência, os quais freqüentemente são analfabetos, falam vários
tipos de dialetos ou línguas, e muitas vezes não têm consciência dos riscos oferecidos
pelos agrotóxicos.
Também são relatadas dificuldades relativas a ausência de equipes de extensão
rural, inadequação dos recursos e infra-estrutura insuficiente.
A pesquisa mostrou que o registro de pesticidas têm sido implementado na maioria
desses países em desenvolvimento, provendo uma boa base para as ações de redução
de riscos. Todavia há a necessidade de melhorar a eficiência e a harmonização dos
procedimentos e requisitos de registro.
Atividades de treinamento são amplamente utilizadas, embora seja difícil medir o
sucessos dessas iniciativas.
Atividades de capacitação e treinamento em segurança não são por si só
suficientes, mas devem ser acompanhadas pela disponibilidade de produtos e práticas
alternativas, assim como de uma maior preocupação com as questões ambientais.
A promoção de estratégias de uso baseado na necessidade real constatada tem tido
algum sucesso, mas apresenta também alguns problemas, na medida em que os
agricultores se mostram relutantes na redução do uso de agrotóxicos, pois temem
colocar sob risco os investimentos feitos em suas culturas.
107
O estudo da OECD relata que países em desenvolvimento ainda encontram sérios
problemas e necessidades relacionadas ao uso de agrotóxicos, mas também já
desenvolveram uma boa experiência em técnicas de redução de riscos.
Um dos fatores identificados como de grande valia para o incremento das ações de
redução de risco seria a implantação de uma rede coordenada de trabalho que
permitisse a troca de experiências, informações, e possibilitasse a harmonização da
legislação, pelo menos ao nível regional. Tal atividade poderia ser bem desenvolvida a
partir do suporte das agências de cooperação internacional e de programas globais tais
como o IFCS - "Intergovernamental Fórum on Chemical Safety", promovido pelos
organismos ligados às Nações Unidas.
108
4. A RECEITA BRASILEIRA NO CONTROLE DOS RISCOS
A implantação do sistema de receituário agronômico no Brasil, caracterizada
atualmente como exigência legal de autorização escrita para a comercialização e
aplicação de agrotóxicos, foi resultado de um longo processo de discussão na
comunidade técnica do meio agronômico, iniciada por profissionais atuantes no estado
do Rio Grande do Sul, em torno dos problemas identificados pelo uso indiscriminado
desses insumos gerando os impactos ao ambiente e à saúde humana.
Um dos atores que tiveram participação ativa nesse debate foi o engenheiro
agrônomo Sebastião Pinheiro. Sua atuação profissional no Rio Grande do Sul,
inicialmente como vendedor de agrotóxicos (1973) e posteriormente como técnico da
cooperativa tritícola de Erexim (RS) nos anos de 1974 a 1976, e em seguida como
funcionário do Ministério da Agricultura (a partir de 1976) , propiciou o contato direto
com os problemas que serviriam de base para a implantação do receituário.
“A comercialização dos venenos agrícolas, no Brasil, após a implantação da
Ditadura de 64, foi feita totalmente subsidiada através do crédito rural. Os
vendedores iam às propriedades, e o agricultor era “enrolado”, comprando o que o
vendedor oferecia. Depois, com a assinatura do agricultor, o mascate ia ao Banco do
Brasil, de lá o dinheiro era repassado diretamente para a conta da empresa no Rio ou
em São Paulo.” (PINHEIRO, 1993:88).
109
As discussões sobre os problemas decorrentes do uso indiscriminado de
agrotóxicos ocupavam as manchetes de revistas voltadas ao setor agropecuário,
demonstrando o grau de preocupação que já começava a tomar conta da comunidade
técnica e da opinião pública ligada ao tema.
Em reportagem da revista "Dirigente Rural", publicada em outubro de 1974,
observa-se o surgimento do debate em torno da tecnologia química e suas decorrências
na atividade agropecuária.
"...Dia a dia surgem argumentos a favor ou contra o uso de defensivos.
Compelidos pelo clamor contra os produtos químicos, cientistas têm procurado
encontrar novas armas eficientes e economicamente viáveis para enfrentar as pragas
e doenças..." (Dirigente Rural, outubro/novembro, 1974:22).
A experiência de outros países que mantinham políticas mais restritas no uso dessa
tecnologia também já era conhecida pelos envolvidos nas discussões sobre os
agrotóxicos, e servia de base para a proposição de mecanismos legais mais restritivos
para estes produtos no Brasil.
"...A par de tais tentativas na área científica, providências de ordem legal são
cada vez mais adotadas, com vistas a eliminar, por meio de regulamentos severos,
possíveis riscos ligados ao uso de defensivos ou a reduzi-los a uma escala inofensiva
para o homem. Nesse sentido, países como os Estados Unidos, Suécia e República
Federal da Alemanha já proibiram ou limitaram de forma bem rígida a utilização de
diversos produtos, além de decretarem instruções de emprego rigorosas..."(Dirigente
Rural, outubro/novembro, 1974:25).
A ação de pequenos grupos de técnicos de diversas jurisdições do interior do
estado do Rio Grande do Sul, na adoção da prescrição técnica para caracterizar a
necessidade impreterível de uso do produto, é relatada como fruto da reação aos
impactos já naquela altura identificados como decorrentes do uso abusivo dos
agrotóxicos.
110
“...Foi proposto um fim a estes abusos, idealizando-se a prescrição técnica, a
priori, para caracterizar a necessidade impreterível do produto químico. E nasceu o
instrumento de controle batizado de Receituário Agronômico” (PINHEIRO, 1993:88).
O Serviço de Extensão Rural no Rio Grande do Sul implantou definitivamente o
receituário agronômico a partir do ano de 1978. Até então o "Bloco de Recomendações
Técnicas" (Figura 11) era o único instrumento utilizado de forma ampla para a
prescrição de toda e qualquer recomendação técnica, no trato dos mais variados
problemas em relação a sementes, adubos, corretivos, rações, máquinas e materiais
para construção rural, nas propriedades rurais assistidas (SECCHI,1986:1).
Figura 11 - Modelo de "Bloco de Recomendações Técnicas" utilizado pelo Serviço de Extensão Rural no Rio Grande do Sul, anterior à implantação do receituário (1978).
Fonte: EMATER - RS
111
Conforme observa SECCHI (1986), impulsionado pelo movimento da classe
agronômica que lutava na região da Grande Santa Rosa, em favor da restrição do uso
dos agrotóxicos organoclorados e dos altamente tóxicos, o CREA-RS aprova o ATO
Nº 2/73, estipulando que em toda venda de produtos cuja DL50oral aguda fosse igual
ou inferior a 50 mg/kg ou DL50dermal igual ou inferior a 200 mg/kg, ou ainda , em
toda aplicação em Ultra Baixo Volume (UBV), haveria a necessidade de emissão de
uma Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).
Desta forma , esse instrumento legal pode ser identificado como o "embrião"
precursor do receituário agronômico no Estado do Rio Grande do Sul.
No ano de 1974, a ocorrência crescente dos casos de acidentes com agricultores e
as agressões ambientais envolvendo o uso de agrotóxicos, especialmente no Rio
Grande do Sul, serviram de inspiração para uma importante recomendação resultante
da "I Convenção Regional do Centro de Estudos de Toxicologia do Rio Grande do
Sul", realizada em agosto daquele ano. A proposta dos convencionais preconizava um
sistema de bloqueio regional para os agrotóxicos altamente tóxicos ou persistentes, e a
comercialização destes produtos deveria passar a exigir a prescrição de um engenheiro
agrônomo responsável.
A idéia foi ratificada um ano mais tarde, durante o "Simpósio sobre Toxicologia
dos Pesticidas e Envenenamento Ambiental", organizado pela Sociedade de
Agronomia do Rio Grande do Sul, em abril de 1975, na cidade de Porto Alegre.
(GUERRA, 1982).
Como primeira experiência prática registrada, surgiu o sistema implantado pelo
núcleo de agrônomos de Santa Rosa (RS), no ano de 1975, a partir da formação de
uma rede de controle da comercialização, contando com a sensibilidade e participação
do agente financeiro local (Banco do Brasil).
112
"...os agrônomos se agrupavam em núcleos e procuravam implanta-lo na sua
jurisdição, como forma de bandeira política...
...o núcleo de agrônomos de Santa Rosa, RS, tinha um bom controle da
comercialização dos venenos, pois - coisa rara - o gerente do Banco do Brasil
compreendera a importância social de se ter um controle sobre aqueles produtos,
ardilosamente chamados de defensivos agrícolas...
....o exemplo de Santa Rosa alastrou-se rapidamente para outros municípios....o
talonário de receitas era distribuído pela Sociedade de Agronomia do Rio Grande do
Sul, que aglutinava e agrupava estatutariamente todos os núcleos..." (PINHEIRO,
1993:88-89).
Uma primeira avaliação das experiências com a implantação da receita é realizada
durante o "III Encontro de Engenheiros Agrônomos do Rio Grande do Sul", realizado
em Porto Alegre, no período de 27 a 30 de junho de 1976. Naquela ocasião foi
apresentado um relato sobre a experiência posta em prática com sucesso pela
Associação dos Engenheiros Agrônomos do Nordeste do Rio Grande do Sul
(AENORGS), seguindo a recomendação da convenção Centro de Estudos de
Toxicologia, de 1974. O relato fazia menção aos resultados positivos auferidos na
redução do uso de agrotóxicos no município de Santa Rosa (RS), a partir da venda
controlada através de receita nas cooperativas da região. A comissão que analisou o
trabalho deu parecer nos seguintes termos:
"O trabalho foi considerado de grande significação por apresentar um
procedimento prático e eficiente para promover a proteção do homem, as fontes de
água tanto rurais como urbanas, a preservação da fauna e controle eficaz aos
fitoparasitas, ao mesmo tempo em que promove a atuação do Engenheiro Agrônomo.
A adoção generalizada do uso do receituário de defensivos agrícolas constitui-se em
meta prioritária da FAEAB." (GUERRA, 1982).
113
A repercussão da experiência de Santa Rosa (RS) movimenta a ação do Conselho
de Desenvolvimento Agropecuário do Rio Grande do Sul, que através da Resolução
nº11, de 14 de novembro de 1977, recomenda, de forma unânime, duas medidas de
impacto na questão do uso indiscriminado de agrotóxicos: a redução máxima do uso
dos produtos organoclorados; e a implantação do receituário agronômico em todo o
estado.
"Foi nesta mesma oportunidade que a EMATER, como entidade integrante do
Conselho, determinou que o Receituário Agronômico seria emitido gratuitamente às
propriedades rurais assistidas, sempre que houvesse absoluta necessidade de
aplicação de defensivos agrícolas" (SECCHI, 1986:2).
Atendendo a esta mesma recomendação do Conselho Agropecuário do Estado do
Rio Grande do Sul, o Banco do Brasil, através da "Carta Grupal nº2697", de fevereiro
de 1978 (Figura 12), determina que as verbas destinadas aos tratamentos fitossanitários
somente poderiam ser liberadas mediante a apresentação da receita agronômica.
Assim, conforme assinala Guerra, "estava, desta maneira, implantado, de fato, o
receituário agronômico no Estado do Rio Grande do Sul, e, portanto, no Brasil"
(GUERRA, 1982:20).
114
Figura 12 - Carta-circular do Banco do Brasil, destinada às agências do Estado do Rio Grande do Sul, instituindo o receituário agronômico nas operações de crédito efetuadas pelo banco. Brasília, fevereiro de 1978
BANCO DO BRASIL S.A. Brasília, 07.02.78
CARTA-CIRCULAR GRUPAL Nº 2.697 Agências destinatárias do Estado do RIO GRANDE DO SUL.
CIC RURAL 6-1 - CONDIÇÕES GERAIS - Disposições preliminares - Defensivos para a agropecuária - Os malefícios trazidos ao meio ambiente pelo uso desordenado de defensivos agrícolas altamente tóxicos vêm causando sérias preocupações às autoridades responsáveis, bem como às entidades que congregam técnicos da área rural. 2. Dentre outras providências articuladas para enfrentar o problema, destaca-se a implantação do receituário agronômico para os defensivos agrícolas, medida que visa a evitar, principalmente, o uso inadequado de produtos mais tóxicos. 3. O Banco foi solicitado a colaborar na difusão dessa prática, mediante a exigência do receituário, na concessão dos financiamentos da espécie. 4. Cabe registrar que, consoante informações divulgadas pelo Banco Central do Brasil, em sua Carta-Circular nº 229, de 19.05.77, "cumpre ao assessoramento técnico promover as espécies e quantidades de defensivos agrícolas ..... às lavouras assistidas, de conformidade com as características da região". Assim, com o intuito de engajar o banco na ......... as agências obter o receituário agronômico em causa. Este documento será dispensável quando constatados óbices capazes de impedir a rápida e oportuna liberação dos créditos. A obrigatoriedade recairá, contudo, sobre as operações correspondentes a empreendimentos assistidos tecnicamente.
Fonte: transcrito de PINHEIRO et al., 1993
A mobilização crescente da opinião pública em torno das discussões sobre a
questão do uso indiscriminado de agrotóxicos em todo o país começava a desencadear
movimentações nas esferas governamentais, na busca de criação de espaços
institucionais para o debate e as deliberações sobre o tema.
É neste contexto que em agosto de 1977, logo após a recomendação emanada pelo
Conselho de Desenvolvimento Agropecuário do Rio Grande do Sul, a favor da adoção
do receituário, o Ministério da Agricultura aprova a Portaria nº610, constituindo a
Comissão de Defensivos Agrícolas, como órgão consultivo da Divisão de Defesa
Sanitária Vegetal, contando com representantes do próprio Ministério de Agricultura;
do Ministério da Saúde; da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Ministério do
Interior); do Instituto Biológico da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do
115
Estado de São Paulo; do Instituto Adolfo Lutz da Secretaria de Saúde do Estado de
São Paulo; e da Associação Nacional de Defensivos Agrícolas - ANDEF.
As motivações apresentadas na justificativa da criação da comissão apontavam
para a "necessidade de serem conciliados os aspectos fitossanitários, de saúde pública
e de defesa do meio ambiente, no uso de defensivos agrícolas; ...necessidade da
existência de uma Comissão interministerial que estude os problemas relacionados
com o registro e licenciamento dos defensivos agrícolas" (GALVÃO, 1977/78:111).
As reações de oposição às iniciativas de controle do uso indiscriminado dos
agrotóxicos no Rio Grande do Sul são imediatamente desencadeadas como produto da
ação desta Comissão, no sentido de restringir as experiências levadas a efeito por
aquele estado, na implantação do receituário agronômico. O texto da Recomendação
nº01, de 17 de outubro de 1978, deixa claro os pontos de controvérsia existentes sobre
a implantação e operacionalização do receituário agronômico (Figura 13).
116
Figura 13 - Recomendação nº 01 da Comissão de Defensivos Agrícolas, aprovada em
17 de outubro de 1978
Fonte: GALVÃO, D.M. , 1978
As considerações apontadas na citada recomendação demonstravam o sentimento
de parte dos integrantes do debate sobre a adoção do receituário. Já os defensores do
receituário exploraram com detalhes as contradições explicitadas na recomendação,
conforme se observa no artigo de José Lutzemberger, denominado "A máfia dos
pesticidas", publicado originalmente no Jornal do Engenheiro Agrônomo da AEASP,
em novembro de 1980 (LUTZEMBERGER, 1982).
Um quadro resumo dos argumentos travados neste debate é apresentado a seguir:
117
Figura 14 - Quadro resumo dos argumentos apresentados por Lutzemberger, no debate em torno da resolução nº01 da Comissão de Defensivos Agrícolas.
Recomendação nº01 da CDA* Argumentação de Lutzemberger**
"Considerando que, a simples receita agronômica, não vai livrar o consumidor e o próprio agricultor, dos riscos de um uso não adequado do produtor".
"...acaso isso é argumento para não usar uma medida de segurança adicional"
"Considerando que a fiscalização do comércio, quanto à venda do produto com receituário, será praticamente impossível".
"...aqui eles estão reconhecendo a sua própria irresponsabilidade. Como é que se atrevem a comercializar produtos como o Temik***, se eles mesmos reconhecem que não há possibilidade de fiscalização?"
"Considerando que os mecanismos de controle onerarão o preço do produto".
"...mais uma vez aquela preocupação. A saúde nunca vale nada. O negócio é sempre o que importa."
"Considerando que a própria receita será mais um ônus para o agricultor".
"...isso aqui é uma mentira muito grande. O agricultor que usa o Receituário aplica menos pesticida. Economiza rios de dinheiro. Na maioria dos casos, o receituário é gratuito e quando o agrônomo cobra....Então, o Ministério está dizendo que a própria receita será mais um ônus para o agricultor, quando a receita pretende que ele economize, naturalmente ela é um ônus para as multinacionais."
"Considerando que a falta de técnicos especializados em fitossanitarismo, em condições de prescrever um receituário no tempo devido,...é um fator limitante à adoção do processo".
"...quer dizer que se não houver técnicos capazes de fiscalizar, então vamos deixar vender livremente..."
"Recomenda...as seguintes medidas: ...Não ser restritivo de Crédito Agrícola".
"...pois é justamente aí que nós conseguimos a eficiência".
"Recomenda...as seguintes medidas: ...Que todo profissional de agronomia, devidamente registrado no CREA, possa expedir receita".
"...Nós tínhamos conseguido a exclusão dos profissionais comprometidos com a indústria química. É claro que o profissional que trabalha para a indústria química está interessado no assunto. Eu não estou chamando ele de corrupto, não. Não precisa ser isto. Na medicina, o farmacêutico está proibido de dar receita, e o médico está proibido de ser dono de farmácia. Isto é apenas lógico! Nos pesticidas nós temos exatamente esta situação".
* Recomendação nº01 da Comissão de Defensivos Agrícolas, (GALVÃO, 1978) ** LUTZEMBERGER, 1982 *** Temik: inseticida, acaricida e nematicida sistêmico, à base de Aldicarb, ingrediente ativo pertencente ao grupo químico dos Carbamatos, classe toxicológica I - "extremamente tóxico"
118
Mesmo com o surgimento de focos de oposição, ainda incipientes, a experiência de
implantação do controle dos agrotóxicos via receita continua a expandir-se.
O Banco do Brasil apresenta um estudo, em abril de 1980, demonstrando a
diminuição no uso dos produtos organoclorados e organofosforados mais tóxicos,
como decorrência da prática do receituário.
Em carta resposta dirigida ao presidente da Sociedade de Agronomia do Rio
Grande do Sul, técnicos do Banco do Brasil posicionam um resumo dos resultados
auferidos com a experiência de adoção do receituário nas operações de crédito rural,
levada a efeito em 82 agências daquele estado (Figura 15).
Em vista do sucesso obtido no Rio Grande do Sul, a direção do banco resolve
expandir para todo o país, a obrigatoriedade do receituário agronômico em todos os
financiamentos do crédito rural. Esta medida causou impacto significativo nas
perspectivas do mercado de agrotóxicos no Brasil.
"... quando todo o Estado estava coberto, o Banco do Brasil apresentou estudo,
demonstrando a diminuição do uso de produtos organoclorados e de produtos
fosforados mais tóxicos. Tendo em vista o sucesso, o banco, usando do bom senso,
resolvera adotar a obrigatoriedade do Receituário Agronômico para todos os
financiamentos de aquisição de venenos. Isto representava mais de 85 por cento das
vendas no país" (PINHEIRO, 1993:89).
119
Figura 15 - Carta do Banco do Brasil, dirigida ao presidente da Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul, dando conta dos resultados preliminares decorrentes da adoção do receituário agronômico . (1980)
Fonte: PINHEIRO, 1993
120
A prática do receituário agronômico, desde seu início em 1975 até o ano de 1978,
caracterizou-se principalmente como sistema de controle das vendas através de
receitas, na medida em que a prescrição por profissional responsável técnico passa a
ser exigida como um dos requisitos para aprovação dos projetos de crédito rural que
previam o uso dessa tecnologia.
Entretanto, a partir de abril de 1978, surgem os primeiros passos na construção de
uma doutrina técnica para o manejo de problemas fitossanitários.
A EMATER implanta um modelo de receituário agronômico (Figura 16) a ser
utilizado por suas equipes técnicas, e procura parcerias com a universidade, na busca
de reciclagem técnica para seus extensionistas (SECCHI, 1986).
Figura 16 - Modelo de receituário agronômico adotado pela EMATER-RS, em 1978 (frente e verso)
Fonte: EMATER-RS, 1978
121
Com a realização do "1º Curso Sobre Fundamentos do Receituário Agronômico",
promovido pela Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul (SARGS), em
conjunto com o Centro de Estudos de Toxicologia do Rio Grande do Sul, contando
também com o apoio fundamental da Universidade Federal de Pelotas, a expressão
"receituário agronômico" começa a tomar novo conteúdo, sugerindo uma nova
metodologia de abordagem técnica dos problemas de proteção de plantas, na produção
agrícola e florestal.
O professor Milton de Souza Guerra, titular do Departamento de Fitossanidade da
Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM), da Universidade Federal de
Pelotas/RS (UFPel), surgiu como um dos principais idealizadores da metodologia do
receituário agronômico. Ele participou ativamente do curso organizado em Pelotas/RS
e narra agora, em publicação recente sobre o tema, sua visão sobre a construção do
receituário:
"...Sentindo a necessidade de estabelecer uma unidade de doutrina profissional em
face a este novo procedimento agronômico .....promoveram...o "1º Curso Sobre
Fundamentos do Receituário Agronômico". Ficava assim concretizada uma filosofia e
estabelecida uma metodologia para o Receituário Agronômico" (GUERRA &
SAMPAIO, 1991:21).
Uma rápida observação no conteúdo programático desenvolvido durante o curso
realizado na Universidade de Pelotas/RS sugere a dimensão atribuída à época ao
receituário agronômico, não como simples sistema de controle de vendas, mas como
atividade técnica da prática agronômica, conforme se verifica na Figura 17, a seguir.
122
Figura 17 - Tópicos do conteúdo programático desenvolvido no "1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico", e respectivos docentes. Pelotas, RS, abril de 1978.
Tópico Autor
Ética profissional
Prof. José Álvares de Souza Soares Sobrinho
Receituário Agronômico - Conceito, Objetivos e Elaboração
Prof. Daiser Paulo Sampaio
Fenologia dos Fatores Etiológicos
Prof. Daiser Paulo Sampaio Prof. Milton de Souza Guerra
Análise Conceitual do Receituário Agronômico - Glossário
Prof. Milton de Souza Guerra
Fatores Determinantes da Eficiência da Prescrição Técnica
Prof. Milton de Souza Guerra Prof. Daiser Paulo Sampaio
Fatores Limitantes da Prescrição Técnica
Prof. Daiser Paulo Sampaio Prof. Milton de Souza Guerra
Semiotécnica do Receituário Agronômico
Prof. Daiser Paulo Sampaio
Conceito Ético Psicológico no Relacionamento entre Técnicos e Consulentes
Prof. Daiser Paulo Sampaio
Análise de Laboratório e Interpretação de Resultados
Prof. Gastão Gisler
Posicionamento do Receituário no Contexto do Controle Integral
Prof. Milton de Souza Guerra
O Receituário Agronômico como Medida Preventiva de Acidentes e Intoxicações pela Exposição e ou Manipulação de Defensivos Agrícolas
Prof. Milton de Souza Guerra
Aspectos Econômicos do Controle Químico
Prof. Geraldo Tholozan Dias da Costa
Noções Preliminares sobre Inseticidas
Prof. Enrique Salazar Cavero
Fungicidas
Prof. Gilberto Ceciliano Luzzardi
Responsabilidade Técnica do Engenheiro Agrônomo
Prof. Orlando Magalhães Filho
Primeira Listagem Analítico-Indicativa dos Defensivos Agrícolas
Prof. Milton de Souza Guerra Prof. Daiser Paulo Sampaio
Dados e Informações Subsidiárias para o Receituário Agronômico
Prof. Milton de Souza Guerra Prof. Daiser Paulo Sampaio
Fonte: UFPel. Centro de Treinamento do Sul (CETREISUL), 1978
123
Na apresentação do curso que tinha como objetivo "reciclar a classe agronômica
rio-grandense", o receituário agronômico era definido como "um valioso instrumento
que disciplinará a comercialização e o uso dos diferentes defensivos agrícolas, através
da interveniência do profissional em Agronomia" (UFPel, 1978:7).
A expectativa criada na "invenção" do sistema de receitas colocava grande ênfase
no aporte técnico como base para sucesso da iniciativa: "...esses conhecimentos,
aliados aos estudos da eficiência de novos defensivos menos tóxicos e, portanto, de
menor risco, permitirão o estabelecimento de um sistema eficiente de controle"
(UFPel, 1978:7).
A crença em que o instrumento viria a contribuir para a melhoria dos problemas
ambientais decorrentes do uso indiscriminado também estava presente na concepção
dos promotores do curso:
"Este sistema instituído se caracterizará por considerar o problema do equilíbrio
ecológico e por reduzir, ao mínimo, as probabilidades de inconvenientes do uso
generalizado dos defensivos, entre os quais se salienta a poluição ambiental" (UFPel,
1978:7).
A grande diversidade de produtos comerciais disponíveis no mercado sinalizava a
complexidade na tomada de decisão do usuário final, e a participação de um
profissional habilitado nesse processo era apontada como fundamental.
"No Brasil, aproximadamente mais de 500 princípios ativos de pesticidas são
utilizados para a elaboração de cerca de 3.000 formulações que se encontram no
comércio. À vista deste fato, conclui-se a impossibilidade de o agricultor eleger e
manipular estes produtos, devendo, portanto, valer-se do Engenheiro Agrônomo para
sua correta orientação.
...Preconiza-se a interveniência de profissional habilitado para que os produtos
altamente tóxicos ou de larga persistência nos alimentos, no solo ou nas águas,
124
mediante a seletividade do mencionado receituário, tenham sua comercialização
regrada através da prescrição agronômica" (UFPel, 1978:7-8).
Nesta linha de argumentação o paralelo com a área médica começa a ser traçado e
vai permear muitas outras argumentações desenvolvidas ao longo do debate entre os
defensores da idéia do receituário e seus opositores.
"Na área médica, existe listagem de produtos que somente podem ser
comercializados mediante receita médica, visando à proteção individual no campo da
saúde humana. Os pesticidas, entretanto, são vendidos livremente e, não só causam
danos à saúde individual, como também provocam casos de intoxicações coletivas,
mortes, poluição ambiental e extermínio da fauna e flora" (UFPel, 1978:7).
Outro componente presente na institucionalização do receituário agronômico,
desde os primeiros momentos de concepção da idéia, foi a visão de difusão do
instrumento como bandeira de luta da classe agronômica. Um dos atores principais
nessa linha foi a Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul. Sua diretoria, ao
fazer a apresentação do "1º Curso sobre Fundamentos do Receituário" explicitava o
papel do receituário junto à corporação agronômica.
"COLEGAS!
A Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul espera encontrar, em cada
colega, um verdadeiro paradigma em prol da consolidação desta campanha que, sem
dúvida, abre nova era na gloriosa história das lutas classistas, no sentido de
engrandecer e valorizar, profissionalmente, o Engenheiro Agrônomo" (UFPel,
1978:8).
Depois deste primeiro curso levado a efeito em Pelotas/RS, vários outros foram
ministrados, cobrindo todo o Estado do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, Paraná,
em Belém, Vitória, Salvador, Goiânia, Brasília, Dourados, Porto Velho, além de várias
palestras em diferentes pontos do país.
125
4. 1. A construção dos conceitos em torno do receituário
As experiências levadas a efeito pelos grupos profissionais do Rio Grande do Sul
foram constituindo uma visão comum sobre os conceitos que sustentariam a prática do
receituário agronômico.
O engenheiro agrônomo Milton de Souza Guerra, que atuava como professor
titular de Entomologia no Departamento de Fitossanidade da Universidade Federal de
Pelotas, na época de discussão e implantação do receituário, e o Médico Veterinário
Daiser Paulo de Almeida Sampaio, professor titular livre-docente do Departamento de
Clínicas Veterinárias da mesma universidade, contribuíram fortemente para a
construção de um modelo de concepção prática do receituário, buscando diferenciá-lo
de uma atividade burocrática limitada a servir como instrumento de controle das
vendas de agrotóxicos.
"A receita agronômica é o documento pelo qual o profissional se identifica, se
situa, se apresenta e preconiza o recurso terapêutico, preventivo ou curativo, em
função do diagnóstico. É o instrumento utilizado pelo engenheiro agrônomo para
determinar, esclarecer e orientar o agricultor sobre como proceder ao usar um
agrotóxico ou outra medida alternativa da defesa sanitária vegetal. Constitui a etapa
final de toda uma metodologia semiotécnica, da qual o profissional se valeu para tirar
usas conclusões relativas ao problema" (GUERRA & SAMPAIO, 1991: 30-31).
Conforme estes autores, dentre os princípios gerais que subsidiariam a filosofia do
receituário agronômico estariam dois pontos fundamentais: o receituário deveria
preconizar medidas de controle populacional de espécies potencialmente pragas,
objetivando evitar que atinjam o nível de dano econômico; e ainda estabelecer os
critérios metodológicos, para simultaneamente, preservar a saúde humana, animal e
ambiental, sem prejuízo da produtividade.
126
“ ...Portanto, a precisão diagnóstica que vai, em grande parte, garantir o êxito do
tratamento, apoia-se no conhecimento exato e pleno do agente etiológico. E, os
procedimentos terapêuticos preconizados deverão considerar os aspectos
toxicológicos e os conceitos ecológicos relacionados” (GUERRA, 1982).
A aplicação dessa filosofia na prática do receituário estaria sugerindo uma atitude
bem definida para o papel do técnico extensionista na busca de soluções aos desafios
impostos pelos problemas do manejo fitossanitário.
“Depreende-se destes dois princípios, ser indispensável a presença do agrônomo
junto à lavoura, seu paciente, seguindo uma metodologia racional de exames da
situação para poder realmente qualificar e quantificar a gravidade e a abrangência
do processo, para estabelecer um conceito final e prescrever um procedimento a ser
atendido. Isso equivale a dizer que nenhuma receita é tecnicamente válida e honesta
se o técnico não estudou o problema com base na semiotécnica agronômica e
Um conceito básico na doutrina do receituário agronômico preconizada por Guerra
& Sampaio é a chamada semiotécnica agronômica. Este termo foi definido pelos
autores como "um conjunto de procedimentos que, através de informes, sinais, etc.
conduzem o profissional ao conhecimento do problema e a sua origem (diagnóstico
etiológico)" (SAMPAIO, 1978:23).
É na definição da chamada semiotécnica agronômica que os precurssores da
doutrina do receituário agronômico passaram a se apropriar da linguagem
característica utilizada na relação "médico-paciente", transposta para a situação de
"técnico-consulente", alimentando um suposto paralelo sugerido entre a prática médica
e a atividade agronômica
Uma rápida análise do glossário apresentado pelos autores do curso sobre o
receituário oferece uma visão geral da linguagem e dos conceitos concebidos para
utilização no exercício do receituário agronômico (Figura 18).
127
Figura 18 - Alguns componentes do "Glossário de termos e conceitos em Receituário Agronômico", apresentado no "1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico". Pelotas/RS - 1978
Termos Conceitos Agente etiológico
Fator da natureza física, química ou biológica responsável pela gênese de uma doença ou infestação.
Anamnese
Recordação de fatos que se passaram até o problema atual.
Anamnese passiva
O consulente recorda os antecedentes.
Anamnese ativa
O técnico interroga sobre os antecedentes.
Carência
Período compreendido entre o último tratamento e a colheita.
C. I.
Conceito inicial: critério inicial obtido pelas informações do rapport.
Diagnóstico
Identificação da doença ou da infestação pelo conhecimento da etiologia.
Etiologia
Estudo das causas. É a ciência que trata das causas das doenças e infestações quanto à natureza, evolução, classificação e relações com suscetíveis.
Etologia
Estuda o comportamento dos seres vivos.
Fenologia
Estudo dos fenômenos periódicos da vida vegetal ou animal. Trata da regulação de eventos biológicos periódicos em relação aos fatores ambientais chaves.
Fitotoxicidade
Propriedade de uma substância de causar injúrias nos vegetais.
F. P.
Ficha profissional.
Gênese
Aparecimento.
HPPA
História pregressa do problema atual: relato dos fatos que precederam o problema atual.
IDA
Ingestão diária aceitável: exprime a quantidade de um produto biologicamente ativo, que pode ser ingerido diariamente pelo homem, sem que ocorram maiores problemas de risco.
Prognóstico
Previsão quanto ao desfecho do tratamento em relação ao destino do cultivo.
Q. D.
Queixa e duração: motivo da consulta e duração do problema.
Rapport
Chegada, primeiro contato com o consulente.
S. I. C.
Observação adotada no registro técnico, quando a informação é considerada de grande valor.
Semiologia
Ciência que estuda os sinais precoces das doenças e infestações.
Semiotécnica
Conjunto de procedimentos semiológicos que objetivam o diagnóstico.
Fonte: GUERRA, 1978.
128
Segundo GUERRA & SAMPAIO (1991) os conceitos construídos para a chamada
semiotécnica agronômica contemplam dois momentos durante o exercício do
receituário.
O primeiro momento seria dedicado a quatro procedimentos seqüenciais: o
Rapport (abordagem), a queixa e a duração (Q.D.), a anamnese passiva e a ativa.
Em seguida, associado a uma "indispensável" visita a propriedade, o técnico
estaria em condições de passar ao segundo momento de conclusão do diagnóstico e
prescrição da receita.
O Rapport foi definido como a denominação dada ao primeiro contato entre o
consulente e o técnico; geralmente caracterizada como uma conversa informal com o
cliente, buscando uma visão sobre o nível de conhecimento do consulente e a
linguagem mais apropriada para a comunicação. A partir desse contato o técnico
construiria o chamado conceito inicial (C.I.) do seu cliente.
Na seqüência da atividade semiotécnica os autores indicam o momento da queixa e
duração, ocasião em que o técnico deveria restringir-se a indagar sobre qual o
problema a ser trabalhado (queixa) e desde quando ele passa a existir (duração).
O passo seguinte seria a do procedimento da anamnese passiva, momento em que
o técnico passaria anotar todo o relato do problema oferecido pelo cliente, interferindo
apenas para evitar "divagações na conversa".
Tais anotações seriam então retomadas no momento seguinte, para o exercício da
anamnese ativa, ocasião em que o técnico interrogaria o cliente sobre os pontos antes
apresentados espontaneamente.
Os tópicos sugeridos por GUERRA & SAMPAIO (1991), para as questões a serem
levantadas na anamnese ativa devem abordar:
129
• Cultura - cultivar, área plantada, desenvolvimento, aspecto geral, culturas
adjacentes, tratos culturais, adubação, solo limpo ou coberto (plantio direto -
alelopatias), agroquímica, potencialidade, etc;
• Pessoal - disponibilidade, treinamento, informação toxicológica, idade, estado
de saúde, vínculo empregatício, relacionamento, etc;
• Equipamento - disponibilidade, operacionalidade, rendimento de trabalho,
calibragem, etc;
• Instalações - local para armazenamento dos agrotóxicos, sumidouro, parque de
abastecimento e lavagem de equipamento, residências, cercas, aguadas, cocheiras,
galinheiros, currais, etc;
• Topografia e recursos naturais - relevo, matas, vida silvestre, cursos de água,
etc;
GUERRA & SAMPAIO (1991) detalhando o procedimento chegam a propor um
roteiro de perguntas básicas a serem levantadas pelo técnico no momento da anamnese
ativa, conforme mostra a figura 19, a seguir.
130
Figura 19 - Perguntas básicas para o procedimento de anam
nese ativa no exercício do receituário agronômico
ALG
UM
AS PER
GU
NT
AS SU
GE
RID
AS
PO
NTO
S DE IN
VESTIG
AÇ
ÃO
Q
uais as culturas existentes? Q
ual a área cultivada?
Conhecer possíveis produtos já utilizados anteriormente e o nível de contam
inação ambiental
pregressa. Foi feita adubação? Q
uando? Onde? Q
ual adubo? Foi realizada análise de solo? Q
uando? Por quem?
Qual o resultado?
Conhecer eventuais problemas relacionados a atraso de germ
inação, doenças carenciais, culturas heterogêneas e predisposições para pragas e doenças.
Qual o espaçam
ento? Q
ual o tipo de irrigação? E tratos culturais? Q
uando foi feita a última poda?
Foram feitas queim
adas anteriormente?
Conhecer o nível e a correção do manejo cultural conduzido na propriedade.
Qual o pessoal disponível?
Moram
na fazenda? Onde: na lavoura ou na sede?
E na pecuária?
Conhecer a quantidade e qualidade do pessoal, e de suas condições de vida e trabalho.
Que atividade pecuária se desenvolve na fazenda?
Utiliza reserva? Faz silagem
? Usa sal m
ineral? Q
ual?
Examinar a possibilidade da existência de m
anejo simultâneo na agricultura e pecuária, visando
prever problemas de contam
inação por contato de animais com
as áreas eventualmente tratadas
com agrotóxicos.
Quem
treinou? Q
uem prepara as soluções de agrotóxicos?
Qual o equipam
ento de aplicação utilizado? Esse m
aterial tem m
anutenção? U
sa material de proteção individual?
Conhecer os fatores de eficiência da receita que estão relacionados à capacitação do pessoal e a operacionalidade do m
aterial.
131
Q
uais os defensivos usados? A
s sementes foram
tratadas? O
nde armazena os pesticidas?
Que destino é dado às em
balagens? Tem
hábito de misturar pesticidas?
Onde lava o equipam
ento? O
nde lava a roupa de trabalho? Q
ual o destino dado às sobras de produtos?
Conhecer o eventual nível de contaminação da área, e as condições de segurança existentes para
as operações.
Qual a natureza do terreno?
Existem barreiras naturais?
Existe drenagem?
Para onde vão as águas drenadas pelos canais? Q
ue problem
as surgiram
em
plantações
anteriores com relação aos pesticidas?
Conhecer a dimensão dos fatores ecológicos que podem
interferir na montagem
da receita, bem
como na escolha do equipam
ento de aplicação mais adequado.
Ocorreu caso de intoxicação na fazenda?
Existe alguém doente na fazenda?
Conhecer a situação geral de saúde humana.
Q
ue pesticidas foram utilizados anteriorm
ente nas sem
entes? No solo? N
as culturas? H
ouve mortandade de peixes, aves, cobras, sapos
e outros animais?
Existem hortas, pom
ares e plantações de erva-m
ate entre
as culturas
tratadas ou
nas proxim
idades?
Conhecer a situação geral da saúde ambiental.
Fonte: modificado de G
UER
RA
& SA
MPA
IO, 1991
132
Ao final do primeiro momento na seqüência semiotécnica preconizada por Guerra
& Sampaio, o técnico já estaria em condições de avaliar o quadro geral do consulente,
nos seguintes aspectos:
• nível de contaminação ambiental;
• nível de segurança das condições operacionais, de trabalho e de
armazenamento de pesticidas;
• erros, deficiências, fatores limitantes com relação à escolha das formulações;
• condições econômicas para a viabilidade do receituário;
• fatores de eficiência a serem explorados; e
• informações que deverão ser prestadas além da receita.
Após esta primeira fase o passo seguinte deveria ser o da visita à propriedade;
etapa esta colocada como "indispensável" pelos autores. É nesta ocasião que as
informações levantadas na fase da entrevista inicial com o consulente estariam sendo
conferidas em detalhes.
"....Assim, e só assim, o profissional terá a certeza dos fatos, a precisão dos dados,
e conhecimento da verdadeira etiologia ou etiologias do problema, ou seja, o
diagnóstico fiel" (GUERRA & SAMPAIO, 1991:82).
O conjunto das informações obtidas pela entrevista com o consulente, e os da
perícia de campo, ofereceriam então os subsídios necessários para que o técnico
pudesse compor a "história pregressa do problema atual - HPPA", que seria a soma
dos fatores antes levantados:
HPPA = RAPPORT + Q.D. + Anamnese passiva + Anamnese ativa + C. I.
Onde: Q.D. = queixa e duração e
C. I. = conceito inicial
A "história pregressa do problema atual" passaria a ser então registrada em uma
ficha de controle (F.C), compondo o corpo da ficha técnica da propriedade. (Figura 20)
133
Figura 20 - Modelo de Ficha técnica
Fonte: extraído de G
UER
RA
& SA
MPA
IO, 1991
134
Para os autores proponentes da doutrina do receituário agronômico, a eficiência da
prescrição técnica estaria na dependência de um conjunto de fatores que poderiam ser
organizados em dois principais grupos (Figura 21).
Figura 21 - Fatores determinantes da eficiência do receituário
Fonte: GUERRA & SAMPAIO, 1991
O reconhecimento das limitações técnicas dos engenheiros agrônomos no
acompanhamento da dinâmica imposta pela indústria química, a partir do lançamento
maciço de produtos no mercado, pode ser verificada na argumentação do Prof. Daiser
Paulo Sampaio, em publicação destinada aos cursos de reciclagem e formação de
agrônomos para atuação no exercício do receituário.
"A indústria oferece ao engenheiro agrônomo um grande número de opções de
tratamento e controle de pragas e doenças.....compondo um arsenal de 4.000
formulações, para os diversos fins. Atualmente toda a propaganda de pesticidas é feita
na intimidade da propriedade rural......Não constitui nenhuma novidade que, em
135
inúmeros casos e em inúmeras regiões, os técnicos são os menos informados sobre
produtos novos que, a cada dia, surgem em sua área de exercício profissional...
...Realmente, muito pouco acesso têm os engenheiros agrônomos à bibliografia
especializada; isto faz com que os técnicos se transformem em meros orientadores,
com base em informações impostas pelos fabricantes" (SAMPAIO, 1978:21).
Assim, a questão da capacidade profissional colocou-se como um dos fundamentos
para o êxito do receituário, ao mesmo tempo em que se imaginou que o próprio
exercício da atividade poderia proporcionar maiores facilidades no trato da tecnologia
química, por parte do profissional atuante nas atividades de prescrição
"O exercício continuado do R.A. proporciona, ao profissional, possibilidade de
memorizar rapidamente um grande número de princípios ativos, compatíveis com
cada caso em particular..." (SAMPAIO, 1978:21).
O conhecimento e a aplicação dos procedimentos semiotécnicos também são
assinalados como fatores profissionais a interfirir na eficiência do receituário. Mais
uma vez é ressaltada a importância do estudo de cada caso, inclusive com as avaliações
da perícia de campo.
"...não basta ao agrônomo conhecer os sintomas ou os sinais de ocorrência de
doenças ou pragas na lavoura. É importante que dimensione sua distribuição e
intensidade de ataque....Por meio da semiotécnica adequada busca-se o nível de
controle...que é imprescindível para um procedimento terapêutico técnico-científico,
sem o qual o agrônomo estará agindo empiricamente, ao acaso, o que não é
compatível com sua formação profissional.
Para tanto é indispensável a presença do agrônomo no campo, junto ao problema,
para que tenha condições de avaliar a situação in loco" (GUERRA & SAMPAIO,
1991:62).
136
Em relação aos fatores de execução apontados como determinates da eficiência do
receituário os autores apontam os três primeiros (diagnóstico, conhecimento da cultura
a ser tratada e conhecimento dos eventos biológicos periódicos que regulam as plantas
e também as pragas e doenças) como dependentes da ação direta da atuação do
profissional, com base em sua capacitação técnica.
Quanto aos demais fatores de execução apontados (formulações adequadas e
cuidados com a tecnologia de aplicação) o técnico deverá valer-se das informações
oferecidas pelos fabricantes dos agrotóxicos, os quais fornecem tais indicações nas
bulas dos produtos, complementando e traduzindo em linguagem compatível com o
consulente as informações relevantes para atender a tais fatores.
Na doutrina difundida pelos proponentes do receituário agronômico já constava a
identificação de requisitos básicos a serem considerados no exercício da prescrição
técnica, sob os quais existiriam limitações na escolha do recurso adequado para
enfrentamento do problema de manejo das pragas e doenças.
SAMPAIO & GUERRA, ao discutirem no "1º curso sobre fundamentos do
receituário agronômico" o contexto de aplicação do receita, apontavam 5 principais
fatores como "limitantes da prescrição técnica", são eles:
• fatores econômicos: os aspectos econômicos da cultura e o poder aquisitivo do
consulente vão determinar, por exemplo, a escolha da formulação mais adequada,
tendo em vista as diversas opções existentes no mercado.
• fatores materiais: tipos de equipamentos e instalações disponíveis, a
influenciar os padrões de segurança e eficiência agronômica atribuídos ao uso da
tecnologia química.
• Fatores pessoais: o quadro de pessoal disponível para o tratamento a ser
efetuado, e o nível de capacitação das equipes, são fatores limitantes a influir na
137
prescrição. "Cabe ao técnico ponderar estes fatores e receitar nas dimensões
exeqüíveis do problema."
• Fatores ecológicos: a topografia da região, os circuitos e as direções dos cursos
de água, a natureza da vegetação nativa predominante, a natureza da fauna
existente, são alguns dos aspectos a influir na prescrição de determinada técnica de
controle de pragas.
• Fatores de contaminação ambiental pregressa: a receita agronômica deveria
posicionar-se com base na contaminação ambiental pregressa (produtos
anteriormente utilizados na região) para verificar e avaliar as possibilidades de
sinergismos, investigar a eficiência obtida nas eventuais aplicações anteriores, bem
como a ocorrência dos casos de resistência.
Mais recentemente, em publicação do ano de 1991, sobre o mesmo tema, Guerra &
Sampaio agregam mais um aspecto identificado como limitante da prescrição técnica:
o fator legislativo.
"A nova atividade oferecida ao engenheiro agrônomo (receitar agronomicamente)
exige do técnico uma postura responsável e atenta aos princípios que regem a
legislação sobre o assunto. Qualquer erro de prescrição coloca o profissional em
sério envolvimento com a Justiça, processos, código de ética, etc....(GUERRA &
SAMPAIO, 1991: 56).
Ao lado dos fatores acima mencionados os autores da doutrina inspiradora do
receituário agronômico também conceberam uma rede de recursos logísticos apontada
como fundamental para o exercício efetivo do receituário agronômico.
Esta rede de apoio operacional contaria basicamente com a atuação das instituições
oficiais e órgãos de pesquisa, extensão, fiscalização, e de apoio legal (Figura 22).
138
Figura 22 - Apoio logístico ao receituário agronômico - subsídios
Fonte: GUERRA & SAMPAIO, 1991.
139
5. PERDENDO O PONTO DA RECEITA: AS
CONTROVÉRSIAS MODIFICANDO A IDÉIA INICIAL
5. 1. O estabelecimento do debate
Ao final da década de 70 as repercussões da iniciativa desenvolvida pelo Banco do
Brasil na adoção do receituário agronômico em suas operações de crédito rural,
somadas às pressões crescentes promovidas pelos movimentos de combate ao uso
indiscriminado dos agrotóxicos em todo o país acabaram por induzir a ação
governamental na questão.
Neste contexto o Ministério da Agricultura, através da Portaria nº 347, de 07 de
novembro de 1980, institui oficialmente o receituário agronômico, não obstante o
posicionamento de suas autoridades, até então contrárias ao sistema de controle
proposto (PINHEIRO, 1993).
Os critérios adotados pela legislação recém criada apresentavam-se, de certa forma,
como menos rígidos em comparação ao sistema precursor implantado no âmbito do
Banco do Brasil.
A medida instituída pelo Banco do Brasil preconizava a necessidade de receita para
qualquer produto, independentemente de seu grau de toxicidade.
Já a adoção do mecanismo pelo Ministério da Agricultura ficou restrita aos
produtos das classes toxicológicas I e II (altamente e medianamente tóxicos, conforme
140
classificação à época), deixando os produtos classes III e IV com venda livre,
independente de responsabilidade técnica.
Este fato já indicava o caráter conflituoso do processo de adoção e implantação do
sistema.
“A exigência de RA do Banco do Brasil, válido para todo o país, era para todo e
qualquer produto, independentemente de seu grau de toxicidade. Isto era bastante
lógico, pois um produto muitas vezes não-tóxico necessitava de uma carga extra de
conhecimentos técnicos, para sua aplicação. Já o receituário do Ministério da
Agricultura era somente para os produtos de classe toxicológica I e II, ficando a
venda livre para as classes III e IV" (PINHEIRO, 1993:92).
A rigor, a Portaria nº347/80 do Ministério da Agricultura fazia referência não só ao
instrumento da receita como medida de controle, mas citava também o "Projeto
fitossanitário". A apresentação de qualquer um destes instrumentos era condição
obrigatória para que o usuário final pudesse ter acesso à compra dos produtos.
Isto de certa forma refletia o embate que se travava entre as partes opostas na
questão dos agrotóxicos. De um lado os mais críticos sobre os benefícios dos
agrotóxicos defendiam a adoção do receituário, de outro, a indústria química e a parte
da comunidade técnica ligada a esse setor defendiam a adoção do "projeto
fitossanitário".
Em reportagem de julho de 1979 a revista "Química e Derivados" traz uma
entrevista realizada com vários representantes das empresas de agrotóxicos. É possível
desenhar um cenário bastante claro sobre as posições em relação à proposta do
receituário agronômico, a partir dos argumentos apresentados na citada reportagem:
"Outro projeto a não contar com muita simpatia por parte dos fabricantes é o
Receituário Agronômico, já utilizado no Rio Grande do Sul e por cuja regulamentação
as associações de agrônomos vêm lutando" (Química e Derivados, julho, 1979:14).
141
Na palavra do diretor de planejamento de uma das grandes empresas do setor, à
época, a Companhia Nacional de Defensivos Agrícolas (CNDA), pode-se observar os
argumentos sobre a suposta inadequação do termo "receituário", sobre uma deficiência
potencial do instrumento para atender às necessidades impostas pela dinâmica dos
processos de infestação pelas pragas; e ainda uma outra linha de argumentação que se
baseia na constatação de que a comunidade técnica não se encontrava preparada para o
exercício do receituário agronômico e sobre o despreparo dos agrônomos. Este último
argumento parece bastante contraditório, uma vez que se reconhecia uma eventual
deficiência dos agrônomos para o exercício da prescrição criteriosa dos produtos,
entretanto a "venda sem controle" certamente não sanearia tal deficiência.
"...o setor não é contrário ao Receituário Agronômico, embora receituário não
seja a palavra adequada, pois é uma atividade privativa dos médicos. A receita é dada
depois de constatada a doença. Ora, surtos de praga aparecem da noite para o dia.
Um surto de lagarta, por exemplo, devora uma lavoura inteira em poucas horas. Além
do mais, os defensivos agrícolas são produtos complexos e há necessidade de
reciclagem dos agrônomos, para sua atualização. Isso, quando falta material humano
na área de agronomia.
....Agora, esse negócio de receita não existe em nenhum lugar do mundo. E, em
razão do contexto cultural e geográfico, não sei se o Brasil tem condições de inovar
nesse campo" (Química e Derivados, julho, 1979:14).
Carlos Alves Seixas, da empresa Nortox, entendia o receituário como uma medida
parcial e pouco prática, mas reconhecia a importância de que um mesmo técnico viesse
a prescrever a receita e também acompanhar todo o processo. Neste sentido sua
argumentação também se alinhava a de outros do setor das empresas, os quais
defendiam que a atividade de indicação técnica dos agrotóxicos deveria ser restrita a
um grupo especializado de profissionais da agronomia, os chamados "fitossanitaristas".
Nesta proposta a idéia de que tal grupo ficaria basicamente restrito aos profissionais
das empresas de agrotóxicos, desencadeou um amplo processo de reação por parte da
142
corporação agronômica, especialmente representada pelos componentes do sistema
CONFEA-CREAs.
“...Além disso, a defesa vegetal é uma especialidade dentro do campo agronômico.
Assim só poderão definir tratamentos rem relação a esta ou aquela cultura os
agrônomos fito-sanitaristas. Quando se leva para todo o profissional de agronomia a
oportunidade de receitar, está se correndo um risco técnico” (Química e Derivados,
julho, 1979:14-18).
Uma visão ainda mais cética sobre o sucesso e a aplicabilidade da idéia do
receituário agronômico foi apresentada na citada reportagem, a partir da argumentação
do então gerente de setor da divisão de defensivos da Bayer do Brasil S.A.:
"...Pode-se restringir a venda, mas restringir o uso é muito mais prático e
eficiente...No Rio Grande do Sul , o agrônomo dá a receita sem sequer conhecer o
agricultor. Muitas vezes, o próprio revendedor é quem pega a receita com o
agrônomo. Isso acaba, inclusive, aumentando os custos do próprio agricultor”
(Química e Derivados, julho, 1979:14-18).
Mas a posição dos defensores da idéia do receituário, desde o início dos debates, já
sinalizava para a necessidade de entender a proposta não como um simples sistema de
"vendas sob receitas", mas a proposta contemplava a implantação de um sistema amplo
de atividades na questão dos agrotóxicos, envolvendo desde o aperfeiçoamento dos
processos de análise toxicológica dos produtos, o aparelhamento do estado para
processar corretamente as informações de registro, o incremento dos serviços de
assistência técnica e extensão rural, o desenvolvimento da pesquisa direcionada para
práticas alternativas de combates às pragas e doenças, até o estabelecimento de um
sistema de fiscalização efetiva dos insumos propriamente dito.
Estes pontos podem ser observados na argumentação de um dos dirigentes da
Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo, Moacir José Costa
Pinto, em reportagem à revista "Química e Derivados", em julho de 1979.
143
"...a Associação dos Agrônomos vem promovendo uma grande campanha para a
legalização e regulamentação do que, talvez, seja o projeto mais caro de sua vida: o
Receituário Agronômico, o qual restringiria o uso inadequado dos defensivos
agrícolas, pois os produtos, principalmente os mais perigosos, não poderiam ser
aplicados sem ser devidamente receitados por um engenheiro agrônomo, fornecendo
subsídios ao agricultor para sua aplicação correta.
...Embora o Receituário esteja provocando polêmicas entre os fabricantes de
defensivos agrícolas, para Moacir, não adianta discutir apenas o seu aspecto formal,
pois não é a receita a única base do projeto, e sim todo um complexo de atividades,
desde os estudos toxicológicos dos produtos químicos até os estudos das técnicas
agrícolas mais adequadas à cultura em questão......O importante é deixar claro que
nós não pretendemos, simplesmente, assinar receitas" (Química e Derivados, julho,
1979:28).
Para tentar deter o crescimento da idéia do receituário agronômico, os
representantes da indústria dos agrotóxicos desenvolveram a proposta do "Projeto
Fitossanitário". Mas qual seria a diferença entre as duas propostas?
Em reportagem da revista "Atualidades Agropecuárias", do ano de 1980, a
discussão sobre estas duas propostas é apresentada:
"Uma questão de terminologia semântica? Talvez. Mas, o fato é que o receituário
agronômico tem criado várias polêmicas, e propiciado o aparecimento, até mesmo, de
projetos similares a ele. É o caso do plano fitossanitário..." (Atualidades
Agropecuárias, 1980:21).
Trazendo a visão da indústria na citada reportagem, Luiz Carlos Ferreira Lima ,
representante de uma das empresas atuantes no setor, aponta as limitações contidas na
proposta do receituário agronômico, e ao mesmo tempo indica o "projeto
fitossanitário" como a solução mais adequada para fazer frente aos problemas
decorrentes do uso de agrotóxicos.
144
"...qualquer produto, por melhor que seja recomendado, se não for aplicado por
pessoa habilitada, poderá provocar toda uma série de perdas e acidentes. Afinal, a
aplicação se constitui no momento de maior risco, quando é empregado o defensivo
agrícola. Analisando-se, então, o problema sob este ângulo, teoricamente, até se
poderia aceitar o receituário agronômico. Mas, na prática, seria difícil sua
viabilidade. Pois não atenderia aos objetivos desejados, isto é: os de preservar a
produção nacional sem causar danos ao homem, aos animais e ao ambiente"
(Atualidades Agropecuárias, 1980:21).
O ponto básico de argumentação do representante da indústria sobre a inadequação
do receituário agronômico repousava no fato de que a simples exigência de
intermediação técnica no momento da prescrição não garantiria o "uso adequado" do
produto, pois no momento da aplicação, a presença do técnico não estava
necessariamente sendo exigida.
"...A receita é entendida como parte de um processo em que o técnico, ao se defrontar
com um problema fitossanitário já existente, faz o seu diagnóstico. Identificando as
causas, ato contínuo, ele prescreve as medidas de controle mais adequadas ao caso.
Agora, esperar que esse mesmo técnico supervisione os trabalhos de aplicação dos
defensivos, nas atuais condições brasileiras, é estar inteiramente fora da realidade
agrícola em que vivemos" (Atualidades Agropecuárias, 1980:21).
Outra linha de argumento contra o receituário agronômico fazia referência ao não
atendimento deste instrumento nas situções emergenciais criadas na dinâmica do
processo produtivo agropecuário e florestal, onde não estava garantida a presença
constante de um técnico capacitado para o enfrentamento das questões fitossanitárias
nos locais de produção.
"...a implantação do receituário agronômico poderá trazer sérias conseqüências
ao agricultor, concernentes à aquisição dos produtos fitossanitários de que necessita
face às dificuldades que serão encontradas. Exemplo disso são: a necessidade de um
técnico presente quando da ocorrência do problema fitossanitário; a urgência de
145
liberação do crédito agrícola para a aquisição dos defensivos e a disponibilidade dos
produtos recomendados nas proximidades da propriedade agrícola. E mesmo assim:
ainda que os itens referidos possam ser atendidos com presteza necessária,
dificilmente haverá em disponibilidade, um técnico para orientar as aplicações dos
produtos. Por isso nasceu o projeto técnico fitossanitário" (Atualidades
Agropecuárias, 1980:21).
A proposta de "projeto fitossanitário" apresentada pelos representantes da indústria
de agrotóxicos baseava-se, de forma geral, no desenvolvimento de campanhas de "uso
adequado", na formação de aplicadores habilitados, e no estabelecimento de processo
de apresentação de projeto técnicos prevendo o uso de agrotóxicos, por ocasião das
solicitações de financiamento agrícola, conforme acentua Ferreira Lima, na citada
reportagem.
"A indústria, através da Andef, tem feito campanhas de ensino ao homem rural....A
idéia é capacitar o aplicador de defensivos. É dar-lhe habilitação...Fica claro,
portanto, que o projeto técnico fitossanitário dará, ao agricultor, mais elementos do
que um simples rótulo de produto para orienta-lo na aplicação...
...O engenheiro agrônomo, devidamente habilitado e, conhecedor das condições locais
da cultura em estudo, poderá, por antecipação ao plantio, propor um projeto técnico
de controle fitossanitário que melhor atenda às diversas alternativas de pragas e
doenças que possam ocorrer. Poderá, também, através do projeto, fornecer ao
agricultor, uma justificativa para a aquisição do financiamento de que necessite e,
conseqüentemente, antecipar, pelo menos, parte da compra dos defensivos
Enquanto os propositores da idéia do receituário agronômico seguiam na busca da
construção de uma doutrina técnica para a prática da prescrição, abrindo inclusive a
possibilidade de discussão e aplicação de outras práticas não-químicas para o manejo e
controle de pragas e doenças, os defensores do "projeto fitossanitário" insistiam em
outro caminho. Na proposta do projeto técnico as prescrições seriam feitas "a priori",
146
no momento de planejamento de uma cultura, mais precisamente na ocasião em que o
agricultor apresentasse um "plano de cultura" junto aos órgãos de liberação do crédito
rural. Neste contexto não havia muito espaço para a exploração de outras eventuais
técnicas existentes para o controle das pragas e doenças. A lógica montada era simples:
o agricultor ao apresentar um plano de cultura, deveria também contemplar um projeto
para o controle fitossantário. Neste projeto a terapia indicada contemplaria
basicamente o manejo químico e as quantidades presumidas de agrotóxicos a serem
utilizadas eram então dimensionadas e seus valores correspondentes eram adicionados
ao projeto de financiamento.
Todavia, não obstante o caráter reducionista e burocratizante da proposta de
projeto fitossanitário, seus defensores apresentavam uma linha de argumentação oposta
às reais características da proposta, numa evidente distorção do debate, conforme se
pode notar no depoimento apresentado pelo então diretor executivo da ANDEF, Régis
Rahal, em reportagem da revista "Agricultura de Hoje", de junho de 1980.
"...apesar de tudo o que dissemos e de tudo o que fizemos até aqui, estamos
absolutamente convencidos de que o uso adequado nõa se resolve apenas com
palavras. Nesse sentido, acreditamos que o receituário agronômico que se pretende
impor ao agricultor brasileiro não vai solucionar essa questão. A nosso ver, a receita
conforme a proposta original, tem-se limitado exclusivamente à transcrição das
normas contidas na bula ou no seu rótulo. Depois, tira o engenheiro agrônomo do
campo.
...Por isso, a ANDEF está propondo a instituição, como norma legal, do Projeto
Técnico Fitossanitário, segundo o qual só poderiam ser entregues ao consumo os
defensivos de acordo com a classificação a ser estabelecida pelo Ministério da
Agricultura, mediante apresentação de Projeto Técnico Fitossanitário, firmado por
engenheiro agrônomo , de acordo com a destinação do produto.
...Cada projeto deverá conter, além dos itens essenciais quanto à recomendação
dos produtos, os seguintes: momento e condições de aplicação; equipamento a ser
147
utilizado; o intervalo em dias entre a última aplicação e a colheita; a fitotoxicidade à
cultura a ser protegida e às outras culturas próximas; a toxicidade da formulação
prescrita; a proteção dos aplicadores e demais pessoas envolvidas; e o destino às
embalagens vazias, bem como a guarda das embalagens não utilizadas" (Agricultura
Hoje, 1980:45).
A tentativa de conferir à proposta do "projeto fitossanitário" uma qualidade
dinâmica e legitimidade não compatível com seu conteúdo real também é exercitada
nas argumentações colocadas no debate pelo então dirigente da ANDEF.
"...o importante nessa proposição é que o engenheiro agrônomo vai estar, como
aliás deve estar, no campo, em contato com o lavrador, contribuindo efetivamente
para o desenvolvimento da agricultura brasileira. Adicionalmente, a instituição do
Projeto Técnico Fitossanitário ensejará a criação de uma nova profissão, a de
aplicador dos defensivos agrícolas nas lavouras. Do ponto de vista social, será uma
grande conquista, na medida em que melhorará as condições de vida do trabalhador
rural" (AGRICULTURA HOJE, 1980:46).
Ao menos um ponto em comum surgia na argumentação entre os debatedores da
questão do receituário: a necessidade de investimentos na formação dos aplicadores de
agrotóxicos. Um dos defensores desta linha foi Waldemar Ferreira de Almeida, médico
toxicologista que exerceu um papel importante na formação de massa crítica junto ao
meio técnico-científico, na construção de uma visão mais crítica sobre os problemas de
saúde ocupacional e ambiental envolvidos no uso de agrotóxicos. Em reportagem da
revista "Atualidades Agropecuárias", de abril de 1980, intitulada "Ensinar ou
proibir?", o Dr. Waldemar expõe seus argumentos em favor da adoção da figura do
"aplicador habilitado".
"Os aplicadores de defensivos precisam saber o que estão aplicando. E o que
tenho observado no interior é um fato curioso: os indivíduos não recebem nenhuma
informação dos capatazes, chefes ou fazendeiros. Estes explicam que, se os
aplicadores forem notificados do perigo do produto, vão embora: não querem fazer o
148
trabalho. Dessa forma, os defensivos são aplicados de forma prejudicial aos
aplicadores, à sua família e aos que estão mais próximos. Falta de informação é
lamentável e malévola.
Há rótulos. É fato. Mas, inúmeras vezes, as pessoas que aplicam defensivos não
sabem ler e fazer tudo sem esclarecimento. Por outro lado, países desenvolvidos tem
aplicadores profissionais de pesticidas....
....Todos são submetidos a um curso de treinamento e, depois, a um exame de
capacitação ou de habilitação. Esses trabalhadores, nesses países, tem uma caderneta
de trabalho e uma cédula de identidade. Essas pessoas são as que tem autorização
para comprar e aplicar os produtos tóxicos..." (Atualidades Agropecuárias, 1980:16-
17).
Mas se havia consenso quanto a carência de formação de pessoal capacitado para
uma atuação responsável nas atividades de aplicação, o mesmo não ocorria na
discussão em torno da adoção do receituário e de sua contraproposta: o projeto técnico
fitossanitário.
GUERRA (1982), já observava que o Projeto Fitossanitário propunha um
programa de tratamento baseado na fenologia (estudo dos eventos biológicos
periódicos) da cultura e dos agentes etiológicos (doenças e pragas); apoiando-se
portanto, em suposições. Tal projeto, "poderia ser válido para orientação do técnico,
mas exatamente perigoso na mão de leigos. O agricultor, de posse de um projeto, é
induzido a realizar tratamentos, na maior parte das vezes, inoportunos ou
desnecessários quando não, pelas características da lavoura, contra-indicados pelos
seus efeitos danosos diretos e colaterais" (GUERRA, 1982:175).
Um quadro estabelecendo um paralelo entre o que deveria constituir um receituário
agronômico e suas diferenças em relação a um simples projeto fitossanitário, é
apresentado a seguir (Figura 23).
149
Figura 23 - Aspectos comparativos entre o "receituário agronômico "e o "projeto fitossanitário"
RECEITUÁRIO AGRONÔMICO PROJETO FITOSSANITÁRIO
estuda, investiga, analisa as soluções para um problema fitossanitário especificamente;
preconiza, calcula, quantitativos de insumos para a utilização em safras, generalizadamente;
apoia-se em fatos; apoia-se em suposições;
objetiva reduzir o consumo de agrotóxicos; objetiva assegurar a utilização de agrotóxicos mesmo que desnecessário;
compatibiliza o uso de agrotóxicos com o nível cultural do aplicador, sobretudo protegendo-o;
pelo seu caráter despersonificado, não leva em conta a integridade hígica do aplicador;
reduzindo o consumo de agrotóxicos, reduz a contaminação ambiental;
incitando o consumo de agrotóxicos, assegura a continuidade da contaminação ambiental;
compatibilizando o uso de agrotóxicos com as condições do agricultor, protege a sua saúde;
propiciando a utilização constante de agrotóxicos, expõe permanentemente o agricultor a riscos;
reduzindo o consumo de agrotóxicos a um mínimo necessário e indispensável, reduz os custos de produção - a estimativa de consumo é função da distribuição do agente etiológico;
induzindo o consumo de agrotóxicos através de tratamentos programados, aumenta o custo de produção; a estimativa de consumo é função da área cultivada;
fixa o Engº Agrônomo no campo, pois uma receita só é considerada válida e honesta tendo o técnico realizado os exames “in loco”;
é elaborado em gabinete, baseado em informações cadastrais (fenologia dos agentes etiológicos, recomendações de pesquisa) e não em preceitos técnicos científicos emanados de perícia “in loco”;
propicia uma assistência personificada ao agricultor;
proporciona uma assistência mensal aos agricultores;
atende aos interesses de produção, de saúde humana, saúde animal e ambiental, através da redução no consumo de agrotóxicos;
atende aos interesses das indústrias e comércio de agrotóxicos que terão seus estoques programados e vendas estimuladas;
Fonte: modificado de GUERRA, M.S. Receituário Agronômico: implantação e operacionalização. In: Francisco GRAZIANO NETO, coord. Uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico. São Paulo. Agroedições, 1982. p.p.172-179
No decorrer dos debates sobre qual instrumento melhor atenderia as necessidades
de controle do uso indiscriminado, várias denúncias de impactos ambientais e à saúde
dos trabalhadores chegavam às manchetes dos meios de comunicação. Vários
argumentos eram divulgados, dando conta do potencial positivo passível de ser
explorado pela instituição do receituário agronômico, colaborando dessa forma para o
crescimento do movimento em favor da adoção desse instrumento.
150
"O movimento para instituição do receituário agronômico não foi desencadeado
pelo mau uso dos defensivos (desperdício econômico) ou os resíduos nos alimentos.
Segundo, um estudo da Fundação Getúlio Vargas, a causa está no agravamento da
questão toxicológica, ligada ao aplicador de defensivos e à poluição ambiental
provocada pelos pesticidas químicos" (Revista Raízes, dezembro, 1980:68).
Estas afirmações dão início a um artigo publicado na revista "Raízes", em
dezembro de 1980, denominado "Só com receita", onde se buscava fazer um
levantamento geral dos resultados práticos já alcançados pela instituição do receituário
agronômico, nas regiões em que o instrumento já vinha sendo praticado.
Mas o debate em torno do mecanismo a ser adotado não durou muito tempo, ao
menos sob o ponto de vista legal, pois a Portaria nº347/80, do Ministério da
Agricultura, que contemplava o receituário agronômico e também o "projeto
fitossanitário", logo foi substituída por outro dispositivo legal.
Em janeiro de 1981 o Ministério da Agricultura aprova a Portaria nº007, a qual,
segundo PINHEIRO et al. (1993), corrigia os erros de estrutura e ortografia contidos
no texto do dispositivo anterior; além disto a nova redação excluía a figura do "projeto
fitossanitário", firmando apenas a "Receita Agronômica, fornecida por Engenheiro
Agrônomo registrado no CREA", como requisito para a comercialização de produtos
classificados nas categorias I e II (altamente tóxicos e medianamente tóxicos -
conforme classificação toxicológica estabelecida à época) diretamente aos usuários
finais.
Em fevereiro do mesmo ano o Ministério da Saúde aprova a Portaria nº 02/DISAD,
promovendo mudanças na classificação toxicológica dos produtos; classificação esta
que até então era baseada em Portaria anterior (nº 004, da Secretaria Nacional de
Vigilância Sanitária, SNVS, do Ministério da Saúde). Nesta classificação anterior
cerca de 96 por cento dos produtos pertenciam às classes I e II, e portanto deveriam ser
controlados pelo instrumento da receita.
151
Mas a nova portaria modifica substancialmente a distribuição dos agrotóxicos
pertencentes entre as classes I e II, diminuindo a abrangência da medida de controle
preconizada na portaria nº 007 que estabelecia a necessidade de receita para a compra
de produtos destas classes.
"Não foi surpresa ver a classificação toxicológica ser modificada, em fevereiro de
1981, por obra e arte da Andef. Assim a quase totalidade dos produtos de classes I e
II passaram para as classes III e IV" (PINHEIRO et al, 1993:93).
5. 2. As dificuldades de implantação e operação do sistema
Diversas foram as tentativas e dificuldades para a implantação do receituário
agronômico, o qual já se exercitava no âmbito local onde surgiu a proposta, no Rio
Grande do Sul; mas enfrentava grandes problemas na expansão para os demais estados
e para a esfera federal.
O quadro a seguir, desenhado a partir de subsídios recolhidos em reportagem
publicada na revista "RAÍZES", em 1980, descreve resumidamente alguns pontos
colocados como obstáculos para a implementação inicial do receituário agronômico , e
aponta a visão de seus proponentes quanto às perspectivas oferecidas pela idéia de
implantação do instrumento.
152
Figura 24 - Obstáculos e perspectivas inicias para a implantação da proposta de receituário agronômico , Brasil - 1979-80.
OBSTÁCULOS
• pacote agrícola em fins de 1979, preconizando a agilização da liberação dos
financiamentos do crédito rural;
• continuava existindo a possibilidade de venda de defensivos diretamente ao
consumidor por qualquer um dos elos da comercialização, isto é, fabricantes,
distribuidores, revendedores e cooperativas;
• a antecipação das compras, prática tradicional entre os agricultores em fase de
pressão inflacionária, como forma de reduzir os custos de produção das culturas.
Acrescente-se que essa necessidade do produtor é habilmente explorada mediante a
oferta de descontos pelos agentes de vendas da indústria de defensivos, no sentido de
garantir a participação no mercado;
PERSPECTIVAS
• a capacitação dos profissionais para a emissão de receitas deverá ser realizada de
forma sistemática;
• as campanhas de divulgação das normas e das medidas de prevenção deverão ser
permanentes;
• como requisito à implantação do receituário agronômico deveremos ter uma nova
classificação toxicológica dos produtos;
• o receituário influenciará a área de pesquisa, aprofundando os conhecimentos sobre
novos tipos de controle de pragas e doenças; Fonte: Revista RAÍZES, dezembro, 1988:68-69
A implementação oficial do receituário agronômico no estado do Rio Grande do
Sul deu-se no ano de 1982, a partir da aprovação de vários atos legais tratando da
matéria, a saber:
153
• Decreto nº 30.781: O Governo do Estado autoriza a suspensão da assistência
técnica oficial ao produtor rural que adquirir e utilizar defensivos agrícolas
sem receituário agronômico regular ou descumprir as especificações nela
contidas
• Decreto nº 30.787/82: Proíbe a utilização de defensivos clorados no Estado,
ressalvadas algumas exceções específicas.
• Portaria SSMA/AS nº 01/82: Apresenta a listagem de inseticidas/acaricidas de uso
proibido no Estado
• Decreto nº 30.811: Institui o receituário agronômico e obriga o cadastramento das
empresas de defensivos junto aos órgãos fiscalizadores
• Portaria SSMA/SA nº 02/82: Estabelece as especificações técnicas mínimas,
necessárias à implementação do receituário agronômico
• Lei nº 7747, de 22 de dezembro de 1982: Dispõe sobre o controle de agrotóxicos e
outros biocidas, homologando os decretos anteriores, passando a exigir o
receituário agronômico para qualquer defensivo agrícola registrado no
Ministério da Agricultura, independentemente da quantidade ou da
classificação toxicológica
A quantidade de dispositivos legais aprovados no Rio Grande do Sul, tratando da
questão dos agrotóxicos, no ano de 1982, foi resultante de um processo intenso de
debates públicos e movimentações promovidas por ambientalistas de todo o estado.
Um dos participantes desse movimento foi Antenor Ferrari, advogado, deputado
estadual pelo PMDB, fundador da Comissão de Direitos Humanos do Legislativo
Gaúcho e co-autor da lei estadual dos agrotóxicos no Rio Grande do Sul. Em
publicação do ano de 1985, FERRARI narra o contexto que deu origem à lei daquele
estado.
154
"...Em maio de 1982 a imprensa gaúcha noticiava que as águas do Rio Guaíba
estavam contaminadas por resíduos de Heptacloro e Endosulfan, dois produtos da
família dos organoclorados usados como inseticidas nas culturas extensivas....Com o
objetivo de traçar uma linha de ação face à ameaça que representava a contaminação
das águas que abastecem a cidade, várias entidades representativas da população
estabeleceram como fórum a Comissão de Direitos Humanos, órgão da Assembléia
Legislativa do Estado, onde passaram a reunir-se periodicamente. O movimento
decidiu adotar, inicialmente, duas providências: a)reivindicar do Governo do Estado
a proibição da comercialização e uso, no território estadual, dos compostos
organoclorados....b)solicitar à Secretaria da Saúde e Meio Ambiente a realização de
estudos sobre a problemática dos efeitos toxicológicos..." (FERRARI, 1985:52-53).
A primeira resposta obtida pelo movimento foi a aprovação do decreto que proibiu
"em todo o território do Estado a utilização de defensivos agrícolas organoclorados"
(Decreto 30.787/82).
O conteúdo do decreto aprovado não atendeu aos anseios do movimento, tendo em
vista que o fato de que, ao proibir a utilização e não a fabricação, ficava claro que o
poder público atribuía o problema ao âmbito do agricultor, o usuário final do insumo.
Para as entidades participantes do movimento uma proibição efetiva deveria atingir
também o comércio e a fabricação dos produtos. É então neste contexto que se retoma
a idéia do receituário agronômico que já vinha sendo praticada em algumas regiões do
estado e contava com o apoio da categoria dos engenheiros agrônomos.
O grau de aglutinação conquistado pelo movimento pode ser avaliado pela análise
das entidades que participaram do fórum instalado na Assembléia Legislativa do
Estado, para discutir e estudar propostas aos problemas decorrentes do uso
indiscriminado de agrotóxicos. Participaram do fórum a Associação Democrática
Feminina Gaúcha, o Centro de Estudos de Toxicologia do RS, a Associação Gaúcha de
Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), a Federação das Associações de Bairros
do RS, o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, a Sociedade de Agronomia, a
Sociedade de Engenharia, o Instituto de Direito Ecológico, a Fundação Balduíno
155
Rambo, a Associação dos Farmacêuticos Químicos, a Associação Gaúcha de
Sociólogos, o Centro dos Professores do RS, a Associação de Preservação da Natureza
do Vale Gravataí, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o Sindicato dos Arquitetos.
As conquistas desse grupo não se limitaram aos decretos e portarias. A Lei
Estadual nº 7.747, aprovada em dezembro de 1982, também foi resultante do poder de
pressão agregado ao fórum que se reunia periodicamente na Assembléia Legislativa do
Estado.
Vários foram os avanços contemplados na proposta de lei apresentada pelo citado
fórum, em relação ao cenário de regulamentação, incipiente até então, a saber:
1) proibição de vendas, no estado do Rio Grande do Sul, de produtos
importados proibidos em seus países de origem;
2) cadastramento dos comerciantes e distribuidores;
3) direito de impugnação do cadastro por entidades associativas, legalmente
constituídas;
4) ampliação do instrumento do receituário agronômico para outros produtos
biocidas, tais como os de uso veterinário;
5) o receituário agronômico somente seria válido se expedido por técnicos não
vinculados às empresas de produção, manipulação e comércio de
agrotóxicos; e
6) possibilidade de realização de análises de resíduos solicitadas pelas
Comissões Técnicas da Assembléia Legislativa, visando esclarecer
denúncias de contaminações ambientais.
Mas ao seguir para sanção do governador do estado, após aprovação pela
Assembléia Legislativa, o projeto da lei dos agrotóxicos do Rio Grande do Sul sofreu
uma série de vetos, alterando artigos importantes, descaracterizando em parte os
avanços antes conquistados no âmbito do legislativo.
156
Os vetos eliminavam da lei estadual os dispositivos relacionados a: a) proibição de
venda de produtos importados proibidos em seus países de origem; b) possibilidade de
impugnação do cadastro de agrotóxicos, por parte de entidades associativas; e
c)possibilidade de realização de análises de resíduos, em laboratórios oficiais,
requisitadas pelo poder legislativo.
Os vetos impostos pelo executivo não foram sustentados na Assembléia
Legislativa, e dessa forma, em 14 de abril de 1983, a lei estadual de agrotóxicos do Rio
Grande do Sul foi aprovada, mantendo as características originais de seus propositores.
O sentido político do movimento e da lei dos agrotóxicos é apontado por
FERRARI (1985) ao afirmar que "a Lei dos agrotóxicos representou, antes de mais
nada, a consolidação e a ampliação dos espaços democráticos da sociedade. Surgiu
num momento em que o país ainda passava por uma situação política em que
prevaleciam inúmeros mecanismos de restrição à liberdade...A elaboração da Lei dos
Agrotóxicos ocorre nesse contexto, por um coletivo de representantes da sociedade
civil, tendo sido uma das mais ricas experiências democráticas no que se refere à
prática legislativa". (FERRARI, 1985:58)
A reação dos representantes da indústria de agrotóxicos aos movimentos bem
sucedidos dos ambientalistas no Rio Grande do Sul concretizou-se pela iniciativa da
ANDEF que ingressa com uma representação de inconstitucionalidade da lei estadual
dos Agrotóxicos, junto ao Supremo Tribunal Federal. A argumentação principal
formulada pela ANDEF sustentava que os estados não possuíam competência para
legislar sobre matérias já tratadas na legislação federal.
A representação da indústria química também invocou a inconstitucionalidade da
proibição do uso de organoclorados e da exigência do receituário agronômico. Os
argumentos aqui se baseavam na idéia que tais medidas teriam sido, conforme observa
FERRARI, "gratuitas e inspiradas em campanha emocional". Tal argumentação
desconsiderava totalmente as razões e a história do movimento ambientalista iniciado
157
pela contaminação apurada nas águas do Rio Guaíba, e ainda as crescentes denúncias
de intoxicações envolvendo trabalhadores rurais no interior do estado.
FERRARI (1985), resumia assim as motivações da ANDEF para o
desencadeamento das ações na justiça contra a lei estadual dos agrotóxicos, numa
época em que ainda não se contava com uma Lei Federal para tratar o assunto:
"...Em resumo, as objeções levantadas pela ANDEF quanto à constitucionalidade
da Lei dos Agrotóxicos, tiveram o claro propósito de evitar os prejuízos que as
empresas acumulariam com a vigência do sistema de controle do comércio e uso dos
agrotóxicos. Até mesmo porque, a nível federal, não existe qualquer restrição que
represente uma ameaça aos seus interesses" (FERRARI, 1985:63).
Em agosto de 1984 o Supremo Tribunal Federal declarou parcialmente
constitucional a Lei Estadual de Agrotóxicos do Rio Grande do Sul. Apesar de
proporcionar a supressão de alguns pontos importantes da lei original, a sentença do
STF acabou por reconhecer a competência dos Estados para legislar supletivamente
sobre agrotóxicos, fato este que, sem dúvida, resultou em grande avanço para a
instituição de legislações ambientais mais rígidas em outros estados da união.
Mas a luta pela regulamentação dos agrotóxicos e implantação do receituário
agronômico não se restringiu ao âmbito estadual. Os esforços dos propositores da idéia
do receituário agronômico também foram levados a efeito na esfera federal.
Também como produto do trabalho da Sociedade de Agronomia do Rio Grande do
Sul, nasceu o projeto de Lei nº148/79, apresentado à Câmara Federal pelo Deputado
Augusto Trein, dispondo sobre a comercialização de agrotóxicos destinados à
agropecuária e instituindo a obrigatoriedade do receituário agronômico e veterinário
para sua aquisição.
Esta iniciativa também sofreu forte resistência em sua trajetória, conforme
registrado em reportagem da revista "Dirigente Rural", de fevereiro de 1981:
158
"...Mas é preciso registrar que a concórdia não tem sido a marca mais notável da
trajetória da proposta do receituário pelo Poder Legislativo. Assim, ao passar pela
Comissão de Agricultura e Política da Câmara dos Deputados, o projeto inicial de
Trein cedeu lugar a um substitutivo, de autoria do relator, deputado Victor Fontana,
de Santa Catarina, que foi aprovado" (Dirigente Rural, janeiro/fevereiro, 1981:14).
A avaliação feita pelos envolvidos na campanha de adoção do receituário
agronômico, a respeito do projeto que tramitava na Câmara Federal, não era a mais
elogiável. Um dos pontos indicativos do distanciamento do projeto em relação à
proposta inicial residia no fato de que o substitutivo trazia de volta a figura do "projeto
fitossanitário" como forma opcional ao receituário agronômico; o que, na opinião dos
agrônomos envolvidos no movimento, modificava o sentido original da proposta,
conforme apontava a reportagem citada.
"...Uma das objeções mais importantes é a inclusão do chamado projeto técnico
como forma opcional, o que, segundo os agrônomos envolvidos no movimento,
desvirtua o sentido original da instituição do receituário, ou seja, o de um instrumento
com finalidade corretiva, utilizado pelo técnico, uma vez por ele definido o
procedimento fitossanitário a adotar em cada caso concreto. Nesse sentido, o
receituário impede a compra antecipada ... ao introduzir o projeto técnico
fitossanitário, possibilita antecipar o comércio de pesticidas, regulamentando em lei o
uso indevido e os atuais erros, confunde fitossanitarismo com agroquímica"
(Dirigente Rural, janeiro/fevereiro, 1981:16-17).
Mesmo considerando as modificações que se incorporavam ao texto original do
projeto discutido na Câmara Federal, tal desvio não alterava as expectativas sobre os
eventuais benefícios decorrentes da aprovação de uma lei federal, animavam os
envolvidos na campanha de expansão da idéia para todo o país.
"...Um balanço provisório da luta em favor do receituário mostra que se fizeram
grandes avanços e a aprovação de lei pelo Congresso Nacional conferirá maior força
ao instrumento. De outro lado, as partes envolvidas não deixam de reconhecer a
159
existência de sérias dificuldades na real implantação do receituário em todo o país,
dadas as flagrantes disparidades regionais" (Dirigente Rural, janeiro/fevereiro,
1981:17).
A resposta do movimento a favor do receituário agronômico, em relação ao projeto
que tramitava no Congresso Nacional, concretizou-se pelo desencadeamento de novas
reuniões na Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul, com a participação de
representantes de vinte entidades envolvidas na questão, incluindo a Federação das
Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB). A partir de tais reuniões
foi concebida uma proposta para o projeto de lei do receituário agronômico,
encaminhada para o Congresso, através da ação da FAEAB.
A proposta defendida pela FAEAB contemplava aspectos que visavam atender aos
anseios contidos no projeto de lei original. Alguns dos pontos abordados foram:
• a definição do termo "defensivos agrícolas" incluía os produtos de uso
veterinário;
• os agrotóxicos somente poderiam ser entregues ao consumo, para toda e
qualquer forma de aplicação, mediante receituário fornecido por engenheiro
agrônomo, engenheiro florestal ou médico veterinário devidamente habilitado;
• o receituário agronômico deveria seguir os seguintes procedimentos:
o indicar as formas possíveis de controle integrado para a situação
Figura 25 - Evolução dos índices percentuais simples das quantidades vendidas de produto comercial, em diversas classes de agrotóxicos - Brasil - 1978, 1988 e 1998 (ano base 1975=100)
Fonte: elaboração própria, a partir dos dados das tabelas 7 a 10. Figura 26 - Evolução dos índices percentuais simples das quantidades vendidas de
ingrediente ativo, em diversas classes de agrotóxicos - Brasil - 1978, 1988 e 1998 (ano base 1975=100)
Fonte: elaboração própria, a partir dos dados das tabelas 7 a 10.
204
Tomando-se a cultura da soja, no tocante aos aspectos de produtividade, área
plantada, produção, e consumo de herbicidas (valores de vendas e quantidades
consumidas), torna-se possível estabelecer um quadro comparativo dos diversos
indicadores de desempenho da cultura e o consumo de herbicidas no período entre
1985 e 1998.
Os índices de produtividade cresceram cerca de 31%; a área plantada aumentou
em aproximadamente 28%; a produção elevou-se em cerca de 70%. Já os valores de
vendas de herbicidas para a cultura aumentaram em cerca de 290%, e as quantidades
de ingredientes ativos utilizados elevaram-se em aproximadamente 272%, no período
(Figura 27).
Figura 27 - Evolução dos índices percentuais de produtividade, área plantada, produção, valor de vendas de herbicidas e quantidades de ingredientes ativos de herbicidas utilizados na cultura da soja. Brasil - 1985 e 1998 (ano base 1984=100)
Fonte: elaboração própria, a partir dos dados das tabelas 7 a 10; dados sobre produção e área plantada - Produção
Agrícola municipal 1975-1994/IBGE, Departamento de agropecuária. - Rio de Janeiro: IBGE.
205
Os dados sobre o comportamento das vendas de agrotóxicos no Brasil, nas últimas
décadas, demonstram a intensificação crescente no uso da tecnologia química para o
manejo de pragas e doenças nas atividades agropecuárias e florestais.
Os índices de consumo dos agrotóxicos, muitas vezes apresentando
comportamento desproporcional em relação aos demais índices de produção, sugerem
a ineficácia dos atuais sistemas de controle dos agrotóxicos, dentre os quais se inserem
as atividades do receituário agronômico.
Mas as principais constatações da ineficácia do atual sistema de receituário
agronômico podem ser feitas através da verificação de seu funcionamento a partir das
das instituições que administram o sistema.
Este estudo levantou as condições de funcionamento do receituário agronômico no
âmbito dos conselhos profissionais.
Para a realização do levantamento foram enviadas consultas aos CREA's de todos
os estados, buscando-se investigar os seguintes pontos:
1 - número de profissionais de engenharia agronômica e florestal atualmente
registrados nos conselhos;
2 - número médio de profissionais registrados que atualmente exercem a
atividade do receituário agronômico,
3 - dispositivos legais, existentes ao nível do CREA (estado), relativos e ao tema
do receituário agronômico;
4 - número médio mensal de receitas (e ART's) recebidas pelo CREA;
5 - tipo de processamento dado às informações das receitas recolhidas;
206
6 - tipos de infrações eventualmente constatadas junto a esta atividade;
7 - número médio mensal ou anual de processos de infração relacionados ao
receituário.
8 - eventuais parcerias ou intercâmbios realizados com os demais órgãos
responsáveis pela fiscalização do uso dos agrotóxicos, nas áreas de agricultura,
saúde, meio ambiente e trabalho;
9 - contatos (assistentes e gerentes de fiscalização, e conselheiros envolvidos )
junto a Câmara de Agronomia, para eventuais detalhamentos das informações.
Foram realizadas consultas junto a vinte e seis CREA's, mas somente cinco
ofereceram alguns subsídios à consulta formulada (Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo).
O número de profissionais envolvidos com a atividade do receituário agronômico
parece contemplar pequena parcela da categoria habilitada. No estado do Mato Grosso
do Sul apenas 150 profissionais, de um total de cerca de 1300, exercem atividades de
receituário agronômico. O Estado de São Paulo conta com cerca de 13.000
profissionais habilitados, entretanto em levantamento realizado no ano de 1994
constatou-se que apenas 500 profissionais dedicavam-se a prescrever receitas para uso
de agrotóxicos.
Dentre os estados que responderam ao levantamento, todos apontaram a existência
de dispositivos legais aprovados pelas Câmaras de Agronomia, buscando-se regular o
funcionamento do receituário agronômico. A maioria desses dispositivos estabelece o
número máximo de receitas admitidas por profissional, para cada mês de atuação,
sendo que os valores variam entre 200 e 300 receitas/mês.
A definição deste parâmetro para o número máximo de receitas emitidas por cada
profissional, a cada mês, fixado entre 200 e 300 receitas, já demonstra a visão atribuída
207
à prática do receituário agronômico: um mero instrumento burocrático a acompanhar
os procedimentos de vendas de agrotóxicos, na tentativa de agregar a possibilidade de
caracterização da responsabilidade técnica dessa operação, por meio do recolhimento
compulsório das taxas de A.R.T (Anotação de responsabilidade técnica). Isto porque
certamente não seria possível imaginar a viabilidade de que um profissional viesse a
emitir de 10 a 15 receitas por dia (200 ou 300 receitas a cada 20 dias úteis) atendendo
aos preceitos metodológicos preconizados para o receituário agronômico, dentro do
conceito de semiotécnica agronômica, proposto por GUERRA (1978).
Em relação ao número médio de receitas recebidas pelos CREA's os valores
levantados apresentaram sensível variação. No estado de São Paulo o volume atinge
cerca de 38.000 receitas/mês. No Rio Grande do Sul o número médio de receitas
emitidas gira em torno de 5000, a cada mês. Já o estado do Mato Grosso do Sul produz
uma média de 2500 receitas/mês.
De forma geral, nenhum dos estados que atenderam à consulta referiram estar
dando qualquer tratamento às informações das receitas, de forma a explorar seu
eventual potencial como indicador a subsidiar estudos sobre o uso de agrotóxicos.
O estado de São Paulo desenvolveu uma experiência de implantação de um banco
de dados baseado nas receitas emitidas entre 1993 a 1995, mas o trabalho foi tópico,
não consolidando rotina para o tratamento das informações recolhidas.
O CREA-SP e a Embrapa Meio Ambiente (Centro Nacional de Pesquisa de
Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental - CNPMA), estabeleceram um
convênio visando utilizar o receituário agronômico como fonte de informação sobre o
uso de agrotóxicos. Foi desenvolvido um aplicativo específico para o tratamento dos
dados provenientes das receitas, denominado SISCREA (NEVES, et al., 1998).
A partir da alimentação deste sistema é possível gerar vários tipos de relatórios
sobre o uso de agrotóxicos, tais como:
• carga total de agrotóxicos;
208
• relação de produtos utilizados;
• relação de culturas;
• relação de municípios;
• relação dos produtos mais utilizados para um município;
• relação da quantidade de agrotóxicos utilizada nas culturas, para um município;
• número de receitas emitidas por profissional;
• relação de receitas aplicadas por um determinado profissional.
O trabalho desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente resultou na elaboração de
uma ferramenta de análise que extrapola as necessidades iniciais restritas de
acompanhamento das receitas apenas sob o aspecto da fiscalização do exercício
profissional. O sistema desenvolvido para o tratamento dos dados das receitas pode
também ser associado a outras fontes de informações e vir a compor um banco de
dados mais completo, capaz de trabalhar o perfil de uso dos agrotóxicos em
determinada base geográfica. A utilização da tecnologia dos sistemas de informações
geográficas (SIG), pode fazer a integração do banco de dados tabulares com dados
geográficos.
A figura 28, a seguir, mostra o esquema geral concebido para o sistema.
Figura 28 - Esquema geral do trabalho de tratamento e aplicação dos dados do receituário agronômico desenvolvido pela Embrapa Meio Ambiente.
Fonte: NEVES, et al.(1996)
209
Mas a utilização deste sistema para análise dos dados dos receituários no estado de
São Paulo não teve continuidade. Dificuldades institucionais e restrições de verbas
para o financiamento da implantação do sistema no âmbito do CREA, paralizaram a
atividade até o presente momento.i
A tecnologia desenvolvida pela Embrapa Meio Ambiente poderia ter aplicação
expandida para outros âmbitos, como por exemplo, os serviços de defesa sanitária dos
diversos estados, os quais são responsáveis pela fiscalização do uso de agrotóxicos.
A vocação potencial de utilização do receituário agronômico, como parte de um
sistema amplo de informações a compor um quadro sobre a ocorrência das pragas e
doenças, a dinâmica populacional, o nível de dano econômico, as regiões de uso mais
intenso de agrotóxicos, o estudo epidemiológico das populações expostas, dentre
outras possibilidades, já fazia parte das propostas de GUERRA (1991), ao enfatizar a
importância de implantação do SIA - Sistema Integrado de Avisos (Figura 29)
Figura 29 - Funcionamento do sistema integrado de avisos (SAI)
Fonte: extraído de GUERRA, 1991
i Informação obtida através da assessoria da Câmara de Agronomia do CREA-SP - Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado de São Paulo.
210
Neste sistema o receituário agronômico seria parte de uma rede maior de recursos e
apoios logísticos estruturados de forma a propiciar a produção de informações úteis
para os processos de tomada de decisão em relação ao manejo de pragas e doenças nas
atividades agrícolas.
Mas nenhuma das experiências levadas a efeito na implantação do receituário
agronômico, tanto no âmbito dos serviços de defesa agropecuária, como no sistema
CREA, conseguiu dar sustentação aos requisitos da proposta de GUERRA (1991).
Não obstante as evidentes distorções identificadas no exercício do receituário
agronômico aos moldes atuais, parece bastante tímida a atuação fiscal sobre os
aspectos relacionados ao exercício profissional ligado ao receituário agronômico.
No levantamento efetuado junto aos CREA's somente o conselho do estado do
Mato Grosso do Sul respondeu a respeito da questão relativa ao número médio de
processos de infração relacionados ao receituário agronômico. O número médio
apontado para as ocorrências limita-se a dois processos por ano, envolvendo
profissionais e 10 processos por ano, nos casos relativos a empresas.
Em geral as parcerias verificadas para as eventuais ações conjuntas de fiscalização
ficam limitadas a iniciativas voluntariosas, uma vez que em nenhum caso se constatou
a existência de convênios ou outros instrumentos formais de ação conjunta.
Os principais problemas encontrados na implantação e prática do receituário
agronômico, no âmbito dos conselhos profissionais, foram bem detalhados nas
informações oferecidas pelo CREA-MG, a saber:
• excesso de receitas para um mesmo profissional ("agrônomo de balcão");
• numeração incorretas em receitas informatizadas;
• mistura de recomendações para culturas diferentes, na mesma receita (não
permitido por lei);
• ausência de assinatura do profissional responsável e do usuário;
211
• ausência do recolhimento das ART's (anotação de responsabilidade técnica);
• falta de comprovante do pagamento das ART's;
• pouco envolvimento dos produtores rurais;
• poucos profissionais autônomos e extensionistas prescrevendo receitas;
• desinteresse dos comerciantes em custear visitas do profissional ao campo;
• custo elevado para manutenção da atividade (custo do bloco de receitas ou dos
"softwares" utilizados, custo da ART, custo dos honorários do profissional
responsável técnico, etc)
• falta de estrutura dos órgãos públicos para fiscalização eficiente,
principalmente no campo;
• excesso de informações a constar das receitas, por exigência da legislação,
levando a uma simples "cópia das bulas";
• formação deficiente dos profissionais, os quais demonstram insegurança diante
das responsabilidades assumidas na atividade;
As informações apresentadas no V Congresso Nacional de Agrotóxicos e
Receituário Agronômico (CNARA), realizado na cidade do Rio de Janeiro, em agosto
de 2000, dão conta de que praticamente nenhum dos conselhos profissionais nos
estados mantém cadastro das informações recolhidas das receitas. A única exceção
ocorre no estado do Rio Grande do Sul, onde existe um esforço na composição de um
banco de dados baseados nas receitas emitidas, mas esta iniciativa é ainda incipiente e
não abrangem uma análise completa das informações potencialmente existentes.
De forma geral não há tabulação, tratamento estatístico ou qualquer outro estudo
desenvolvido com base nas receitas que chegam até os órgãos do sistema
CONFEA/CREA.
Um outro ponto de averiguação sobre o aproveitamento das informações
constantes nas receitas agronômicas, diz respeito aos órgãos de defesa vegetal
responsáveis pela fiscalização do uso dos agrotóxicos.
212
As secretarias de agricultura dos governos estaduais deveriam, por atribuição legal,
estar desenvolvendo ações de fiscalização do uso dos agrotóxicos, e neste contexto a
fiscalização do receituário agronômico deveria compor o ponto de partida.
Entretanto, com exceção do serviço de fiscalização do Estado do Paraná, nenhum
outro estado conta atualmente com qualquer rotina de acompanhamento das receitas
emitidas através do sistema de receituário agronômico.
Em artigo divulgado no V Congresso Nacional de Agrotóxicos e Receituário
Agronômico, o engenheiro Reinaldo Skalisz, responsável pelo serviço de fiscalização
da Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná, relaciona os principais problemas
detectados durante as atividades de fiscalização do receituário agronômico, e que
deram origem a autação e penalização dos envolvidos:
• prescrição de produto formulado em pastilhas (gastoxin) para uso no controle
de pragas em armazenamento de cereais, através de "pulverização";
• prescrição de produtos granulados, para uso direto no solo, tais como Temik,
Furadan 50 G e Granutox, receitados para aplicação por "pulverização";
• recomendação de uso de agrotóxicos em culturas inexistentes nas propriedades;
• receitas impressas por computador, emitidas por leigos e levando apenas a
assinatura do profissional;
• receitas assinadas "em branco" por profissionais, para posterior preenchimento
por leigos (geralmente o balconista da loja);
• receitas prescritas no Paraná, para uso de agrotóxicos em estabelecimentos
rurais localizados nos estados do Amapá, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Minas
Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul;
• receitas prescritas depois de concretizadas as vendas dos produtos;
• receitas prescritas para áreas superiores às existentes nas propriedades;
• receitas com indicação errada do prazo de carência do produto prescrito;
• receitas para vendas antecipadas, para agricultores que estariam plantando em
data futura, dois ou três meses após a compra dos agrotóxicos;
• prescrição de até 1500 receitas no intervalo de cinco dias.
213
SKALISZ (2000) observa: "Como vemos a classe agronômica não assumiu de fato
o receituário agronômico, não está preparada para desenvolver esta atividade, não
está levando a sério e com isso quem está perdendo é nossa classe e a sociedade".
Outro fato que constata a distorção sofrida no processo de implantação e
operacionalização do receituário agronômico, a partir de sua proposta inicial, é a
verificação de que até mesmo via internet é possível se fazer a compra de agrotóxicos
"a priori", sem a necessidade de uma efetiva avaliação técnica a justificar o ato de
comercialização.
Algumas empresas promotoras do comércio eletrônico já disponibilizam o acesso a
esquemas de comercialização onde o usuário, após detalhadas pesquisas sobre
possibilidades e preços dos produtos, pode requisitar a compra e entrega dos produtos,
em operações feitas diretamente na rede de computadores ligados à internet. (Figura
30)
214
Figura 30 - Exemplos de páginas na internet disponibilizando a compra de
agrotóxicos através do comércio eletrônico.
Fonte: http://www.agrosite.com.br , acesso em 18 de fevereiro e 20 de abril de 2000.
A ineficácia do receituário agronômico como instrumento de orientação técnica
também pode ser avaliado a partir de levantamento realizado pela FUNDACENTRO,
em parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Através de convênio firmado, para atuação conjunto entre os anos de 1997 e 2000,
foram realizadas várias atividades envolvendo a questão do uso de agrotóxicos, e
dentre tais ações, realizou-se um levantamento de campo para o diagnóstico da
situação de uso dos agrotóxicos em São Paulo.
O diagnóstico efetuado teve como objetivo identificar os seguintes aspectos
relativos ao uso de agrotóxicos no estado: o contexto da tomada de decisão em relação
ao uso, o acesso a orientação técnica na recomendação, o acesso à orientação técnica
na aplicação, o descarte de embalagens, os procedimentos frente à intoxicações, o
cumprimento do período de carência, os produtos químicos mais utilizados, dentre
outros.
A metodologia utilizada baseou-se em entrevistas junto aos produtores e
aplicadores, a partir de uma amostra de cerca de 3000 estabelecimentos rurais, em 100
municípios do estado, visitados durante o mês de julho de 1997.
As entrevistas de campo foram realizadas por estudantes de agronomia das
universidades públicas do estado: Unesp (Ilha Solteira, Jaboticabal e Botucatu) e USP
(Piracicaba), com supervisão dos técnicos do serviço de extensão rural e da equipe
técnica de coordenação da pesquisa.
Para o estabelecimento da amostra foram utilizados os dados do cadastro de
imóveis rurais da receita federal (ano 1993), em ação desenvolvida com apoio do
Instituto de Economia Agrícola (IEA).
Os critérios de escolha dos municípios basearam-se em dois pontos de análise:
1. municípios com maior número de unidades de produção desenvolvendo
culturas com emprego mais intenso de agrotóxicos;
216
2. municípios com maior número de unidades de produção que atendiam aos
critérios estabelecidos pelo Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF);
A seleção das principais culturas consumidoras de agrotóxicos levou-se em conta
os dados fornecidos pela Seção de Resíduos do Instituto Biológico de São Paulo e
informações fornecidas pelo órgão de assistência técnica e extensão rural do estado -
a CATI - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.
Os dados coletados visavam fornecer subsídios para o diagnóstico dos vários
aspectos ligados ao uso de agrotóxicos, tais como: perfil do aplicador, origem da
assistência técnica, uso do receituário agronômico, conhecimento sobre informações
dos rótulos dos produtos, nível de utilização dos EPI’s, cuidados gerais, medidas de
segurança nas diversas etapas do uso, treinamentos realizados, cuidados após a
aplicação, equipamentos de aplicação utilizados, etc. Tais dados foram reunidos em
um banco de informações, com acesso disponibilizado pelas instituições promotoras
do estudo (FUNDACENTRO E IEA-SP), e serviram de suporte para algumas análises
já publicadas (VICENTE et al.,1998; RAMOS, et al., 1999).
Outras informações coletadas, referentes aos aspectos ligados ao receituário
agronômico, são apresentadas e discutidas ,a seguir.
Dentre os 3000 entrevistados, cerca de 48,9% referiram não receber qualquer tipo
de assistência técnica para o desenvolvimento de atividades ligadas ao manejo
fitossanitário.
Em relação à recomendação dos agrotóxicos, apenas 49% dos entrevistados
apontaram o engenheiro agrônomo como o responsável pela indicação do uso da
tecnologia química em suas unidades de produção. A origem dos técnicos que fazem a
recomendação de uso nestes estabelecimentos é a seguinte: 18,5% são técnicos de
cooperativas; 25,7% são oriundos das revendas de agrotóxicos; 8,3% são técnicos
217
consultores particulares; e apenas 6,3% são oriundos dos serviços oficiais de extensão
rural.
Em relação aos locais de compra dos agrotóxicos, cerca de 30% dos entrevistados
referiram as cooperativas como principal base para a aquisição dos produtos; 52%
compram em lojas de insumos agropecuários, e apenas 2% compram direto com
vendedores que visitam as propriedades.
Dentre os produtores que compram em lojas de insumos apenas 55% apontam o
engenheiro agrônomo como responsável pela recomendação de uso dos agrotóxicos,
informação esta que sugere a existência de grande número de vendas realizadas sem a
particpação da intermediação técnica prevista na lógica do receituário agronômico .
Para os que compram diretamente nas cooperativas o percentual de particpação do
engenheiro agrônomo na recomendação de uso dos agrotóxicos parece ser mais
efetiva, tendo em vista que cerca de 72% dos entrevistados referiram receber
recomendação técnica por profissional habilitado. Entretando a investigação não
avaliou a qualidade ou o tipo de recomendação técnica oferecida.
A investigação sobre o efeito do receituário agronômico como fonte de orientação
ao aplicador de agrotóxicos demonstrou que apenas 34 % dos entrevistados referiram
utilizar o receituário agronômico com referência para o manejo da tecnologia química.
Os dados preliminares deste diagnóstico demonstram a tímida participação da
sistemática de receituário agronômico implantada no estado de São Paulo, na lógica e
prática de uso da tecnologia dos agrotóxicos nas atividades de manejo fitossanitário.
A situação diagnosticada em São Paulo, estado responsável pelo maior volume de
receitas emitadas no país, pode surgerir o comportamento e a eficácia do receituário
nas outras regiões onde ainda se busca implantar esta prática de controle.
218
7. CONCLUSÃO: QUEBRANDO O FEITIÇO E BUSCANDO
A RECEITA DO ANTÍDOTO
A luta pelo controle do uso dos agrotóxicos no Brasil teve início ao final da década
de 70, a partir da mobilização de ampla parcela da comunidade técnica ligada ao setor
agrícola e de ambientalistas sensíveis aos problemas decorrentes do uso da tecnologia
química no combate às pragas e doenças no campo.
Dentre os vários mecanismos sugeridos à época, para se tentar minimizar o
processo de disseminação indiscriminada dos agrotóxicos, a proposta de implantação
do sistema de receituário agronômico mereceu a atenção especial da comunidade
agronômica.
A idéia baseava-se na implementação de um sistemática que possibilitasse a
presença da perícia técnica a intermediar o acesso do usuário final à tecnologia de
risco, representada pelos produtos químicos.
O contexto das primeiras experiências de adoção do receituário agronômico esteve
inserido em um ambiente de grande controvérsia sobre as políticas oficiais de
incentivo ao uso de agrotóxicos, desenvolvidas a partir de mecanismos de estímulo às
vendas subsidiadas pelo crédito rural, associadas aos mais variados esforços que
visavam a consolidação das políticas de modernização da agricultura, baseadas no
modelo da chamada "revolução verde".
219
A luta pela implantação do receituário agronômico ganha conotação política e
amplia-se no âmbito da comunidade agronômica, das organizações ambientalistas e
das organizações voltadas à defesa dos interesses dos consumidores.
O ambiente institucional vivido pelos grupos de engenheiros agrônomos e
ambientalistas ligados à luta pela implantação do receituário agronômico não se
mostrava muito favorável aos movimentos populares e democráticos. E neste contexto
o receituário agronômico, além de se constituir como uma opção viável para minimizar
os abusos detectados pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos (a exemplo das
experiências bem sucedidas, realizadas em alguns municípios do Rio Grande do Sul),
também servia como bandeira de ação e mobilização para os movimentos que lutavam
em favor dos avanços democráticos e de participação popular, inclusive no desenho
das políticas agrícolas e agrárias praticadas no país.
Com o amadurecimento dos debates em torno do receituário agronômico foi
detectada a oportunidade de agregar conteúdo técnico mais consistente ao sistema de
controle dos agrotóxicos, e neste sentido foi concebida uma doutrina metodológica que
conferia ao receituário agronômico um caráter muito mais abrangentes do que
propriamente a definição de um simples mecanismo de controle de vendas dos
agrotóxicos.
Desta forma a difusão do instrumento do receituário agronômico ganha força na
comunidade agronômica, ao mesmo tempo em que encontra fortes resistências dos
diversos atores interessados na manutenção dos padrões de comércio dos produtos
químicos na agricutura.
A luta pela regulamentação e controle dos agrotóxicos no Brasil percorre vários
desafios durante a década de 80, até a consolidação do primeiro instrumento legal mais
abrangente representado pela chamada "Lei dos Agrotóxicos", aprovada em 1989. A
implantação do receituário agronômico também acompanhou esta trajetória, e neste
caminho, construído pelos diversos atores da rede sócio-técnica envolvida, a proposta
220
inicial foi sofrendo alterações em seu conteúdo e forma, com as conseqüentes reações
por parte de seus defensores e opositores.
A indústria de agrotóxicos, e seus representantes, fizeram forte oposição às
tentativas iniciais de implantação da sistemática do receituário agronômico. Mas no
decorrer do longo período de discussões legais e de dificuldades de operacionalização
da idéia, tal resistência foi se mostrando menos presente.
A situação atual constatada é de que, apesar de se ter a institucionalização do
receituário agronômico, por imposição legal, a prática de sua implantação e
operacionalização não se mostra efetiva.
Tal inocuidade modifica o comportamento dos atores envolvidos na questão dos
agrotóxicos, de forma a praticamente reverter o quadro de opiniões. Os que no passado
eram contra, hoje colaboram na divulgação da necessidade legal de existência da
receita para a compra de agrotóxicos. Por outro lado, muitos dos que lutaram pela
implantação do receituário agronômico, ao início de sua adoção, hoje se mostram pelo
menos céticos quanto ao seu efetivo papel.
A distorção dos princípios e conceitos iniciais do receituário agronômico, ocorrida
ao longo de seu processo de implantação e operacionalização, ficou evidenciada a
partir da demonstração de que praticamente todos os passos metodológicos e requisitos
logísticos preconizados por GUERRA (1978) e GUERRA & SAMPAIO (1991), foram
desconsiderados no estabelecimento das rotinas de operação e prática do instrumento.
A ênfase atribuída ao receituário agronômico no âmbito dos sistemas de
fiscalização do exercício profissional e de defesa sanitária vegetal, ficou limitada aos
aspectos burocráticos do instrumento, perdendo conexão com os princípios
emancipadores colocados pelos precursores da idéia inicial, no sentido de contribuir
efetivamente para o controle do uso indiscriminado dos agrotóxicos.
221
O modelo de intermediação técnica proposto pelo instrumento do receituário
agronômico, a partir de modelo inspirado nas relações do tipo "médico-paciente-
medicamento", não se mostrou aplicável ao contexto da atividade agronômica. A
inexistência de pressupostos relacionados à cultura ética profissional e a aspectos
estruturais consistentes a permear a relação entre os produtores rurais e os atores
responsáveis pela assistência técnica e a extensão rural, no contexto de aplicação da
prática do receituário, ao longo de seu período de implantação, indicam a
impropriedade de aplicação, por via legislativa, de dispositivo que viesse a garantir a
validação de uma relação de necessidade, acesso e confiança entre os técnicos e
produtores, para o enfrentamento dos problemas decorrentes do manejo de pragas e
doenças nas atividades agropecuárias e florestais.
As teorias nas quais o presente trabalho se baseia sustentam a idéia de que os
objetos, os artefatos e os processos, não são entidades neutras nas relações sociais;
seus significados variam de acordo com as redes das quais fazem parte.
A rede sócio-técnica que deu início às primeiras experiências de implantação do
receituário atribuiu um significado de renovação e avanço na adoção de práticas
emancipadoras para se fazer frente aos problemas de manejo das pragas e doenças nas
atividades agropecuárias e florestais, e também para o enfrentamento do uso
indiscriminado de agrotóxicos.
No decorrer do processo de discussão e implantação da proposta de receituário
agronômico a rede vai mudando, os atores, os interesses e as relações de força
acompanham esse movimento. Desta forma, novos significados vão sendo atribuídos
ao receituário, agora muito mais identificado como um instrumento inócuo de controle
de vendas, bem distante dos princípios iniciais que inspiraram sua implantação.
O receituário agronômico, nos atuais moldes em que vem sendo praticado, somente
pode interessar aos setores de produção e comercialização dos agrotóxicos, tendo em
vista que sua manutenção representa na prática a abolição dos sistemas de controle.
Também são atores relevantes na manutenção do atual sistema de receituário
agronômico as parcelas da corporação agronômica que ajudaram a atribuir, ao longo
222
do tempo, um caráter burocrático e distorcido ao instrumento. Tais atores estariam de
certa forma se beneficiando desses aspectos burocráticos ou ainda do mito de estarem
contribuindo para um sistema que já se mostrou inócuo como sistema de controle e
inadequado ou irreal como doutrina técnica desprovida de seu contexto institucional
básico para sua efetividade.
O aperfeiçoamento dos sistemas de controle do uso indiscriminado de agrotóxicos
no Brasil ainda permanece como ponto relevante da agenda ambiental e de saúde
pública e somente as ações diversificadas e multisetorias poderão dar conta de reverter
o atual quadro. Tais ações devem estar direcionadas para o aperfeiçoamento das
seguintes estratégias:
• aperfeiçoamento dos sistemas de registro dos agrotóxicos, incluindo a adoção
efetiva de caracterização de produtos definidos como de venda restrita por
aplicador certificado;
• melhoria da infraestrutura laboratorial e de apoio às análises de resíduos;
• capacitação de profissionais das áreas agronômicas e de saúde;
• capacitação e habilitação dos usuários;
• aperfeiçomento dos sistemas de bulas e rotulagens dos produtos;
• direcionamento da propaganda comercial voltada exclusivamente aos
responsáveis pela prescrição dos agrotóxicos;
• aprimoramento da legislação relativa a segurança e saúde do trabalhador rural;
• implantação de sistemas efetivos de destinação final adequada para embalagens
e sobras de produtos;
223
• incremento da pesquisa e extensão de técnicas de controle de pragas;
• ampliação dos programas de manejo integrado de pragas;
• estabelecimento de políticas de subsídios e incentivos creditícios aos
produtores dedicados a práticas de controle de pragas e doenças que
prescindem do uso de agrotóxicos, e de práticas agrícolas de baixo impacto
ambiental;
• estudo e implantação de mecanismos de taxação dos produtos mais tóxicos, de
forma a desencorajar o uso desnecessário.
Algumas destas iniciativas já estão presentes no cenário atual de manejo dos riscos
relacionados aos agrotóxicos no Brasil. Mas certamente todas necessitam ser
incrementadas e ampliadas.
224
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Ricardo (1999) " O tortuoso caminho da sustentabilidade: tendências
recentes da agricultura na região Sul ", Agenda 21 Brasileira - Área temática: Agricultura Sustentável, Consórcio Museu Emílio Goeldi - Documento de Trabalho, 42 p. (mimeo).
ACIRRADOS OS DEBATES com a nova legislação federal. Dirigente Rural. São
Paulo, :20-25, dezembro, 1984. AGROTIS. "Sistema de Receituário Agronômico." [programa de computador]. Versão
4.0 . Curitiba: Agrotis, atualizações: agosto de 1996 a 2000. AGROTÓXICOS deverão ter receituário. Folha de São Paulo. São Paulo, 26 junho
1984. AS DISTORÇÕES em torno de um insumo decisivo. AGRICULTURA DE HOJE São
Paulo, 60(5):44-47, junho, 1980 ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA VEGETAL - ANDEF. (2000)
"Comportamento do mercado de produtos fitossanitários" ANDEF. 4 p. [on line]. Consultado via http://www.andef.com.br/merctex2.htm , em 25.08.2000.
BARZOTTO, Valdir Heitor. (1992) "Leitura de propaganda de agrotóxicos:
contribuição aos estudos da ideologia da modernização". Campinas. 1992. 96 p. [Dissertação de mestrado - Instituto de Estudos da Linguagem. UNICAMP]
BIJKER, W.E.; HUGHES, T.P. & PINCH, T.F. (1989) The Social Construction of
Technological Systems - New Directions in the Sociology and History of Technology, Massachusetts: MIT Press, 405 p..
BIJKER, W.E. & LAW, J. (1992) Shaping Technology/Building Society - Studies in
Sociotechnical Change. Massachussetts: MIT Press, 341 p..
BRASIL. Decreto Nº 98.816, de 11 de janeiro de 1990. Regulamenta a Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 12 jan. 1990. p. 876-888.
BRASIL. Lei Nº 7802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre a produção, a embalagem
e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 12 de julho de 1989. p.p. 11459-11460.
BURTON, D. K. & PHILOGEN, T. J. R. (1988) "An Overview of Pesticide Usage in
Latin America." Rept. of a Contr. Nº 0ST85-00181 of the Canadian Wildlife Service, Latin American Program, University of Ottawa. In: PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION (1993) Pesticides and health in the Americas. Environmental Series nº12. Washington, D.C. PAHO, 109 p..
CALLON, Michel (1989) " Society in the Making: The Study of Technology as a Tool
for Sociological Analysis ". In: BIJKER, W.E.; HUGHES, T.P. & PINCH, T.F. The Social Construction of Technological Systems - New Directions in the Sociology and History of Technology, Massachusetts: MIT Press, p.p. 83-103.
CARSON, Rachel (1962) Silent Spring. Boston, Houghton Miffin CASIDA, J. E., & QUISTAD, G.B. (1998) "Golden age of inseticide research; past
present or future?" Annu. Rev. Entomol. 43:1-16, apud NRC (National Research Council). (2000) The future role of pesticides in US agriculture. Washington, D.C.: National Academy Press. 258 p. [on line] Disponível em http://www.nap.edu/books/0309065267/html/
CASTELLS, Manuel (1999) A sociedade em rede - (A era da informação: economia,
sociedade e cultura; v. 1) São Paulo: Paz e Terra, 1999. 617 p.. CHÉRCOLES, Diego Moñux (1999) " Tecnología para el Desarrollo : Hácia uma
comprensión de las relaciones entre tecnología, sociedad y desarrollo ". [online]Disponível na Internet via WWW URL: http://www.oei.org.co/cts/monux Arquivo capturado em 20 de setembro de 1999
COLLINS, H. M. (1981) " An empirical relativist programme in the sociology of
scientific knowledge". In: Knorr-Cetina y Mulkay, Compils., pp. 85-113. COMO RECEITAR. Atualidades Agropecuárias. São Paulo, [S.N.]:21, abril, 1980.
CONGRESSO NACIONAL DE AGROTÓXICOS E RECEITUÁRIO AGRONÔMICO, 4., Goiânia. 1998. Anais. Goiânia, CREA.
CRESCE A DEMANDA por receituário. Dirigente Rural. São Paulo, 29(10):27,
outubro, 1990. DEFENSIVOS AGRÍCOLAS: um programa acelerado. Dirigente Rural. São Paulo,
16(11-12):21-28, nov./dez., 1977. DEFENSIVO REQUER cautela. Dirigente Rural. São Paulo, 13(8-9):22-27, outubro/
novembro, 1974. DEPUTADO revela a lei federal para os agrotóxicos. Folha de São Paulo. São Paulo:
Geral, 30 de junho, 1984, p.21. EDUCAR ou proibir. Atualidades Agropecuárias. São Paulo, [S.N.]:16-19, abril, 1980. EDWARDS, Clive A. (1993) "The impact of Pesticides on the Environment". In:
PIMENTEL, D. & LEHMAN, H. eds. The Pesticide Question - environment, economics, and ethics. New York. Chapman & Hall, Inc., 1993. pp. 13-46
EMATER-RS "Carta circular nº COPER/38-83". Porto Alegre, 06 de setembro, 1983. ENFIM, UMA LEI para controlar o uso de agrotóxicos. Dirigente Rural. São Paulo,
29(6/7):10-13, junho/julho, 1990. EPA (US Environmental Protection Agency) (1998) Status of Pesticides in
Registration, Reregistration, and Special Review (Rainbow Report). Washington, D.C.: EPA, Office of Pesticide Program. 462 p. [on line] Disponível em http://www.epa.gov/oppsrrd1/Rainbow/98rainbo.pdf
ESTADO de São Paulo lança seu receituário agronômico. Folha de São Paulo. São
Paulo: Folha Agropecuária, 7 setembro, 1985, p.13. ESTADOS criticam projeto que regulamenta agrotóxicos. Folha de São Paulo. São
Paulo, 31 de julho, 1984, p.15. EXCESSO de defensivos desequilibra ecologia. Química e Derivados. São Paulo,
[S.N.]:12, julho, 1979. FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS
(FAO) (1995) World Agriculture Towards 2010 - An Fao Study. Chichester, ed. Nikos Alexandratos, 488 p..
FERRARI, Antenor. (1985) Agrotóxicos: a praga da dominação. Porto Alegre,
FERREIRA, Célia R. R. P. T. et alii. (1986) " Evolução do setor de defensivos agrícolas no Brasil, 1964-83 ". Instituto de Economia Agrícola - Relatório de Pesquisa nº 2/86, São Paulo: 1986, 51p..
FERREIRA, Célia Regina P. T. (1999) " Defensivos agrícolas". Informações
Econômicas. São Paulo, 29(9):43-45, setembro. FUTINO, Ana Maria e SILVEIRA, José Maria J.F. (1991) " A indústria de defensivos
agrícolas no Brasil ". Agricultura em São Paulo. São Paulo, 38(T.Esp.):1-43. GALVÃO, D. M. (1977/1978) Catálogo dos defensivos agrícolas. Ministério da
Agricultura, 1º suplemento, 134 p.. _____________ (1979) Catálogo dos defensivos agrícolas. Ministério da Agricultura,
2º suplemento, 94 p.. ______________ (1980) Catálogo dos defensivos agrícolas. Ministério da
Agricultura, 3º suplemento, 174 p.. GALVÃO, D.M. & PIRES, E. A. (1980) Catálogo dos defensivos agrícolas.
Ministério da Agricultura, 427 p.. GALVÃO, D. M. & BARTOCCI, F. X. S. (1981) Catálogo dos defensivos agrícolas.
Ministério da Agricultura, 4º suplemento, 125 p.. GARCIA, E. G. (1996) "Segurança e saúde no trabalho rural com agrotóxicos:
contribuição para uma abordagem mais abrangente". São Paulo. 1996. 211 p. [Dissertação de mestrado - Faculdade de Saúde Pública. USP]
GELMINI, G. .A. (1990) Agrotóxicos: Legislação - Receituário Agronômico.
Campinas: Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI. 103 p. 22cm (Manual, 29)
GUERRA, Milton de Souza (1978) "Análise conceitual do receituário agronômico."
In: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. 1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico. Pelotas. Centro de Treinamento e Informação do Sul (CETREISUL), 1978 (apostila)
GUERRA, Milton de Souza (1982) " Receituário agronômico: implantação e
operacionalização". In: Francisco GRAZIANO NETO. coord. Uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico. São Paulo: Agroedições, p.p.171-179.
GUERRA, M. S. & SAMPAIO, D.P. A. (1991) Receituário Agronômico. São Paulo:
Editora Globo. 436 p. GRAZIANO NETO (org.) (1982) et alii. Uso de agrotóxicos e Receituário
Agronômico. São Paulo: Agroedições, 194 p.
228
HUGHES, T.P. (1989) " The Evolution of Large Technological Systems ". In: BIJKER, W.E.; HUGHES, T.P. & PINCH, T.F. The Social Construction of Technological Systems - New Directions in the Sociology and History of Technology, Massachusetts: MIT Press, p.p. 51-82.
IBGE (1997) Produção Agrícola Municipal 1975-1994. /IBGE, Departamento de
Agropecuária - Rio de Janeiro: IBGE, 1997 _______(1998) Censo Agrogpecuário 1995-1996. Rio de Janeiro INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. (1999) "Defensivos agrícolas".
IEA - Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. 4 p. [on line] Consultado via http://www.iea.sp.gov.br/defens98.htm em 02.12.1998.
KNORR-CETINA, K. (1983) "The ethnographic study of scientific work: towards a
construtivist interpretation of science". In: KNOOR-CETINA, K. & MULKAY, M. Science observed. Sage. Beverly Hills, Londres, Nueva Delhi, p.p. 115-140.
KUHN, Thomas Samuel (1997) A estrutura das revoluções científicas. Trad. Beatriz
Vianna Boeira e Nelson Boeira. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 257 p. (Coleção Debates, 115).
LATOUR, Bruno & WOOLGAR, Steve (1979) Laboratory Life. Sage, Beverly Hills. LATOUR, Bruno (1994) A profissão de pesquisador - olhar de um antropólogo.
Conferência-debate no Instituto Nacional da Pesquisa Agronômica - Paris, 1994. 36 p..
LATOUR, Bruno e WOOLGAR, Steve (1997) A vida de laboratório: a produção dos
fatos científicos. Rio de Janeiro. Relume Dumará, 310 p.. LAW, John (1986) "Laboratories and Texts". In: CALLON, M.ichel ; LAW, J. & RIP,
Arie eds. Mapping the Dynamics of Science and Technology: Sociology of Science in the Real Word. Londres, MacMillan, p.p. 35 - 50.
LEGISLAÇÃO sobre defensivos, um assunto controvertido. Dirigente Rural. São
Paulo, 23(3):21-31, março, 1984. LEI FEDERAL SOBRE os agrotóxicos repercute bem. Dirigente Rural. São Paulo,
28(9):16-21, setembro, 1989. LIMA, Armando David Ferreira (1960) Seis anos na Direção da Defesa Sanitária
LUTZEMBERGER, José (1982) "A mafia dos pesticides". In: Francisco GRAZIANO NETO. coord. Uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico. São Paulo. Agroedições, p.p.187-194.
___________________ (1992) Do pomar ao poder. Porto Alegre: L&PM, 192 p.. MAIS BOM SENSO e menos emoção. Defesa Vegetal. São Paulo, I(5):3,
WESSELING, C. (1993) " Pesticides ". In: FINKELMAN, J.; COREY, G.; CALDERON, R. eds. Environmental epidemiology: a project for Latin America and the Caribbean. México. Pan American Center for Human Ecology and Health - ECO, p.p. 147-201.
MERTON, Robert K. (1937) " A ciência e a ordem social ". In: MERTON, R. K. Sociologia - Teoria e Estrutura. São Paulo: Mestre Jou ed., 1970. 753 p..
MILLER Jr., G. T. (1990) Living in the Environment. Belmont, CA, Wadsworth, 620
p. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, (1995) Legislação federal de agrotóxicos e
afins. Brasília - Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal. 120 p.. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, (1999) " Agenda 21 Brasileira - Área
Temática: Agricultura Sustentável ", Consórcio Emílio Goeldi, Documento de Trabalho (resumo do documento final), 36 p. [on line] Disponível em http://www.atech.br/agenda21.as/final2a.htm
MUITA FORÇA para instituir receituário agronômico. Dirigente Rural. São Paulo,
20(1-2):12-19, janeiro/fevereiro, 1981. NAIDIN, Leane C. (1985) " Crescimento e competição na indústria de defensivos
agrícolas no Brasil ". Rio de Janeiro, 269 p. [ Dissertação de Mestrado - Universidade Federal do Rio de Janeiro]
NEVES, M.C. et alii. (1998) "Caracterização espaço-temporal do uso de agrotóxicos
para o estado de São Paulo". In: ASSAD, E.D.; SANO, E.E. Sistema de informações geográficas: aplicações na agricultura. 2.ed., rev. e ampl. Brasília: Embrapa-SPI / Embrapa-CPAC, 1998. 434p..
NEWSOME, L. D. (1967) "Consequences of inseticide use on nontarget organisms"
Am. Rev. Ent. 12:257-258. apud NRC (National Research Council). (2000) The future role of pesticides in US agriculture. Washington, D.C.: National Academy Press. 258 p. [on line] Disponível em http://www.nap.edu
NICOLAU, N. M. (1985) "O uso dos agrotóxicos e a agricultura". In: SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Programa de Racionalização do Uso de Agrotóxicos. São Paulo, março, 1985
NRC (National Research Council). (2000) The future role of pesticides in US
agriculture. Washington, D.C.: National Academy Press. 258 p. [on line] Disponível em http://www.nap.edu/books/0309065267/html/
OECD (1996) Activities to Reduce Pesticides Risks in OECD and Selected FAO
Countries. OECD Environmental Health and Safety Publications. Series on Pesticides nº4. Paris, OECD, 94p..
OERKE, E. C. et alii. (1995) Crop production and crop protection: Estimated losses in
major food and cash corps. Amsterdan: Elsevier. apud YUDELMAN, M.; RATTA, Annu e NYGAARD, D. (1998) Pest Management and Food Production - Looking to the Future . - [on line] Disponível em http://www.cgiar.org/IFPRI/2020/dp/dp25.pdf
OPPTS/EPA, (1997) United States national profile on management of chemicals .
Office of Prevention, Pesticides and Toxic Substances - U.S. Environmental Protection Agency. 112p. [on line] Disponível na Internet http://www.epa.gov/opppsps1/profile/index.html
PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATION (1993) Pesticides and health in the
Americas. Environmental Series nº12. Washington, D.C. PAHO, 109 p.. PANUPS Pesticide Action Network North America Update Service (1997) "World
Pesticide Sales Up." [email protected] PARA A ANDEF a agricultura só é viável com uso de defensivos. Informe
Agropecuário, Belo Horizonte, 5 (58):151-153, outubro, 1979. PARANÁ amplia programa para embalagem de agrotóxico. O Estado de São Paulo.
São Paulo: Suplemento agrícola, maio de 1999 PASCHOAL, A. D. (1982) "Receituário Agronômico: fatores determinantes e
limitantes." In: Francisco GRAZIANO NETO. coord. Uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico. São Paulo. Agroedições. 1982. p.p. 163-170.
PASCHOAL, A.D. (1979) Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e
soluções. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 106 p.. PESSANHA, B. M. R. (1982) "O defensivo agrícola." In: Francisco GRAZIANO
NETO. coord. Uso de agrotóxicos e Receituário Agronômico. São Paulo. Agroedições. p.p. 7-35.
PESSANHA, B. M. R. e MENEZES, F. A. F. (1985) "A questão dos agrotóxicos".
PINCH, T. F. & BIJKER, W.E. (1989) " The Social Construction of Facts and
Artifacts: Or How the Sociology of Science and the Sociology of Technology Might Benefit Each Other ". In: BIJKER, W.E.; HUGHES, T.P. & PINCH, T.F. The Social Construction of Technological Systems - New Directions in the Sociology and History of Technology, Massachusetts: MIT Press, p.p. 17-50.
PIMENTEL, David (1993) "Environmental and economic impacts of reducing U.S.
agricultural pesticide use." In: David PIMENTEL & Hugh LEHMAN. Eds. The pesticide question - environmental, economics, and ethics. New York. Chapman & Hall. Inc. p.p. 223-278.
_________ (1995) Pest management, food security, and the environment: History and
current status. Paper presented at the IFPRI workshop "Pest Management, Food Security, and the Environment: The Future to 2020." Washington, D.C., May 10-11.
________ (1997) Personal correspondence. Dezembro. In: YUDELMAN, M.;
RATTA, Annu e NYGAARD, D. (1998) " Pest Management and Food Production - Looking to the Future ". - [on line] Disponível em http://www.cgiar.org/IFPRI/2020/dp/dp25.pdf
PINHEIRO, S; AURVALLE, A. & GUAZZELLI, M. J. (1985) Agropecuária sem
veneno. Porto Alegre: L&PM ed. 128 p.. PINHEIRO, S.; NASR, N.Y. & LUZ, D. (1993) A agricultura ecológica e a máfia dos
agrotóxicos no Brasil. Porto Alegre: Edição dos Autores. 338 p.. PORTO, P. R. F., "Embalagens de agrotóxicos, receituário agronômico,
responsabilidade civil, penal e administrativa". / Apresentado ao V Congresso Nacional de Agrotóxicos e Receituário Agronômico. Rio de Janeiro, 2000.
PRODUÇÃO nacional em tempo de expansão. Dirigente Rural. 9(17):24-30, set./out.,
1978. RAMOS, H. H. et alii. (1999) "Condições de trabalho com agrotóxicos no Estado de
São Paulo". CIPA - Caderno Informativo de prevenção de acidentes. 20(238):36-48, setembro.
RECEITA agronômica: nova ameaça ao setor. Química e Derivados. São Paulo,
[S.N.]:12, julho, 1979. RECEITUÁRIO Agronômico corre risco de ser descaracterizado. O Estado.
Florianópolis: Suplemento Rural, 31 maio, 1985, p.10. RECEITUÁRIO Agronômico: implantar e mudar. Jornal do Engenheiro Agrônomo.
RECEITUÁRIO agronômico será obrigatório. O Estado de São Paulo., São Paulo: Suplemento Agrícola, 10 julho, 1985, p.3
RECEITUÁRIO existe para preservar a vida. A Granja. Porto Alegre, :22-23,
mar./abr., 1989. RECEITUÁRIO para defensivo depende do governo. Folha de São Paulo. São Paulo:
Agrofolha, 18 de abril, 1989, p.G-3 REPÓRTER "compra" receita em loja e leva agrotóxico capaz de matar 35. Folha de
São Paulo. São Paulo: Caderno Cotidiano, 19 de janeiro, 1992, p.1. RIO GRANDE DO SUL. Leis, etc, (1982) Decreto n. 30.787 de 22 de julho de 1982.
Dispõe sobre o uso de defensivos clorados no estado. Diário Oficial do Estado, Porto Alegre, 22 jul., p.1.
RIO GRANDE DO SUL. Leis, etc, (1982) Decreto n. 30.811 de 23 de agosto de 1982.
Dispõe sobre o comércio de defensivos agrícolas no estado. Diário Oficial do Estado, Porto Alegre, 23 ago., p.1.
RIO GRANDE DO SUL. Leis, etc, (1982) Lei n. 7.747 de 22 de dezembro de 1982.
Dispõe sobre o controle de agrotóxicos e outros biocidas a nível estadual e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Porto Alegre, 22 dez., p.1.
RÜEGG, E. F. et alii (1991) Impacto dos agrotóxicos sobre o ambiente, a saúde e a
sociedade. São Paulo: Cone ed. 96 p.. SAMPAIO, Daiser Paulo (1978) "Receituário Agronômico: conceito, objetivos e
elaboração." In: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. 1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico. Pelotas. Centro de Treinamento e Informação do Sul (CETREISUL), 1978 (apostila)
SAMPAIO, D. P. & GUERRA, M. S. (1978) "Fatores limitantes da prescrição
técnica." In: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. 1º Curso sobre Fundamentos do Receituário Agronômico. Pelotas. Centro de Treinamento e Informação do Sul (CETREISUL), 1978 (apostila)
SÃO PAULO (Estado). Leis, etc, (1984) Lei n. 4.002 de 05 de janeiro de 1984. Dispõe
sobre a distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos e outros biocidas no território do Estado de São Paulo. CREA-SP: Coletânea de legislação profissional. São Paulo, p.84-7.
SÃO PAULO (Estado). Leis, etc, (1986) Lei n. 5.032 de 15 de abril de 1986. Altera a
Lei n. 4.002 de 5 de janeiro de 1984, que dispõe sobre a distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos e outros biocidas no território do Estado de São Paulo. CREA-SP: Coletânea de legislação profissional. São Paulo, p.88-92.
233
SÃO PAULO (Estado). Leis, etc, (1989) Decreto n. 30.565 de 10 de outubro de 1989. Aprova o Regulamento que fixa os procedimentos relativos a cadastramento, fiscalização do uso e sua aplicação, imposição de penalidades e recursos na distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, no território do Estado de São Paulo, e dá outras providências. CREA-SP: Coletânea de legislação profissional. São Paulo, p.93-100.
SÃO PAULO (Estado). Leis, etc, (1990) Decreto n. 31.132 de 5 de janeiro de 1989.
Altera a redação do artigo 2º do Decreto n. 30.565, de 10 de outubro de 1989, e dá outras providências. CREA-SP: Coletânea de legislação profissional. São Paulo, p.101-6.
SÃO PAULO (Estado). Leis, etc, (1999) Decreto n. 44.038 de 15 de junho de 1999.
Aprova Regulamento fixando os procedimentos relativos ao cadastramento e fiscalização do uso, da aplicação, da distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, no território do Estado de São Paulo e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado, São Paulo, 16 de junho de 1999.
SECCHI, Valdir Antonio (1986) "Receituário Agronômico na Extensão Rural."
SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO DO ESTADO DE SÃO
PAULO.(1985) Programa de Racionalização do Uso de Agrotóxicos. São Paulo. SILVEIRA, José Maria F. J. e FUTINO, Ana Maria. (1990) " O Plano Nacional de
Defensivos Agrícolas e a criação da indústria brasileira de defensivos ". Agricultura em São Paulo. São Paulo, 37(3):129-146.
SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DE DEFENSIVOS AGRÍCOLAS -
SINDAG. "Vendas de Defensivos Agrícolas-1990/94 ". SINDAG, s/d. 9 p. [Mimeogr.].
SINITOX. (1993) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1992. Rio de Janeiro, 46p.. ________ (1995) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1993. Rio de Janeiro, 74p.. ________ (1996) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1994. Rio de Janeiro, 105p.. ________ (1997) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1995. Rio de Janeiro, 108p.. ________ (1998) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1996. Rio de Janeiro, 72p..
234
________ (1998) Estatística Anual de Casos de Intoxicação e Envenenamento. Brasil,
1997. Rio de Janeiro, 80p.. ________ (1999) Estatística anual de casos de intoxicação e envenenamento . - Brasil
- Fundação Oswaldo Cruz, 1998. [on line]. Disponível na Internet via www URL:http://www.fiocruz.br/cict/oquee/estrut/dect/sinitox/
SKALISZ, Reinaldo Onofre (2000) "Receita Agronômica: avaliação e perspectivas". /
Apresentado ao V Congresso Nacional de Agrotóxicos e Receituário Agronômico. Rio de Janeiro, agosto, 2000.
SÓ COM RECEITA Revista Raízes. 60:68-69, São Paulo, dezembro, 1980 SUDERHSA (1998) "Programa para destinação das embalagens de agrotóxicos
utilizadas no Estado do Paraná" - Folheto de divulgação, Curitiba - 19p.. UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS. 1º Curso sobre Fundamentos do
Receituário Agronômico. Pelotas. Centro de Treinamento e Informação do Sul (CETREISUL), 1978 (apostila)
VAAGT, G. (1995) " O que a AGENDA 21 especifica para a proteção vegetal - Uma
base para discussão " . GTZ - Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit GmbH, 27 p. [Mimeogr.].
VESSURI, H.M.C. (1991) " Perspectivas recientes em el estudio social de la ciência ",
Interciencia , vol.16, nº 2, pp. 60-68. VICENTE, M.C. M. et alii (1998) " Perfil do aplicador de agrotóxicos na agricultura
paulista " Informações Econômicas. São Paulo: 4(11): 35-59. novembro. VIOLA, E. e LEIS, H. (1997) " A agenda 21 diante dos desafios da governabilidade,
das políticas públicas, e do papel das ONG’s ", In: CORDANI, U. et alii. (orgs.) Rio 92 - Cinco Anos Depois, IEA.
WAQUIM, Jorge Salim (2000) "Agrotóxicos e o Mercosul". / Apresentado ao V
Congresso Nacional de Agrotóxicos e Receituário Agronômico. Rio de Janeiro, agosto, 2000.
WINNER, Langdon (1983) " Do Artifacts Have Politics? ", In: D.MacKenzie et al.
(eds.), The Social Shaping of Technology, Philadelphia: Open University Press, 1985.[on line] Disponível em http://www.oei.org.co/cts/winner.htm
WORLD HEALTH ORGANIZATION. (1990) " Public health impact of pesticides
YUDELMAN, M.; RATTA, Annu e NYGAARD, D. (1998) " Pest Management and Food Production - Looking to the Future ". - [on line] Disponível em http://www.cgiar.org/IFPRI/2020/dp/dp25.pdf