REVISTA CIENTÍFICA MULTIDISCIPLINAR NÚCLEO DO CONHECIMENTO ISSN: 2448-0959 https://www.nucleodoconhecimento.com.br RC: 61409 Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/comunicacao/raca-racialidade RAÇA, RACIALIDADE E RACIALISMO: A RESSIGNIFICAÇÃO ETMOLÓGICA DE UMA PSEUDO-SOCIOLOGIA E A REVERBERAÇÃO DO ESPETÁCULO RACIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO ARTIGO DE REVISÃO SANTOS, Yuri Tomaz dos 1 SANTOS, Yuri Tomaz dos. Raça, racialidade e racialismo: A ressignificação etmológica de uma pseudo-sociologia e a reverberação do espetáculo racial no contexto brasileiro. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 05, Ed. 10, Vol. 02, pp. 78-95. Outubro de 2020. ISSN: 2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/comunicacao/raca-racialidade RESUMO Este artigo tem como objetivo discutir a semântica do termo “raça” a partir dos determinismo racialistas, bem como a proposição de ressignificação pseudo- sociológica da etmologia à luz da sociologia e relações sociopolíticas. Objetiva-se ainda, compreender as reverbarações dos estudos que proporiam legitimar as diferenças étnico-raciais no contexto brasileiro a partir das relações de trabalho e condicionamentos sociais. Para tanto, foram selecionadas obras que discutem as relações supracitadas, configurando e caracterizando esta pesquisa como um trabalho de revisão. Constatou-se ao final, que o termo “raça” reflete uma concepção baseada nos ideais biológicos/gênicos e que, portanto, não existe um concenso entre a semântica da etmologia. Sendo raça uma instituição latente no Brasil, o racialismo e o racismo certificam a história social do país e se manifesta como fundante de 1 Graduação em Comunicação Social/Jornalismo em andamento na Universidade Federal de Viçosa.
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RAÇA, RACIALIDADE E RACIALISMO: A RESSIGNIFICAÇÃO ...
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evolutivas/intelectuais como condicionante – como objeto a ser analisado. A teoria
internamente incorporada, se fortificava na medida que as ideologias de que os
brancos eram mais fortes e capazes em detrimento do negro se espalhavam pela
Europa.
Dá-se o nome de darwinismo social ou eugenia a convicção de que as diferenças
biológicas são determinantes que sobrepõe um sobre o outro trazendo a ideia de
etnocentrismo, intolerância, racismo e estigmatização (SCHWARCZ, 2000).
Formuladas equivocadamente pelos cientistas (COMAS, 1970), tais teses se
apropriavam dos ideais darwinistas para explicar a diferença entre indivíduos brancos
e negros à luz do etnocentrismo.
Para o autor,
É injusto atribuir a Darwin – como muitos o têm feito – a paternidade dessa odiosa e desumana teoria; a verdade é que as sociedades de côr se tornando competidoras potenciais no mercado do trabalho e clamando por vantagens sociais consideradas como herança exclusivas dos brancos, estes tinham, obviamente, necessidade de alguma desculpa para justificar o extremado materialismo econômico que os conduzia a negar aos povos “inferiores” qualquer participação nos privilégios que eles mesmo desfrutavam. Por esta razão, acolheram com satisfação a tese biológica de Darwin e depois, por sua simplificação, distorção e adaptação, em conformidade com seus próprios interesses, transformaram-na no chamado “Darwinismo Social”, em que baseavam o seu direito de privilégios sociais e econômicos; isto é algo que não tem qualquer relação com os princípios puramente biológicos de Darwin [...] (COMAS, 1970, p. 16).
Antropólogos do período colonial, simpáticos ao determinismo ambiental e ao
neodarwinismo, postulariam a concepção de raça com base nas crenças de que as
diferenças poderiam ser explicadas pelas Ciência Biológicas. Em contrapartida,
estudos feitos no genoma humano comprovaram que a disparidade entre as possíveis
raças eram insuficientes para legitimar superioridade ou evolução para o gene oriundo
de indivíduos brancos (DEL CONT, 2013; BURIAN, 2013).
Além do determinismo biológico que legitimava a supremacia branca, o determinismo
climático, sugerido por Henry Thomas Buckle em 1895, auxiliou na fomentação da
concepção de privilégios políticos, econômicos e intelectuais. Segundo Schwarcz, em
apresentavam características fenotípicas semelhantes, como uma descendência
biológica – visto, portanto, à luz da ciência genética – e até mesmo como balizadora
no tocante à classe social.
Convergindo com os estudos de Skidmore (1989), Munanga (2003) ressalta a
concepção de uma “raça pura” (MUNANGA, 2003) que legitimava a ideia da
supremacia branca. A partir do século XVI raça passaria ser o determinante fundante
das relações sociais na França, cuja dicotomia se daria a partir dos Francos e
Gauleses, sendo o primeiro se opondo à equidade e considerando ser puros
racialmente e, por conseguinte, mais habilidosos e superiores com relação ao
segundo. Isso reflete “em como o conceitos de raças “puras” foi transportado da
Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre
classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvessem diferenças morfo-biológicas
notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes” (MUNANGA, 2003, p.
1).
Nesse ínterim, o conceito de raça foi apropriado das Ciências Biológicas e incorporado
no condicionamento social, passando a fomentar as divisões hierárquicas oriundas do
pensamento evolutivo hegemônico. Além dessas explicações enviesadas pela
ciência, a própria Teologia – que até então era o monopólio da razão – se apropriava
de um discurso de evolução entre grupos, que declinaria a partir do Iluminismo
(MUNANGA, 2003).
Para Schwarcz (2003), raça e cor se manifestam como problemas a serem
erradicados. A pesquisadora afirma,
Mal sabemos definir nossa cor e inventamos um verdadeiro carrefour de termos e nomes para dar conta da nossa indefinição nessa área. Além disso, a variedade de expressões e o caráter cotidiano de sua utilização atestam como esse é um país que ainda se apresenta e se identifica pela raça. [...] Afinal, porque é que todas as vezes que somos instados a falar de identidade voltamos à raça? Encontramos então uma série de versões que repetem e ressignificam uma certa ladainha que retorna à raça, como único porto seguro. [...] Talvez seja hora de não só deletar o racismo, mas de refletir sobre essa situação tão particular. Se, de fato, a ideia de uma democracia racial poucos adeptos tem nos dias de hoje, a constatação de que esse é um país que se define pela raça não é só importante como singular (SHWARCZ, 2000, p. 34).
Não obstante, o âmago racial dar-se-á, no Brasil, em acordos de negação como o que
foi supradito, no qual o problema estrutural se instala: no cerne do não
empoderamento e autoafirmação/autodeclaração e numa possível tentativa de
substituição de raça por etnia, o que, diretamente, negaria a existência de racismo.
Essas duas dimensões, ainda que indissociáveis e convergentes, devem ser
depreendidos como uma bipartição, uma vez que raça dentro dos Movimentos Negros
conota uma orientação sociopolítica que denuncia e legitima a tênue diferenciação
dos diversos dos políticos que se inserem em grupos étnico-raciais díspares ou
semelhantes (GOMES, 2005; BENTES, 1993; GUIMARÃES, 1999) existente nos
âmbitos econômicos, educacionais, relações sociais, no ramo trabalhista competitivo
e até mesmo no sistema carcerário e taxa de mortalidade – grosso modo, podem-se
comparar de jovens negros assassinados anualmente com relação à juventude
branca, negligências obstétricas nos partos de mulheres negras e negação de
prestação de socorro ou atendimentos médicos –, ao passo que etnia concerne ao
conjunto de práticas culturais de uma organização social (língua, ritos, rituais, território
etc.).
Eximindo-se da erradicação do termo, Munanga (2003), se propõe a ressignificar,
etmologicamente, a convenção de raça à luz da sociologia. O antropólogo é convicto
da inexistência da evolução genotípica entre grupos humanos e defende que raça
deve ser lido como uma diferença social entre os grupos classificados no Brasil em
cinco categorias: branco, preto/negro, pardo, amarelo e indígena. Em discordância do
que apresenta Schwarcz (2000), Munanga afirma que o racismo contemporâneo não
está mais entrelaçado entre a acepção de raça e/ou em qualquer variante biológica e
está presente também na etnia, na diferença cultural e de identidade (MUNANGA,
2003).
Em qualquer operação de classificação, é preciso primeiramente estabelecer alguns critérios objetivos com base na diferença e semelhança. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor d’água entre as chamadas raças. Por sso, que a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: raça branca, negra e amarela. Ora, a cor da pele é definida pela concentração da melanina. É justamente o degrau dessa concentração que define a
cor da pele, dos olhos e do cabelo. A chamada raça branca tem menos concentração de melanina, o que define a sua cor branca, cabelos e olhos mais claros que a negra que concentra mais melanina e por isso tem pele, cabelos e olhos mais escuros e a amarela numa posição intermediária que define a sua cor de pele que por aproximação é dita amarela. Ora, a cor da pele é resultante do grau de concentração da melanina, substância que possuímos todos, é um critério relativamente artificial. Apenas menos de 1% dos genes que constituem o patrimônio genético de um indivíduo são implicados na transmissão da cor da pele, dos olhos e cabelos [...] No século XIX, acrescentou-se ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação [...] (MUNANGA, 2003, p. 3-4).
Comungando da ressigficação pseudo-sociológica de raça proposta pelo antropólogo,
Nilma Lino afirma que, com relação a esta semântica,
É preciso compreender o que se quer dizer quando se fala em raça, quem fala e quando fala. Ao usarmos o termo raça para falar sobre a complexidade existente nas relações entre negros e brancos no Brasil, não estamos nos referindo, de forma alguma, ao conceito biológico de raças humanas usado em contextos de dominação, como foi o caso do nazismo de Hitler, na Alemanha. Ao ouvirmos alguém se referir ao termo raça para falar sobre a realidade dos negros, dos brancos, dos amarelos e dos indígenas no Brasil ou em outros lugares do mundo, devemos ficar atentos para perceber o sentido em que esse termo está sendo usado, qual o significado a ele atribuído e em que contexto ele surge. O Movimento Negro e alguns sociólogos, quando usam o termo raça, não o fazem alicerçados na idéia de raças superiores e inferiores, como originalmente era usada no século XIX. Pelo contrário, usam-no com uma nova interpretação, que se baseia na dimensão social e política do referido termo. E, ainda, usam-no porque a discriminação racial e o racismo existentes na sociedade brasileira se dão não apenas devido aos aspectos culturais dos representantes de diversos grupos étnico-raciais, mas também devido à relação que se faz na nossa sociedade entre esses e os aspectos físicos observáveis na estética corporal dos pertencentes às mesmas (GOMES, 2005, p. 45).
Sem problematizar os motivos pelos quais os grupos hegemônicos sempre ocuparam,
histórica e estruturalmente, lugares arquitetados e dificilmente apoderados por
sujeitos não-brancos, em “Raça como negociação” (2000), Lilia Schwarcz afirma que
“limitar a questão racial a um problema exclusivamente econômico pouco resolve.
Afirmar que a raça se esconde na classe é entender só parte da questão”
(SCHWARCZ, 2000, p. 35). Nesse sentido, Munanga evidencia que nem todo pobre
é preto, mas a maioria dos pretos são pobres.
Consciente de que a discriminação da qual negros e mestiços são vítimas apesar da “mistura do sangue” não é apenas uma questão econômica que atinge todos os pobres da sociedade, mas sim resultante de uma discriminação racial camuflada durante muitos anos, o Movimento Negro vem tentando conscientizar negros e mestiços em torno da mesma identidade através do conceito “negro” inspirado no “black” norte-americano. Trata-se, sem dúvida, de uma definição política embasada na divisão birracial ou bipolar norte-americana, e não biológica. Essa divisão é uma tentativa que já tem cerca de trinta anos e remonta à fundação do Movimento Negro Unificado, que tem uma proposta política clara de construir a solidariedade e a identidade dos excluídos pelo racismo à brasileira (MUNANGA, 2005, p.53).
Ao passo que Schwarcz (2000) indaga como falar de racismo num país em que sua
população rejeita sua cor, por outro lado, Rafael Sanzio Araújo dos Anjos, no projeto
Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal n° 10.639/03 (2005), propõe
que haja mudança nas “práticas educacionais e a construção e divulgação de outros
instrumentos de trabalho para o ensino, enfocando com seriedade a inserção do negro
brasileiro na formação do Brasil” pois isso seria uma “solução para alterar esse
quadro” (ANJOS, 2005, p.275).
O problema apontado por Schwarcz sobre o indivíduo abdicar seu pertencimento
étnico-racial está no dado no cerne da ideologia distorcida que faz com que o negro
não se sinta parte da identidade do país, problemas oriundos da inexpressividade no
que diz respeito à História do Brasil e ineficacácia da adequação das escolas e
discplinas aos programas e projetos federativos. De acordo com Gomes (2005), a luta
contra o racismo e racialismo depende de uma reeducação individual e social e “[...]
para isso, precisamos estudar, realizar pesquisas e compreender mais sobre a história
da África e da cultura afro-brasileira e aprender a nos orgulhar da marcante,
significante e respeitável ancestralidade africana no Brasil [...]” (GOMES, 2005, p.49)
4. O ESPETÁCULO RACIAL A PARTIR DA IDEOLOGIA LIBERALISTA
– RELAÇÕES DE TRABALHO E DESIGULADES NO BRASIL
Analisar o fenômeno da racialidade no Brasil, não remete, exclusivamente, em
levantar debates como racismo e preconceito, mas ordena compreender “raça” como
conceito e demarcador fundante da identidade de um país e, por conseguinte, sua
conjuntura cultural, correspondendo às características dos grupo étnico-raciais
distintos ou semelhantes entre si.
A ideia de que haveria liberdade política, econômica e das relações sociais como um
todo, promoveu campos de discussão, que para os otimistas da época, aquele era o
sistema que acabaria com a diferenciação e daria mais autonomia aos sujeitos. Essas
ideias, no entanto, eram difundidas em conjunto com as concepções eugenistas que
dominava os campos ideológicos, ou seja, o liberalismo, em consonância com o
racialismo, prometeria autonomia e equidade no Brasil, que à época era o palco da
espetacularização.
Em “Totalitarismo e Revolução” (1988), Ricardo Benzaquen de Araújo discute a nova
face do totalitarismo que, explicada como tal, nos permite apropriar de suas teorias e
aplicar em nossa discussão.
Para ele,
É preciso acentuar, contudo, que o significado da noção de totalitarismo que emprego é inteiramente diverso daquele, mais corriqueiro, que o identifica com qualquer ideologia ou regime que tenha a intenção de fazer o elogio a defesa de formas “autoritárias” de governo. Nesta concepção, totalitarismo, fascismo e autoritarismo acabam por se transformar em categorias intercambiáveis, úteis apenas para rotular e confundir, no mesmo conceito, todas as posições sociais e políticas de cunho antiliberal (ARAÚJO, 1988, p.78).
Dessa maneira, apropria-se dessa concepção neste trabalho para analisar e discutir
o fenômeno da diferenciação e a crença da existência de indivíduos progressiva e
biologicamente diferentes. Ao mesmo tempo, unir as ideias do liberalismo no Brasil,
principalmente após a queda do Império, nos ajuda a pensar em que medida a eugenia
Sob a análise das teorias de Plínio Salgado, Araújo (1988), se posiciona com relação
à incapacidade de visualizar o período da colonização brasileira como um sistema
sagazmente totalitário que impossibilita vislumbrar as condições supramencionadas
de forma subjetiva e passiva, sem considerar o ethos identitário europeu. Afirma,
Identificado o nacional com o popular, e dando a este o sentido de uma totalidade homogênea, sem divisões, Plínio vai atribuir grande valor às sociedades organizadas sob a forma de nação, ponto de partida da “síntese superior” que deverá caracterizar a civilização integralista. Acontece que, ao contrário da Itália e da Alemanha, onde “existia anteriormente um „espírito nacional consciente‟, existia uma nação, no Brasil nada disso existia. Cumpria criar a Nação” (cf. Salgado, 1937b, p.182). Ora se nos lembramos do que Plínio havia indicado a colônia como a única época em que o “Brasil fora realmente brasileiro”, não haverá, então, causar-nos surpresa que ele recorra exatamente a esse período em busca de um primeiro modelo para a nacionalidade brasileira (ARAÚJO, 1988, p. 65).
Enquanto Schwarcz vê o liberalismo como fomentador das teorias e teses eugenistas
a partir da ascensão da República após a queda do Império no fim do século XIX,
Araújo, sob análise do já século XX, em contrapartida afirmar que,
Deve-se observar, entretanto, que esta aliança, esta similaridade entre o totalitarismo e o conservadorismo, termina exatamente aqui, nesta mútua negação da doutrina liberal. Na verdade, aquele espaço de concordância de que fala acima possui limites bastante estreitos, pois compreende somente o diagnóstico da crise que assola a modernidade, crise que teria no liberalismo, no relativismo e na desagregação por ele estimuladas, o seu grande e exclusivo culpado (ARAÚJO, 1988, p. 79).
Com relação ao colonialismo, sem dúvidas um dos maiores legados do período
escravagista está dados nas formas de concepção e divisão do trabalho. Depois de
difundirem a ideia do “mito das três raças” (CASTRO, 1998), bem como afirmaria
também Schwarcz em Raça como negociação (2000), houve uma maior aceitação de
que o negro, o branco e o miscigenado faziam parte da construção identitária do Brasil.
No entanto,
[...] A recusa de integridade étnica dos grupos sociais conviveu com a forte diferenciação social fundada em características de tipo de racial, fenotípicas, que existiam em elementos como a cor da pele, a conformação do nariz, a finura do cabelo. Os sinais físicos tornaram-se
importantes elementos no sistema de classificação social subjacente à lógica de estruturação dos lugares sociais (CASTRO, 1998, p. 23).
Isto é, mesmo que houvesse uma maior “aceitação” de que a construção da identidade
do país pudesse estar inserida no que tange as “ três raças”, a eficácia dessa anuência
reverberam em condicionamentos que ainda perduram, haja vista a hierarquização de
grupos que hoje ocupam o mercado de trabalho no Brasil.
As desigualdades sociais podem – e devem – serem vistas como oriundas da
fenomenologia de cor. Não obstante, é preciso perceber, como propõe Castro (1998),
que por muito tempo os meios acadêmicos, bem como estudos difundidos por teóricos
desvanecidos a partir dos anos 30, como Gilberto Freyre, acreditavam que as
diferenças de classe é anterior à diferença de raça e preconceito, como salienta a
autora, isto é, houve um acordo de que a escravidão como sistema de exploração se
explicava pela busca incessante por lucros e acúmulo de riqueza, o que faz com que
o racialismo e o racismo, dado a partir da subordinação dos não-brancos e a
supremacia hegemônica, pudessem ser explicados como um fenômeno exploratório
contingente e imprevisível.
De forma crítica, Castro discorre em Trabalho e desigualdades raciais: hipóteses
desafiantes e realidades por interpretar (1998), sobre a contemplação de Gilberto
Freyre que analisa o fenômeno da eugenia e diferenciação como “democracia racial”.
Na tentativa de recusar as ideias de conteúdo racista então fortemente correntes - como as de Vianna (1952) -, essa linha de interpretação sustentava a argumentação da contribuição positiva que africanos e indigentes teriam aportado à cultura brasileira. Tais contribuições eram concebidas como o resultado de dois fatores principais: a plasticidade da estratégia colonial portuguesa, de tipo inclusivista, e a ampla miscigenação racial. Essa concepção sustentou o ponto de vista de que o Brasil seria um exemplo de “democracia racial”, juízo amplamente difundido sobretudo nos escritos de Gilberto Freyre (1933). Como um corolário implícito, assumia-se que o preconceito racial e a discriminação nunca teriam existido no Brasil, ao menos como formas ativas de configurar as oportunidades econômicas e sociais para negros e brancos (CASTRO, 1998, p. 24).
Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com última versão
atualizada em 2009, considerando a população com 16 anos de idade ou mais,
apontam o número de 5,94% para brancos e 13,42% para negros com relação à taxa
de analfabetismo. Para a taxa de desemprego o Ipea apresenta 6,6% para homens
negros, 5,3% para homens brancos, 12,5% para mulheres negras e 9,2% para
mulheres brancas. Já a média de anos de estudo varia em 6,8% para homens negros,
8,8% para homens brancos, 7,8% para mulheres negras e 9,7% para mulheres
brancas. Esses dados são evidências da evasão escolar ou da inacessibilidade da
população negra à educação, sobretudo das mulheres, o que incide, hipoteticamente,
no aumento do acesso ao trabalho de modo informal, ou seja, sem carteira assinada.
Gomes (2005), num olhar acurado sobre a fomentação da desigualdade racial no
Brasil, apresenta esse problema como sendo oriundo da ideia de democracia racial
lançada a partir de 1888 em que a abolição da escravidão legalmente compreendida
apresentava um tônus idealista de equidade, haja vista o menosprezo quanto a
criação de formas eficazes ao combate do racismo e políticas de sancionamento após
a abolição.
Gomes afirma que,
A sociedade brasileira, ao longo do seu processo histórico, político, social e cultural, apesar de toda a violência do racismo e da desigualdade racial, construiu ideologicamente um discurso que narra a existência de uma harmonia racial entre negros e brancos. Tal discurso consegue desviar o olhar da população e do próprio Estado brasileiro das atrocidades cometidas contra os africanos escravizados no Brasil e seus descendentes, impedindo-os de agirem de maneira contundente e eficaz na superação do racismo (GOMES, 2005, p.56).
Destarte, é preciso escurecer que, no Brasil, esses problemas são provenientes da
negação da existência do racismo e das narrativas de vivências harmônicas entre
brancos e pretos/negros, bem como das incoformidades ideológicas e comunitárias
causadas à população que, embraquecida racionalmente no corresponde às relações
étnico-raciais no Brasil, tendem à suscitar e conformar as inconsistências raciais