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BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA5DXO$QWHOR1
O universal o que determina seus prprios pontos como
sujeitos-pensamento,
ao mesmo tempo que ele a re-coleo virtual destes pontos.
Portanto,
a dialtica central do universal a do local, como sujeito, e do
global, como
procedimento in% nito. Esta dialtica o pensamento mesmo.
Alain Badiou. Oito teses sobre o universal2
Humanismo, etnocentrismoQuais so os valores que podemos chamar
de europeus? Via de regra,
DUPDVHTXHHOHVFRLQFLGHPFRPDWUDGLomRMXGDLFRFULVWmHRHVFODUHFLPHQWRfranco-alemo.
s vezes, inclui-se tambm o direito romano e o liberalismo britnico,
de sorte que, quando invocamos valores europeus, pensamos,
nor-malmente, em direitos humanos, democracia, tolerncia em relao
ao diverso e abertura a outras culturas. Mas, a rigor, trata-se,
sem dvida, de reivindicaes XQLYHUVDOLVWDVTXH HPERUD VH
DUPHPFRPRHXURSHLDV QmR VmRGHVDFDWDGDVpor culturas no europeias. Ou
por outra, enfatiza-se o carter europeu de tais postulados
justamente quando a prpria ideia de Europa sofre constantes e nem
sempre desejveis mutaes. J em plena crise do capitalismo, em 1930,
o URPDQLVWDDOHPmR(UQVW5REHUW&XUWLXVMXVWLFDYDVHXEssai sur la
France com o
2 BADIOU, Alain. Oito Teses sobre o Universal in Revista Ethica.
Cadernos acadmicos. Trad. Norman Madarasz. vol. 15, n. 2, 2008, p.
41-50.
1 Raul Antelo (1950) professor titular de literatura brasileira
na Universidade Federal de Santa Catarina.
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8 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
argumento de tentar a reconstruo do patrimnio comum, a Europa, e
assim evitar que nossa civilizao afunde. Pouco depois, em 1932,
quando redigia um volume HPKRPHQDJHPD$E\:DUEXUJLiteratura Europeia
e Idade Mdia Latina(Europische Literatur und lateinisches
Mittelalter,1948), o prprio Curtius compreendia que, para salvar a
Europa, era necessrio antes salvar a prpria dimenso euro-atlntica
do PpWRGRZDUEXUJXLDQR&RPHIHLWRHPGHPDLRGH$E\:DUEXUJDVVLVWLDDuma
dana kachina, a dana da serpente, em Oraibi, o mais antigo e remoto
vilarejo
KRSLHP7XED&LW\QR$UL]RQD$H[SHULrQFLDHYRFRXOKHLPHGLDWDPHQWHXPDIUDVHda
segunda parte do Fausto de Goethe, Es ist ein altes Buch zu
blttern; von Harz bis Hellas alles Vettern, em outras palavras,
tratava-se de uma histria antiga, a de que, de Harz Hlade, somos
todos primos-irmos. No duvidou, portanto em adaptar
HVVDPHVPDIUDVHFRPR
eDOLomRGHXPDQWLJROLYURRSDUHQWHVFRHQWUH$WHQDVH2UDLEL(VLVWHLQDOWHV%XFK]XEOlWWHUQ$WKHQ2UDLELDOOHV9HWWHUQTXDQGRanos
depois, estampou a epgrafe a seu estudo sobre Imagens da regio dos
ndios 3XHEORGD$PpULFDGR1RUWH OLGR
LQLFLDOPHQWHFRPRFRQIHUrQFLDQR6DQDWyULRKreuzlingen, em 1923, para
demonstrar sua prpria lucidez, e assim reconquistar a liberdade, e
mais tarde estampado, durante a guerra, em 1939, no Journal of the
War-burg InstituteHP/RQGUHVFRPRWtWXOR
$OHFWXUHRQ6HUSHQW5LWXDOXPFOiVVLFRTXHYLULDUHFRQJXUDURVHVWXGRVGHDUWHPHPyULDHSROtWLFD
:DUEXUJSHQVDYDHVVDUHODomRFRPRDOJRGHVFRQWtQXRIUXWRGHFRQVWDQWHPRQ-tagem
e remontagem entre tempos dissmeis, uma vez que a ciso entre arte e
ORVRDSRUH[HPSORPDQLIHVWDULDDLPSRVVLELOLGDGHGHDFXOWXUDHXURSHLDGRPLQDUo
prprio objeto de conhecimento. Essa esquizofrenia do homem
ocidental, como a
GHQRPLQDYDRSUySULR:DUEXUJFRQVLVWLDQXPDFLVmRHQWUHXPH[WUHPRGHr[WDVHinconsciente
e um extremo racional e deliberado, em que nenhum dos dois
consegue, de fato, dominar integralmente o outro. O pensamento no
elabora sua linguagem e, da mesma forma, a arte no pensa sua prpria
potncia. Para diz-lo com as palavras
GHXPGLVFtSXORGH:DUEXUJ*LRUJLR$JDPEHQ
Aby Warburg inaugura aquelas pesquisas que somente a miopia de
uma histria da arte psicologizante pde de#nir como cincia da
imagem, j que, na verdade, tinham no seu centro o gesto como
cristal de memria histrica, o seu enrijecer-se num destino e a
tentativa incansvel dos artistas e dos #lsofos (para Warburg, no
limite da loucura) para libert-lo disso, atravs de uma polarizao
dinmica. Como essas pesquisas atuavam no domnio da imagem,
acreditou-se que a imagem fosse
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
CONFIMBRASIL-EUROPA
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9Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
tambm o seu objeto. Pelo contrrio, Warburg transformou a imagem
(que ainda para Jung fornecer o modelo da esfera metahistrica dos
arqutipos) num elemen-to decididamente histrico e dinmico. Nesse
sentido, o atlas Mnemosyne, que ele deixou incompleto, com suas
cerca de mil fotogra%as, no um imvel repertrio de imagens, mas uma
representao em movimento virtual dos gestos da humanidade
ocidental, da Grcia clssica ao fascismo (isto , algo que mais
prximo a De Jorio3 do que a Panofsky); no interior de cada seo,
cada uma das imagens considerada mais como fotogramas de um %lme do
que como realidades autnomas.4
:DUEXUJWHULDGHWHFWDGRFRPHVVHVVHXVHVWXGRVHXURDWOkQWLFRVGDLPDJHPTXHa
poltica a esfera dos puros meios, ou seja, da mais absoluta,
esquiva e integral gestualidade humana, em uma palavra, da tica e
no s da esttica. Essa deciso implicava no moralizar a respeito do
objeto em estudo. Vale aqui um exemplo.
$GRUQRFRPRVHUHFRUGDUiFRQGHQDYDDDVWURORJLDSRUVHUXPDPHUDVXSHUVWLomRDH[SUHVVmRQHJDWLYDGDRUJDQL]DomRGRWUDEDOKRHPDLVHVSHFLFDPHQWHGDFRP-partimentalizao
da cincia.5:DUEXUJSHORFRQWUiULRHPVXDDQiOLVHGRVGHXVHVolmpicos como
demnios astrais, feita a partir dos afrescos no Palazzo Schifanoia
de Ferrara, inspirados na astrologia clssica, j previra, porm, que
Botticelli recebeu da tradio um conjunto de elementos temticos,
dentre eles, os astrolgicos, que ele mesmo ps a servio de uma criao
fortemente pessoal, cujo estilo dependia de uma renovao sui generis
dessa mesma tradio, em particular, da escultura antiga, que lhe
desvendara que os deuses gregos danavam a sua ciranda, a modo de
Plato nas esferas mais elevadas, hiptese que o levava a reivindicar
uma ampliao das
3 Andrea de Jorio (1769-1851), arquelogo e etngrafo italiano,
autor de La mimica degli antichi investigata nel gestire napoletano
(1832).
4 Aby Warburg avvia quelle indagini che solo la miopia di una
storia dellarte psicologizzante ha potuto de%nire come scienza
dellimmagine, mentre avevano in verit al loro centro il gesto come
cristallo di memoria storica, il suo irrigidirsi in un destino e lo
strenuo tentativo degli artisti e dei %loso% (per Warburg al limite
della follia) per affrancarlo da esso attra-verso una
polarizzazione dinamica. Poich queste ricerche si attuavano nel
medio delle immagini, si creduto che limmagine fosse anche il loro
oggetto. Warburg ha, invece, trasformato limmagine (che ancora per
Jung fornir il modello della sfera metastorica degli archetipi) in
un elemento decisamente storico e dinamico. In questo senso,
latlante Mnemosyne, che egli ha lasciato incompiuto, con le sue
circa mille fotogra%e, non un immobile repertorio di immagini, ma
una rappresentazione in movimento virtuale dei gesti dellumanit
occidentale, dalla Grecia classica al fascismo (cio qualcosa che pi
vicino a De Jorio che a Panofsky); allinterno di ogni sezione, le
singole immagini vanno considerate piuttosto come fotogrammi di un
%lm che come realt autonome. AGAMBEN, Giorgio. Mezzi senza !ne:
Note sulla politica. Turim: Bollati Boringhieri, 1996, p. 49-50
5 ADORNO, Theodor W. As estrelas descem Terra a coluna de
astrologia do Los Angeles Times: um estudo sobre superstio
secundria. Trad. Pedro Rocha de Oliveira. So Paulo: Editora da
Unesp, 2008.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
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10 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
fronteiras metodolgicas da histria da arte.
At hoje, categorias de desenvolvimento insu"cientes tm impedido
a histria da arte de disponibilizar seu material para uma
psicologia histrica da expresso humana ainda inexistente. Com uma
postura exa-geradamente materialista ou mstica, nossa jovem
disciplina obstrui uma viso geral da histria mundial. Tateante,
tenta encontrar entre os esquematismos da histria poltica e as
doutrinas do gnio a sua prpria teoria da evoluo. Com minha
tentativa de interpre-tao dos afrescos no Palazzo Schiafanoia
espero ter demonstrado que s podemos iluminar os grandes processos
evolutivos se nos esforarmos para escla-recer detalhadamente um
ponto obscuro concreto, e isso, por sua vez, s possvel a partir de
uma anlise iconolgica que no se deixa intimidar pelo controle
policial das nossas fronteiras e insiste em contemplar a
Antiguidade, a Idade Mdia e a Modernidade como pocas
inter-relacionadas, investigando as obras de arte autnomas e
aplicadas como documentos expressivos igualmente relevantes (...).
O grande estilo novo, que nos foi legado pelo gnio artstico da
Itlia, estava arraigado na vontade social de libertar a humanidade
grega da prtica medieval e latino-oriental. Com essa vontade para a
restituio da Antiguidade, o bom europeu deu incio sua luta pela
iluminao naquela era de migraes iconogr"cas internacionais, que
hoje talvez com um misticismo exagerado chamamos de poca do
Renascimento.6
Criava assim uma cincia sem nome e um saber sem
6 WARBURG, Aby. A arte italiana e a astrologia internacional no
Palazzo Schifa-noia, em Ferrara. A renovao da Antiguidade pag:
contribuies cient"co-culturais para a histria do Renascimento
europeu. Trad. Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013,
p. 475-476.
WHUULWyULRHVSHFtFRVLWXDGRVMXVWDPHQWHQRVH[WUHPRVGD(XURSDHQWUH$WHQDVH2UDLEL3RULVVRFDEHULDDTXLrelembrar
que, trs anos antes da experincia hopi de
:DUEXUJ7ULVWmRGH$OHQFDU$UDULSH-UGHV-crevia algo semelhante em
termos de obnubilao:
Consiste este fenmeno na transformao por que passavam os colonos
atravessando o oceano Atlntico, e na sua posterior adaptao ao meio
fsico e ao ambiente primitivo. Basta percorrer as pginas dos
cronistas para re-conhecer esta verdade. Portugueses, franceses,
espanhis, apenas saltavam no Brasil e internavam-se, perdendo de
vista as suas pinaas e caravelas, esqueciam as origens respectivas.
Dominados pela rudez do meio, entontecidos pela natureza tropical,
abraados com a terra, todos eles se transformavam quase em
selvagens; e se um ncleo forte de colonos, renovado por contnuas
viagens, no os sustinha na luta, raro era que no acabassem
pintan-do o corpo de genipapo e urucum e adotando idias, costumes a
at as brutalidades dos indgenas.
Esse fato, abonado tambm por Hans Staden, Soares 0RUHQR 3DL
3LQD$QKDQJXHUD H R SUySULR$QFKLHWDatestava que o tal procedimento,
se no por imposio GRPHLRDRPHQRVSRUDUWHUHQDGD WRUQDUDVHXPDlinguagem
local, prpria (uma enunciao local do sujeito,
HXPHQXQFLDGRJOREDOHQTXDQWRSURFHGLPHQWRLQQLWRGLULD%DGLRXDSDUWLUGRTXDO$UDULSHFRQFOXtDTXHDmisso
do taumaturgo brasileiro, como o chamavam,
QDVRUHVWDVGR6XOQmRVHSRGHH[SOLFDUVHQmRSHODVfeitiarias, aceitas ou
habilmente copiadas, dos piagas, e com que ele catequizou os seus
caboclos.72UD:DOWHUBenjamin, em suas notas para o estudo sobre
Paris, capital do sculo XIX europeu, tambm associou a obnubilao
7 ARARIPE, Jr, T. A. Gregrio de Matos. 2 ed., Paris: Garnier,
1910, p. 37-8.
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11Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
com o eterno retorno e a emergncia do arcaico. O mundo da
modernidade, nos alerta, mais de uma vez, um mundo de rigorosa
descontinuidade em que o novo j no o antigo que perdura, nem um
fragmento do passado que retorna. Trata-se, pelo contrrio, de uma
experincia intermitente que ofusca o olhar, uma vez que a
intermitncia faz com que o olhar que deitamos em relao ao espao
descubra
XPDQRYDFRQVWHODomR(HVVDLQWHUPLWrQFLDpDPHGLGDGRULWPRFLQHPDWRJUiFRpor
ele mesmo associada ao problema da origem na arte barroca,8 uma
arte alis
GHH[SDQVmRXOWUDPDULQDHPTXH%HQMDPLQGHWHFWDHQPXPDHQHUJLDHPTXHRpassado
uma sombra; uma nvoa que anuncia o futuro e um presente que no
passa de uma fasca e que apenas ilumina o instante evasivo.
$PDUUDPVH DVVLP IRUWHPHQWH XP UHJLPH GH YLVLELOLGDGH H XPD
OLQJXDJHPartstica; uma instncia subjetiva e uma ordem jurdica. No
por acaso, Oswald de
$QGUDGHSURFODPDUDSRXFRDQWHVHPHQmRVHPFHUWDDUURJkQFLDDUULYLVWDTXHsem
ns a Europa no teria sequer a sua pobre declarao dos direitos do
homem. Mesmo assim, Oswald no podia esconder a relativa pobreza dos
assim chamados direitos humanos, contidos na Declarao de 1789, uma
vez que eles so apenas direitos negativos ou garantias do indivduo,
diante do novo Estado-Nao ps--revolucionrio. Outro tanto caberia
pensar em relao aos trabalhos brasileiros de Lvi-Strauss, que
serviriam de suporte, entre outros, para a teoria do inconsciente
lacaniano, avessa fenomenologia, tal como expressa na famosa
palestra sobre o estgio do espelho (1936), para mais tarde serem
ainda desconstrudos na prtica de um antroplogo como Eduardo
Viveiros de Castro ou mesmo na dos tericos
FRQWHPSRUkQHRV$ODLQ%DGLRX4XHQWLQ0HLOODVVRX[TXHSHQVDPRYDORUGRYLYHQWHDSyVDQLWXGHGRKXPDQR6HMDFRPRIRUQRPGDYLGDRPHVPR2VZDOGWHQWDULDrepensar
a profunda relao que existe entre direitos humanos, cultura,
economia
HFomR(PXPWH[WRFRQVHUYDGRQRVDUTXLYRVGD8QLFDPSHUHGLJLGRDOiSLVHP1950,
o antropfago observa:
Um homem de pendores pedaggicos, formado na leitura dos livros
que perfumam a primeira Idade Mdia, sai de casa, ao claro sol de um
dia til, para endireitar o mundo. E em vez da justeza e da justia,
encontra, j instalados nas cidades e pelos caminhos, o lucro, o
mercado, a inverdade e a subjugao impune do dbil pelo forte.
Houve quem dissesse que a cidade criou uma humanidade especial.
essa humani-
8 BENJAMIN, Walter. Paris, capitale du XIX e. sicle. Trad. J.
Lacoste. 2 ed. Paris: Les ditions du Cerf, 1993, p. 840.
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12 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
dade especial amparada nas diferenas da economia e do haver que
o cavaleiro tardio vai encontrar. Em meio das instituies do
patriarcado, o que perdura da dramtica desiluso do velho e anulado
lutador ainda o ideal lrico dos trovadores do matriarcado aquela
Dulcinia radiosa que presidiu a todo um perodo humano de cinco
sculos.
Como se v, desde os (ns da Alta Idade Mdia duas atitudes se
acentuam no correr da vida europia. Uma ainda expressa em sentena
contra a acumulao, j no sculo XIII, pela ingenuidade de Santo Toms
de Aquino. O dinheiro s existe para ser gasto (Usus pecuniae
ipsius) quer dizer : para no ser capitalizado. A outra, pouco
depois dessa poca, na mesma bela terra de Itlia, ditada pelo
-orentino Alberti, que deixou dos melhores e mais completos
documentos sobre o (m da Idade Mdia e o comeo do capitalismo
burgus. (...) Fora-se portanto aquela boa ambio, comum aos povos
naturais, que, entre outros, os germanos fronteirios do Imprio
Romano exprimiam em ter adornos, baixelas e jias em metais e pedras
preciosas. Agora j o puro som do capitalismo com o claro fenmeno
que se expressa na alta conscincia desse grande -orentino Alberti,
posto em relevo pelo estudo clssico de Werner Sombart, sobre o
burgus. J o amoedamento que preocupa os espritos e a usura que dele
se usufrui, bem longe dos tempos em que se acumulavam tesouros,
tendo em vista o metal como metal e no as suas mir(cas
possibilidades de transformao em moeda. quando o humanista Erasmo
grita que todos obedecem ao dinheiro (Pecuniae obediunt omnia). O
egosmo j se exprime neste curioso adgio: Quem no encontra dinheiro
na prpria bolsa, muito menos o encontrar na bolsa alheia.9
2VGRLVSULQFtSLRVGHHFRQRPLPHVHVmRSRUWDQWRRGH6DQWR7RPiVGH$TXLQRo
dinheiro s existe para ser gasto ou Usus pecuniae ipsius, e o de
Erasmo, que curiosamente d nome s bolsas de estudo europeias, de
que todos obedecem ao dinheiro, pecuniae obediunt omnia.
sintomtico, porm, que Oswald j detecte
HVVHFRQLWRHQWUHGRLVPRGRVGHSHQVDUFomRHSROtWLFDMXVWLoDHHFRQRPLDQDGDmenos
do que no Quixote, romance marcado por essa personagem, fantasia,
ou mera imaginao, que abandona o lar para endireitar a vida, mas,
em vez da justia, encontra, instalados no mundo, o lucro, o
mercado, a inverdade e a subjugao
9 ANDRADE, Oswald. O antropfago in BOAVENTURA, Maria Eugnia
(org.). Esttica e poltica. So Paulo: Globo, 1992, p. 267-268.
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LPSXQHGRGpELOSHORIRUWH/HQGRjpSRFDXPIUDJPHQWRGH0DU[HPTXHVHDUPDque
todos os sentidos fsicos e intelectuais foram, pela via da alienao,
substitudos pela ideia da propriedade, Oswald anota margem que o
haver condiciona o pensar.10
6LPXOWDQHDPHQWHSRUpPXPOLEHUDODQDUTXLVWDIUDQFrVFRPR3DXO9DOpU\HVWXSHIDWRGLDQWHGDH[SHULrQFLDGHGXDVJXHUUDVVHJXLGDVDFRQDJUDUHPRFRQWLQHQWHTXDVHVXVSLUDQGRDOLYLDGRGLUi
/kJHGXPRQGHQLFRPPHQFH11
Lge du monde (est) nie Essa ideia de que OkJHGXPRQGHHVWQLH, e de
que, como previra pouco depois
$OH[DQGHU.RMqYHDJOREDOL]DomRpDULJRUSyVKLVWyULFDWHPSURYRFDGRXPDVpULHGHposies
divergentes a respeito do que deveramos entender como
multiculturalismo. Um professor italiano de Stanford, Franco
Moretti; uma autora francesa, continua-dora das teses de Pierre
Bourdieu, Pascale Casanova; e mesmo um comparatista de
+DUYDUGFRPR'DYLG'DPURVFKGHQHPDFXOWXUDPXOWLFXOWXUDOGRPRQGHQL como
world literature. Todavia um dos mais notveis referentes do
marxismo acadmico norte-americano, Fredric Jameson, inclina-se,
porm, por uma noo mais ampla de global
literatureHDLQGDTXHWHQKDSURSRVWRDSUREOHPiWLFDFDWHJRULDXQLFDGRUDde
alegorias
nacionaisSDUDWRGDVDVFo}HVGR7HUFHLUR0XQGRFKHJRXPHVPRDDUPDUHPUHODomRjREUDLQRYDGRUDGHXPFLQHDVWDFRPR$QGUHL6RNKXURY12
que ele ilustraria um modernismo tardio, que no seria seno um
simples equivalente no-sincrnico da literatura do imediato
aps-guerra, com a ressalva, porm, de operar, em Sokhurov e em
outros artistas como Manoel de Oliveira, uma profunda dessacralizao
ou profanao do valor de culto do alto modernismo, ideia parado-xal
que, na verdade, derruba a noo anterior de equivalncia. Outro
comparatista
GH0LQQHVRWDRSyVJUDPVFLDQR7LPRWK\%UHQQDQWHPDERUGDGRDSUREOHPiWLFDem
termos de um cosmopolitanism13 que guardaria uma certa relao com as
posi-o}HVGRVVXEDOWHUQLVWDVDWLYRVQRV(VWDGRV8QLGRVGHQWUHHOHV:DOWHU0LJQRORGH
10 DENIS, Henri. Humanisme et matrialisme dans la pense de Karl
Marx. La pense, Paris, n. 14, Paris, set-out 1947, p. 52.
11 VALRY, Paul. Regards sur le monde actuel in Oeuvres. Ed. Jean
Hytier. Paris: Gallimard, 1960, vol. II, p. 923.
12 Cf. JAMESON, Fredric. History and Elegy in Sokhurov, Critical
Inquiry, n. 33, outono 2006, p. 1-12; IDEM. New Literary History
after the End of the New. New Literary History, vol. 39, n. 3, vero
2008, p. 375-387.
13 Cf. BRENNAN, Timothy. At Home in the World: Cosmopolitanism
Now.Cambridge: Harvard University Press, 1997; IDEM. Cosmopolitismo
e internacionalismo, New Left Review, n. 7, 2001; IDEM. Running and
Dodging: The Rhetoric of Doubleness in Contemporary Theory. New
Literary History, vol. 41, n. 2, primavera 2010, p. 277-299.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
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Duke.14 Mas h sinais tambm de um transnacionalismo literrio ou
cosmopolitismo do
pobreHQWUHRVSUDWLFDQWHVGHDOJXPWLSRGHGHVFRQVWUXomRFRPR*D\DWUL6SLYDN15
Hillis Miller16 ou Silviano Santiago.17 No caso do crtico
brasileiro, a cena cindida do contemporneo levaria a discriminar, a
seu ver, duas polticas com relao ao tempo, a memria involuntria de
Proust e o anacronismo deliberado de Borges. Caberia ainda
mencionar, neste rpido levantamento das posies reconhecveis quanto
ao multiculturalismo contemporneo, a tese de uma literatura
diasprica, mais prxima da tradio letrada, em autores como Edward
Said ou Homi Bhabha, e outra mais DEHUWD D OLWHUDWXUDVPHQRUHV HP
FUtWLFRV FRPR 6WXDUW+DOO RX -RVHQD
/XGPHU(PkPELWRHVSHFLFDPHQWHHXURSHXeWLHQQH%DOLEDUDUJXPHQWDHPNous,
citoyens dEurope? (2001), que o ingls, considerado como world
language, no poderia ser a linguagem da Europa e, em compensao,
prope, para essa inter-nao continental, um sistema, em transformao
constante, de usos hbridos (usages croiss), que no
HVWiPXLWRORQJHGDTXLORTXHDFRPSDUDWLVWDDPHULFDQD(PLO\$SWHUSRUVXDYH]GHQRPLQDXPDQRYDOLWHUDWXUDFRPSDUDGDGHQLGDDSDUWLUGHXPFRQFHLWRplane-trio
de crtica, focado, basicamente, em direo translatio disseminada,
para a qual, alis, no poucos so os antecedentes latino-americanos
que poderamos resumir no conceito de crioulizao ou
autofantasmagorizao enunciativa, atravs do qual desconstri-se, nos
fatos, o universalismo formal-ideal do eurocentrismo
historicista.18
Todas estas hipteses, conquanto diversas entre si, marcam, porm,
de algum modo,
DLGHLDFRPSDUWLOKDGDGDLPSRVVLELOLGDGHGHXPWHPSRGLIHUHQFLDO$PXQGLDOL]DomR
14 Cf. MIGNOLO, Walter. Herencias coloniales y teoras
postcoloniales in GONZALEZ, Beatriz (ed.). Cultura y Tercer Mundo.
1. Cambios en el saber acadmico. Caracas: Nueva Sociedad, 1996;
IDEM. Gopolitique de la connaissance, colo-nialit du pouvoir et
diffrence coloniale. Multitudes, Paris, set. 2001, p. 56-71; IDEM.
Posoccidentalismo: las epistemologas fronterizas y el dilema de los
estudios (latinoamericanos) de rea in SANCHEZ PRADO, Ignacio.
Amrica latina; giro ptico. Puebla: Universidad de las Amricas,
2006, p.191-217.
15 SPIVAK, Gayatri Chakravorty. An Aesthetic Education in the
Era of Globalization. Cambridge: Harvard, 2012; IDEM e DAMROSCH,
David. Comparative Literature/World Literature: A Discussion with
Gayatri Chakravorty Spivak and David Damrosch. Comparative
Literature Studies, vol. 48, n. 4, 2011, p. 455-485.
16 MILLER, J. Hillis. How To (Un)Globe the Earth in Four Easy
Lessons. SubStance, vol. 41, n. 1, Issue 127, p. 15-29.
17 SANTIAGO, Silviano. O entre-lugar do discurso
latino-americano in Uma literatura nos trpicos. So Paulo,
Perspectiva, 1978, p. 11-28; IDEM. O cosmopolitismo do pobre. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2005; IDEM. Ora (Direis) Puxar
Conversa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006.
18 APTER, Emily. The translation zone. A new comparative
literature. Princeton: Princeton University Press, 2006, p.10-11;
IDEM. Untranslatables: A World System. New Literary History, vol.
39, n. 3, vero 2008, p. 581-598. Um exemplo disso: HANSSEN, Jens.
Kafka and Arabs. Critical Inquiry, vol. 39, n. 1, outono 2012, p.
167-197.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
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15Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
como se sabe, homogeneiza tempo e espao e, muitas vezes, em sua
crtica, redun-damos no problema de pensar um tempo, simultneamente,
marginal e subalterno, mas tambm distante e no-integrado. Portanto,
gostaria de enfatizar a problemtica do anacronismo como um peculiar
campo de tenses temporais, onde, em ltima instncia, se conformam as
novas identidades e valores da cena contempornea. Como sabemos, o
problema do anacronismo , em grande parte, suscitado, na cultura
ps-autonmica, pelo imperativo da imagem.19 No podemos desconhecer,
nesse sentido, os trabalhos seminais de Georges Didi-Huberman,20
quem tem analisado, em suas ltimas obras, uma presena fantasmtica,
apolneo-dionisaca, justamente
DSDUWLUGRVSLRQHLURVSURMHWRVKLVWyULFRDUWtVWLFRVGH$E\:DUEXUJ1HVVHVHQWLGRa
frmula expressiva ou Pathosformel,como frmula atemporal de
representao de experincias genricas da humanidade, um conceito
extremamente relevante, que se alimenta tanto das contribuies da
psicanlise, quanto do mtodo histrico de Benjamin. Um dos mais
eruditos especialistas latino-americanos nessa questo, Jos
(PLOLR%XUXF~DGHQHWDLVIyUPXODVFRPRXPFRQJORPHUDGRGHIRUPDVUHSUHVHQ-WDWLYDVHVLJQLFDQWHVKLVWRULFDPHQWHGHWHUPLQDGRQRPRPHQWRGHVXDSULPHLUDsntese,
que refora a compreenso do sentido do representado mediante a induo
de um campo afetivo, no qual se desenvolvem as emoes precisas e
bipolares que uma cultura enfatiza como experincia bsica da vida
social. Cada Pathosformel se transmitiria, portanto, ao longo do
tempo pelas geraes que, progressivamente, constroem um horizonte de
civilizao, atravessando etapas de latncia, de recupe-rao, de
apropriaes entusiastas e metamorfoses. Em suma, ela uma
caracterstica fundamental de todo processo civilizatrio
historicamente singular.
$SDUWLUHVSHFLFDPHQWHGHXPGRVWUDEDOKRVGH:DUEXUJDPathosformel da
Ninfa, que mostrou a pungncia dessa frmula como ncleo da experincia
humana que
GHQHRFDPSRHXURDWOkQWLFRGDVFXOWXUDVGH2FFLGHQWHQDORQJDGXUDomR%XUXF~DGHVWDFDVXDHPHUJrQFLDHPXPDREUDUHFHQWHGH5REHUWR&DODVVR21
que corrobora,
DOLiVDVFRQFOXV}HVGH:DUEXUJPDVDHODSRGHUtDPRVDFUHVFHQWDULJXDOPHQWHDGH
19 ATTRIDGE, Derek. Context, Idioculture, Invention. New
Literary History, vol. 42, n. 4, outono 2011, p. 681-699.
20 DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. So
Paulo: 34 Letras, 2000; IDEM. Devant limage.Paris: Minuit; IDEM.
Ante el tiempo. Historia del arte y anacronismo de las imgenes.
Trad. O. Oviedo Funes. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2005; IDEM.
Limage survivante. Histoire de lart et temps des fantomes seIon Aby
Warburg. Pars: Minuit, 2002; IDEM e NOUDELMANN, F. Image, matire:
immanence. Rue Descartes, n. 38, Paris, dez 2002, p. 86-99.
21 Cf. CALASSO, Roberto. La follia che viene dalle Ninfe, Milo:
Adelphi, 2005.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
BRASIL-EUROPA
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16 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
*LRUJLR$JDPEHQTXHPDSDUWLUGHXPYtGHRGH%LOO9LRODUHFXSHUDWDPEpPDTXHV-WmRGDLPDJHPWDOFRPRGHVHQYROYLGDSRU:DUEXUJPDVFUX]DQGRDSRUpPFRPDVFRQWULEXLo}HVGH*X\'HERUGVREUHDPXQGLDOL]DomRHQWHQGLGDFRPRVRFLHGDGHGRespetculo.22
Quanto ao prprio Buruca, ele no desconhece os usos, digamos assim,
an-histricosRXPHVPRDFU{QLFRVGDWHRULDGH:DUEXUJIHLWRVSRUVHXVGLVFtSXORVGDHVFRODLQJOHVDFRPR)ULW]6D[ORX(UZLQ3DQRIVN\23
Mas, a seu ver, a questo que se
FRORFDpHVVDFLVmRIXQGDPHQWDOHQWUHGRLVWHPSRVRXGRLVULWPRV$HVVHUHVSHLWRcabe
lembrar a anlise do antroplogo Boaventura de Sousa Santos, para
quem o
%UDVLOFRQWHPSRUkQHRWHQWDFRQLWLYDPHQWHLQWHJUDUWUrVWHPSRUDOLGDGHV
A primeira a narrativa da excluso social (um dos pases mais
desiguais do mundo), das oligarquias latifundirias, do caciquismo
violento, de elites polticas restritas e racistas, uma narrativa
que remonta colnia e se tem reproduzido sobre formas sempre
mutantes at hoje. A segunda narrativa a da reivindicao da
democracia participativa que remonta aos ltimos 25 anos e teve os
seus pontos mais altos no processo constituinte que conduziu
Constituio de 1988, nos oramentos participativos sobre polticas
urbanas em centenas de municpios, no impeachment
22 Cf. AGAMBEN, Giorgio. Ninfe. Turim: Bollati Boringhieri,
2007. J em um ensaio de 1975, Aby Warburg e la scienza senza nome
(hoje includo em La potenza del pensiero: saggi e conferenze.
Vicenza: Neri Pozza, 2005),
Agamben raciocinava que o bom deus que, segundo seu clebre
ditado, se esconde nos detalhes, no era para Warburg um deus
tutelar da histria da arte, mas o demnio obscuro de uma cincia
inominada da qual comeamos, s hoje, a entrever os traos. Em todo
caso, como relembra o prprio Agamben, Warburg era consciente de que
a cultura europeia to somente o resultado de tendncias con/ituosas,
esquizofrnicas mesmo, um processo no qual, no que concerne a essas
tentativas astrolgicas de orientao, ns no devemos procurar nem
amigos nem inimigos, mas a rigor, sintomas de um movimento de
oscilao pendular e bipolar constante, que vai da prtica
mgico-religiosa contemplao matemtica, e vice-versa.
23 Porque as que acabamos de chamar formas representativas e
signi;cantes, vetores de uma constelao emocional, so as
intermedirias necessrias em todo processo de passagem ou
transferncia entre as esferas do racional-tecnolgico e o mgico que,
segundo a teoria histrica da cultura de Aby Warburg (replicada
neste sentido pela teoria antropolgica geral de Bronislaw
Malinowski), o prottipo de qualquer prtica de permanncia ou de
mudana cultural. Pode-se dizer que a histria de uma civilizao,
segundo Warburg, poderia se descrever quase exclusivamente nos
termos dos con/itos, conciliaes, coexistncias e combates entre a
ratio da iluminao cient;ca, associada ao domnio tcnico da natureza,
e a compreenso analgica que nos conduz a acreditar em uma unidade
mgica e consoladora do mundo, muito alm do princpio de no
contradio. As Pathosformeln, levadas plenitude de sua intensidade
signi;cante e emocional no plano da esttica, seriam ento os elos
que, mesmo nos momentos de luta mais encarniada entre os homens
tecnolgicos e os homens mgicos (...) ou ento nos momentos de
derrubada dos sistemas racionais que provocam as grandes crises da
economia e da sociedade, salvam e fazem possvel a comunicao mnima
entre o logos e as analogias emocionais, a relao que preserva a
unidade e a continuidade da vida humana ou da cultura. BURUCUA, Jos
Emilio. Historia y ambivalencia. Ensayos sobre arte. Buenos Aires:
Biblos, 2006, p. 12-3.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
CONFIMBRASIL-EUROPA
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17Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
do presidente Collor de Mello em 1992, na criao de conselhos de
cidados nas principais reas de pol-ticas pblicas especialmente na
sade e educao aos diferentes nveis da ao estatal (municipal,
estadual e federal). A terceira narrativa tem apenas dez anos de
idade e diz respeito s vastas polticas de incluso social adotadas
pelo presidente Lula da Silva a partir de 2003 e que levaram a uma
signi'cativa reduo da pobreza, criao de uma classe mdia com elevado
pendor consumista, ao reconhecimento da discriminao racial contra a
populao afrodescendente e indgena e s polticas de ao a'rmativa e
ampliao do reconhe-cimento de territrios quilombolas e
indgenas.
O que aconteceu desde que a presidente Dilma assumiu funes foi a
desacelerao ou mesmo es-tancamento das duas ltimas narrativas. E
como em poltica no h vazio, o espao que elas foram deixando de
baldio foi sendo aproveitado pela primeira e mais antiga narrativa
que ganhou novo vigor sob as novas roupagens do desenvolvimento
capitalista a todo o custo, e as novas (e velhas) formas de
corrupo. As formas de democracia participativa foram cooptadas,
neutralizadas no domnio das grandes infraestruturas e megaprojetos
e deixaram de motivar as geraes mais novas, rfs de vida familiar e
comunitria in-tegradora, deslumbradas pelo novo consumismo ou
obcecadas pelo desejo dele. As polticas de incluso social
esgotaram-se e deixaram de corresponder s expectativas de quem se
sentia merecedor de mais e melhor. A qualidade de vida urbana
piorou em nome dos eventos de prestgio internacional que absorveram
os investimentos que deviam melhorar transportes, educao e servios
pblicos em geral. O racismo mostrou a sua persistncia no tecido
social e nas foras
policiais. Aumentou o assassinato de lderes indgenas e
camponeses, demonizados pelo poder poltico como obstculos ao
desenvolvimento apenas por lutarem pelas suas terras e modos de
vida, contra o agroneg-cio e os megaprojetos de minerao e
hidreltricos.24
$SDUWLUGHVVHGLDJQyVWLFR6RXVD6DQWRVFRQFOXLTXHpara o processo de
transformao ser consistente, necessrio que as duas mais recentes
temporalidades (a da democracia participativa e a da incluso social
intercultural) deixem de ser um tpico retrico e reto-mem o
dinamismo que j tiveram. Caso contrrio, a temporalidade de base que
escrever a histria do Brasil contemporneo, apagando a diferena
cultural e crimina-lizando aqueles para os quais progresso sem
dignidade simples retrocesso simblico.
Lge du monde ni: elle commence
enn! De fato, a questo do anacronismo ilumina o esta-
tuto do presente, desse lento presente do qual fala Hans Ulrich
Gumbrecht.25 Trata-se, com efeito, de um tempo cindido em, ao
menos, duas velocidades: um regime (territorial), que gera efeitos
de sobreimpresso e ambivalncia (extraterritorial) e, portanto,
produz mudanas no s na ideia de histria, mas tambm na prpria
conscincia histrica. Mas o fenmeno assinala tambm a emergncia de
uma nova conscincia tem-poral, onde o anterior (de qualquer poca)
est j de certa forma presente e opera, no aqui e agora, com a
pungncia do atual. Nesse presente complexo, convivem
24 SANTOS, Boaventura de Sousa. O preo do progresso. Carta
maior, So Paulo, 19 jun. 2013.
25 GUMBRECHT, Hans Ulrich. Lento presente: sintomatologa del
nuevo tiempo histrico. Madri: Escolar y Mayo, 2010.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
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18 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
tanto o apagamento quanto a rgida discriminao de fronteiras,
i.e. sua abolio
PDVWDPEpPSDUDGR[DOPHQWHVHXUHIRUoR/XGPHUGHQHHVVHSUHVHQWHFRPRXPregime
local de carter global, sem exterior a si prprio, o que parece
dominar o imaginrio pblico atual, j que no s produz presena, mas,
simultaneamente, permite tambm pensar a diferena.26
0DVYROWHPRVHQWmRDRGLDJQyVWLFRGH9DOpU\ /kJHGXPRQGHQLFRPPHQFHEle
diz que algo termina, mas diz tambm que algo comea. Vamos pensar no
que comea. Um dos tericos que mais tem colaborado no sentido de
desontologizar a verdade da autonomia letrada, atravs da urgncia da
imagem, o que implica um aprofundamento do conceito de direitos
humanos, porque inclui memria e justia nesse rol, o j citado
Georges Didi-Huberman. Em sua exposio Atlas. Como car-regar o mundo
nas costas?, ele resgata o conceito de imaginao (fantasia),
elaborado SRU*R\D HQTXDQWR D (VSDQKD VRIULD DV LQYDV}HV
QDSROH{QLFDV e D SDUWLU
GHVWHFRQFHLWRHODERUDGRQDDGYHUVLGDGHPDLVDEVROXWDSRUWDQWRTXH*R\DFRQVWUyLVXDteoria
da arte.
A imaginao seria de algum modo o pharmakon de Goya: ela
efetivamente essa linguagem universal que serve para tudo, para o
pior e para o melhor, para o pior dos monstra tanto quanto para o
melhor dos astra. A imaginao abandonada por si s, isso o pior :
produz [ento] monstros impossveis, e deixa proliferar as
extravagncias e desacertos de uma sociedade civil nas mos da
ignorncia ou do interesse. O que fazer para acometer sua crtica?
Censur-la precisamente o que trata de fazer a Inquisio: resulta
injusto e inoperante um obscurantismo contra o outro. De todas as
formas, antropologicamente falando, ningum poderia suprimir as
imagens ou a imaginao, a qual conforma completamente o homem.
Consequentemente, ser necessrio ocupar to perigoso terreno e
convocar a ima-ginao com a razo, sua falsa inimiga. Em suma, no se
revoga a imaginao: temos que carreg-la como Atlas carrega o cu para
se transformar em seu especialista por antonomsia e recarreg-la a
uma mesa de trabalho ou uma lmina de gravura. Tarefa que se realiza
a partir de uma opo razoada, uma combinao que designa j o artifcio
(gurativo mais importante como uma montagem de coisas diversas e
confusas que, engenhosamente dispostas, permitem que uma imagem
pintada ou gravada alcance o universal. Os monstros de Goya nada
tm, em absoluto, do
26 LUDMER, Jose(na. Aqui Amrica Latina. Una especulacin. Buenos
Aires: Eterna Cadencia, 2010.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
CONFIMBRASIL-EUROPA
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19Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
desabafo pessoal, sentimental ou frvolo que sugeriria uma m
leitura da palavra fantasia: so obra de um artista que entendia seu
trabalho como uma antropologia do ponto de vista da imagem, ou
seja, uma re$exo que toma seu mtodo do seu objeto, a imaginao
pensada como ferramenta idnea, tecnicamente elaborada,
(loso(camente construda de um autntico conhecimento crtico do corpo
e do esprito humanos. Esta , ento, a arte pensada por Goya como uma
verdadeira crtica (los(ca do mundo e, de modo particular, dessa
sociedade civil qual se refere no Dirio de Madri. Para assumir
tamanho desa(o, ser conveniente atuar dialeticamente em duas
frentes ao mesmo tempo: por sua atividade crtica, o artis-ta deve
fazer justos enquadramentos da realidade que observa e, por tanto,
dessa verdade da que deseja dar testemunho; por sua atividade
esttica, toma a liberdade, a fantasia, de fazer montagens entre as
coisas mais dspares.27
$SRVLomRYDOHFRPRXPDFHUWRGHFRQWDVGRSUySULR'LGL+XEHUPDQFRPDHVFROD
LQJOHVDGRVGLVFtSXORVGH:DUEXUJSRLVHQTXDQWR3DQRIVN\
ID]RGLVFXUVRcrtico repousar nas constantes do
comparsR:DUEXUJGHOHX]LDQRGH'LGL+XEHU-PDQHPHVPRHVVH%DXGHODLUHJR\HVFRQLHW]VFKHDQRTXHHOHQRVSURS}HHPAtlas,
encontram, na chave do dispars, ou seja, dos desastres e disparates
da guerra, o modo
GHUHFRQJXUDUDVUHODo}HVHQWUHLPDJHPHKLVWyULD6XUJHDVVLPSRUH[HPSORDpartir
dessa operao la Godard, um outro Baudelaire, que j no
fenomeno-lgico, como o de Sartre, nem ps-moderno, como o de
Jameson. Baudelaire, nos
UHOHPEUD'LGL+XEHUPDQLQVLVWHQRFRQVWDQWHSDUDGR[RGDVFRPSRVLo}HVGH*R\Dsempre
entregues fantasia dos contrastes, em que o cmico pavoroso; a
stira, um espanto; e a face bestial, pura humanidade por
antonomsia, a ponto tal de nos SURSRUTXHYHMDPRVQHVVHV
IHUYHGRXURVGDVJXUDVGH*R\DDOJRVHPHOKDQWHDrigorosas amostras do
caos.28
Em consequncia, Didi-Huberman trabalha a histria no como um
factualismo emprico, seno como uma arqueologia da sensibilidade e,
nesse ponto, resgata alis o gesto de uma certa vanguarda, os atlas
de Bertold Brecht, Marcel Broodthaers ou
*HUKDUG5LFKWHUDVPRQWDJHQVGH(O/LVVLWVN\RX5REHUW5DXVFKHQEHUJDVHVFXOWXUDV
27 DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas Cmo llevar el mundo a cuestas?
Trad. Maria Dolores Aguilera. Madri: Museo Nacional Centro de Arte
Reina So!a, 2010, p.89-91. Ver a esse respeito a entrevista
concedida a Catherine Millet, Georges Didi--Huberman: atlas :
comment remonter le monde. Art Press, n373, dez 2010, p. 48-55 ou a
resenha de Juan Antonio Ramrez, Posicionamientos (Cuando las
imgenes toman posicin). Revista de libros de la Fundacin Caja
Madrid, n. 149, maio, 2009, p. 32.
28 DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas, op. cit., p. 93.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
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20 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
involuntrias de Brassa e Breton. O objetivo , quase mimetizando
a lgica de funcionamento das tablets, para as quais mesmo
indiferente o funcionamento horizontal ou vertical, desmanchar uma
cristalizao do quadro (tableau), como efeito autnomo da ao do
artista e, projetando-o na horizontalidade, ver nele apenas uma
mesa (table), onde as operaes de montagem do crtico possam fazer
tabula rasa de dois princpios cruciais do autonomismo: a unidade
visual e a imobilizao temporal$ideia , portanto, recuperar espaos e
tempos heterog-neos que no cessam de se encontrar, de se
confrontar, de se cruzar, ou at mesmo de se amalgamarem.29 Como se
v, justamente o oposto de Franco Moretti, quem continua pensando o
atlas em chave vertical.
1R FDVR GH'LGL+XEHUPDQ SRUpP SDUD DDQoDUuma abordagem
ps-autonmica, torna-se imperioso suspender o conceito tradicional
de arte, e mesmo o de quadro, sempre formalmente considerados
enquanto obra, um efeito quase residual, em que tudo j foi
pre-viamente consumado, para nos propor, em compensa-o, o conceito
de mesa que, pelo contrrio, seria um
dispositivo)RXFDXOW$JDPEHQHPTXHWXGRSRGHDLQGDYLUDFRPHoDUVHPSUH$PHVDpXPcampo
operatrio do dspar e do mvel, do heterogneo e do aberto. Seu
antecedente epistemolgico, o Bilderatlas warburguiano, graas ao
dispositivo de funcionar como mesa de monta-gem
VHPSUHPRGLFiYHOSHUPLWLDOKHDRFUtWLFRPXOWLSOL-FDUDQDURXELIXUFDUDVQRo}HVFRQFHUQHQWHVjJUDQGHsobredeterminao
das imagens, que a psicanlise tornara irrefutveis, e at mesmo
diagnsticas, com o teste de
5RUVFKDFK(PEDUDOKDUHUHSDUWLUDVFDUWDVGHVPRQWDUHremontar a ordem das
imagens, numa mesa operatria, a
29 Cf. HERTBRECHTER, Stefan. Plus dUn: Deconstruction and the
Translation of Cultural Studies. Culture Machine,vol. 6, 2004.
PGHFRQJXUDUDQLGDGHVTXDVHGLYLQDWyULDVFDSD]HVde entreverem o
trabalho do tempo no mundo visvel: eis o que Didi-Huberman denomina
atlas. O conceito apoia-se, alm do mais, no de uma certa
enciclopdia chinesa, a de Borges,30 revisitada por Foucault, para
dela extrair os elementos que permitissem postular a episteme
ocidental, aquela que regula as relaes entre as palavras e as
coisas. Para Didi Huberman, no entanto, a mesa de Borges, tal como
o poema de Murilo Mendes TXHOrDDOLDQoDGRV$UQROQLVHJXQGRYDQ(\FN
2TXD-dro, no apostam apenas moldura de uma tela que organizaria per
se a quadrcula e a malcia perspectivistas.
$QWHVSHORFRQWUiULRHOHVHYRFDPFHUWDVFRPSLODo}HVde desenhos chineses
ou de estampas japonesas, como
DVGH+RNXVDLTXHEUDQGRRVSDUkPHWURVFODVVLFDWyULRVocidentais. Se, de um
lado, esse procedimento arruna o quadro (o tableau de la
littrature, em que Derrida, por sua vez, no conseguia cabalmente
inserir Mallarm) ou, o que o mesmo, o sistema costumeiro dos
saberes, por outra parte, ele tambm libera, satiricamente, um riso
capaz de suscitar o mal-estar cultural, uma vez que ele provm de um
fundo enigmtico de no-saber: o 5HDOGDKLVWyULD
2UDHVVDDXWRULGDGHDEDODGDTXH[DMXVWDPHQWHDforma das relaes entre
coisas vistas e palavras enun-ciadas, fez do quadro (da obra), um
espao para ver o que podemos dizer, mas onde no poderamos dizer nem
mesmo ver a distncia entre objetos e linguagem. Essa distncia
aquilo de que um Franco Moretti nem GHVFRQD'Dt TXH ORJRQR LQtFLR
GHAs palavras e as coisas, Foucault denomine a mesa de Borges como
um atlas do impossvel, uma heterotopia que no seno
30 BORGES, Jorge Luis. El idioma analtico de John Wilkins in
Obra Completa. Buenos Aires: Emec, 1974, p. 706-9.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
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21Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
DGHVRUGHPGRPXQGRTXH ID]FLQWLODURV IUDJPHQWRVGHXPQ~PHUR
LQQLWRGHordens possveis, na dimenso aleatria do heterclito, espao
de crise e desvio, caprichosa insero de lugares incompatveis e
tempos heterogneos, ativados apenas por dispositivos socialmente
separados, mas facilmente penetrveis. So, em suma, mquinas
concretas de imaginao, que criam um espao de iluso que denuncia o
real como um espao ainda mais ilusrio do que o prprio espao da
fantasia mais recalcitrante. Nessa perspectiva de
descompartimentalizao, o atlas (borgeano--foucaultiano) de
Didi-Huberman funciona como um campo operatrio capaz de pr em
prtica, tanto epistmica, quanto esttica, tica e at mesmo
politicamente, uma impugnao to mtica quanto real do espao em que se
processa nossa imaginao poltica, donde direitos humanos,
multiculturalismo e at o prprio gender sairiam
FRPSOHWDPHQWHPRGLFDGRV&DEHULDHPVXPDOHPEUDUDHVVHUHVSHLWRDTXDUWDOHLUHIHULGDDRXQLYHUVDOWDOFRPRHQXQFLDGDSRU$ODLQ%DGLRX
Chamamos enciclopdia o sistema geral dos saberes predicativos
internos a uma situao, ou seja, o que todos sabemos sobre a
poltica, sobre os sexos, sobre a cultura ou a arte, sobre as
tcnicas, e assim por diante. Certas coisas, enunciados, con%guraes,
fragmentos discursivos no so decidveis quanto a seu valor a partir
da enciclopdia. Tm um valor incerto, (utuante, annimo; constituem a
margem da enciclopdia. Trata-se de tudo aquilo que est submetido ao
regime do talvez sim, talvez no; do que se pode falar sem %m, sob a
regra, ela mesma enciclopdica, da no-deciso.
Tal , por exemplo, o caso dos indocumentados. Eles no tm os
documentos TXHDWHVWDPVXDLGHQWLGDGHHXURSHLDRXUHJXODU$SDODYUD
FODQGHVWLQRUHOHPEUDBadiou, designa a incerteza do valor, ou o
no-valor do valor. Gente que local, mas no realmente global. Logo,
expulsveis, o que quer dizer, expostos possivelmente ao no-valor do
valor (operrio) da sua presena, da que um acontecimento seja,
fun-damentalmente, aquilo que decide sobre uma zona de
indecidibilidade enciclopdica, um exterior da lei, um fora dos
direitos humanos, um anacronismo anterior a 1789.31 Dado esse
paradoxo, impossvel traar um limite inequvoco para Brasil e Europa.
E at mesmo, no tocante aos estudos europeus, traar uma fronteira
inequvoca WRUQDVHWDUHIDYm$FXOWXUDD multi-cultura s se torna possvel
graas ao conceito de FRQP, segundo o qual a realidade no um plano
de consistncia homognea,
31 DIDI HUBERMAN, Georges. Peuples exposs, peuples gurants.
Loeil de lhistoire, 4. Paris: Minuit, 2012.
BAL GLOBAL. NO CONFIMBRASIL-EUROPA . dossi DOSSI RELAES
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22 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
PDVXPH[WUHPRGHDOWDKHWHURJHQHLGDGH
XQFRQWHVWRFKHqVLPXOWDQHDPHQWHdoppio, se non
molteplice32RXSDUDGL]rORFRP1DQF\singular-plural. 2FRQPBrasilEuropa
traa uma reversibilidade total entre positividade e negatividade,
entre Factum e
FictumHQWUHDQWHVHGHSRLVHQWUHFiHOi2FRQP%UDVLO(XURSDpostula uma
origem que no fundamento nem destinao. Ela uma forma de deixarmos
acfalas a totalidade, a verdade e a universalidade de todo
julgamento. E a Europa vive essa contradio. Julga-se detentora de
valores humanistas, mas isso a torna implacvel inimiga de um
hipottico anti-humanismo extracomunitrio, esquecendo que foram
europeus como Sade, Nietzsche, Flaubert, Dostoivski, Foucault ou
Deleuze que ampliaram o conceito do humano at nele incluir os
aspectos mais srdidos e abjetos de nossa condio.33
Georges Bataille , talvez, quem melhor compreendeu que, na cena
contempo-rnea, a guerra precipita a biopoltica como administrao da
vida, o que exige a mais completa ausncia de sensibilidade. No
carter desmesurado e dilacerante da
FDWiVWURIHVHPQDOLGDGHpSRVVtYHOUHFRQKHFHUSRUWDQWRDLPHQVLGDGHH[SORVLYDdo
tempo, uma vez que com ela se instaura um tempo ps-histrico, que
nada mais do que a regresso do homem ao estado de natureza. Como o
homem e o humanismo j no podem se expandir no tempo, porque ele
exauriu-se, expandem agora o espao, tornado global. No obstante, a
existncia universal permanece ilimitada e, por isso mesmo, sem
repouso: ela no reclui nem encerra a vida num invlucro impermevel,
mas, ao contrrio, abre-a e a relana,
inces-VDQWHPHQWHQDLQTXLHWDomRGRLQQLWR
$JDPEHQDFDWDQGRPDVSRUVXDYH]SDUFLDOPHQWHUHIXWDQGRWDPEpPDOHLWXUDbataillana,
postular que um pensamento que queira pensar para alm do
hege-lianismo no pode encontrar fundamento, contra a negatividade
dialtica e o seu discurso, na experincia da negatividade sem
emprego. Ele deve, em vez disso, encontrar uma experincia da
linguagem que no suponha mais nenhum funda-mento negativo,34 porm,
um carter complexo, o de que o sujeito (a soberania) deve estar l
onde no pode estar, ou vice-versa, o de que o sujeito s pode faltar
ali mesmo onde deve comparecer, como ilustra a tradio lacaniana.
Essa questo
32 VECCHI, Roberto. Nazioni/nazionalismi in Abbecedario
postcoloniale. Macerata: Quodlibet, 2004, p.198.
33 COLEBROOK, Claire. The Context of Humanism. New Literary
History, vol. 42, n. 4, outono 2011, p. 701-718.
34 AGAMBEN, Giorgio. A linguagem e a morte: um seminrio sobre o
lugar da negatividade. Trad. H. Burigo. Belo Horizonte: Ed. da
UFMG, 2006, p. 74.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
CONFIMBRASIL-EUROPA
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23Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
acelera e superpe tempos dissmeis, marcando, de resto, a
passagem do sistema-mundo ao capitalismo autoritrio.35
&RLQFLGHQWHPHQWH R OyVRIR DOHPmR%RULV*UR\VSURIHVVRUQD1HZ
-
24 Revista UFG / Dezembro 2013 / Ano XIII n 14
RXWURVRVIDWRVLOXVWUDPDFomRGDGRTXHQXQFDH[LVWLXD(XURSDHVyH[LVWLUDPna
verdade, os imperialismos nacionais, em mtua concorrncia, o olhar
de Paul
9DOpU\QRVDQRVHPDLVUDGLFDOPHQWHDWHRULDGDVHVIHUDVGH3HWHU6ORWHUGLMNem
anos mais recentes, concluiriam que a prpria comunidade europeia s
se tornou possvel quando todas as naes-membro entraram em situao
ps-LPSHULDO(VVDSyVKLVWyULDWHUPLQDOjPDQHLUDGH.RMqYH38 seria um tempo
sem passado nem porvir, fundamentalmente bio-poltico e contingente,
que funciona como tempo-suplemento, como se a histria ainda tivesse
a chance de uma espcie de eplogo ou recapitulao, em que seus
fragmentos ainda pudessem ser disponibilizados, numa mesa de
montagem, para o valor de uso do impossvel e em que a prpria questo
do animal, to relevante no sculo XXI (Derrida, Bhabha,
1DQF\9LUQR$JDPEHQVHULDRUHVWRTXHRLGHDOLVPRKXPDQLVPRUDFLRQDOLVPRnormativismo)
ocidental deixa como herana ao pensamento contemporneo, onde os
dilaceramentos entre animalidade e humanidade ainda persistem,
porm, no mais como dialtica a ser superada, mas como incontornveis
aporias em que natureza e cultura tornam-se recorrentemente
indecidveis.
38 Analisando o colonialismo sob perspectiva europeia, Kojve
destacava trs questes principais. Em primeiro lugar, que se deveria
pensar em um colonialismo no exatamente de apropriao ou extrao, mas
de doao ou distribuio; a seguir, que no se deveria apostar em
produtos acabados, mas investir na produo local de matrias, para
garantir o pleno emprego e, por ltimo, que esse capitalismo doador
deveria abranger, prioritariamente, toda a regio mediterrnea, a
qual, na longa durao, tem dado acabadas mostras de vitalidade
econmica, sem se alastrar por outras regies mais distantes.
Contrariando as atuais polticas da troika, Valry tambm centrava sua
ateno na bacia mediterrnea, tanto quanto Derrida, em Lautre cap.
Ver KOJVE, Alexandre. Perspectiva europea del colonialismo. Trad.
Manuel Vela Rodriguez. La Torre del Virrey: Revista de Estudios
Culturales. n. 1, Eliana (Valencia) 2006.
dossi DOSSI RELAES BRASIL-EUROPA . BAL GLOBAL. NO
CONFIMBRASIL-EUROPA