UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
Rassa Passos dos Santos
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS
QUE CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE
SADE
Santa Maria, RS, Brasil
2016
Rassa Passos dos Santos
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS QUE
CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE SADE
Dissertao de Mestrado apresentada ao Curso
de Mestrado do Programa de Ps-Graduao
em Enfermagem, rea de Concentrao
Cuidado, Educao e Trabalho em Enfermagem
e Sade da Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM, RS), como requisito para a
obteno do grau de Mestre em Enfermagem.
Orientadora: Prof. Dr. Eliane Tatsch Neves
Coorientador: Prof. Dr. Franco Carnevale
Santa Maria, RS
2016
Ficha catalogrfica elaborada atravs do Programa de Gerao
Automtica da Biblioteca Central da UFSM, com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a).
Passos dos Santos, Rassa Vivncias morais e sofrimento moral de
enfermeirosque cuidam de crianas com necessidades especiais desade
/ Rassa Passos dos Santos.-2016. 132 p.; 30cm
Orientador: Eliane Tatsch Neves Coorientador: Franco Carnevale
Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de SantaMaria, Centro
de Cincias da Sade, Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, RS,
2016
1. Vivncias morais 2. Sofrimento moral 3. Sade daCriana 4.
Enfermagem Peditrica 5. tica da Enfermagem I.Tatsch Neves, Eliane
II. Carnevale, Franco III. Ttulo.
DEDICATRIA
minha famlia, especialmente meus pais Rosngela
e Rodolfo, e meus irmos Rosmarini e Rodolfo.
E a todos que foram presena nesta caminhada.
AGRADECIMENTOS
Agradeo principalmente toda a minha famlia e todas s pessoas que
a sua maneira
estiveram presentes e que foram suporte para que eu chegasse at
aqui.
Aos meus pais Rosngela e Rodolfo pela fonte de carinho e apoio
inesgotveis durante toda
minha trajetria acadmica e na ps-graduao. Com certeza a confiana
depositada em mim
para que fizesse minhas escolhas foram a base mais slida que eu
poderia ter.
Aos meus irmos Rosmarini e Rodolfo. Meus companheiros de vida e
melhores amigos,
obrigada pelo amor e suporte em todos os momentos.
minha irm Rosmarini e meu cunhado Nicolas. Obrigada pela
acolhida to afetiva em meu
perodo em Montreal. Certamente tudo teria sido muito mais difcil
sem vocs. Vocs fizeram
a diferena.
s minhas tias Loiva, Rosmarina e Lourdes. Obrigada pelas longas
conversas cheias de
questionamentos e reflexes nos churrascos de domingo que me
fizeram nunca estar satisfeita
com respostas simples. Vocs fazem parte da minha formao.
Aos meus amigos e ex colegas de graduao Adalvane, Carolina e
Victor. Vocs fizeram parte
de toda minha trajetria e dividiram comigo as felicidades e
angstias da faculdade e tambm
da ps. Vocs so especiais em minha vida.
minha comadre e amiga Daiani. Obrigada por compartilhar comigo
tantos momentos
importantes desde 2008 e por junto com o compadre Leonardo me
presentear com o amor de
ter um afilhado que mora em meu corao.
Ao meu noivo Sailer. Obrigada pela ajuda com revises e pelo
apoio constante para a
realizao de meus objetivos.
Ao meu amigo e melhor professor de ingls de todos Ptolomeu
Palma. Obrigada pelo apoio
incondicional para o meu sucesso mundo a fora. Thank you so
much, my friend.
s minhas amigas desde 2007, presentes desde o curso de Letras,
Anna e Micheli. Vocs
moram no meu corao.
minha orientadora Professora Eliane Neves por ter acreditado em
mim desde a graduao.
Obrigada por acreditar que aquela menina teimosa, questionadora
e irritante era capaz de ser
mestre em enfermagem. Serei grata eternamente pela confiana e
pelo carinho por mim.
Ao meu coorientador Professor Franco Carnevale pelo apoio
incondicional e pelo suporte em
minha pesquisa. Obrigada por me receber de braos abertos em sua
universidade no Canad.
Seus ensinamentos foram determinantes em minha formao.
s professoras Stela Maris Padoin e Cristiane de Paula pelas
conversas e por estarem sempre
abertas aos meus questionamentos. Obrigada pela pacincia e pela
ateno sempre.
A todos os meus colegas do grupo de pesquisa PEFAS (Grupo de
Pesquisa Cuidado Sade
das Pessoas, Famlias e Sociedade). Obrigada pelas tardes com
chimarro, discusses, apoio e
acolhida para compartilhar dvidas de pesquisa, projetos,
artigos, angstias, medos e
felicidades.
Universidade Federal de Santa Maria por proporcionar a construo
do meu conhecimento
durante a Graduao e o Mestrado, em especial ao Programa de
Ps-Graduao em
Enfermagem.
Aos participantes que me possibilitaram conduzir este estudo e
abriram mo de seu tempo
para que minha pesquisa pudesse ser realizada.
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior e a
Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul pela concesso da bolsa
de Mestrado
.
A realidade vivida da autonomia ativada
atravs das conexes humanas uns com os
outros [...] No h autonomia para os seres
humanos de forma isolada um do outro.
Estar sozinho e independente
primeiramente vivenciado porque h outros a
perder. (Doane; Varcoe, 2012, traduo livre)
RESUMO
VIVNCIAS MORAIS E SOFRIMENTO MORAL DE ENFERMEIROS QUE
CUIDAM DE CRIANAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS DE SADE
AUTORA: RASSA PASSOS DOS SANTOS
ORIENTADORA: ELIANE TATSCH NEVES
COORIENTADOR: FRANCO CARNEVALE
Introduo: A prtica da enfermagem em pediatria vem se tornando
cada vez mais complexa,
uma vez que o perfil da infncia brasileira encontra-se em
processo de mudana, trazendo
consigo o aumento do nmero de crianas com necessidades especiais
de sade. Os enfermeiros
constituem-se em profissionais com importante conhecimento
acerca dos melhores interesses
da criana e da famlia, advogando em prol de seu bem estar,
estando, dessa forma, inclinado a
vivenciar o sofrimento moral. Objetivo: compreender como o
sofrimento moral se apresenta no
cotidiano de cuidado de enfermeiros que cuidam de crianas com
necessidades especiais de
sade. Metodologia: Estudo fenomenolgico interpretativo,
realizado em trs unidades de
internao peditrica e neonatal de um hospital de ensino.
Participaram do estudo nove
enfermeiros e a coleta dos dados foi realizada por meio de
entrevista nos meses de novembro e
dezembro de 2014. As entrevistas foram gravadas e transcritas. A
anlise deste estudo foi feita
a partir da perspectiva Fenomenolgica Interpretativa de Patrcia
Benner. Na anlise
interpretativa ocorreu a busca por exemplares e casos
paradigmticos e na anlise temtica
elencou-se os padres de significado que possibilitaram a
compreenso do fenmeno. Assim,
trs temas foram descritos referente s relaes das enfermeiras que
culminam no aparecimento
de vivncias morais. O estudo preservou os princpios ticos da
pesquisa, conforme Resoluo
N 466, de 12 de dezembro de 2012 e foi aprovado pelo Comit de
tica em Pesquisa da
instituio, sob nmero 36618114.4.0000.5346. Resultados: As
enfermeiras deste estudo
mostraram-se engajadas em diversos nveis de intensidade diante
das preocupaes
relacionados ao cuidado em pediatria. Dessa forma, na relao com
a equipe de sade, com os
enfermeiros, com a famlia da criana, e com a criana, as
participantes vivenciaram um
cuidado que gera sofrimento, angstia, sentimento de frustrao,
satisfao, responsabilidade,
entre outros. Concluso: concluiu-se que o engajamento das
enfermeiras modifica-se a todo o
momento nas situaes de cuidado criana, podendo instigar a sua
agncia moral ou inibindo-
a, de acordo com as compreenses sobre a prtica de
enfermagem.
Palavras-Chave: Sade da criana. Sofrimento Moral. Enfermagem
Peditrica. tica da
Enfermagem
ABSTRACT
MORAL EXPERIENCIES AND MORAL DISTRESS OF NURSES WHO CARE FOR
CHILDREN WITH SPECIAL HEALTHCARE NEEDS
AUTHOR: RAISSA PASSOS DOS SANTOS
SUPERVISIOR: ELIANE TATSCH NEVES
CO SUPERVISIOR: FRANCO CARNEVALE
Introduction: Pediatric nursing practice is becoming
increasingly complex, since the profile of
Brazilian children is in the process of change, bringing the
increase in the number of children
with special health care needs. Nurses are professionals with an
important knowledge about the
best interests of children and families, advocating on behalf of
their welfare and are thus
inclined to experience moral distress. Aim: The aim of this
study was to examine the
experiences of moral distress of nurses who care for children
with special healthcare needs.
Methodology: interpretive phenomenology was selected as the
study method. Nine nurses
working at three different pediatric units of a teaching
hospital were interview in November
and December 2014. The data analysis process was held according
to Patricia Benner's
framework. The process consisted of transcription, coding,
thematic analysis, and search for
paradigm cases and exemplars. All the ethical aspects were
preserved and the study was
approved by the Research Ethics Committee of the institution
under number
36618114.4.0000.5346. Results: Data analysis identified three
themes. The themes arises from
the relationships that nurses experienced in their daily lives
and therefore their different moral
experiences. Their moral experiences can be changed by their
engagements. The nurses of this
study are engaged in different levels according to their
concerns throughout pediatrics nursing
practice. Depending on the relationship they are living; with
the health team, with other nurses,
with the child's family, and the child; the participants can
experience distress, anguish,
frustration, satisfaction, responsibility. Conclusion: The
findings identified that the engagement
of nurses can be modified all the time during childcare
situations and can instigate or inhibit
their moral agency, according to their understanding of the
nursing practice.
Keywords: Child Health. Moral Distress. Pediatric Nursing.
Nursing Ethics.
LISTA DE SIGLAS
CAAE Certificado de Apresentao para Apreciao tica
CEP Comit de tica em Pesquisa
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do
Adolescente
CRIANES Crianas com Necessidades Especiais de Sade
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
HUSM Hospital Universitrio de Santa Maria
LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias de
Sade
PB Plataforma Brasil
PUBMED Literatura Internacional em Cincias da Sade
RS Rio Grande do Sul
SM Santa Maria
SIM Sistema de Informaes de Mortalidade
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UIP Unidade de Internao Peditrica
UTIP Unidade de Terapia Intensiva Peditrica
UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal
SUMRIO
1 INTRODUO
..........................................................................................................
19 1.1 CONTEXTUALIZAO E PROBLEMTICA DO ESTUDO
................................. 19 1.2 APROXIMAO COM A TEMTICA E
JUSTIFICATIVA ................................... 22 2 FUNDAMENTAO
TERICA
.............................................................................
24 2.1 O SOFRIMENTO MORAL NO COTIDIANO DE CUIDADO DO ENFERMEIRO 24
2.2 SOFRIMENTO MORAL NA ENFERMAGEM PEDITRICA E O CUIDADO S
CRIANES
.................................................................................................................................
27 3 PERCURSO METODOLGICO
............................................................................
31 3.1 ARTIGO 1. METODOLOGIAS QUALITATIVAS EM PESQUISA NA SADE:
REFERENCIAL INTERPRETATIVO DE PATRICIA BENNER
......................................... 31 3.2 CARACTERIZAO DO
CENRIO E DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO .... 42 3.3 COLETA E ANLISE
DOS DADOS
.........................................................................
45 3.4 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA
........................................................................
46 3.5 RIGOR METODOLGICO
........................................................................................
47 4. RESULTADOS
...........................................................................................................
50 4. 1 RELAES TICO-PROFISSONAIS DE ENFERMEIRAS E VIVNCIAS
MORAIS NO CUIDADO DE ENFERMAGEM PEDITRICA
............................................ 50 4.1.1 Relao entre
os profissionais de sade na enfermagem peditrica e
aparecimento de vivncias morais anlise compreensiva
................................................ 54 4.1.2 Relao
entre os profissionais de sade na enfermagem peditrica e
aparecimento de vivncias morais - anlise interpretativa
................................................. 63 4.2.1 Relao
entre a enfermeira e a famlia em unidade peditrica e aparecimento
de
vivncias morais anlise compreensiva
.............................................................................
67 4.2.2 Relao entre a enfermeira e a famlia em unidade peditrica e
aparecimento de
vivncias morais - anlise interpretativa
..............................................................................
76 4.3.1 Relao entre a enfermeira e a criana em unidade peditrica e
aparecimento de
vivncias morais anlise compreensiva
.............................................................................
80 4.3.2 Relao entre a enfermeira e a criana em unidade peditrica e
aparecimento de
vivncias morais anlise interpretativa
.............................................................................
91 5 APRESENTAO DOS CASOS PARADIGMTICOS
....................................... 95 5.1 CASO PARADIGMTICO 1
A ENFERMEIRA COM ALTO NVEL DE
ENGAJAMENTO NO CUIDADO CRIANA E AS VIVNCIAS MORAIS PRESENTES
NO SEU COTIDIANO
.............................................................................................................
95 5.2 CASO PARADIGMTICO 2 A ENFERMEIRA COM MENOR NVEL DE
ENGAJAMENTO NO CUIDADO CRIANA E AS VIVNCIAS MORAIS PRESENTES
NO SEU COTIDIANO
...........................................................................................................
101 6 DISCUSSO
.............................................................................................................
109 7 CONCLUSO
...........................................................................................................
115 REFERNCIAS
.........................................................................................................
118 APNDICE A - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE
....................................... 124 APNDICE B - TERMO DE
CONFIDENCIALIDADE ....................................... 126 ANEXO
A APROVAO DO COMIT DE TICA EM PESQUISA ............ 128 ANEXO B
DECISO EDITORIAL
......................................................................
132
19
1 INTRODUO
1.1 CONTEXTUALIZAO E PROBLEMTICA DO ESTUDO
Ao longo da histria, o papel da infncia e a funo social da
criana modificaram como
a sade da criana foi compreendida pela sociedade. Aps diversas
transformaes que
coincidiram com o panorama mundial, o Brasil, comea na dcada de
trinta a implementar
polticas de ateno maternidade, a infncia e a adolescncia,
principalmente centradas na
diminuio da mortalidade infantil e materna. Inicia-se tambm, uma
preocupao sobre as
aes de sade voltadas a garantia dos direitos da criana em relao
aos servios de sade que
tiveram avanos nos ltimos anos (ARAJO, et al. 2014).
Na dcada de 90, o Estatuto da Criana e do Adolescente, criado a
partir da nova
Constituio Federal de 1988, assegura criana e ao adolescente, em
seu captulo primeiro,
como direitos fundamentais o direito a proteo vida e sade,
mediante a efetivao de
polticas sociais pblicas que permitam o nascimento e o
desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condies dignas de existncia (BRASIL, 2015). Complementar a
isso, a Resoluo
41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do
Adolescente (CONANDA),
garante, entre outros, o direito a hospitalizao, quando
necessria, bem como, a no
permanncia desnecessria; direito de no sentir dor; de conhecer
sua enfermidade e os
cuidados teraputicos e diagnsticos a serem utilizados; e ainda,
o direito a uma morte digna
(BRASIL, 1995).
Juntamente com as preocupaes em relao aos direitos sade da
criana, o
desenvolvimento das cincias da sade trouxe mudanas importantes
para a realidade da
infncia mundial e brasileira. Relacionado s preocupaes com a
mortalidade infantil, que
permearam a histria da sade da criana (ARAJO, et al. 2014), de
acordo com o Sistema de
Informaes de Mortalidade SIM, o nmero de bitos infantis (menores
de 1 ano) por 1.000
nascidos vivos no Brasil, passou de 26,1 em 2000 para 15,3 em
2011. Entretanto, soma-se a
isso uma curva ainda crescente no que se refere aos bitos
neonatais, sendo que 57% das
crianas menores de cinco anos morrem durante os primeiros 30
dias de vida (BRASIL, 2012b).
Em contraponto a diminuio da mortalidade infantil, a
possibilidade de manuteno da
vida em crianas sobreviventes de agravos perinatais, traumas e
portadoras de doenas crnicas,
vem ocorrendo nos ltimos anos devido aos benefcios gerados pela
acelerada evoluo
medicamentosa e de equipamentos aplicados a sade humana. Assim,
os avanos tecnolgicos,
associados queda na mortalidade infantil, tm contribudo para o
surgimento de um novo
20
grupo de crianas, emergente nos servios de sade, quais sejam as
crianas com necessidades
especiais de sade (NEVES; CABRAL, 2008).
Com o propsito de auxiliar os sistemas de sade a planejarem
melhores polticas
pblicas que amparassem as necessidades destas crianas, em seu
relatrio, publicado em 1998,
McPherson et al. (1998), definiram, pela primeira vez nos
Estados Unidos da Amrica, o grupo
das Children with Special Health Care Needs, como aquelas que tm
ou esto em maior risco
de apresentar uma doena crnica, fsica, de desenvolvimento,
condio comportamental ou
emocional, e que tambm requerem servios de sade e afins de um
tipo ou quantidade maior
do que o exigido pelas crianas em geral. No Brasil, a denominao
destas crianas foi traduzida
como Crianas com Necessidades Especiais de Sade (CRIANES) (WONG,
1999; CABRAL,
1999), mantendo a mesma definio, em traduo livre.
A complexidade diagnstica e teraputica, associada
vulnerabilidade social em que
essas crianas e suas famlias se encontram, representam um
desafio para seus
familiares/cuidadores e, consequentemente, para os profissionais
de sade que prestam
cuidados a este novo grupo (NEVES; CABRAL, 2008). Neste
contexto, a enfermagem
peditrica, apresenta-se como a principal articuladora da famlia
no cuidado a criana,
comprometendo-se com o estabelecimento do cuidado interativo
enfermagem-criana-famlia.
Para isso necessita ouvir e incluir a famlia no cuidado, atravs
do estabelecimento do vnculo
afetivo (HOCKENBERRY; WILSON, 2014). Ainda, a preocupao do
cuidado que no pode
restringir-se a relao enfermeiro-criana, mas sim, precisa
considerar a famlia, torna a prtica
da enfermagem peditrica ainda mais complexa e reflexiva (COELHO;
RODRIGUES, 2009).
O momento da hospitalizao infantil, que traz especificidades
quando relacionada
infncia, uma vez que, implica em uma necessidade de um reajuste
da rotina familiar, pode ser
mal compreendida pelo profissional de enfermagem que esteja
despreparado para lidar com
essa realidade. Ainda, a insero da famlia como elemento que
altera a dinmica do trabalho
do enfermeiro pela necessidade da realizao de uma prtica que
respeite a famlia e mantenha
a sua autonomia. (QUIRINO et al., 2010; PIMENTA; COLLET,
2009).
No cuidado s CRIANES, o enfermeiro exerce papel fundamental como
articulador de
saberes e prticas clnicas que passaro a ser delegados aos
familiares/cuidadores no momento
da alta hospitalar. Dessa maneira, incluir a famlia no cuidado
complexo a estas crianas,
considerando as demandas que envolvem cuidados de enfermagem,
dos quais dependem a sua
sobrevivncia, constitui-se de um desafio para a enfermagem
peditrica (NEVES; CABRAL,
2009).
21
Soma-se a esta problemtica, o fato de que trabalho de enfermagem
relacionado
infncia, especialmente em uma situao de fragilidade e
vulnerabilidade, traz caractersticas
ticas especficas e relevantes a serem discutidas. Larcher e
Carnevale (2012) descrevem que
aqueles que trabalham com a infncia tm o dever moral de
assegurar que essas tenham a sua
trajetria para vida adulta a mais segura e saudvel possvel.
Entretanto, nem todas as crianas
tero esta possibilidade, uma vez que suas vidas podem estar
limitadas por uma srie de
restries das quais elas e os pais no possuem controle.
Reconhecendo a importncia do papel do enfermeiro no cuidado
direto criana,
verifica-se por parte deste profissional, um importante saber a
respeito dos melhores interesses
para a criana, e o reconhecimento do ponto de vista dos pais e
da vontade da criana.
Acrescenta-se a isso, a multiplicidade de casos clnicos
complexos que trazem desafios para a
atuao do enfermeiro durante a sua prtica clnica (CARNEVALE,
2012). Nesta perspectiva,
Coelho e Rodrigues (2009) destacam que necessrio que a
assistncia de enfermagem inclua
em sua prtica saberes relacionados manuteno do respeito
dignidade da criana,
considerando os avanos tecnolgicos que influenciam na
vulnerabilidade das crianas em
estado de adoecimento.
Isto posto, Carnevale (2012), descreve que os enfermeiros
constituem-se de importantes
agentes morais que advogam em prol do bem estar da criana e sua
famlia. O conceito de
agncia moral pode ser entendido com a capacidade de uma pessoa
em envolver-se
profundamente em questes moralmente acentuadas, colocando-se em
situaes que remetem
a conceitos de certo e errado, bom e ruim, ou justo e injusto
(CARNEVALE, 2013).
Este engajamento moral das enfermeiras com sua prtica pode
resultar em sofrimento
moral. Isto acontece em geral, quando por algum motivo,
referente ao ambiente de trabalho,
estes profissionais so impedidos de agirem de acordo com seus
padres ticos estabelecidos
(CARNEVALE, 2013).
O conceito do sofrimento moral da forma como utilizado
atualmente nas pesquisas,
foi realizado inicialmente por Jamenton (1984), e descreve o
sofrimento moral como os
sentimentos dolorosos decorrentes do fato de que o profissional
no consegue seguir por um
curso de ao que considere eticamente correto. Os motivos pelos
quais essa ao no possa ser
tomada podem ser intrnsecos (considerando os prprios sentimentos
do profissional
envolvido), ou extrnsecos (considerando as barreiras impostas
pelo ambiente de trabalho).
Carnevale (2012) aponta que as barreiras atribudas pelas
instituies constituem-se de
uma fonte que culmina no no-encorajamento dos enfermeiros em
defender os direitos de
crianas em situao de vulnerabilidade, tais como aquelas crianas
que possuem algum tipo
22
de deficincia, resultando em sofrimento moral. Verifica-se a
partir das proposies
apresentadas, a possibilidade de que enfermeiros que trabalham
em pediatria, especificamente
aqueles que cuidam de crianas em situao de complexidade, estejam
inclinados a vivenciar o
sofrimento moral.
Diante dessas consideraes, questionou-se: como o sofrimento
moral se apresenta no
cotidiano de cuidado enfermeiros que cuidam de crianas com
necessidades especiais de sade?
Assim, teve-se como objeto deste estudo: o sofrimento moral de
enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade.
O objetivo geral deste trabalho foi compreender as vivncias de
sofrimento moral no
cotidiano assistencial de enfermeiros que cuidam de crianas com
necessidades especiais de
sade. E como objetivos especficos: descrever como o sofrimento
moral perpassa o cotidiano
de cuidado de enfermeiros em diferentes servios peditricos de
internao no contexto
hospitalar; compreender as vivncias dos participantes em relao
ao sofrimento moral
buscando por fontes de inquietaes e formas de enfretamento deste
sentimento durante o seu
cotidiano de cuidado.
1.2 APROXIMAO COM A TEMTICA E JUSTIFICATIVA
Somada problemtica da complexidade do cuidado de enfermagem
infncia e a
possibilidade de sofrimento moral em enfermeiros que trabalham
pediatria e que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade; salienta-se a
escassez de produo cientfica na
rea (28 artigos), contribuindo para o desafio da prtica
profissional que considere os dilemas
ticos encontrados no cotidiano do enfermeiro em pediatria.1
Os trabalhos publicados sobre o sofrimento moral apontam para a
temtica como uma
tendncia atual na pesquisa em enfermagem, sendo a totalidade
destes publicados a partir dos
anos 2000. Alm disso, a maioria dos estudos encontra-se no mbito
internacional (26 artigos),
com um nmero limitado de trabalhos publicados no Brasil na rea
da Enfermagem (2 artigos),
confirmando esta como uma realidade ainda pouco investigada no
cenrio nacional. Estes
1O cenrio das produes foi estabelecido aps consulta em bases de
dados PubMed, Scopus e Lilacs em abril de
2014. As estratgias de busca foram feitas a partir da utilizao
das palavras-chave: Nursing, Moral Distress e
Ethicsnas bases PubMed e Scopus, e Enfermagem, Cuidado, e, tica
na base Lilacs. O resultado somou 259
publicaes que foram selecionadas de acordo com os critrios de
incluso: pr-seleo a partir do ttulo e resumo
(se disponvel), texto completo nas lnguas portugus, ingls e
espanhol, relevncia para o objeto de estudo. Aps
a leitura, o resultado foi de 28 publicaes nas bases de
dados.
23
achados so congruentes com os resultados de uma reviso
integrativa realizada por Dalmolin
et al. (2012), onde a totalidade dos estudos pertenciam ao
cenrio internacional e publicados na
lngua inglesa.
Alm disso, referente ao sofrimento moral no cuidado de
enfermagem em pediatria,
existe uma limitao maior ainda referente ao escopo de literatura
publicada sobre a temtica
(2 artigos). Isto demonstra a necessidade de que a compreenso
deste fenmeno seja
aprofundada com o desenvolvimento de outros estudos,
considerando as questes relacionadas
enfermagem peditrica e ao sofrimento moral. Alm disso, a
compresso deste fenmeno na
prtica profissional faz-se importante, uma vez que remete a
reflexo de suas consequncias
para os profissionais, incidindo em possveis contribuies para a
melhora da qualidade do
cuidado prestado s crianas com necessidades especiais de
sade.
Ressalto ainda, minha aproximao com a temtica escolhida
destacando que, os
estudos no mbito da enfermagem peditrica permearam meu
desenvolvimento profissional
desde o incio da vida acadmica. Durante a graduao, tive a
oportunidade de desenvolver
atividades como bolsista assistencial na Unidade de Internao
Peditrica (UIP) do Hospital
Universitrio de Santa Maria (HUSM), bem como bolsas de estudos
de iniciao cientfica em
que desenvolvi projetos na temtica da Sade da Criana e de Educao
em Sade.
Durante as atividades assistenciais desenvolvidas no HUSM, tanto
como bolsista
assistencial, quanto no desenvolvimento de atividades de Estgio
Supervisionado, pude
acompanhar a rotina de cuidado dos enfermeiros da UIP frente
clientela das CRIANES.
Assim, pude constatar o crescente nmero de internaes e
reinternaes dessas crianas, bem
como os longos perodos que elas e suas famlias permanecem no
ambiente hospitalar. Isto
levou ao reconhecimento dos desafios encontrados pelos
enfermeiros desta unidade referentes
s questes ticas e tomada de decises que envolvem o cuidado a
criana.
Vivenciando o cotidiano de cuidado dos enfermeiros, presenciei
situaes envolvendo
o cuidado a estas crianas, nas quais os profissionais sentiam-se
angustiados, nervosos,
desapontados, inconformados. Entretanto, no existe um
reconhecimento dos profissionais das
dimenses relacionadas ao aparecimento destes sentimentos, e
ainda menos, o reconhecimento
de situaes que podem desencadear sofrimento moral s quais eles
esto expostos.
Por fim, justifica-se este estudo, alm das lacunas identificadas
na literatura cientfica,
tambm, pela necessidade de preparar e dar suporte aos
profissionais de enfermagem da rea
peditrica a partir da compreenso sobre como esse fenmeno ocorre
no cotidiano de cuidado
assistencial.
24
2 FUNDAMENTAO TERICA
A fundamentao terica visa o aprofundamento sobre a compreenso do
objeto de
estudo da presente pesquisa centrado no sofrimento moral dos
enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade. Ainda, prover o
aporte terico necessrio para a
fundamentar a temtica do sofrimento moral no cotidiano de
cuidado do enfermeiro em
pediatria, bem como, as especificidades dos enfermeiros que
cuidam dessas crianas.
2.1 O SOFRIMENTO MORAL NO COTIDIANO DE CUIDADO DO ENFERMEIRO
O sofrimento decorrente do processo de trabalho da enfermagem
foi primeiramente
reconhecido como um sofrimento psquico ou emocional envolvendo o
estresse da
enfermagem. Nestes casos, as enfermeiras eram aconselhadas a
trocar de setor, ou serem
afastadas do servio, considerando estes sentimentos como
fraquezas pessoais,
desconsiderando os aspectos e eventos relacionados aos seus
ambientes de trabalho
(CARNEVALE, 2013).
Barlem et al. (2013a), destacam que o surgimento de conflitos e
problemas morais,
diante de um contexto atual, em situaes triviais de seu ambiente
de trabalho, no podem ser
separados da vida profissional dos trabalhadores de enfermagem.
Dessa maneira, os
profissionais podem apresentar-se impotentes e no reconhecerem o
sofrimento moral que esto
enfrentando, possivelmente provocado pela incoerncia entre seus
julgamentos morais e suas
aes.
Considerando-se o ambiente de trabalho do enfermeiro, o qual
envolve a relao com
uma variedade de profissionais, pacientes e seus familiares,
verifica-se a possibilidade de que
este profissional esteja inclinado em seu cotidiano a vivenciar
situaes de dilemas ticos e
morais. Entretanto, ao deparar-se com essas situaes, nem sempre
estes profissionais sentem-
se seguros para tomar aes as quais acreditem serem as mais
corretas eticamente
(DALMOLIN; LUNARDI, FILHO, 2009).
Carnevale (2012) destaca que a prtica tica da enfermagem vem se
tornando cada vez
mais complexa, uma vez que houve avanos significativos em relao
ao desenvolvimento de
sua autonomia profissional, passando a ter mais independncia
para tomada de decises. Alm
disso, o desenvolvimento de padres ticos e legais voltados aos
direitos do paciente e do
consumidor, e os avanos na tecnologia, foraram a enfermagem a
apoiar-se em novas fontes
como a filosofia e o direito para o estabelecimento de uma
prtica profissional de qualidade.
25
Para o estabelecimento de aes ticas no cuidar, o profissional de
enfermagem pauta-
se no Cdigo de tica de Enfermagem. Em sua ltima atualizao, em
2012, o Cdigo de tica
de Enfermagem Brasileiro, traz como princpios fundamentais da
profisso:
A enfermagem uma profisso comprometida com a sade e a qualidade
de vida da
pessoa, famlia e coletividade. O profissional de enfermagem atua
na promoo,
preveno, recuperao e reabilitao da sade, com autonomia e em
consonncia
com os preceitos ticos e legais. O profissional de enfermagem
participa, como
integrante da equipe de sade, das aes que visem satisfazer as
necessidades de sade
da populao e da defesa dos princpios das polticas pblicas de
sade e ambientais,
que garantam a universalidade de acesso aos servios de sade,
integralidade da
assistncia, resolutividade, preservao da autonomia das pessoas,
participao da
comunidade, hierarquizao e descentralizao poltico-administrativa
dos servios
de sade. O profissional de enfermagem respeita a vida, a
dignidade e os direitos
humanos, em todas as suas dimenses. O profissional de enfermagem
exerce suas
atividades com competncia para a promoo do ser humano na sua
integralidade, de
acordo com os princpios da tica e da biotica (BRASIL,
2012a).
Nota-se a importncia deste profissional na defesa dos direitos
dos pacientes e suas
famlias. Com isso, destaca-se o reconhecimento da enfermagem no
s como profisso pautada
no saber mdico, mas sim, como prtica autnoma, engajada com a
responsabilidade de
preservar e prover o bem estar de seus pacientes, famlias e
comunidades (CARNEVALE,
2012).
Ainda, em 1986, o decreto da Lei do Exerccio Profissional da
Enfermagem consolidou
a identidade do profissional enfermeiro, estabelecendo as
atividades privativas da profisso.
Reconhece-se o enfermeiro como responsvel pela organizao e direo
dos servios de
Enfermagem e de suas atividades tcnicas e auxiliares nas
empresas prestadoras desses
servios; responsvel pelo planejamento, organizao, coordenao,
execuo e, a avaliao
dos servios de assistncia de Enfermagem. Ressalta-se ento, a
importncia deste profissional
para a organizao dos servios de sade, bem como, a importncia do
desenvolvimento de sua
autonomia, a qual s possvel por meio do conhecimento dos
profissionais sobre a dimenso
tica de suas aes e da legislao que ampara a profisso (PEREIRA,
2013; Lei N 7.498/86).
Diante da dimenso tica do cuidado de enfermagem, Jamenton (1984)
apontou
inicialmente para trs principais dimenses dos problemas ticos
vivenciados que foram
identificados na literatura: a incerteza moral, definida como a
dvida existente sobre o carter
tico correto da ao a ser tomada, mesmo que sem reconhec-lo; os
dilemas morais, quando o
profissional defronta-se com a necessidade de escolher entre
dois cursos de ao que possuem
carter igualmente tico; e o sofrimento moral, sendo este
sentimento relacionado ao
impedimento de uma tomada de deciso que seja considerada
eticamente correta pelo
26
profissional. Ressalta ainda, que a natureza da prtica de
enfermagem um fator importante
para o aparecimento destas questes ticas.
Na prtica cotidiana, os enfermeiros podem sentir que no esto
sendo capazes de
fornecer o cuidado adequado a seus pacientes por motivos como
equipe insuficiente ou com
nvel inadequado de treinamento, controle da dor ineficaz em
pacientes, fazem com que. O
aparecimento do sofrimento moral decorre quando as intenes
desses profissionais so
dificultadas, ou impedidas, de serem executadas (CORLEY,
2002).
Baseados nos conceitos tericos sobre sofrimento moral, conflito
de papis, e teoria
sobre valores e sistemas de valores, Corley et al. (2001),
desenvolveram e avaliaram a aplicao
de uma escala que pudesse avaliar e mensurar o aparecimento do
sofrimento moral em
trabalhadores de enfermagem. Aps diversas pesquisas, os autores
finalizaram um instrumento
com 32 itens relacionados ao sofrimento moral, com sete
respostas para os diferentes nveis,
variando entre pouco ou quase nunca (1) e alta intensidade (7).
Os resultados encontrados
demostraram um total de 13 itens com intensidade maior do que
cinco, como por exemplo,
equipe de trabalho insuficiente, obedecer ordens mdicas para
realizao de exames
desnecessrios em pacientes terminais e tratamentos de sustentao
de vida que prolongam a
morte.
No Brasil, um estudo de adaptao transcultural da escala para
avaliao do sofrimento
moral (instrumento originalmente americano), feita por Barlem et
al. (2013b), definiu quatro
principais motivos para o surgimento de sofrimento moral no
cotidiano da enfermagem. So
eles: a negao do papel da enfermeira como advogada do paciente,
a falta de competncia na
equipe de trabalho, o desrespeito autonomia do paciente e a
obstinao teraputica.
Ainda no mesmo estudo, em seus resultados, os autores
encontraram que a varivel falta
de competncia na equipe de trabalho foi a que apresentou maior
frequncia, sendo este o fator
que provoca maior sofrimento moral nos participantes. Alm disso,
o sofrimento das
enfermeiras estudadas apresentou maior ligao com o as aes
relacionadas equipe mdica,
demonstrando uma possvel preocupao dessas profissionais em relao
a atos de negligncia
e falta de comprometimento com o cuidado ao paciente
Em um estudo qualitativo que objetivou conhecer como os
trabalhadores de
enfermagem vivenciam o sofrimento moral no exerccio da profisso,
Dalmolin, Lunardi e
Filho (2009), encontraram que o ambiente de trabalho
apresenta-se como uma fonte de
sofrimento moral. Relacionaram ao ambiente de trabalho, a falta
de recursos materiais e
humanos, com subsequente delegao de funes de cuidado a
familiares, e os conflitos gerados
pela dificuldade de relao multiprofissional existente. Alm
disso, a ausncia de respeito ao
27
paciente, com sentimentos relacionados ao no comprometimento dos
profissionais em relao
s informaes fornecidas aos pacientes, e a morte, com questes
relacionadas negligncia, a
relao com a famlia em situao de morte, e o sentimento de perda e
impotncia inerentes ao
processo de morte.
Investigando de que forma o sofrimento moral afeta os pacientes,
Corley (2002), destaca
que os sentimentos de raiva e culpa, relacionados ao sofrimento
moral, podem levar os
enfermeiros a evitarem os pacientes. Alm de evitar os pacientes,
por vezes, os enfermeiros
tornam-se demasiadamente solcitos, por se sentirem culpados em
relao ao que est
acontecendo com eles. Ainda, o aumento da dor em alguns
pacientes, maior tempo de
internao devido assistncia inadequada, e a utilizao de tticas de
enfrentamento como
fuga e distanciamento em uma tentativa de amenizar o sofrimento
moral.
2.2 SOFRIMENTO MORAL NA ENFERMAGEM PEDITRICA E O CUIDADO S
CRIANES
De acordo com o Child and Adolescent Health Measurement
Initiative (2012), cerca de
14,6 milhes de crianas e adolescentes com idades entre 0-17 anos
nos Estados Unidos
(19,8%) tm necessidades especiais de sade. A prevalncia de
CRIANES varia de 14,4% a
26,4% em todos os 50 estados e no Distrito de Columbia. Cerca de
65% das CRIANES possuem
necessidades de servios mais complexos, que vo alm de uma
necessidade primria, como a
prescrio de medicamentos, para a manuteno da sua condio de sade.
Em comparao
com crianas que no possuem necessidades especiais de sade
(no-CRIANES), as CRIANES
so mais propensas a serem do sexo masculino (49,4% vs 58,1%) e
mais velhas 12-17 anos
(43,2% vs 31,8%) (CAHMI, 2012).
No Brasil, no existem taxas epidemiolgicas oficiais referentes a
esta clientela. Sabe-
se que as taxas de mortalidade caram, porm ainda grande o nmero
de mortes de recm
nascidos nos primeiros 30 dias de vida, cerca de 57% (BRASIL,
2012b).
Alguns estudos regionais vm apontando para dados importantes
referentes s
CRIANES no Brasil. Neves-Vernier e Cabral (2006), em um estudo
realizado na regio Sul do
Brasil, demonstraram que 58,5% das crianas atendidas em servios
de pediatria, em um
hospital escola, acabaram desenvolvendo algum tipo de
necessidade especial de sade
relacionadas a causas perinatais, tais como: infeces neonatais;
hipxia/anxia neonatal;
malformaes congnitas; prematuridade e doenas sindrmicas.
28
Um estudo realizado tambm no Sul do Brasil encontrou entre a
clientela atendida em
um ambulatrio de pediatria, 16% de egressos da Unidade de
Terapia Intensiva, sendo que estes
desenvolveram alguma necessidade especial de sade,
constituindo-se de uma clientela
representativa neste servio. Na mesma pesquisa, verificou-se que
os motivos mais recorrentes
de internao foram as causas respiratrias, prematuridade e
disfunes neurolgicas, tendo sua
sobrevivncia garantida pela internao no servio de terapia
intensiva (ARRU; et al., 2014).
Neves e Cabral (2009) descreveram em seu estudo trs fatores
fundamentais para a
mudana do perfil epidemiolgico na infncia brasileira. So eles:
condies nutricionais e
ambientais melhoradas na infncia; implementao de estratgias e
programas de sade
voltados a reduo da mortalidade infantil, tais como, o Programa
Nacional de Imunizao, que
reduziu as doenas infecciosas e imunoprevinveis; e, por ltimo, a
utilizao das novas
tecnologias aplicadas a sade humana na recuperao de doenas na
infncia.
Alm disso, o estado de sade cronificado devido a longos perodos
de internao
hospitalar por doenas evitveis, as doenas complexas
desenvolvidas aps um perodo extenso
de internao em terapias intensivas, e as malformaes congnitas
resultantes em uma
necessidade de acompanhamento contnuo de servios de sade, so os
trs fatores mais
importantes para a determinao das necessidades especiais de sade
(NEVES; CABRAL,
2008).
As CRIANES foram classificadas em cinco tipos, de acordo com a
tipologia de cuidados
que apresentam (CABRAL, 2004; NEVES-VERNIER; CABRAL, 2006;
NEVES; CABRAL,
2008; MORAES; CABRAL, 2012). No primeiro tipo, encontram-se as
crianas que demandam
algum cuidado especial relacionado sua condio motora ou de
desenvolvimento; no segundo,
as crianas que necessitam de medicaes de uso contnuo para a
manuteno de sua
sobrevivncia e qualidade de vida; no terceiro, aquelas que
necessitam da utilizao de recursos
tecnolgicos, tais como sondas, cateteres semi-implantados,
cnulas de traqueostomia, entre
outros; no quarto encontram-se aquelas que necessitam de
cuidados habituais modificados para
sua sobrevivncia, necessitando de demandas para alm do requerido
pelas crianas
habitualmente, e por fim, aquelas que possuem demandas mistas,
apresentando todas essas
demandas ao mesmo tempo.
Considerando as diversas demandas que as CRIANES podem
apresentar, Neves e
Cabral (2008) ressaltam que essas crianas possuem dois aspectos
importantes a serem
considerados. O primeiro diz respeito fragilidade clnica que
esta clientela apresenta, referente
aos diferentes diagnsticos complexos que possuem, associados ao
elevado nmero de
internaes/reinternaes, com aumento da complexidade diagnstica a
cada reinternao. O
29
segundo, refere-se vulnerabilidade social a que esto submetidas,
uma vez que no so uma
clientela reconhecida pelo sistema de sade brasileiro,
dificultando o estabelecimento de
polticas pblicas especficas que garantam e preservem a sua
sobrevivncia e seu bem estar
social.
No momento da alta hospitalar, os cuidados necessrios para a
sobrevivncia da
CRIANES passam a ser responsabilidade dos familiares. Silveira e
Neves (2012), destacam que
o profissional de enfermagem deve preocupar-se em integrar a
famlia no desenvolvimento
deste cuidado, por meio do estabelecimento de um dilogo que
possa diminuir os obstculos
que esta famlia ir enfrentar.
As famlias, alm de sarem do hospital levando consigo suas
crianas com necessidades
de cuidados complexos carregam uma grande responsabilidade que
envolve a apreenso de
habilidades at ento desconhecidas, para cuidarem de seus filhos.
Assim, o cuidado de
enfermagem deve enfatizar que estes cuidadores aprendam a
executar tcnicas necessrias para
a realizao do cuidado de seus filhos no domicilio (GES; LA CAVA,
2009).
Diante do pressuposto da articulao sade e educao se torna
responsabilidade dos
profissionais de sade praticar e atentar para a educao em sade
como um processo de
construo de conhecimentos que visa apropriao sobre o tema pela
populao em geral.
tambm considerada esta prtica como contribuinte para o aumento
da autonomia das pessoas
no seu cuidado e no debate com os profissionais, para alcanar
uma ateno na sade de acordo
com suas necessidades (CABRAL; AGUIAR, 2003).
Em seu estudo, Moraes e Cabral (2012) descreveram que a prtica
da enfermagem no
contexto hospitalar relacionada s CRIANES, torna-se visvel
diante da importncia do
enfermeiro como educador. A relao harmoniosa entre a me e a
enfermeira, estabelece-se no
momento da transmisso de contedos mediados pelo modelo pedaggico
baseado no
treinamento. Entretanto, ainda verifica-se a pouca valorizao dos
saberes relacionais nos quais
baseiam-se os cuidados afetivos, causando uma invisibilidade
deste profissional.
Todas essas questes apontam para a necessidade de que o cuidado
a CRIANES seja
estudado mediante os mais diversos aspectos, sendo de
fundamental importncia o
estabelecimento de aes pautadas na tica da enfermagem.
Rodrigues et al. (2013), relata que uma prtica da enfermagem
crtica, coerente e
compromissada com a dignidade humana, direcionada a criana e sua
famlia, necessita de uma
apropriao de conceitos ticos e bioticos que visem uma dimenso
cientifica capaz de
acompanhar o desenvolvimento cientfico e tecnolgico que se
apresenta no cotidiano de
cuidado.
30
Ainda, Rodrigues et al. (2013) destacam que:
A compreenso e a busca da soluo dos conflitos morais emergentes
na atuao junto
criana hospitalizada e sua famlia se fundam na valorizao da vida
humana como
um direito inalienvel e se pautam na experincia como algo
significativo da relao
de quem cuida e cuidado como um projeto intencional e
intersubjetivo
(RODRIGUES, et al., 2013, p. 745).
Carnevale et al. (2008) destacam que os modelos legais e ticos
dominantes referentes
s crianas com cuidados contnuos e complexos, centram-se no
estabelecimento do padro
tico sobre os melhores interesses da criana, bem como, o
respeito pelas decises de tratamento
tomadas pelos pais da criana. Com isso, as consideraes ticas
sobre interesses das famlias
como um todo tendem a ficar restritas aos momentos crticos de
tomada de decises. Ressalta-
se, ento, que as preocupaes cotidianas, os dilemas e o
sofrimento moral vivenciado por essas
crianas, seus irmos, pais, e profissionais de sade, precisam ser
iluminadas e discutidas por
pesquisas futuras.
31
3 PERCURSO METODOLGICO
3.1 ARTIGO 1. METODOLOGIAS QUALITATIVAS EM PESQUISA NA SADE:
REFERENCIAL INTERPRETATIVO DE PATRICIA BENNER
Qualitative methodologies in health research: interpretive
framework of Patricia
Benner2.
Metodologas cualitativas en investigacin en salud: referencial
interpretative de
Patricia Benner
Rassa Passos dos SantosI, Eliane Tatsch NevesI, Franco
CarnevaleII
I Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Ps-Graduao em
Enfermagem. Santa Maria-RS, Brasil. II McGill University, Ingram
School of Nursing, Montreal Children's Hospital. Montreal,
Canada.
Como citar este artigo:
Santos RP, Neves ET, Carnevale F. Qualitative methodologies in
health research: interpretive
referential of Patricia Benner. Rev Bras Enferm [Internet].
2016;69(1):178-82. DOI:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2016690125i
Submisso: 16-04-2015 Aprovao: 27-08-2015
RESUMO
Objetivo: este artigo relata a experincia de utilizao do
referencial fenomenolgico
interpretativo de Patricia Benner em uma pesquisa de dissertao
de mestrado. A
fenomenologia interpretativa, pautada em referenciais filosficos
existenciais e de
interpretao, possui como objetivo compreender as experincias
humanas nos diversos
mundos dos participantes da pesquisa. Os dados foram coletados
por meio de entrevistas com
nove enfermeiros, nos meses de novembro e dezembro de 2014.
Resultados: o processo de
anlise dos dados, de acordo com o referencial de Benner, segue
os passos: transcrio,
codificao, anlise temtica e busca por casos paradigmticos e
exemplares. Para tanto, os
conhecimentos prvios dos pesquisadores fazem parte da estrutura
do projeto interpretativo,
constituindo as vias de conduo do estudo. Concluso: o uso desse
referencial terico e
metodolgico constituiu-se em um desafio para a pesquisadora,
porm demonstrou potencial
2Artigo publicado no Peridico Revista Brasileira de Enfermagem
na edio 01 de jan-fev de 2016 Deciso
editorial (ANEXO B)
32
mpar para o desvelamento de fenmenos existenciais relacionados
ao cotidiano dos
participantes.
Descritores: Metodologia; Mtodo; Pesquisa Qualitativa;
Enfermagem; tica em Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: this article reports on the experience of using the
interpretive phenomenological
framework of Patricia Benner in a Brazilian context. Benners
interpretive phenomenology,
based on existential and interpretative philosophy, aims to
understand human experiences in
the particular worlds of research participants. Data were
collected through interviews with nine
nurses in November and December 2014. Results: data analysis
process according to Benners
framework consisted of: transcription, coding, thematic
analysis, and search for paradigmatic
cases and examples. Therefore, the prior knowledge of the
researcher is an important part of
the study, consisting in manners of the research conduction.
Conclusion: The use of this
methodological framework entailed a great challenge for the
researcher, however, it also
enabled a unique opportunity to illuminate important existential
phenomena related to the daily
lives of research participants.
Keywords: Methodology; Method; Qualitative Research; Nursing;
Nursing Ethics.
RESUMEN
Objetivo: este artculo relata la experiencia de utilizacin del
referencial fenomenolgico
interpretativo de Patricia Benner en una investigacin de
disertacin de maestra. LA
fenomenologa interpretativa, pautada en referenciales filosficos
existenciales y de
interpretacin, posee como objetivo comprender las experiencias
humanas en los diversos
mundos de los participantes de la investigacin. Los datos fueron
recogidos por medio de
entrevistas con nueve enfermeros, en los meses de noviembre y
diciembre de 2014. Resultados:
el proceso de anlisis de los datos, de acuerdo con el
referencial de Benner, sigue los pasos:
transcripcin, codificacin, anlisis temtico y bsqueda por casos
paradigmticos y
ejemplares. Para tanto, los conocimientos prvios de los
investigadores forman parte de la
estructura del proyecto interpretativo, constituyendo las vas de
conduccin del estudio.
Conclusin: el uso de ese referencial terico y metodolgico
constituye en un desafo para la
investigadora, sin embargo demostr excelente potencial para el
desarrollo de fenmenos
existenciales relacionados al cotidiano de los
participantes.
Palabras clave: Metodologa; Mtodo; Investigacin Cualitativa;
Enfermera; tica en
Enfermera.
33
INTRODUO
O reconhecimento da pesquisa qualitativa no campo das cincias da
sade, bem como a
sua popularidade, tem aumentado de maneira significativa nas
ltimas dcadas(1-2). Sabe-se que,
historicamente, a abordagem quantitativa foi predominante na rea
da sade, sendo de extrema
importncia para o entendimento de dados sobre populaes, questes
relacionadas a doenas,
e a ocorrncia de certos problemas de sade(2).
O crescimento da popularidade da pesquisa qualitativa vem
demonstrando uma crise
nas avaliaes epidemiolgicas tradicionais conhecidas nas cincias
da sade. A pesquisa
qualitativa, amplamente narrativa, firma-se, fundamentalmente,
em dados baseados na
linguagem e comportamento, os quais a relevncia no significativa
atravs de clculos
numricos e procedimentos estatsticos(3).
Nesse contexto, diversas tradies qualitativas emergiram, tais
como teoria
fundamentada nos dados, fenomenologia, hermenutica, etnografia,
teorias feministas, ps-
estruturalismo crtico, etnometodologia, ps-moderna, narrativas,
entre tantas outras. Cada uma
delas possui metodologias distintas e especficas para coleta e
anlise dos dados(4).
A fenomenologia, iniciada por Husserl, nasce como um movimento
filosfico que se
preocupa com a dimenso subjetiva dos fenmenos presentes na
natureza humana e possui,
nesse momento, um carter puramente descritivo. Neste processo, o
foco descrever os
fenmenos da forma como eles apresentavam-se em sua essncia.
Husserl estava interessado
em conhecer os fenmenos da existncia humana atravs da
percepo(5).
Na fenomenologia hermenutica, Heidegger acrescenta s ideias de
Husserl a noo de
estar no mundo como a forma na qual os seres humanos esto
situados significativamente no
mundo atravs do tempo. Ainda, Heidegger afirma que a interpretao
constitui-se em um
processo crucial para chegar compreenso. Este processo
interpretativo alcanado atravs
do crculo hermenutico, que se move das partes da experincia para
o todo, e volta-se para as
partes, e assim por diante, dando profundidade
compreenso(5).
Dentre os diversos campos de investigao fenomenolgica, este
artigo tem como
objetivo relatar a experincia de utilizao da metodologia
qualitativa interpretativa com o
referencial de Patricia Benner. Trata-se de uma pesquisa
vinculada a uma dissertao de
mestrado, intitulada: Sofrimento moral e as vivncias morais de
enfermeiros que cuidam de
crianas com necessidades especiais de sade, a qual foi
desenvolvida em um perodo de
estgio sanduche na Universidade McGill, em Montreal, Canad, sob
orientao do professor
Dr. Franco Carnevale. Essa dissertao encontra-se em fase de
concluso e foi aprovada pelo
comit de tica em pesquisa da instituio.
34
A FENOMENOLOGIA INTERPRETATIVA DE PATRICIA BENNER
O mtodo fenomenolgico interpretativo, descrito por Benner,
pauta-se nos conceitos
filosficos de busca pela compreenso da condio humana, das
experincias vividas e das
formas sobre como ns conhecemos e compreendemos o mundo(6).
Estes conceitos so
advindos da fenomenologia existencial dos filsofos Kierkegaard,
Heidegger, Merleau-Ponty,
Wittgenstein, Dreyfus e Taylor, bem como da hermenutica
tradicional(6).
Com o objetivo de estudar os fenmenos em sua essncia, o fenmeno
e o seu contexto
estruturam o projeto interpretativo de compreenso do mundo dos
participantes e dos eventos
referentes a ele. O pesquisador interpretativo deve criar um
dilogo entre os conceitos prticos
e as experincias vividas ligando raciocnio e imaginao ao mundo
dos participantes(6).
Ao utilizar-se do mtodo fenomenolgico interpretativo, o
pesquisador busca
compreender o mundo dos conceitos, hbitos e prticas apresentadas
por meio das narrativas
dos participantes e de aes especficas. Estas compreenses so,
ento, utilizadas para
contrastar similaridades e diferenas inseridas nas falas dos
participantes e em aes
especficas(6).
Compreender as inquietaes humanas, os significados, a
aprendizagem experiencial, o
comportamento prtico hbil do dia a dia, quando eles esto
funcionando sem problemas ou
esto em crise, o objetivo em oposio explicao ou previso por meio
de leis casuais e
proposies tericas formais(6). Desta forma, reconhece-se que, nas
cincias humanas, a
compreenso torna-se mais rica do que apenas a explicao, tendo em
vista que a compreenso
liga-se mais profundamente s experincias humanas e seus
significados(6).
Para Benner, os pesquisadores interpretativos devem
interessar-se pelas distines e
afinidades entre os diversos mundos dos participantes estudados.
Para isso, deve compreender
em que condies humanas, e os pontos em comum, essas semelhanas
se tornam possveis.(6)
Benner(6) descreve cinco fontes de semelhanas que devem ser
exploradas pelo
pesquisador interpretativo nas narrativas dos participantes:
1) Situao: compreenso de como os indivduos colocam-se nas
diversas situaes,
considerando sua histria e contexto atual;
2) Corporeidade: compreenso dos indivduos como um corpo dotado
de conhecimentos,
prticas e habilidades;
3) Temporalidade: considera a experincia vivida como uma maneira
de projetar-se no futuro
e compreender-se no passado, porm no de uma maneira linear, e
sim considerando a
experincia vivida na sua temporalidade;
35
4) Preocupaes: a maneira como o indivduo est situado
significativamente na situao, o
que realmente importa para a pessoa;
5) Significados em comum: significados lingusticos e culturais
comuns que se apresentam e
mostram quais seriam os possveis problemas, acordos e desacordos
entre as pessoas(6).
Nesse sentido, os conhecimentos prvios dos pesquisadores fazem
parte da estrutura do
projeto interpretativo, constituindo as vias de conduo do
estudo. Para isso, o pesquisador
precisa desenvolver a habilidade de engajar-se, por meio do
raciocnio clnico, nas diversas
situaes narradas pelos participantes. Entretanto, parte central
nesse processo que o
pesquisador tenha a habilidade de manter um movimento constante
de ida e volta a seus
conceitos inicias, compreendendo que dvidas e interpretaes
equivocadas fazem parte do
processo de busca por uma compreenso o mais ampla
possvel(6).
PROCEDIMENTOS DE COLETA, ORGANIZAO E ANLISE DOS DADOS
Para o desenvolvimento do projeto de pesquisa, teve-se como
objetivo inicial
compreender as vivncias de sofrimento moral de enfermeiros que
cuidam de crianas com
necessidades especiais de sade. A elaborao desse objetivo deu-se
a partir da pergunta de
pesquisa: como o sofrimento moral se apresenta no cotidiano de
trabalho de enfermeiros que
cuidam dessas crianas? Este estudo teve sua coleta dos dados
realizada nos meses de novembro
e dezembro de 2014.
O fenmeno e o seu contexto conformam o projeto interpretativo de
entender o mundo
vivido dos participantes da pesquisa. Nas bases da linha de
investigao, o pesquisador pode
utilizar-se de fontes de texto e um grupo de situaes que podem
incluir entrevistas individuais
ou em grupo, observao participante, documentos, entre outras
fontes de dados. Ainda, por
buscar a compreenso, mltiplas entrevistas so possveis para que o
entrevistador tenha a
oportunidade de revisar cuidadosamente e revisitar o material
para o desenvolvimento de uma
prxima entrevista. Isso permite que o pesquisador e o
participante tenham uma segunda chance
na busca pela compreenso do fenmeno e tantas outras quantas
forem necessrias(6).
Utiliza-se a entrevista como uma estratgia pela qual o
pesquisador poder acessar o
mundo do participante, buscando a compreenso do objeto de estudo
inserido no contexto do
vivido(6). O objetivo da entrevista, na fenomenologia
interpretativa, estabelecer um dilogo
verdadeiro entre pesquisador e participante. Nesse movimento
dialgico, o pesquisador est
imerso no compromisso de ouvir e representar a voz do
participante. Assim, o pesquisador
precisa desenvolver um processo crtico-reflexivo, possibilitando
uma abertura entre este e o
36
participante do estudo; alm de exercitar a habilidade de ouvir
questionamentos e enfrentar
desafios para as suas questes iniciais da pesquisa, as quais ele
no considerava previamente
ao encontro com o contexto do estudo(6).
A utilizao da entrevista, com o intuito de reconhecer e dar a
voz aos participantes da
pesquisa, foi desenvolvida buscando o relato das histrias de
seus mundos e conceitos prticos
a fim de que eles descrevessem, de forma natural, a sua prtica
cotidiana de cuidado. O papel
do relato das histrias central na fenomenologia interpretativa,
pois quando as pessoas
constroem suas prprias histrias, elas podem imergir em suas
experincias mais imediatas, e
o risco de se criar generalizaes ou ideologias diminudo(6).
Os momentos de entrevistas exigiram concentrao e escuta atentiva
da pesquisadora,
uma vez que os participantes, em suas individualidades, variaram
entre aqueles que tinham
muito a dizer, o que necessitou por parte da pesquisadora uma
escuta cautelosa para que o objeto
de estudo continuasse a perpassar e permear o dilogo e, tambm,
aqueles que responderam de
forma objetiva, necessitando um esforo por parte da pesquisadora
para que o objeto de estudo
fosse aprofundado, porm sem interferncia de conceitos
preestabelecidos pela pesquisadora
na fala dos participantes. Para tanto, questes como: como foi
isso pra voc?; voc poderia
me explicar mais sobre isso?; o que voc acha que isso significa
pra voc?; foram utilizadas
para que os participantes pudessem imergir mais profundamente em
suas experincias, dando
clareza narrativa.
Durante esse processo, houve momentos de incerteza e preocupao
por parte da
pesquisadora em relao ao alcance dos objetivos da pesquisa. Este
momento exigiu
concentrao, momentos de leitura, bem como reunies com os
professores orientadores, os
quais destacaram que a conduo das entrevistas estava ocorrendo
de maneira satisfatria.
Porm, o movimento de busca pelo objeto de estudo para os
fenmenos apresentados pelos
participantes deveria ser explorado o mximo possvel. O dilogo
interpretativo comea com a
primeira entrevista e, a partir disso, a coleta dos dados, a
investigao e a anlise no caminham
mais separados, permitindo que o pesquisador estabelea linhas de
investigao constitudas
pelos prprios dados empricos, assegurando a qualidade da
pesquisa(6).
Dessa forma, reconhece-se que, para alm das dimenses do objeto
de pesquisa inicial,
existiam outras dimenses ampliadas que foram descritas pelos
participantes, em um
movimento no qual a questo de pesquisa lanada, inicialmente,
fosse confrontada. Isto
propiciou espao e oportunidade para que o fenmeno estudado
mostrasse as suas diversas
facetas. Neste sentido, as entrevistas foram conduzidas de
maneira a ouvir o que importava para
os participantes, engajando-se na necessidade de ouvi-los.
37
Isto significa que nem sempre suas falas estavam centradas no
sofrimento moral,
entretanto, houve um interesse por parte da pesquisadora em
aprofundar os pontos pertinentes
para os participantes, considerando os conhecimentos prvios da
mesma quanto s questes
ticas do cuidado. Nesse sentido, as narrativas dos participantes
trouxeram situaes de
sofrimento moral, relacionadas, por exemplo, ao sentimento de
impotncia referente
impossibilidade de uma tomada de atitude que diminua a dor da
criana, a dificuldade em lidar
com a morte na infncia, as dificuldades na relao com a equipe
mdica, entre outros. Ainda,
no movimento de compreenso, situaes associadas satisfao
profissional ao ver o retorno
positivo do tratamento da criana, o sentimento de
compartilhamento de dilemas com os colegas
de trabalho que reafirma a moralidade das aes da enfermagem e a
agncia moral dos
enfermeiros em relao aos pacientes peditricos, advogando em prol
do bem-estar da criana,
foram analisadas e includas nos resultados como uma dimenso que
amplifica a compreenso
sobre o sofrimento moral e o engajamento dos enfermeiros que
cuidam de crianas com
necessidades especiais de sade.
Esse momento configura-se como um momento fundamental na
fenomenologia
interpretativa, pois reafirma que a anlise dos dados no se
constitui de uma etapa que ocorre
isolada do momento de coleta. Isto porque o pesquisador
utiliza-se de seus conhecimentos
anteriores para desenhar os rumos da pesquisa, porm
compromete-se com a no imposio de
pressupostos aos fenmenos estudados, permitindo que os mesmos
assumam diversas
conformidades(6). Na investigao hermenutica, h sempre uma
preocupao em desenvolver
um movimento cclico corretamente, considerando a maneira como o
pesquisador
compreendia o fenmeno anteriormente. Entretanto, necessrio que
este esteja aberto a
respeitar a possibilidade de que o fenmeno estudado mostre-se de
formas diferentes durante a
interpretao(7).
Ao final do processo de coleta de dados, nove entrevistas foram
realizadas. O momento
de encerrar as entrevistas, em uma abordagem fenomenolgica, pode
ser entendido como aquele
em que as falas dos participantes possuem estruturas suficientes
para que a compreenso do
objeto de estudo obtenha a mxima clareza, tendo, assim, os seus
sentidos desvelados e os
objetivos alcanados(8).
Aps a transcrio das entrevistas, houve, primeiramente, uma
leitura inicial e
superficial de cada uma delas. Em seguida, foi realizada uma
leitura atentiva e cuidadosa de
cada uma das entrevistas em separado para que a essncia de cada
um dos participantes pudesse
ser captada. A leitura individual de cada entrevista
constitui-se em uma etapa importante na
38
fenomenologia interpretativa, uma vez que se busca pela apreenso
dos significados dos
fenmenos em sua individualidade, considerando a subjetividade de
cada participante(6).
A leitura de toda a entrevista feita para que se tenha um
entendimento global sobre a
histria e, em seguida, tpicos, preocupaes e eventos so
selecionados para uma leitura mais
detalhada do texto(6). Nesta etapa, busca-se atravs da leitura
cautelosa encontrar em cada uma
das entrevistas cdigos que identifiquem partes importantes a
serem observadas no texto. Os
cdigos correspondem a um olhar mais focado em uma parte
especfica da narrativa, podendo-
se fazer uma analogia ao que seria um zoom ptico em uma
determinada parte do texto. A
codificao ocorreu em todas as entrevistas separadamente.
Destaca-se que o processo de codificao no teve fim nesta etapa,
sendo que, a cada
novo olhar da pesquisadora sobre os dados apresentados pelas
entrevistas, os cdigos podiam
ser alterados, visto que o processo de interpretao no possui um
limite estabelecido de incio,
meio e fim, mas, sim, conforma-se como um processo cclico de
compreenso, interpretao, e
crtica(6). Deve-se criar um movimento sistemtico entre as partes
e o todo do texto, permitindo
que o pesquisador verifique a existncia de incongruncias e
unifique conceitos repetidos(6).
Durante essa etapa, houve por parte da pesquisadora um
reconhecimento de que as
vivncias descritas pelos participantes possuam uma amplitude de
significados para alm do
sofrimento moral. Dessa maneira, percebeu-se que para alm das
vivncias de sofrimento
moral, os participantes trouxeram em suas falas diversas situaes
envolvendo vivncias morais
que no podem ser desconectadas para a compreenso de uma forma o
mais profunda possvel.
Ressalta-se que a explicao sobre os conceitos de sofrimento
moral e vivncia moral vo alm
dos objetivos deste trabalho, portanto, no sero abordadas nesse
momento.
Assim, alm dos fenmenos relacionados ao sofrimento moral, as
situaes descritas
pelos participantes referentes s vivncias morais tambm foram
analisadas nesta pesquisa,
revelando-se como um novo objeto de estudo. Esse movimento de
extrema importncia, pois
se considera que o design do projeto interpretativo deve possuir
abertura suficiente para que as
questes iniciais do pesquisador sejam confrontadas, alteradas e
reformuladas ao longo do
processo de interpretao(6).
Aps a codificao de cada entrevista, foi elaborado um resumo para
cada uma das
narrativas dos participantes, utilizando-se os itens
codificados. O resumo das entrevistas
possibilita que o pesquisador, apesar de focado em partes
importantes do texto, no
desconsidere o todo, facilitando o movimento de ida e vinda
entre as partes importantes
destacadas e o todo, processo esse de extrema importncia na
interpretao.
39
Ao final da codificao de cada entrevista, os cdigos semelhantes
foram agrupados em
categorias dentro das entrevistas. Essas categorias de
significado constituram-se do
agrupamento dos cdigos que descreviam situaes relacionadas aos
mesmos fenmenos
descritos pelos participantes.
Para a anlise, tem-se como estratgia identificar estruturas e
processos presentes nas
narrativas, que so aspectos que apresentam semelhanas e
contrastes nos diversos mundos dos
participantes. Com isso, objetiva-se na leitura minuciosa e
atentiva dos textos a busca por casos
paradigmticos e exemplares(6).
Os casos paradigmticos constituem-se de exemplos slidos de
conceitos ou padres
particulares. Ao identificar um caso paradigmtico, o pesquisador
tem a possibilidade de
entender como os conceitos so colocados em prtica no mundo
vivido, sendo este caso uma
possibilidade de um entendimento o mais amplo possvel da percepo
do fenmeno(6). Os casos
paradigmticos auxiliam o pesquisador interpretativo por meio de
um exemplo rico de
significados advindos da narrativa da vivncia do participante
que amplificam a compreenso
sobre como um determinado fenmeno pode ocorrer(9). Neste estudo,
dois casos paradigmticos
foram encontrados, os quais auxiliaram a elucidar como as
vivncias morais dos enfermeiros
apresentam-se a partir dos diversos nveis de engajamento desses
profissionais em sua prtica
assistencial.
Os casos exemplares, por sua vez, auxiliam o pesquisador a
demonstrar intenes e
conceitos dentro dos diversos contextos e situaes em que o
objetivo atribudo sobre a situao
pode ser diferente(8). A maior da parte da anlise desse estudo
baseia-se na compreenso dos
exemplares encontrados nos textos. Uma vez que o pesquisador
tenha encontrado padres de
significados e situaes em comum, os exemplares devem ser
extrados do texto para
demonstrar as semelhanas e diferenas entre as experincias
vividas encontradas nas narrativas
dos participantes(6).
Aps a anlise interpretativa de cada uma das entrevistas,
volta-se o olhar para o todo
buscando por temas que abranjam o conjunto. A anlise temtica na
fenomenologia
interpretativa possui o objetivo de procurar por padres de
significados, exemplos ou conceitos
que devem ser considerados mais do que apenas unidades
elementares, como palavras ou
frases(6). Alm disso, tem-se na anlise temtica a tentativa de
articular as compreenses amplas
advindas da constante comparao e leitura lado a lado de
diferentes casos paradigmticos e
exemplares(7). Neste estudo, quatro temas relacionados s
vivncias morais foram elencados e
descritos na anlise dos dados.
40
CONCLUSO
A utilizao da fenomenologia interpretativa para o desvelamento e
compreenso do
objeto desta pesquisa demonstrou ser um referencial terico e
metodolgico rico, alm de
potencialmente capaz de contribuir para o melhor entendimento da
prtica de enfermagem
relacionada ao cuidado tico em pediatria. Verificou-se que a
utilizao da interpretao
pautada no referencial de Benner desvelou significados ainda no
explorados e que foram
identificados com importantes repercusses no cuidado de
enfermagem, bem como na
qualidade de vida das crianas com necessidades especiais de
sade.
Ainda, a utilizao do referencial apresentou diversos desafios
relacionados
necessidade de traduo livre de conceitos devido ao fato de ainda
no existirem tradues
oficiais desse referencial na lngua portuguesa.
Destaca-se que este referencial preocupa-se em compreender
experincias humanas,
como tambm os significados dessas experincias para os diversos
atores dos cenrios de
estudo, posicionando os seres humanos como centro da investigao.
Desta forma, alm da
enfermagem, diversos campos de investigao podem interessar-se
por essa metodologia para
o alcance de seus objetivos.
Sugere-se que outros estudos utilizando este referencial sejam
realizados no Brasil com
vistas possibilidade de contribuio para a Cincia da Sade e da
Enfermagem, bem como
outras pesquisas que busquem a compreenso das habilidades,
conceitos, prticas, e mundos
dos diferentes atores no campo da sade.
REFERNCIAS
1. Macdonald ME. Growing quality in qualitative health research.
IJQM. 2009; 8(2). [cited 2015 Feb 21]. Available from:
http://ejournals.library.ualberta.ca/index.php/IJQM/article/view/6395/5399
2. Hills M. Human Science research in public health: The
contribution and assessment of a qualitative approach. Can J Publ
Health 2000; 91(6): I4 I7. [cited 2015 Feb 21]. Available from:
http://journal.cpha.ca/index.php/cjph/article/viewFile/35/35
3. Eakn JM, Mykhalovskiy E. Reframing the evaluation of
qualitative health research: reflections on a review of appraisal
guidelines in the health sciences. Journal of Evaluation in
Clinical Practice.
2003; 9 (2): 187194. [cited Feb 21]. Available from:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1365-2753.2003.00392.x/epdf
4. Carnevale FA. Authentic qualitative research and the quest
for methodological rigor. CJNR. 2002; 34(2): 121-128.
5. Laverty SM. Hermeneutic phenomenology and phenomenology: A
comparison of historical and methodological considerations. IJQM.
2003; 2(3): 21-35. [cited Feb 21]. Available from:
https://www.ualberta.ca/~iiqm/backissues/2_3final/pdf/laverty.pdf
6. Benner P. Interpretative phenomenology: Embodiment, caring,
and ethics in health and illness. Newbury Park (CA): Sage;
1994.
41
7. Benner P, Tanner CA, Chesla CA. Expertise in nursing
practice: Caring, clinical judgement, and ethics. 2nd ed. New York:
Springer; 2009.
8. Paula CC, Padoin SMM, Terra MG, Souza IEO, Cabral IE.
[Driving modes of the interview in phenomenological research:
experience report.] Rev Bras Enferm. 2014; 67(3): 468-72.
Portuguese.
[cited 2015 Feb 21]. Available from:
http://www.scielo.br/pdf/reben/v67n3/0034-7167-reben-67-
03-0468.pdf
42
3.2 CARACTERIZAO DO CENRIO E DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO
Por meio da literatura existente, e conhecimento pessoal da
pesquisadora considerou-
se, nessa esta pesquisa, as unidades de internao peditricas como
locais de grande convvio
dos enfermeiros com as crianas com necessidades especiais de
sade e suas famlias, uma vez
que, caracterizam-se como crianas que possuem um grande nmero
de
internaes/reinternaes, bem como internaes de longa durao, devido
ao seu estado de
sade fragilizado (NEVES E CABRAL 2008). Isto posto, v-se nas
unidades hospitalares um
cenrio rico em vivncias morais vindas do cotidiano de cuidado
desses profissionais
relacionados a esta clientela. Alm disso, o cenrio hospitalar
por constituir-se de um cenrio
complexo, de alta demanda tecnolgica, apresentando aos
enfermeiros situaes complexas de
cuidado, e que requerem grande demanda de tomada de deciso por
parte desses profissionais.
Para a realizao desse estudo, foram elencadas trs unidades
hospitalares de internao
peditrica de um hospital do sul do Brasil. So elas: Unidade de
Internao Peditrica (UIP),
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) e Unidade de
Terapia Intensiva Peditrica
(UTIP).
Esta instituio trata-se de um hospital de mdio porte, pblico,
federal, que atende
mdia e alta complexidade desde sua fundao, em 1970. referncia em
sade para a regio
centro-oeste do Rio Grande do Sul. Caracteriza-se como hospital
de ensino, com sua ateno
voltada para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa e extenso,
e assistncia em sade
(HUSM, 2014).
A UIP situa-se no sexto andar do hospital, possui dezesseis
leitos distribudos em uma
enfermaria de trs leitos, duas enfermarias de cinco leitos, uma
enfermaria de dois leitos e um
quarto com um leito para isolamento.
A equipe de enfermagem da UIP formada por sete enfermeiras,
treze auxiliares de
enfermagem e dez tcnicos de enfermagem distribudos nos
diferentes turnos, alm disso, conta
com mdicos, fisioterapeutas, psicloga, nutricionista,
fonoaudiloga, terapeuta ocupacional,
assistente social e odontlogo.
A UTIN possui dezoito leitos distribudos em alto risco (1-10) e
risco intermedirio (11-
18). Ainda, dentre os leitos de alto risco ressaltasse que trs
destes esto destinados a pacientes
externos e/ou que necessitem de isolamento, existindo sala
especfica para esta populao. A
equipe composta por dez mdicos, dois fisioterapeutas, uma
psicloga, onze enfermeiros e
trinta e oito tcnicos e auxiliares de enfermagem.
43
A UTIP possui cinco leitos todos de alto risco sendo dois desses
utilizados como
isolamento quando necessrio. A equipe possui sete mdicos, dois
fisioterapeutas, uma
psicloga, seis enfermeiros e dezesseis tcnicos e auxiliares de
enfermagem.
Destaco que as trs unidades ficam localizadas no mesmo andar do
hospital cenrio
dessa pesquisa. Apesar de terem peculiaridades referentes a cada
um dos servios, estas
unidades atuam de forma quase que integrada, na qual existem
movimentos de ida e vinda dos
pacientes, bem como, comunicao frequente entre membros das
diferentes equipes.
Os participantes desse estudo foram enfermeiros que pertenciam
ao quadro funcional
efetivo das unidades de internao e cuidado intensivo peditrico e
neonatal do referido
hospital. Foram excludos desse estudo enfermeiros que se
encontrassem em afastamento por
motivos de atestado mdico ou frias, durante o perodo de coleta
de dados.
Registro que a aproximao com os ambientes teve facilidades e
desafios de acordo com
as singularidades de cada um. Na aproximao com a UIP, no
encontrei dificuldades pela
familiaridade com o ambiente devido realizao de estgios
curriculares e extra curriculares
na unidade. Essa familiaridade proporcionou-me possibilidade de
utilizar salas separadas, bem
como a empatia com a equipe como um todo.
Nos cenrios de UTIN e UTIP, apesar de no serem completamente
desconhecidos,
devido a conexo existente entre as trs unidades no mesmo andar,
vi-me com um novo
indivduo, criando a necessidade de ambientar-me mais ainda
nesses servios. Por meio de
diversas visitas para apresentao dos objetivos da pesquisa, bem
como mediante autorizao
da chefia de enfermagem do servio para a realizao do estudo,
apresentei-me para os
enfermeiros como aluna do curso de mestrado e ressaltei as
possveis contribuies da pesquisa,
tais como a construo de um conhecimento que possa aperfeioar o
cuidado em enfermagem
peditrica.
Assim, considero que fui bem recebida pelos servios, no
possuindo dificuldades de
ambientao e conduo da pesquisa. A empatia j existente e reforada
pela aproximao
gerou confiana e expectativa pelos enfermeiros das unidades, ao
referirem-se ao projeto como
algo importante e que pode trazer benefcios para a prtica
assistencial da enfermagem
peditrica.
A escolha dos participantes foi feita de forma intencional,
considerando as suas
diferentes caractersticas de tempo de servio, tempo de formao,
idade e sexo. A escolha
intencional da amostra em pesquisa qualitativa explica-se pelo
carter de busca de
entendimento, o maior possvel, do fenmeno que est sendo
estudado. Para tal, necessrio
que a amostra seja constituda de casos ricos em informaes
passveis de desvelar o fenmeno
44
que se objetiva no projeto qualitativo (MINAYO, 2010). Alm
disso, considerando-se o
objetivo de desvelar os pontos em comum e as diferenas dos
diversos mundos participantes da
pesquisa interpretativa (BENNER, 1994), a escolha intencional
dos enfermeiros contempla os
objetivos do projeto interpretativo.
Os enfermeiros foram convidados a participar do estudo, mediante
convite feito
pessoalmente pela pesquisadora, em seus respectivos locais de
trabalho. No momento do
convite, foi informado aos participantes que a entrevista no
precisava ocorrer naquele
momento, e que o local para a realizao poderia ser em outro
local de sua livre escolha. Este
momento configurou-se como o primeiro momento de aproximao da
pesquisadora com os
participantes, e a postura disponvel e flexvel da pesquisadora
foi importante para que vnculo
com os participantes fosse estabelecido. Foi explicado tambm,
que devido a metodologia
utilizada para esta pesquisa, os enfermeiros precisariam
reservar em torno de uma hora para a
realizao da entrevista, evitando assim que possveis interrupes
comprometessem a
qualidade dos dados coletados, bem como, possveis
constrangimentos para os participantes.
No entanto, todos os enfermeiros dessa pesquisa solicitaram que
a pesquisadora
retornasse aos seus locais de trabalho para a realizao da
entrevista em um outro momento que
considerassem mais oportuno para eles, como por exemplo, quando
estivessem acompanhados
por outro colega enfermeiro, ou durante plantes noturnos, nos
quais a disponibilidade de tempo
para a realizao da entrevista seria maior. Duas entrevistas
precisaram ser remarcadas, mais
de uma vez, pelo fato de que os participantes haviam esquecido
do encontro com a
pesquisadora. Este momento configurou-se como um grande desafio
para a pesquisadora, pois
foi necessria pacincia e dedicao para que o vnculo criado no
fosse rompido, garantindo a
participao e colaborao dos enfermeiros na pesquisa.
As entrevistas ocorreram em diversos turnos de trabalho dos
enfermeiros, em suas
respectivas unidades de atuao. Foi necessrio que a pesquisadora
providenciasse uma sala
reservada nas unidades para a realizao das entrevistas,
garantindo privacidade e conforto aos
participantes do estudo. Ainda, mesmo que em sala reservada,
algumas entrevistas tiveram
momento de interrupo por ser uma sala de uso comum da equipe da
unidade. Entretanto, no
foram consideradas interrupes que comprometessem a qualidade dos
dados.
As nove entrevistas realizadas foram transcritas, sob dupla
transcrio independente
(pesquisadora e aluno de iniciao cientfica), e totalizaram cerca
de seis horas de udio. Esse
processo importante para que possveis erros durante a transcrio
possam ser corrigidos
atravs da comparao das narrativas transcritas.
45
3.3 COLETA E ANLISE DOS DADOS
Benner considera que o mundo e preocupaes prticas dos
participantes devem
disparar as questes iniciais (BENNER, 1994). Assim, para que o
dilogo fosse iniciado, a
seguinte questo foi colocada aos participantes: referente ao seu
dia-a-dia aqui na unidade
(peditrica, neonatal, intensiva peditrica) voc poderia me contar
sobre alguma situao em
que voc sentiu que sabia qual era a atitude correta a ser
tomada, porm por algum motivo,
sentiu-se impedido de realizar essa ao. Ao utilizar-se de uma
pergunta ampla e aberta,
buscou-se pelas situaes nas narrativas referentes ao sofrimento
moral. Todavia, destaca-se
que, na pergunta, no est implicada a obrigatoriedade de que os
participantes tivessem de fato
alguma vivncia relacionada a este fenmeno, mantendo a fidelidade
com a metodologia
utilizada.
No momento da coleta dos dados, senti tambm a necessidade de
refazer algumas
entrevistas, para que tivesse uma segunda chance de dar mais
clareza s narrativas, pois
acreditava que isso poderia ajudar na compreenso sobre porque o
sofrimento moral no era o
nico foco das narrativas dos participantes. Entende-se que, o
projeto interpretativo tem o
objetivo de desvelar os fenmenos estudados o mais claramente
possvel. Para tal, considera a
possibilidade de que mltiplas entrevistas sejam realizadas com o
mesmo participante,
constituindo-se essa de uma nova chance para o pesquisador rever
pontos que no ficaram
claros, desfazer possveis desentendimentos, e avanar na
compreenso do mundo dos
participantes da pesquisa (BENNER, 1994).
Destaco, que no momento da realizao da primeira entrevista,
todos os participantes
foram esclarecidos sobre a possibilidade de uma nova entrevista
ser realizada. A partir disso,
acionei um dos participantes para uma nova entrevista, e
expliquei a situao. A entrevista foi
realizada duas semanas aps a primeira, na mesma sala, durante o
planto.
Durante a entrevista, percebi que as situaes descritas pela
participante continham o
mesmo teor de significados da entrevista anterior, descrevendo
situaes cotidianas
relacionadas aos fenmenos j citados anteriormente. Entendeu-se,
que novas entrevistas para
o mesmo participante, no trariam mudanas notveis na qualidade
dos dados da pesquisa.
A anlise realizada compreende duas etapas do processo
interpretativo: a anlise
compreensiva e anlise interpretativa. Na anlise compreensiva, os
significados presentes nas
narrativas dos participantes so descritos, utilizando-se a
descrio dos exemplares encontrados
nos dados. Na anlise interpretativa, considera-se que existe um
salto no nvel de abstrao da
anlise realizada, onde os significados descritos pelos
participantes passam a ter sentido a partir
46
da utilizao dos conhecimentos prvios da pesquisadora. Na
interpretao, existe o
compromisso pelo alcance dos sentidos e a busca por padres que
possam desvelar a
compreenso sobre como o fenmeno pesquisado vivenciado pelos
participantes. Assume-se
que os momentos de compreenso e interpretao no ocorrem
separadamente, porm,
constituem-se de nveis diferentes de anlise do estudo
fenomenolgico interpretativo
(BENNER, 1994).
Portanto, este estudo teve a compreenso do objeto de pesquisa
baseado no fenmeno:
Engajamento das enfermeiras em suas relaes tico-profissionais e
vivncias morais
relacionadas ao cuidado de enfermagem peditrica. A partir disso,
quatro temas, com
respectivos subtemas sero apresentados nos resultados.
3.4 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA
O presente estudo foi apresentado e aprovado pela Direo de
Ensino e Pesquisa da
instituio onde os dados foram coletados. Aps, foi submetido
Plataforma Brasil (PB) para
apreciao do Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Universidade
Federal de Santa Maria, o