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Raul Fernando Carvalho -memória de uma entrevista

Apr 09, 2018

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Arselio Martins
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  • 8/7/2019 Raul Fernando Carvalho -memria de uma entrevista

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    Raul Fernando Carvalho

    memoria de uma entrevista

    Arselio Martins

    XIV Seminario de Investigacao em Educacao Matematica

    Santarem, Novembro de 2003

    A ideia

    O conteudo de uma entrevista a Raul Fernando Carvalho (comoautor de manuais e participante no processo de elaboracao deprogramas do ensino de Matematica) nunca foi publicado nemtratado. Propomos apresentar uma memoria sobre essa entre-vista, reflectindo sobre alguns aspectos relevantes do seu conteudo.E prestar, desse modo, homenagem a Raul Carvalho e Paulo

    Abrantes.

    1 Antecedentes

    Nos princpios da decada de noventa do seculo passado, andavaeu preocupado em demonstrar que a inclusao da Estatstica comonovo tema nos entao novos programas do ensino basico nao con-stitua uma inovacao propriamente dita, mas antes uma adequacao(e ja fora de tempo) a uma necessidade social e poltica sentida,exterior e contraria aos interesses e desejos de uma parte signi-

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    2 1 ANTECEDENTES

    ficativa da comunidade matematica. Para mim, a introducao daEstatstica nao era mais do que o resultado de um processo lentoe contnuo, isto e, um aspecto de uma evolucao e que e resolvidonuma altura em que se conjugam a favor factores como as deter-minantes das uniformizacao e internacionalizacao dos currculos edo desenvolvimento do direito a informacao de massas e direito aparticipacao democratica, . . . .

    A introducao do tema so poderia ser considerada inovacao porter sido resultado de um acto consciente, reflectido, voluntario,a manifestacao de um desejo de mudanca tendo por base, umanova definicao de objectivos a atingir. Mas, considerava que a

    introducao inadiavel da Estatstica como inovacao era, a seutempo, ridcula, a nao ser que aceitasse o conceito de inovacaocomo conceito reverso de censura. Alias, a argumentacao para amanutencao da Estatstica nos programas que vieram depois foisempre feita na base daquelas determinantes citadas e n ao pordesenvolverem especiais conteudos matematicos ou capacidadesespecficas. As razoes mais consistentes enunciadas em defesa daintroducao do tema no ensino secundario tambem sao alicercadasnessas necessidades de formacao para a cidadania, o que quer queisso seja.

    Escrevia entao: Consideramos a introducao do tema da Estatsticacomo um facto novo nos programas so na medida em que nao estavanos antigos programas. As inovacoes ao nvel dos conteudos quer

    se trate da reforma de conteudos antigos ou da definicao de novosconteudos e sobre os metodos e os conteudos que os suportam, sendouma vertente importante, nao pode deixar de ser ligada as outras ver-tentes da natureza da relacao educativa, das relacoes adultos-criancas,das relacoes entre criancas, etc. ou das inovacoes sobre as estruturas,no sentido mais amplo do termo, estruturas administrativas, estruturaspedag ogicas, tipos de agrupamento dos alunos, definicao dos ciclos, mo-dos de intervencao dos adultos, quadro material, ambiente do sistemaescolar, etc., dado que, nenhuma das vertentes, por si so, atinge olimiar mnimo de significancia e e o seu funcionamento conjunto, asua engrenagem recproca que asseguram o movimento. Para que aintroducao da Estatstica venha a ser uma inovacao reformista, porque

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    nascida dentro do sistema, e necessario que ao que e determinado nalei se acrescente uma pratica, uma forma original de abordar o seu en-sino, que lhe de uma verdadeira dimensao inovadora. E isso passa porpropostas aos professores, por formacao de professores, por praticasdiversificadas e autonomas dos alunos e professores dentro e fora dasala de aula, por alteracoes nas relacoes da escola com a comunidadeeducativa particular em que se insere e com a realidade social nacionale global.

    2 A entrevista.

    Convem esclarecer que, antes desta entrevista, as minhas ideias so-bre a educacao matematica e, de um modo geral, sobre as cienciasda educacao, eram marcadamente diferentes das que partilho hojee marcadas por uma impressao negativa. A mudanca nas crencasficou a dever-se muito aos contactos e discussoes mais ou menosformais, em volta de currculos e assuntos relacionados, com RaulCarvalho, mas tambem com Paulo Abrantes, Joao Pedro da Ponteou, de modo diferente, com a actividade de Eduardo Veloso eJaime Carvalho e Silva. E e, por isso, que ao revisitar a con-versa com Raul Carvalho entendo homenagear aqueles que in-fluenciaram mudancas nas minhas conviccoes e concepcoes. Decerto modo, passei a ter contacto com pessoas que, para alem

    de se preocuparem com a Matematica, se preocupavam todos osdias com aquilo que era preciso aos professores, entendendo queo ensino da Matematica nao dependia so da formacao inicial emMatematica e que uma boa parte da aprendizagem estaria na ca-pacidade de dar aos estudantes tempo para fazer e reflectir sobreas situacoes e problemas que tornavam a Matematica uma des-coberta necessaria.

    A melhor homenagem que posso prestar a Raul Fernando Carvalhoou Paulo Abrantes esta em assumir a influencia que podem ter tidosobre o meu trabalho de professor. Sem que isso signifique que,em algum momento, estivesse em completo acordo com as ideias

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    4 3 SOBRE OS MANUAIS ESCOLARES.

    que preconizavam. Muito pelo contrario, quase me atreveria adizer.

    A entrevista, aqui referida, foi realizada na Escola Superior deEducacao de Setubal, quando Raul Fernando Carvalho era seudirigente executivo. Decorreu de forma muito informal, sendo quea escolha do entrevistado resultava do facto deste ter sido simul-taneamente co-autor do programa em vigor e de um dos manuaisadoptados por varias escolas e reconhecido como manual inovadorou diferente.

    Para os fins agora em vista, o interessante reside principalmentenas ideias expressas por Raul Carvalho (a italico aqui). Tentare-

    mos dar-lhes alguma organizacao e nao muito mais do que isso,ao mesmo tempo que as louvamos e criticamos no seu tempo.

    3 Sobre os manuais escolares.

    (. . . ) N os comecamos, eu e o Paulo, a trabalhar antes nestes livrosescolares, nesta coleccao que e conhecida genericamente por M7, quefoi o primeiro livro que nos fizemos, comecamos a trabalhar em 78/79a partir de um convite de uma editora. (. . . ) De facto, na altura aindaestavamos um pouco naquela altura quase do livro unico, nao e? epensamos que o nosso livro, pelo formato que apresentou, por uma certa

    forma de relacao com o aluno, um acompanhamento teorico e pratico,uma vez que o livro tinha duas colunas, uma coluna teorica, uma colunapratica sempre com actividades acompanhando a introducao de con-ceitos teoricos fez com que o livro se transformasse naquilo que e co-mummente chamado uma pedrada no charco. (. . . ) comecamos, comoprofessores experientes que eramos ja na altura, ver da experiencia quetnhamos o que e que podamos transportar para um livro. Um livro que fosse util aos alunos, que fosse util aos professores (. . . ) O primeirolivro que saiu, vendeu - saiu muito tarde ja - mas vendeu, logo noprimeiro ano, dez mil exemplares, o que foi bastante bom e depoiscomecaram a crescer e o que e um facto e que este livro se manteveate agora a reforma com vendas bastante altas em relacao ao panorama

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    nacional, isto e, foi um livro que durou muito tempo, durou mais tempodo que e normal um livro destes durar, nao e? (. . . ) E evidente que foram feitas certas remodelacoes, certas lavagens da cara, alteracoesde formato, nunca sendo feita uma alteracao de formato como nosgostaramos por uma teimosia da editora, que nos tem mantido emconflito permanente, que tem a ver com a forma do livro, do papel queocupa, porque de facto o formato actual nao e um formato que nosagrada e nos, ja desde 82, ha mais de dez anos, que andamos a proporum formato que outras editoras estao a fazer, . . . , como outras editorasestao a fazer formatos modernos que sao aqueles que se usam no es-trangeiro. Desde 82, nos, que vamos ao estrangeiro todos os anos, quevamos a congressos, que compramos livros no estrangeiro, (. . . )

    Raul Carvalho estabelece bem o ambiente da altura na produ caodos manuais escolares. Apesar de se terem passado alguns anos so-bre o 25 de Abril, a situacao que descreve e reveladora do domniode concepcoes retrogradas nesse domnio. E revela tambem ainfluencia das propostas internacionais e o predomnio das im-portacoes dos formatos de publicacao.

    4 Sobre os programas do basico.

    (. . . ) Eu, de facto, fui um dos autores do programa do 7o, 8o e 9

    o ano,

    trabalhei durante o primeiro ano do lancamento e foi o ano em que,de facto, o programa foi feito, depois nos anos seguintes o que foi feito

    foi o acompanhamento desse programa, portanto, fichas de apoio, tudoisso que eu ja nao pude acompanhar, quer dizer, todos os professoresque tem estado na feitura dos programas tem dispensa total de servico ealguns parcial e eu nao podia ter porque estou como Presidente aqui daComissao Instaladora nao posso ter dispensa de servico e tambem n aoqueria largar este meu servico aqui e portanto fiz isso em sobreposicaocom o meu trabalho.

    Sabendo nos, hoje, que um programa vale pelas aplicacoes quedele se fazem e a mudanca de praticas exige um acompanhamentoeficaz da sua execucao atraves da formacao dos professores e dareflexao , so podemos lamentar que Raul Carvalho nao tenha po-

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    6 4 SOBRE OS PROGRAMAS DO BASICO.

    dido acompanhar e desenvolver actividades continuadas na con-cretizacao de algumas das ideias que influenciou no papel.

    Nos procuramos - e agora vou falar como autor dos programas primeiro- nos procuramos que este programa . . . nao tivesse como referente oprograma anterior, o que e, desde ja lhe digo, extraordinariamentedifcil, porque cada vez que se fazia uma proposta de programa, se es-barrava normalmente entre nos com: mas entao porque e que n ao entranao sei que? que era o que estava no programa anterior. Isto e, e muitodifcil para quem conhece o programa anterior, fazer um programa novosem que venha ao de cima permanentemente o referente que constituio programa anterior. Porque e que nao se da o sistema de equacoesagora e so se da nao sei quando? Porque e que nao se da equacoes do

    2o grau? Porque e que a gente empurra as equacoes do 2

    o grau, porquee que a trigonometria nao e dada nao sei quando? Porque e que se

    mete a Estatstica? (. . . )

    Nas experiencias de alteracao curricular que se seguiram, pudemosconstatar esta mesma dificuldade. Mas ela tornou-se mais duranos programas discutidos, sendo que e acrescentada pelas dificul-dades em aceitar mudancas por quem esta a ser consultado e temcomo referente os programas em vigor ja aprovados depois do 25de Abril. Parecer-nos-ia mais simples estabelecer uma primeiraruptura, ao nvel das grandes ideias no papel, na sequencia dasgrandes transformacoes sociais e politicas que o pais tinha sofrido.

    4.1 E sobre a extensao dos programas

    (.. . ) Havia uma preocupacao que eu penso que nao foi cumpridamesmo (. . . ) Eu lutei por ela antes da experiencia, critiquei depoise durante a experiencia, mas que infelizmente nao foi nunca cumprida,nao sei se no final destes tres anos que vai durar vai ficar. . . continuo aachar que os programas sao muito compridos, nao e? Continuo a acharque cada vez mais se deve ensinar menos e melhor, a quantidade de in-formacao e qualquer coisa que e da especialidade dos computadores,a qualidade da informacao e qualquer coisa que e da especialidade doser humano e, portanto eu penso que devemos entrar com a qualidade

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    8 4 SOBRE OS PROGRAMAS DO BASICO.

    (. . . )gastam-se horas, dias, semanas, meses a ensinar uma criancaa fazer algoritmos que nunca mais vai fazer na vida. E ha estudosinternacionais sobre isso. Tem muito sentido, tem um grande valorpedag ogico ensinar a resolver sistemas de 2 equacoes ou de 3 equacoes?Quando uma maquina de calcular cientfica faz isso? Que uma maquinaque custa 3 contos e 500 faz isso. Nao e? O grau de sistemas deequacoes? Perceber o que e um sistema de equacoes, sim. Perceberteoricamente, mas resolve-lo pelo metodo de substituicao, reducao...nao sei que. . . rotinas que se ensinam, rotinas essas que sao especiali-dade das maquinas, nos continuamos a ter isso nos programas, porquenos continuamos a achar que e amputar um braco se isso nao entrarnos programas

    (.. . ) hoje, nao se pode entender que uma crianca ou um adolescentesaia com 14, anos da escolaridade obrigatoria e nao va estudar mais, enao saiba trabalhar com uma maquina de calcular. Isso e que eu achoque nao se pode entender, quando uma maquina de calcular e um in-strumento que custa 450 escudos ou 500 escudos. A gente compra umamaquina de calcular por 450 escudos ou por 500 escudos, com as qua-tro operacoes, uma maquina que faz maravilhas, pode fazer maravilhas,pode poupar tempo, pode usar o factor constante, pode usar a memoria,pode usar uma serie de questoes que estao numa maquina tao barata,nao e? E que e um instrumento que e uma pena n ao se saber tirar todasas potencialidades dele e ha a muitos colegas de Matematica a fazerteses de mestrado, a fazerem trabalhos nas faculdades, a publicaremlivros na Associacao de Professores de Matematica sobre a maquina decalcular, sobre todas as coisas que pode fazer a maquina de calcular,

    desde a utilidade pratica ate a questao dos jogos, a questao ludica daMatematica que e uma tambem importante e que nos tambem procu-ramos, o exemplo, no nosso livro escolar ha la umas brincadeiras com jogos de numeros. Alias o primeiro captulo do programa aponta ex-actamente para isso, que e o conhecer melhor os numeros, nao e? eaponta exactamente para jogos e nos temos aqui imensas actividadescom a maquina de calcular exactamente para familiarizar o aluno coma maquina de calcular, com os jogos, com certas aprendizagens.. .

    A discussao da generalizacao do uso da tecnologia de calculo noensino basico devia ter sido devidamente aprofundada na alturada renovacao dos programas. Ja nessa altura podamos prever

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    4.2 Sobre o uso da tecnologia 9

    (ou saber mesmo) que as pessoas iriam deixar de usar no diaa dia os algoritmos e os calculos de papel e lapis. Atribuamosas insistencias nas operacoes e aos algoritmos classicos uma im-portancia formativa geral, mas nao devamos ter deixado de darum relevo definitivo ao calculo mental, as estimativas, ao desen-volvimento das competencias para criticar os resultados que seobtem utilizando tecnologia de calculo. O reconhecimento daoposicao ao uso da tecnologia no ensino nao devia ter-nos deix-ado presos a um ensino que menosprezasse as consequencias dautilizacao generalizada dos instrumentos electronicos de calculoque sabamos que ia acontecer independentemente da vontade dosprofessores e dos que se opunham ao uso das calculadoras.

    Essa discussao devia ter sido feita na sociedade e for a dos crculosmais ou menos estreitos dos fazedores de opiniao educacional nabase do bom senso ou do senso de que as criancas devem aprendero mesmo que tinha sido essencial no nosso tempo passado.

    Raul Carvalho enunciava o fundamental do que era preciso fazerpara enfrentar o que estava a acontecer:

    (. . . ) Outra coisa: estimativas, o que e fundamental para quem trabalhacom uma maquina de calcular. E fundamental a crtica do resultado.Quem trabalha com uma maquina de calcular nao pode dar resultadoscinco vrgula um vezes quatro vrgula tres e igual a duzentos e vinte sete.Porque e evidente que cinco vrgula qualquer coisa vezes quatro vrgulaqualquer coisa ha-de ser vinte e poucos. Nao e? E esta estimativa,

    tentar saber a ordem de grandeza do resultado que e o calculo mentalque ele deve ter para poder criticar o resultado que a maquina lhe da.Porque basta ele, ao carregar no cinco vrgula um nao ter teclado bemo ponto para ja estar a colocar cinquenta e um por quatro vrgula tres eisso ja altera-lhe logo o resultado, nao e? Essas,. . . estimar o resultado,calculo mental como auxiliar crtico do trabalho com uma calculadora efundamental neste programa.(.. . )

    Ainda hoje atribuo grande importancia formativa ao conhecimentoe manejo da maioria dos algoritmos classicos e nao concordo coma sua eliminacao, mas nao posso deixar de lamentar que nao se

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    10 4 SOBRE OS PROGRAMAS DO BASICO.

    tenham tomado medidas para enfrentar a situacao de facto quee o abandono no quotidiano social do manejo da tabuada e dasoperacoes com papel e lapis. E estou convencido que o que RaulCarvalho considerava fundamental nao foi prosseguido e, menosainda, conseguido.

    4.3 Sobre a Estatstica no basico.

    (. . . ) A Estatstica hoje e uma questao de informacao pratica. Se nosestamos a preparar jovens que podem ir estudar mais anos do que osnove anos de escolaridade, mas tambem podem nao ir, que vao enfrentar

    o mundo e natural que eles estejam alfabetizados do ponto de vista damatematica e alfabetiza-los do ponto de vista da Matematica e saberler um jornal, por exemplo, que traz permanentemente problemas deestatstica, que e preciso saber ler, gr aficos de barras, graficos circulares,graficos de todo o tipo, tabelas que e necessario saber ler. E necessariosaber ler um horario dos comboios.

    (...) e tudo isso sao questoes que podem estar ligadas a Matematica.E necessario saber uma serie de questoes que, no dia a dia, perpassamo nosso quotidiano e a escola deve preparar para isso.(. . . )

    ( . . . ) E que, ao darmos Estatstica, nao devemos dar apenas os con-ceitos de media, de desvio padrao, e a propria representacao dos dados,mas os cuidados a ter para nao seremos enganados, por determinada forma de apresentacao de resultados, por determinada forma de apre-

    sentacao que e enganadora. Mas se isso sai num livro escolar ves oque e que isso significa. Sabendo de antemao que grande parte dos nos-sos professores nao estao preparados para este tipo.. . porque nuncaderam ou porque deram estatstica ha15 ou 20 anos, numa cadeira deestatstica na Faculdade que tinha a ver com tudo menos com a Es-tatstica que se d a aqui, em que se aprendiam ou se diziam as formulasdo desvio padrao ou da variancia de nao sei que, mas nada daquilo queinteressa. Porque aqui na estatstica, agora temos a maquina de calcu-lar que pode calcular todas essas coisas, e necessario e perceber o quecada coisa significa. . . . . . na estatstica, nao e? Quando sequer apre-sentar um relatorio de uma firma, onde se quer mostrar determinadotipo de . . . se teve muitos lucros ou se teve poucos lucros para pagar

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    poucos impostos, sei la . . . consegue-se manipular a forma de apre-sentacao dos dados de forma a parecer aquilo que nao e. E para isso,eu acho que deve estar expresso(. . . )

    E evidente que isso nao vem nos programas, nem tem que vir. No pro-grama nao pode estar la a indicacao que um professor ou que um autorde um manual va para isso. O professor deve dar uma interpreta cao ascoisas. (...)

    Nestes aspectos, parece-me que fomos avancando. De facto, hojeha ja uma consciencia muito alargada junto dos professores danecessidade de que a Estatstica tem de ser integrada em contextose tem estar ligada a criacao de alguma consciencia crtica, social

    e cvica.

    5 Sobre a escola para todos.

    (. . . )Tem a escola de preparar o jovem, todos os jovens do 9o ano, paraserem futuros estudantes universitarios? Acho que nao. Tem que ospreparar para serem seres intervenientes no dia a dia, na vida activa.Isso e uma coisa. Nao e? Agora, ha muitos que nao vao continuar aestudar, porque enche-los de conte udos que eles podem aprender depoisaqueles que vao continuar a estudar.

    (. . . ) Agora, a escolaridade obrigat oria e uma coisa, a educacao para

    todos, a chamada educacao para todos, ha um conferencia da Tailandiasobre tudo isso,...ha publicacoes da UNESCO sobre a educacao paratodos e na educacao para todos e, de facto, fica o essencial para que umindividuo, na vida pratica (...),

    As concepcoes sobre a Escola e, particularmente, sobre o que sejaa escola para todos continua a ser uma quest ao mal resolvidana sociedade portuguesa. O conjunto das ideias retrogradas aeste respeito que tendem a aparecer com forca assassina em al-guns momentos de crise (real ou artificial) e um dos indicadoresserios do atraso da nacao. O mais dramatico e que as polemicasatravessam a sociedade mais lancadas a partir do senso comum de

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    12 6 SOBRE AS INOVAC OES NO BASICO.

    cientistas e polticos do que de estudos serios, mais a partir dasdisposicoes momentaneas deste ou daquele do que nos momentosem que as questoes sao levantadas para se tomarem decisoes sobrereformas de programas e similares. Estas concepcoes sobrevivemcomo opinioes de corredor e raramente ganham espaco nos lugaresde debate onde podem ser contraditadas e combatidas. Existemno fingimento de que nao existem e principalmente no fingimentode que nao se passa coisa alguma que seja realmente evolu cao. Eservem para apontar a escola em abstracto como a fonte de todosos males sociais, quando o que querem dizer e que a escola naoprepara os jovens para um certo ensino superior, parado emalgum lugar do tempo.

    6 Sobre as inovacoes no basico.

    (. . . ) Eu penso que as principais inovacoes do programa sao: uma novavisao da Matematica, a visao da Matematica para todos, que e estaMatematica ludica que e esta. . . do brincar com os numeros, quandoa gente.. . o proprio ttulo do captulo conhecer melhor os numerosou ainda os numeros ou .. . os proprios nomes dos captulos po-dem indicar uma outra visao da Matematica. Do espaco ao plano, porexemplo. A Geometria tem sido tao mal tratada, nao e? e que, noentanto, e das coisas mais bonitas da Matematica, mais simples, maisevidentes, porque e a manipulacao e a Matematica tem andado la peloar, tem andado pela abstraccao, tem levado a graus de dificuldade queas criancas nao estao preparadas.

    Quer dizer: quem tem feito o programa anterior, nao tem estudadopsicologia do desenvolvimento a determinados nveis. Os jovens, ascriancas tem determinado tipo de capacidades de concretizacao e deabstraccao. E a preocupacao deste programa, penso que foi partirmosdas manipulacoes, partirmos dos solidos: Ha quem parta na Geometriade uma forma mais axiomatica que e a partir da coisa mais simplesque ha e o ponto, a seguir temos a recta, a seguir temos o plano e aseguir temos o espaco. Mas a nossa vida nao e feita de pontos, e feitade espaco. O que nos temos e espaco. Aquilo que observamos e espaco.

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    Tudo o resto sao abstraccoes. O ponto nao existe. O plano nao existe,a recta nao existe. O que existe e tudo espaco que nos envolve e e apartir do espaco que nos envolve que a gente pode partir para as taisabstraccoes, o que e o plano e tal. E esse esforco que o programa faz eque eu penso que os nossos livros cumprem e os outros livros tambem nosentido de partir das tres dimensoes do nosso quotidiano, da observacaoque se faz daquilo que nos envolve, dos predios, pronto num predio agente ve planos, ve curvas, ve rectas, ve polgonos, ve. . . pronto. . .uma serie de angulos, ve tudo isso e e a partir dessa observacao, maisdo que estarmos com definicoes: angulo - angulo e n ao sei que, naosei que mais. Ninguem fica a perceber o que e isso. Os jovens naopercebem, mas eles sao capazes ate de falar de angulos, olha ali aquelasduas esquinas estavam com um angulo nao sei que, ou o cotovelo e um

    angulo. Tudo por observacao e percebem isso. Ao passo que um certotipo de ensino partia de exposicoes decoradas e tal. Bom: e um poucoajudar os jovens a perceber um pouco o meio que os rodeia e partirdesse meio que os envolve para abstraccoes que tambem nos interessamna Matematica a um nvel um pouco mais elevado. Penso que o pro-grama aponta para a manipulacao, para a utilizacao das calculadoras eate dos computadores, aponta para partir do concreto para o abstracto,permanentemente, aponta para novos conteudos da Matematica rela-cionados com a realidade que nos envolve, nomeadamente a questaoda Estatstica, aponta para uma diminuicao da carga que havia como trabalho com numeros fraccionarios, com fraccoes. . . qual o interessedaqueles que a gente chegou a fazer do tipo tres dezassete avos mais oitoquinze avos menos sete tercos. Quer dizer. . . Se se pedisse a um profes-sor de Matematica para inventar um problema em que se utilizasse esta

    conta, seria ridculo. O que e que ele ia dizer? Parti um bolo em dezas-sete partes, nao e? parti outro em quinze partes e outro em tres partes.Mas como e que eu vou explicar os sete tercos? Afinal nao era bem umbolo so. Tinham de ser pelo menos tres bolos. Qual e o interesse disto,pratico? Nao tem interesse pratico nenhum. Portanto, somar um meiocom um quarto tem interesse, sim! tem interesse!, somar um ter co comcinco sextos? pode ter interesse, mas aquelas perguntas . . . para uti-lizar o mnimo m ultiplo comum. . . Mas para que e que serve o mnimomultiplo comum? Para resolver problemas desses? Ent ao nao servepara nada. Ou ent ao arranjar problemas em que o mnimo multiplocomum e o maximo divisor comum sao, de facto, instrumentos impor-

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    14 6 SOBRE AS INOVAC OES NO BASICO.

    tantes como, por exemplo, empacotamento de iogurtes, de pao de lo, deoutras coisas que tem a ver com a dimensao da caixa onde eles vao,tem a ver com mnimos divisores comuns, maximos divisores comunsdo comprimento da caixa com a largura da caixa, etc. Nao e? Pensoque sao estas as principais questoes: um abrandamento, o aumento nosnumeros racionais do trabalho com numeros decimais, porque? Porqueas calculadoras trabalham com isso.

    Os problemas aqui levantados nao foram resolvidos fora do estreitosector dos professores de Matematica e ha mesmo muitos profes-sores a partilhar estas ideias em teoria, mas a realizar praticascontraditorias e, nos corredores, a concordar com os que, forada sua propria actualidade, acham que falta a matematica do

    antigamente, a matematica que nos aprendemos, etc.

    6.1 O que faltou?

    Penso que estas sao as coisas que, a nvel do setimo ano de escolar-idade mais distinguem este programa de programas anteriores. Queme diga que . . . eu gosto do programa, gostava que ele fosse mais pe-queno, fosse mais pequeno . . . especificamente retirar rotinas que sao. . . podem ser feitas de outra forma, continuar a diminuir o trabalhocom as fraccoes, utilizar, por exemplo, nas transformacoes geometricasmuito mais questoes de pavimentacoes que ainda nao sau. Ainda n aosaiu no nosso programa nada sobre pavimentacoes. Temos de facto

    translaccoes, mas pavimentacoes nao temos. E quais sao as figurasque pavimentam? Quais sao as figuras que nao pavimentam? Porque eque nao pavimentam? E todos os dias a gente olha para as pracas dopas, exemplos de figuras interessantes com polgonos que pavimentam epolgonos que n ao pavimentam, figuras geometricas que nao polgonos,com curvas e tal, umas que pavimentam outras que nao pavimentam.Porque?

    No domnio dos exemplos, das coisas que faltaram a Raul Car-valho, intervencoes exteriores aos programas e adequacoes provo-cadas pelo DEB produziram alteracoes. Algumas publicacoes doPET (Programa Educacao para Todos), que, por serem oficiais,

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    acabam por integrar o que para os professores e o programa, in-duziram as abordagens com pavimentacoes, por exemplo.

    7 Constrangimentos

    7.1 sobre a equipa do programa.

    Em relacao aos programas, nunca nos foram postas imposicoes facamdesta maneira ou facam da outra - foi a equipe que se criticou a sipropria, foi a equipe que decidiu o que e que devia sair nos programas

    sem qualquer interferencia superior. Houve . . . Sim, os documentosgerais da reforma. Achei mal de partida e alias esta-se a ver agoraum dos resultados nao haver sistema de avaliacao. Nao havia um sis-tema de avaliacao geral. E como nao havia um sistema de avaliacaogeral, nao se podia fazer o da Matematica. Eu lembro-me que fiz ateuma proposta do sistema de avaliacao geral para depois se poder, en- fim, . . . eu acho que um programa, um currculo tem que ter a par-tida logo o sistema de avaliacao definido. . . e preciso saber as regras...isso, de facto, nao havia.. . Houve muita confusao em termos dedirectivas, perdeu-se muito tempo em termos de directivas na equipe deMatematica, pelo menos eu acho que nas outras.. . perdeu-se muitotempo naquele incio, porque nao se sabia bem se devamos partir deuma maneira, se devamos partir do perfil do aluno , se devamos par-tir de objectivos, se que. . . Nao e? Um dia trabalhavamos com o perfil,

    no dia seguinte chegavamos e ja nao era o perfil que interessava, eramos objectivos. . . Portanto, no primeiro perodo foi um perodo de per-feita confusao. Depois, comecou-se a trabalhar um bocadinho melhor econseguiu-se chegar ao fim. Mas houve uma grande confusao no inciopor falta de directivas . . . um bocado a portuguesa, como . . . Mas naohouve constrangimentos do ponto de vista nao devem dar isto, devemdar aqueloutro. Procuramos algumas poucas ligacoes interdisciplinarescom outras...E so tivemos uma reuniao com a Fsica, com os autoresda Fsica, n ao tivemos com mais . . . com a primeira equipe de autoresde Fsica, cujos programas as tantas nao foram aceites, e nao houve . . . foi outra equipe que fez. Nao,.. . mas nas nao houve constrangimentosdesse tipo.

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    16 7 CONSTRANGIMENTOS

    (. . . ) Os documentos essenciais usados nos programas foram quatrodocumentos que passo a citar: as Normas para o ensino da Matematicaque estao traduzidas, nos traduzimos na APM, os Standards da NCTMque indicam qual deve ser o caminho que os curricula de Matematicadevem tomar ate ao ano dois mil; o Relatorio do ICME, da reuniaode . . . que se chama Matematica nos anos 90; o Relatorio Cockcroft,o relatorio do ingles que foi publicado, salvo erro, em 89 e que temtambem umas indicacoes do que e que deve ser o ensino da Matematicanesses anos; e um documentosinho que foi produzido numa reuniaoque houve sobre os novos programas de Matematica em Vila Nova deMil Fontes, onde estivemos durante uma semana, aquartelados la nocolegio, pronto e houve um documentosinho que se produziu tambemcom indicacoes. Estes foram os principais documentos. Depois ha

    os documentos acessorios que a gente vai trazendo do estrangeiro epronto. . . fizeram-se varias traducoes, porque as pessoas liam mal oingles, eu pr oprio fiz varias traducoes do ingles e fomos apresentandoos subsdios dos documentos.(. . . )

    Ficamos a saber que, no clima de reforma que se estava a viver, naohavia constrangimentos polticos a capacidade de decisao dos au-tores (tecnicos) relativamente a seleccao dos temas e as metodolo-gias das abordagens. E ficamos a saber como foi importante paraa mudanca o movimento dos professores que a Associacao de Pro-fessores de Matematica representava nessa altura e a ausenciaquase total de ,documentos das universidades e das sociedadescientficas portuguesas, particularmente da Sociedade Portuguesade Matematica.

    7.2 . . . no manual

    Em relacao a editora, bom,. . . ha constrangimentos... . Primeiro grandeconstrangimento que nos tivemos: trabalhamos a duas cores, o que fezcom que, por exemplo, o nosso livro tivesse uma quebra em relacaoao anterior fabulosa, da ordem dos quinhentos por cento. Estamos arecuperar agora no segundo livro. Pelos dados que tenho, ha muitasescolas que nao aprovaram o nosso livro, o Aventura Sete, mas que ooito ja aprovaram. O oito tem uma qualidade grafica muito diferente, e

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    7.2 . . . no manual 17

    a cores e pronto! O que e um facto e que saram treze livros diferentesde Matematica, nao e? O que e um facto e que houve editoras, como. . . , que apostaram numa qualidade grafica muito boa, com grandesdespesas a nvel grafico e nao sei como livros nao muito mais carosdo que o nosso so a duas cores. Nos discutimos isso com a editora,avisamos que a concorrencia ia ser diabolica e que nos nao devamos. . . Houve reaccoes de ...digamos...de fieis utilizadores da coleccao. . . que criticaram a editora, achando que o livro e um livro muito bome e irrepreensvel do ponto de vista cientfico, mas que, de facto perdeupelo facto de nao ser a quatro cores e houve muitas situa coes em queo livro foi posto de parte sem ser lido por nao ser a cores.. . portantonem sequer entrou na corrida para a seleccao.

    Sabemos, no entanto, que ha muitos professores que utilizam este livrona preparacao das suas aulas. O que, pronto para nos, por um lado, euma honra, e pena a alegria nao ser comedoria, porque isso nao nos dadinheiro. . .

    Do ponto de vista cientfico e ate metodologico nao houve quais-quer constrangimentos. Nao houve quaisquer constrangimentosrelativamente a inovacoes radicais ou diferencas em relacao a man-uais de sucesso da epoca. Houve limitacoes postas pela editora naexecucao do projecto que prejudicaram a visibilidade do livro noconjunto da oferta que ja.

    Mas ha constrangimentos. Um deles, e absolutamente necessarioda-lo a conhecer:

    Ha ainda uma coisa que te queria dizer e ja me estava a esquecer dedizer neste aspecto dos constrangimentos: e que, entre outros, temos umconstrangimento na nossa editora - divulgacao, ma non tropo - as ed-itoras, a nossa editora, por enquanto, porque provavelmente vai deixarde ser. . . a nossa editora tem considerado que os professores, nalgunscasos e capaz de ter razao, os professores sao altamente reaccionariosdo ponto de vista de tudo. . . tem medo, ficam inseguras se as coisasmudam. . . tem rotinas ja feitas, mudam o programa, depois ficam logoaflitas, sera que eu vou ser capaz disso. . . tenho que utilizar maquinasde calcular e eu nunca usei maquinas de calcular, computadores, morte. . . as pessoas tem de facto este tipo de reaccao. Porque? E necessario fazer formacao de professores, e necessario ajudar os professores a ul-

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    18 8 E O CONTROLE DOS MANUAIS?

    trapassar isso, atraves da formacao . . . Entao, por via disso, ele achamque os livros nao podem nunca ser inovadores, ou seja, nao podemtransmitir muita inovacao.. . Dou-te um pequeno exemplo. Quandonos lancamos o M7, lancamo-lo com um pequeno livro de actividadesou exerccios. O M7 de exerccios tinha, no final de cada captulo, umarubrica chamada Esta agora! que era um problema, um problema quepodia nao ser cientfico, eum problema que n ao tinha uma rotina queo pudesse resolver. . . nao havia um sistema de equacoes para resolver,nao havia nada . . . o problema tinha de ser resolvido como o problemadas moedas poem-se nao sei quantas moedas num dos pratos de umabalanca e depois nao sei que. . . depois ha uma moeda falsa, uma serie decoisas que tinham a ver com o raciocnio, com uma serie de estrategiasque se tinham que seguir, tinham a ver com o que e de facto a res-

    olucao de problemas. Mas o que sucedeu foi que houve professores quevieram ter comigo para tirar duvidas. Porque? E pa e que um aluno mechateava e eu nao sei resolver aquilo .E depois como nao posso dizerque nao sei resolver tenho que os enganar, dizer que na proxima sem-ana resolvo isso e nao que. . . Isto e uma realidade, professores do . . .de escolas conceituadas, professores conceituados que nos pediram pararetirar dos livros isso. Pronto e agora tu ficas numa situacao que...ou retiras ou nao retiras, nao e? Se n ao retiras, e muito provavel queno ano seguinte o livro nao seja escolhido naquela escola, nao e? E seretiras ficas de mal com a tua consciencia, porque achavas que estavasa prestar um servico a Matematica, a ajudar as pessoas a . . . aquilonao e curricular, nao e nada,. . . mas caramba a Matematica nao temque ser curricular so, tem que ser desenvolvimento das capacidades deraciocnio do individuo, nao e? Aquilo nao e Matem atica, porque a

    Matematica,. . . so e Matem atica quando conduz o pessoal a sete quin-tos com oito vinte e quatro avos, nao e? Se nao, nao e Matem atica,estas a ver?

    8 E o controle dos manuais?

    ( . . . ) H a aqui toda uma coisa perversa que e que quem escolhe o livronao e o aluno. Quem escolhe o livro e o professor. Pronto! e o professorescolhe o livro, de acordo com criterios tambem. . . que tem a ver. . .com muita coisa . . . e as vezes degradante. . . e o criterio que nao tem

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    criterio, h a muita gente que escolhia o nosso livro, porque eram nossosconhecidos, como ha muita gente que escolhia o nosso livro, porqueachava que o livro era bom, como ha muita gente que escolhe outrolivro, porque acha que o livro e bom, analisa o livro e acha que o livroe bom. Pelo menos.

    . . . N ao ha um criterio, nao ha uma definicao .. . continuam, porexemplo, a escolher-se livros que afirmam, no 7oano de escolaridadee no 8o ano de escolaridade, que dois angulos de lados paralelos saoiguais. Esta escrito no livro. Quer dizer, nao distingue sequer se osangulos sao agudos ou se sao ambos obtusos.. . ou se sao um agudo eoutro obtuso. . . . Quer dizer, afirma isso no 7oano e volta a afirma-lono 8oano,...nao e lapso, e mesmo ignorancia, nao e? E esses livros

    continuam a, continuam a ser utilizados.O que de facto acho e que os livros aparecam com erros e nao sejamcriticados, o que eu acho mal e que nao haja malhas de observacaodos livros obrigatorias, e quando se escolhe um livro escolar seja feitauma acta da escolha do livro escolar em que essa grelha que devia serestudada por uma equipa, do Ministerio ou por equipas regionais coma presenca de professores, que chamassem professores das escolas que fizessem passar uma grelha experimental um ano e experimentar comum livro e depois no ano seguinte tal e cada grupo, ao escolher umlivro, fosse preenchida aquela grelha . . . escolhemos o livro tal porque foi aquele que teve melhor pontuacao nesta . . . nas grelhas.. . E porisso e que as editoras mandem os livros para la.. . O livro tem erroscientficos ou n ao tem erros cientficos, quais?

    Bom indicam . . . tem que provar que e erro cientfico, nao vale a penadizer que o livro tem erros cientficos, mas quais, quais sao ...assime que era um processo claro, facil de fazer.. . nao se percebe porquee que n ao se faz. . . Eu nunca o fiz, nunca propus isso, porque sou au-tor de livros, alias nao me compete a mim fazer. Eu e o Paulo nuncaquisemos encetar essa discussao porque somos fundadores da APM eporque quisemos que a revista.. . ha muitas pressoes para que a revistada APM tratar esse assunto e nunca quisemos que esse assunto fossetratado na revista com medo que isso fosse conotado com a nossa pre-senca na... e ha imensas pressoes de muitos professores que queriamver isso tratado na revista. . . .

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    20 9 A COR NOS LIVROS

    O que se passa para que nunca se tenha criado uma comissaotecnica que servisse para fazer uma observacao dos manuais aindaque a um nvel grosseiro? Porque e que ate aos dias de hoje, naofoi possvel pegar nos manuais de um dos anos de lancamento erealizar uma verificacao? Nunca saberemos porque. Mas sabemosque a liberdade do mercado e a accao dos professores nas escolasnao chegam para garantir a qualidade mnima a cada um dosmanuais postos a venda e adoptados.

    Outra questao sem resposta: Sera algum dia possvel que sejam osestudantes a escolher o manual? Bastara para isso que os manuaissejam livros de Matematica independentes da leccionacao dos pro-

    fessores, independentes do programa e sem ser necessaria qualqueradopcao por parte das escolas?

    Isto provavelmente agucaria o mercado, tornando mais arriscadaa oferta e mais livre a procura, obrigando os professores a umdiscurso autonomo feito sobre os programas. De certo modo, de-sejaramos que os manuais fossem outra coisa que nao a descricaode um metodo para a leccionacao pelo professor ou de estudo parao aluno e antes outra coisa que ninguem quer dizer o que seja.

    9 A cor nos livros

    (.. . ) Em termos de livro, o que nos procuramos fazer e saber o quee que se est a a passar no exterior e portanto compramos sempre livrosespanhois, ingleses, franceses, mais ou menos estes cujos programasnao andam muito longe dos nossos programas. Isto para vermos astendencias em termos de formato, as tendencias em termos de cor, astendencias . . . porque a questao da cor e uma coisa que. . . a cor e umacoisa muito difcil de utilizar. Eu dou-vos um pequeno exemplo. Poracaso, acho que. . . Mas o ano passado sau um livro, alias dos autores,dos autores do programa tambem, Francelino Lopes e Jose Burnay, queeste ano sau muito mais, muito mais bonito. . . Se verificares, o livrodo 7o ano e um livro a quatro cores, em que a cor esta utilizada da formamais horrorosa que podes imaginar. Por exemplo, tem paginas em verde

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    alface. E incrvel o verde alface e imagina que queres definir o que eo maximo divisor comum e o maximo divisor comum aparece em verdealface, quer dizer, o resto aparece a preto e o que se pretende destacaraparece na cor que nao se ve que e o verde alface. Isto e perverso, n aoe? Porque a gente quando utiliza a cor, utiliza a cor no sentido dechamar a atencao, de ressaltar. Ora ali,. . . e quase uma branca, nao e?O . . . n ao sei que, nem se percebe bem o que e . . . se a luz nao for boa,nem se consegue ler , nao e? e n ao sei que n ao sei que mais. Isto e paramostrar que nao e s o por um livro ter cor . . . Se tu estas a trabalhar. . . com uma coisa que e falar de uma desigualdade triangular, aquiquando a gente olha para isto sabe o que e a desigualdade triangular eno entanto esta preto. Sera melhor isto ou sera melhor por aquilo umverde alface? Ou mesmo este azul clarinho? Eu, por exemplo, pus este

    azul clarinho.

    O problema da linguagem global dos livros escolares, desde a ap-resentacao dos assuntos em Portugues, ate a legibilidade graficae objecto de polemica e ate de despachos normativos (particula-mente em referencias a coerencia (e consistencia) entre as figurasou ilustracoes e o corpo do texto explicativo). E uma questao emaberto, mas que tem evoludo no sentido positivo. Ha menos fig-uras a induzir erros ou interpretacoes erradas no conjunto dosmanuais. Alturas houve em que o predomnio da moda e daliberdade dos designers graficos e ilustradores na concepcaodos manuais sacrificaram a clareza e rigor do manual a criacaode um objecto artstico apetecvel. Os exemplos mais flagrantes

    podiam ser encontradas em bonitas imagens livres que n ao re-speitavam escalas ou proporcoes quando isso era decisivo para acompreensao dos conceitos em estudo. A Estatstica era um doscaptulos propcios ao disparate na ilustracao.

    Imaginem as ilustracoes a que se refere Raul Carvalho:

    Falando de Estatstica. A gente vai para livros dos mais vendidos nopas e vai, por exemplo a Estatstica e verifica que, quando se dao ex-emplos que . . . salvo erro, uma bomba de gasolina em que se diz que estabomba de gasolina. . . para mostrar que (. . . )num ano vendeu o dobro dagasolina que no ano anterior apresenta uma bomba de gasolina com o

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    22 10 E A COR DA VIDA.. .

    dobro da altura e o dobro da largura em relacao a anterior, ou seja como quadruplo da area,

    (. . . )Imagina um outro problema com automovel: reduza para metadeos seus gastos de gasolina com o novo XXGT! Passe dos 10 aos 5 litrosaos 100km! Isto nao e verdade, a ideia com que se fica e que se gastamuito menos gasolina, nao e que se gaste metade.

    (. . . )Isto e imperdoavel que saia em livros escolares . . . e porque sevendem e os professores aprovam, nao e? S ao erros cientficos graves,que induzem em erro e um dos cuidados que a gente deve ter na Es-tatstica precisamente e a mentira com a Estatstica, porque a Es-tatstica tambem serve muito a publicidade

    10 E a cor da vida. . .

    Acabei por disponibilizar neste texto, a quase totalidade da en-trevista. Espero que sirva para refrescar as memorias e refrescara memoria sobre o conversador Raul Fernando Carvalho. Paramim, esta conversa (e outras tambem) foi agradavel e inspiradora.Nao so pelo seu conteudo e pelas opinioes divergentes das minhasopinioes de entao o que tornaca a conversa ainda mais aliciantes,mas pelo tom e pela energia que brotava do Raul. So lamento naosaber despejar essa cor por dentro deste texto.

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    11 Bibliografia referida ou sugerida:

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    AAVV (1987). Documentos Preparatorios I. GEP/ME. Lisboa,Ministerio da Educacao. 1: 257,

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    Abrantes (1986). Estatstica no ensino secundario: uma oportu-nidade para renovar. PROFMAT86. Portalegre, 93 - 107,

    Almedina (1989). Constituicao da Republica Portuguesa - 2a Re-visao. Coimbra, Livraria Almedina. 126,

    APM (1988). Renovacao do Currculo de Matematica. Seminariode Vila Nova de Mil Fontes, Associacao de Professores de Matematica.89,

    Bouvier(coord) (1986). Didactique des Mathematiques. CEDIC/Nathan.,

    Carvalho (1985). Divulgacao e Intercambio culturais: As relacoescom organismos internacionais. O Futuro da Educacao nas novascondicoes sociais, economicas e tecnologicas. Aveiro, 377-390,

    Carvalho (1986). Estatstica, Portugues e Computadores. Prof-

    Mat. Portalegre, PROFMAT. 2: 82-89,

    Chobaux (1977). Linnovation a l ecole elementaire: analyses etreflexions. ECOLES DE DEMAIN? (COPIE). Paris, Delachauxet Niestle. ,

    Cockcroft (1982). Mathematics counts. London: HMSO

    Correia (1993). Inovacao Pedagogica e Formacao de Professores.Clube do Professor/Col. Biblioteca Basica de Educacao e Ensino.ASA. Porto,

    Cortesao (1982). Escola, Sociedade - Que Relacao? Porto: Edicoes

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    24 11 BIBLIOGRAFIA REFERIDA OU SUGERIDA:

    Afrontamento. 253,

    Cortesao (1988). Contributo para a analise da possibilidade e dosmeios de produzir inovacao - O caso da formacao de professores.Universidade do Porto.

    Cortesao (1992). Algumas notas sobre a possibilidade de ocorrenciade Inovacao em Educacao. Sociedade Portuguesa de Ciencias deEducacao.

    CRSE/M.E. (1991). Organizacao Curricular e Programas - En-sino Basico/ 3o ciclo. Lisboa: DGEBS/ME. I: 421,

    DGEBS/ME (1992). Praticas de autonomia. Biblioteca de Apoio

    a Reforma do Sistema Educativo. Secundario. Lisboa, Ministerioda Educacao. 18: 83,

    Fritzell (1987). On the concept of Relative Autonomy in Educa-tion Theory. British Journal of Sociology of Education. 8: 23-35,

    Guimaraes (1993). Inovacao no ensino da Matematica. Quadran-te. 2: 139-152,

    ICMI/CIEM (1972). Tendances nouvelles de lenseignement de laMathematique -Vol III. Lenseignement des sciences fondamen-tales. UNESCO. Paris, UNESCO. III: 151,

    NCTM(1980). An agenda for action. USA, Reston: NCTM

    NCTM (1989). Normas para o Currculo e a Avaliacao em MatematicaEscolar. Lisboa, APM e IIE. 303,

    UNESCO(1979). Tendances Nouvel les de lEnseignement des Math-ematiques. Paris: UNESCO

    Zeichner (1993). A Formacao Reflexiva de Professores: Ideias ePraticas. Educa-Professores. Lisboa., 131.