_____________________________________________________________________________________________________ Edição 6 – dezembro 2011 – ISSN 1809-8312 – www.tranz.org.br 1 revista de estudos transitivos do contemporâneo uma publicação do ...etc. Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ A nova mente da máquina da máquina universal de Turing à máquina plerômica de MD Aristides Alonso 1 Resumo: A máquina de Turing é uma máquina universal de computar, raciocinar, calcular, e de pensar. Segundo a hipótese de Turing-Church, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing, a qual, mesmo com todos os desdobramentos, permaneceu a mesma. Deleuze/Guattari propõem a máquina desejante. Daniel Dennett fala das máquinas de von Neumann e das máquinas joyceanas. E MD Magno, a partir de Freud, formula a máquina de revirão. Cotejo entre essas propostas, estabelecendo gradações e diferenças, com destaque para a máquina de revirão e sua resposta para o que seja pensamento, consciência e criação. Palavras-chave: máquina de Turing; máquinas desejantes; máquina de revirão Abstract: Turing machine is a universal, computing, calculating and thinking machine. According to Turing-Church hypothesis, any computing machine is a Turing machine. This machine has remained the same since its creation. Deleuze/Guattari proposed a desiring machine. Daniel Dennett refers to von Neumann machines and joycean machines. And MD Magno, in conformity to Freud, formulates the Revirão (reversal/return/loop) machine. Collation of these proposals, emphasizing the Revirão machine and its answers to the question of what are thinking, conscience and creation. Keywords: Turing machine; desiring machines; Revirão machine O título se refere tanto ao livro de Roger Penrose A mente nova do rei: computadores, mentes e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning computers, minds and laws of physics) quanto ao conto de Hans Christian Andersen A nova roupa do rei (The emperor’s new clothes). Para a consideração de nossa questão, vamos partir de um filme antigo, mas exemplar. Blade Runner (1982), de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial 1 Doutor em Letras (UFRJ). Pós-Doutor em Comunicação (UNL/Lisboa). Professor (UERJ e FACHA). Diretor da NovaMente. Pesquisador do “ETC: Estudos Transitivos do Contemporâneo” (Grupo de Pesquisa/CNPq). Coordenador do projeto de extensão TecMen: Tecnologias da Mente.
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revista de estudos transitivos do contemporâneo
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A nova mente da máquina da máquina universal de Turing
à máquina plerômica de MD
Aristides Alonso1
Resumo: A máquina de Turing é uma máquina universal de computar, raciocinar, calcular, e de pensar. Segundo a hipótese de Turing-Church, qualquer máquina computacional é uma máquina de Turing, a qual, mesmo com todos os desdobramentos, permaneceu a mesma. Deleuze/Guattari propõem a máquina desejante. Daniel Dennett fala das máquinas de von Neumann e das máquinas joyceanas. E MD Magno, a partir de Freud, formula a máquina de revirão. Cotejo entre essas propostas, estabelecendo gradações e diferenças, com destaque para a máquina de revirão e sua resposta para o que seja pensamento, consciência e criação. Palavras-chave: máquina de Turing; máquinas desejantes; máquina de revirão Abstract: Turing machine is a universal, computing, calculating and thinking machine. According to Turing-Church hypothesis, any computing machine is a Turing machine. This machine has remained the same since its creation. Deleuze/Guattari proposed a desiring machine. Daniel Dennett refers to von Neumann machines and joycean machines. And MD Magno, in conformity to Freud, formulates the Revirão (reversal/return/loop) machine. Collation of these proposals, emphasizing the Revirão machine and its answers to the question of what are thinking, conscience and creation. Keywords: Turing machine; desiring machines; Revirão machine
O título se refere tanto ao livro de Roger Penrose A mente nova do rei:
computadores, mentes e as leis da física (The emperor’s new mind: concerning
computers, minds and laws of physics) quanto ao conto de Hans Christian Andersen
A nova roupa do rei (The emperor’s new clothes).
Para a consideração de nossa questão, vamos partir de um filme antigo, mas
exemplar. Blade Runner (1982), de Ridley Scott (1937-), um cult que mescla policial
1 Doutor em Letras (UFRJ). Pós-Doutor em Comunicação (UNL/Lisboa). Professor (UERJ e FACHA). Diretor da NovaMente. Pesquisador do “ETC: Estudos Transitivos do Contemporâneo” (Grupo de Pesquisa/CNPq). Coordenador do projeto de extensão TecMen: Tecnologias da Mente.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ software. Logo percebeu que esse aparelho não teria utilidade se tivesse de ser
construído a cada vez que recebesse um novo problema. Em vez disso, imaginou que
as partes internas da máquina poderiam se reorganizar conforme a necessidade. O
software poderia ser visto como parte do mecanismo do computador, mas estaria
sendo constantemente alterado e reconfigurado de uma forma e depois de outra.
Como sabemos, a realização física da máquina de Turing passou por muitas etapas
devido à dependência de soluções tecnológicas necessárias à sua implementação.
Por causa de seu trabalho sobre Hilbert, Turing foi convidado a passar algum
tempo em Princeton, onde conheceu John von Neumann (1903-1957), que viria a
fazer uma contribuição decisiva para o projeto de Turing. Em 1945, no First draft of a
report on the EDVAC, von Neumann propôs a construção de uma calculadora em que
os programas seriam registrados, do mesmo modo que os dados, em uma grande
memória, a qual a unidade aritmética e lógica da máquina poderia aceder
rapidamente. É na mesma época que também apresenta o modelo dos autômatos
celulares3. Ele reencontrava assim, de forma técnica, o mesmo princípio da fita da
máquina universal de Turing e definia, ao mesmo tempo, a arquitetura do
computador moderno. É o que se conhece hoje como a “arquitetura de von
Neumann”.
Máquinas universais de Turing
Em seu artigo On cumputable numbers with an application to the
Entscheidungproblem (1936), Turing resolveu a importante questão hilbertiana,
abriu novos caminhos na matemática da computabilidade, propiciou uma nova
análise da atividade mental e teve grande aplicabilidade prática: estabeleceu o
princípio do computador através do conceito de máquina universal de Turing. Essa
ideia é facilmente explicável, pois a especificação de qualquer máquina de Turing
3 Nos anos 1940, Stanislaw Ulam estudou o crescimento dos cristais no Laboratório Nacional de Los Alamos e, ao mesmo tempo, John von Neumann, colega de Ulam em Los Alamos, trabalhava em sistemas auto-replicativos e encontrava dificuldades para explicitar o seu modelo inicial de um robô que fosse capaz de se copiar sozinho a partir de um conjunto de peças separadas. Ulam sugeriu-lhe que se inspirasse em seus trabalhos, o que levou Von Neumann a conceber um modelo matemático abstrato para seu problema. O resultado foi o “copiador e construtor universal” (universal copier and constructor, em inglês), o primeiro autômato celular, baseado numa grelha com duas dimensões onde cada célula podia estar em um dos 29 estados. Cf.: http://pt.wikipedia.org/automato celular.
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Autômatos celulares, equivalência computacional e teoria quântica da informação
A cibernética bateu de frente com duas concepções humanistas surgidas na
modernidade e foi muito criticada por isso: 1. A ideia de uma separação clara entre
homem e máquina; e 2. A interioridade subjetiva própria do ser humano. Por essa
razão, nos anos 50 e 60 do século passado, ela assumiu ares de um Novo
Renascimento visto que acumulava descobertas técnicas e científicas de sua época. É
fato que essa crítica não é exclusiva, pois ela já pode ser verificada em Nietzsche,
Freud e Heidegger, mas é com a cibernética, mais do que com qualquer outro
modelo, que se fez a rejeição mais radical e sistemática da noção de autonomia do
sujeito ao mesmo tempo em que se forneceram as novas bases para entender o
homem e a cultura que ele produz.
A partir da ruptura com a tradicional dicotomia homem-máquina, Norbert
Wiener (1894-1964) propôs uma abordagem humano-mecânica da sociedade. A
modificação protética do corpo está no coração do projeto cibernético: “Modificamos
tão radicalmente nosso meio que devemos nos modificar a nós próprios para viver à
escala deste novo ambiente” (Wiener, 1973, p. 46). Seja para substituir um membro
amputado ou processar informação, as máquinas inteligentes são próteses, extensões
de nosso corpo. Assim como Freud já havia indicado em Mal-estar na civilização4,
Wiener também considerava a humanidade dependente de suas próteses. E, para
Miguel Nicolelis (1961-), à medida que primatas e seres humanos ganham
competência no uso de ferramentas artificiais, seus cérebros tendem a incorporar
esses artefatos como “verdadeiras extensões contínuas de seus corpos biológicos”5.
Em cada um de nós, esse órgão está trabalhando numa rotina frenética e permanente
4 “O homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de “Deus de prótese”. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades. Não obstante, ele tem o direito de se consolar pensando que esse desenvolvimento não chegará ao fim exatamente no ano de 1930 A.D. As épocas futuras trarão com elas novos e provavelmente inimagináveis grandes avanços nesse campo da civilização e aumentarão ainda mais a semelhança do homem com Deus. No interesse de nossa investigação, contudo, não esqueceremos que atualmente o homem não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus” (Freud [1930], 1978, p. 111). 5 Também remetemos à obra seminal de Marshall McLuhan, Os meios de comunicação como extensões do homem, que incorporou essa questão aos estudos da comunicação.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Por exemplo, para Chaitin, criador do número Ω, é muito provável que
estejamos vivendo em um mundo digital e “que Deus prefere ser capaz de copiar
coisas de modo exato quando é obrigado, mais do que obter o inevitável aumento de
ruído que acompanha o copiar analógico” (Chaitin, 2009, p. 144).
A ideia de uma ampla artificialidade é extensiva também à naturalização do
modelo cibernético a uma escala planetária, que abrange todo o ecossistema no qual a
natureza se torna um imenso sistema cibernético6. Hoje, essa ideia já está banalizada
– basta ver o filme Matrix, dos irmãos Andy e Larry Wachowski –, mas foi
surpreendente quando formulada pelo projeto cibernético. Nos anos 60, Zuse que
construiu os primeiros computadores eletromecânicos programáveis do mundo,
sugeriu que o universo estaria tendo lugar nas entranhas lógicas de um computador,
baseado na ideia de Von Neumann de “autômato celular”. Imaginemos um tabuleiro
de xadrez onde cada casa do tabuleiro é uma célula. Cada uma destas pode ser preta
ou branca. A cor pode mudar seguida por regras simples implantadas dentro de cada
uma delas. Estas regras são realizadas em todas as células ao mesmo tempo, toda vez
que um relógio bate. O tabuleiro é agora um autômato celular. Na esteira de Zuse, a
filosofia digital, de Fredkin, também supõe que o universo é computacional e afirma a
hipótese de que algum modelo de autômato celular pode ser programado para
funcionar como a física do universo. Ele, juntamente com Wolfram7 e Chaitin, tem
sido um dos mais notáveis promotores da ideia do Universo como um programa
computacional constituído de informação.
Fredkin supõe que o universo é um computador, ou melhor, que o universo é
uma simulação computacional. Todas as coisas que vemos, conhecemos e fazemos
são ilusões criadas pelo software de um computador gigantesco, como o holodeck da
nave Enterprise em Jornadas nas Estrelas: Nova Geração. Tudo o que se passa no
holodeck é gerado em outra parte da nave, assim como o computador que controla o
universo está em outro lugar. Esse computador que executa o programa para simular
nosso universo não pode estar em nosso universo, pois nosso mundo é o programa
que está sendo executado naquela máquina. Embora haja ainda muita discussão 6 Cf. GARDNER, James. O universo inteligente: inteligência artificial, extraterrestres e a mente emergente do cosmo. São Paulo: Cultrix, 2009. 7 O mais recente divulgador destes conceitos é Stephen Wolfram no livro A New Kind of Science (Um Novo Tipo de Ciência), onde desenvolve a ideia do universo como um programa de computador.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ princípio é tão amplo que se pode dizer que não tem precedentes na história dos
princípios científicos, pois aplica-se a fenômenos de qualquer tipo, seja natural ou
artificial. Suas implicações, além de amplas, são profundas para várias áreas do
saber. O princípio afirma que todos os processos, sejam eles produzidos pelos
esforços humanos ou ocorram espontaneamente na natureza, podem ser vistos como
resultados de computação.
O princípio de equivalência computacional assevera que, desde que vistos em
termos computacionais, há uma equivalência fundamental entre os vários tipos
diferentes de processos. Ou ainda, quase todos os processos que não são obviamente
simples podem ser vistos como computações de sofisticação equivalente. A NKS se
aplica à teoria do caos, teoria da complexidade, teoria da complexidade
computacional, cibernética, teorias dos sistemas dinâmicos, teoria evolutiva,
matemática experimental, geometria fractal, teoria geral de sistemas, nanotecnologia
(implementação de sistemas tecnológicos em escala atômica), dinâmica não-linear,
história, sociologia, economia, psicologia, psicanálise etc. Nenhum sistema pode levar
adiante computações explícitas que sejam mais sofisticadas do que aquelas feitas por
sistemas como autômatos celulares e máquinas de Turing.
Sistemas naturais operam como programas e seus comportamentos são
frequentemente complexos. A razão para que tal complexidade não seja vista em
artefatos humanos é que, ao construirmos esses aparelhos, tendemos a usar
programas que são especialmente escolhidos para provocar somente
comportamentos simples o bastante para que possamos prever que ele irá atingir os
propósitos desejados8.
8 “Pode-se pensar que – como no começo eu certamente o fiz –, se as regras para um programa são simples, então isso significa que seu comportamento também deverá ser correspondentemente simples. Nossa experiência cotidiana na construção das coisas tende a nos dar a impressão de que a criação de complexidade é algo difícil e exige regras ou planos que são eles próprios complexos. Mas a descoberta fundamental que eu fiz há 18 anos atrás é que, no mundo dos programas, tal intuição está longe de ser correta. Fiz o que, em certo sentido, é uma das experiências mais elementares que se possa imaginar em computação: peguei uma seqüência de programas simples e comecei a rodá-los para ver como se comportavam. E o que eu encontrei – para minha grande surpresa – foi que, apesar da simplicidade de suas regras, o comportamento do programa estava muitas vezes longe de ser simples. Na verdade, mesmo alguns dos programas mais simples que verifiquei tinham um comportamento que era tão complexo como qualquer coisa que eu já tivesse visto” (Wolfram, 2002, p. 2 [minha tradução]).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ O pensamento de Roman Jakobson (1896-1982), em seu contato com a
cibernética e a teoria da informação9, ganhou a consistência necessária para firmar-
se e influenciar pensadores europeus como Claude Lévi-Strauss (1908-2009) e
Jacques Lacan (1901-1981). É por intermédio do estruturalismo que a cibernética
fixou-se de forma duradoura na Europa. Na época, representavam uma resposta
científica aos horrores da Segunda Guerra Mundial e na crescente suspeita de pós-
guerra que recaia sobre a ciência e a técnica ao mesmo tempo em que havia uma
perda de confiança no homem e nos ideais humanistas em vigor.
Em Tristes trópicos, Lévi-Strauss transformou a antropologia em entropologia
(entropia + logia), fazendo ressonância às propostas de Wiener – que descrevera seu
entendimento do homem como “náufragos num planeta condenado à morte”
(Wiener, 1973, p. 36-37) –, afirmando que “incumbe ao homem viver e lutar, pensar e
acreditar (...) sem jamais ser livre da certeza adversa de que não estava outrora na
terra e de que não o estará para sempre, e de que, com seu desaparecimento
inelutável da face do planeta, também ele condenado à morte, os seus labores, as suas
alegrias, as suas esperanças e as suas obras desaparecerão como se nunca tivesse
existido” (Lévi-Strauss, 2011, p. 670).
O estruturalismo, assim como a cibernética, destacou-se desde o início como
um pensamento de desconstrução e destruição da noção de sujeito. É no paradigma
da cibernética que Lévi-Strauss afirma seu modelo antropológico de “espírito sem
sujeito”, base de seu arcabouço teórico. Se Wiener suspeitava que seu modelo
dificilmente seria aplicado às ciências humanas, por outro lado Lévi-Strauss replicava
que a linguística estrutural estava em condições de sustentar essa exigência, pois,
segundo ele, a estrutura da linguagem pode ser descrita a partir de longas séries
estatísticas e se constitui como “objeto independente do observador”, segundo a
exigência da epistemologia clássica. Esse modelo, que se ancorava na linguística
estrutural de Saussure e na fonologia de Jakobson – influenciado pela fonologia de
Nikolay Trubetskoy (1890-1938) e pela teoria da informação de Shannon (os bits) –,
descreve a língua como unidades sonoras (os fonemas) estruturadas como códigos e 9 Segundo François Dosse, o sucesso do estruturalismo na França em muito se deveu ao encontro de Lévi-Strauss e Jakobson em Nova York em 1942, ao mesmo tempo que se dava também o encontro entre o estruturalismo e a cibernética na 5ª conferência Macy. Jakobson estava na primeira linha das discussões entre cibernética e teoria da informação (Dosse, 1993, v. 1, p. 75-81).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ constituídas por leis invariáveis, à moda das ciências duras. A antropologia passa,
assim, a estudar os códigos culturais humanos, de modo a extrair deles leis gerais e
“estruturas universais”. O interesse de Saussure, Jakobson, Shannon e Wiener recai
sobre as relações e os sistemas e não sobre os referentes ou objetos. Quéré, por
exemplo, destaca as relações existentes entre o modelo informacional e o
estruturalismo: 1. Antecede a mensagem; 2. Delimita as balizas da comunicação; 3. É
independente dos conteúdos informativos; e 4. Está numa posição de exterioridade
em relação à fonte (emissor) (Queré apud Lafontaine, 2007, p. 89). É nesse sentido
que Saussure entendia que não é o falante que fala a língua, mas sim que é falado por
ela.
Foi a partir da teoria sobre o simbólico de Lévi-Strauss que Lacan recompôs a
psicanálise freudiana, afastando-a principalmente das referências biológicas e
afirmou que “[o] insconsciente não é o primordial, nem o instintivo, e, de elementar,
conhece apenas os elementos do significante” (Lacan, 1998, p. 526), lugar vazio das
trocas simbólicas. Mas é a partir do Seminário 2 [1954-55] que surgem na obra de
Lacan as marcas das teorias cibernéticas e informacionais. Com a noção de simbólico,
ele afirma que “a função simbólica constitui um universo no interior do qual tudo
aquilo que humano deve ordenar-se”10 (Lacan, 1985, p. 44) e acrescenta que “o
mundo simbólico é o mundo da máquina”11 (Lacan, 1985, p. 66) e, nesse mesmo
raciocínio, põe o homem como sujeito descentrado e lembra que as máquinas
também são feitas de discurso (informacional):
Concebido como pura ficção, o sujeito lacaniano só existe no horizonte da
ordem simbólica que o determina, que toma a forma de circuito cibernético.
Pelo menos é isto que Lacan defende quando afirma que o inconsciente é o
discurso do outro, não de um outro “abstrato”, mas sim o “o discurso do
circuito em que estou integrado (Lafontaine, 2007, p. 97).
10 “(...) A função simbólica não é nova como função, ela tem lineamentos em outros lugares que não na ordem humana, mas trata-se apenas de lineamentos. A ordem humana se caracteriza pelo seguinte – a função simbólica intervém em todos os momentos em todos os níveis de sua existência” (Lacan, 1985 [Seminário Livro 2], p. 44). 11 “A palavra é inicialmente este objeto de troca com o qual a gente se reconhece, e porque vocês disseram a senha, a gente não quebra a cara, etc. A circulação da palavra começa assim, e ela se infla a ponto de construir o mundo do símbolo que permite cálculos algébricos. A máquina é a estrutura como desvinculada da atividade do sujeito. O mundo simbólico é o mundo da máquina” (Lacan, 1985, p. 66).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ recorrência ao conjunto de que faz parte em condições bem determinadas (Deleuze &
Guattari, 1972, p. 404).
Em toda parte são máquinas com seus acoplamentos e conexões. Uma
máquina órgão para uma máquina energia, sempre fluxos e cortes. Há
sempre uma máquina produtora de um fluxo e uma outra que lhe é ligada,
operando um corte, na extração de fluxo (o seio – a boca) como a primeira é
por sua vez ligada a uma outra, em relação à qual ela se comporta como
corte ou extração, a série binária é linear em todas as direções. O desejo não
cessa de efetuar acoplamentos de fluxos contínuos e de objetos parciais,
essencialmente fragmentários e fragmentados. O desejo faz escorrer,
escorre e corta. Fluxo de babas, esperma, urina, que são produzidos por
objetos parciais, constantemente cortados por outros objetos parciais, os
quais produzem outros fluxos, recortados por outros objetos parciais
(Deleuze e Guattari, 1976, p. 20).
Os autores efetuam análises críticas originais da psicanálise, e oferecem
propostas teóricas e práticas para os problemas que identificam no legado freudiano.
Pretendem conceber um inconsciente imanente e produtivo e o registro econômico
do inconsciente freudiano é valorizado nesse projeto.
Os conceitos de máquina desejante e corpo sem órgãos12, por exemplo,
articulam-se com a teoria das pulsões na retomada positiva e específica da teoria
freudiana através dos conceitos de máquina desejante e de corpo sem órgãos,
empreendimento vigoroso na investigação do inconsciente e do desejo, onde se busca
retomar linhas alternativas que nascem da própria psicanálise, mas que estavam
esquecidas. Dois princípios se destacam nessa leitura: 1. O inconsciente não é
representativo, mas produtivo (“o inconsciente não é um teatro, mas uma fábrica,
uma máquina de produzir”); 2. O inconsciente não se constitui no campo individual-
familiar, mas no campo social (“o inconsciente não delira sobre papai-mamãe, ele
delira sobre as raças, as tribos, os continentes, a história e a geografia, sempre um
campo social”). As afirmações de certo modo resumem o tipo de confronto que eles
estavam tendo com a psicanálise daquele momento.
12 Remetemos o leitor a O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (Rio de Janeiro: Imago, 1972) e Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia (Rio de Janeiro: Editora 34, 1995-1997), obras seminais dos autores sobre essas questões.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Em oposição à mecânica que concebe o inconsciente como um organismo,
constrói-se um modelo de fluxos livres e não codificados, com um funcionamento
maquínico que reconheça os aspectos moleculares marcados pelas dispersão e
interação autônomas de suas partículas na consideração de que os organismos são
máquinas que contém tal abundância de partes que devem ser comparados a peças
extremamente diferentes de máquinas distintas que se remetem umas às outras,
maquinando uma sobre as outras (1972, p. 296). E o motor das máquinas é o desejo:
“a máquina introduz-se no desejo, a máquina é desejante e o desejo maquinado”
(1972, p. 297). Empregando uma articulação que provém da cibernética, eles também
unificam as categorias de homem, natureza e máquina, onde o humano, o natural e o
maquínico são a mesma coisa, pois todos são processos de produção molecular. Já
não há nem homem nem natureza, mas unicamente um processo que os produz um
no outro, e liga as máquinas: tudo é máquina (1972, p. 8). Assim, o princípio
unificador de todos os seres encontra-se no próprio processo de composição e
fragmentação das máquinas desejantes. Trata-se de um processo infinito em que tudo
é produção de máquinas, resultado de outra produção de máquinas.
Nosso interesse neste artigo é o destacamento que Deleuze e Guatarri puderam
fazer sobre a psicanálise freudiana a partir de referências explícitas das máquinas de
Turing e da cibernética. Essa correlação pode ser importante para a articulação que
vem a seguir.
A mente-espelho da Nova Psicanálise
Segundo MD Magno13, uma das coisas que sempre chamou a atenção no
pensamento é o fato de, ao que quer que seja colocado para nossa mente, o contrário
também ser pensável ou exigível. Pensadores de diversas áreas se depararam com
essa qualidade básica do psiquismo, o qual, por outro lado, está configurado
mediante aparelhos de recalque, limitações e travamentos. Mesmo que pareçamos
13 Criador da Nova Psicanálise ou NovaMente, em 1986, na linhagem Freud-Lacan. É uma nova articulação da psicanálise a partir do conceito de pulsão (considerado como conceito fundamental) e suas consequências. Esse pensamento tem se mostrado à altura das complexas questões contemporâneas em múltiplos campos do conhecimento e coaduna-se com teorias científicas atuais e frequentemente demonstrou antecipá-las em pontos cruciais. Os Seminários e Falatórios de MD Magno estão sendo publicados desde 1977. Para maiores informações: www.novamente.org.br.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ constantes, o que se passa em nossas mentes é um vale-tudo radical, pois, ao que
quer que se diga, com um pouco de esforço, é possível virar pelo avesso (Magno
[1999], p. 29).
A essa competência da mente e suas possibilidades, a nova psicanálise14
chama de revirão15, fundamentado no princípio de catoptria (do gr. katóptron =
espelho), princípio de base psicanalítica que afirma que o que quer que haja evoca seu
avesso ou enantiomorfo. Esta competência é dada e está disponível a qualquer
pessoa que dela faça uso. Destaca-se nessa articulação um desejo de simetria
absoluta como princípio primeiro e organizador de tudo que há em qualquer tempo e
lugar. Se essa simetria se produz ou não, não é a questão principal, pois isso depende
das condições de resistência das formações em jogo, pois o que se destaca é a simetria
como possibilidade constante e sempre em busca de sua efetivação (Magno, [1990],
v.1, p. 105). O funcionamento do princípio de catoptria é conjeturado para o Haver16,
donde sua aplicação aberta e genérica: o que quer que haja, em qualquer ordem de
havência, tem a propriedade de ser uma forma simetrizável ou reversível em seu
avesso, contrário ou oposto. Trata-se de catoptria radical, pois ao que quer que se
coloque, tem-se o avesso “em todos os sentidos e com várias possibilidades de
avessamento interno a esse processo: enantiomorfia total” ([1990], v.1, p. 106-107).
14 Ao final do texto, Pequeno Glossário da Nova Psicanálise, com definições dos conceitos aqui empregados. 15 O termo revirão foi cunhado a partir da criação de James Joyce, em Finnegans Wake, riverrun e da tradução que dele fizera Glauber Rocha no título de seu romance Riverão Sussuarana. Além do próprio verbo da língua portuguesa “revir”, que, segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, vem do latim “revenire” e significa “vir de novo”, “voltar”, “regressar”. 16 Haver: primeiramente, o Haver (forma substantivada) é concebido, em sentido cosmológico, como conjunto aberto do que HÁ – o que se chama universo ou multiverso, por exemplo –, em qualquer forma e disponibilidade com que se apresente. O que quer que haja, materialmente dado ou ficcionalmente construído, real ou virtual, manifesto ou latente, faz parte do Haver e suas possibilidades de mutações. Nele não há “fora”, o que quer que haja lhe pertence e isso que há se constitui como Um, único e singular. Mas esse Haver não é estático ou imóvel. Suas conformações estão em permanente agonística e metamorfose, pois o Haver é “movimento desejante puro: tudo que deseja é não-Haver” (Magno [1990], v. 1, p. 89). A causa desse movimento é a força básica suposta ao Haver é o que Freud nomeou como Pulsão [de morte] em Além do Princípio do Prazer (1920) (Magno [1992], 14) e (Alonso, 2010).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ O que qualifica esse princípio é a catoptria, o puro espelho como modelo de
operação lógica de avessamento que estrutura os movimentos da mente e do Haver,
questão nuclear na obra de Magno17.
A máquina de revirão
Torna-se senso comum em nosso tempo o reconhecimento de que o homem é
um ser artificialista e tecnológico, um “deus de prótese”, como disse Freud em O
mal-estar na civilização. Cria o mundo mediante artifícios e artefatos, através de
operações de transformação ou metamorfose de tudo que o cerca. Ele tem
competência e desempenho (Chomsky) mental para tanto. As mutações que deixa no
planeta Terra, na Lua e, em breve, provavelmente em outros astros – desde a
domesticação do fogo às mais complexas naves espaciais –, dão prova dessa vocação
tecnológica. Nesse sentido, todas as formas de arte e de técnica atestam os mais
variados interesses que ultrapassam a utilidade imediata de qualquer aparelho ou
engenho e se constituem como extensões de sua mente e de seu corpo (McLuhan,
2005). Também pode-se verificar, cada vez mais, que não há barreira radical ou
heterogeneidade entre o que constrói artificialmente e o mundo natural e físico em
que vive.
Se a mente está aparelhada para operar essas transformações, é provável que
haja compatibilidade entre o sistema que nos constitui e aquele que podemos
transformar mediante novos artifícios. Todas as limitações e recalques com que nos
deparamos diariamente – naturais ou culturais – são efeitos de parcializações ou
fronteiras que, de algum modo, produzem a separação das coisas entre si, gerando a
relação “dentro / fora”, “eu / outro”, “inclusão / exclusão”, etc. Por outro lado, os
artifícios que fabricamos são possibilidades de dissolução de tais fronteiras, mas
posteriormente também eles se tornam novas formas de prisão e limitação. Não há a
prótese definitiva que possa resolver tudo de uma vez por todas.
17 Desde seus artigos O hífen na barra (1972), Gerúndio (1973) e de seu primeiro Seminário Senso contra censo: Da obra de arte (1976). Além de recorrer à tradição lacaniana de tomar o espelho como modelo estrutural do sujeito, ele se utiliza sistematicamente de outros autores para extrair um entendimento das propriedades reflexivas do espelho, no sentido de sua lógica e competência de reflexão. Sobretudo, das obras de Marcel Duchamp (Le Grand Verre e Etant Donnés), Fernando Pessoa, Lewis Caroll, Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas e Primeiras Estórias) e Velázquez, (o quadro As Meninas). Esses autores são referências constantes em sua produção.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Como dissemos, a nova psicanálise apresenta uma hipótese para esta
habilidade de artificialização de nossa mente. Toda produção artística e tecnológica
feita pelo homem resulta de uma função de simetrização, a função catóptrica da
mente. Ela é concebida como máquina que espelha ou revira o que quer que se lhe
apresente, produzindo o arquivo infinito de artifícios (a cultura) com que a
humanidade convive há milhares de anos. Esse modelo destaca a função de reversão,
avessamento ou revirão de que o cérebro é capaz como sendo a função originária que
teria tornado possível o surgimento da linguagem, da arte, da técnica, da ordem
simbólica (com suas transcrições ou traduções culturais e comportamentais).
Sendo, antes de tudo, uma máquina de avessamento ou revirão, a mente é a
competência de articular as informações recebidas no regime de sua enantiose, isto é,
no regime de pura e simplesmente poder efetivar a função contrária do que
comparece. Por enantiose ou enantiomorfismo devemos entender a operação de
avessamento de toda e qualquer formação que nossa mente é capaz de sonhar ou
pensar, por ser sua competência fundamental a habilidade de propor uma formação
reversa.
A nova psicanálise designa como idioformação18 a qualquer formação do
Haver constituída primária e secundariamente com a eventual disponibilidade de ser
comovida pela hiperdeterminação, conceito que será comentado mais abaixo. O caso
conhecido é o homem, mas podem ser outras formações como os ETs, “máquinas
espirituais” (Kurzweil, 1999) ou qualquer outra que tenha tal competência e
desempenho. Magno chama de pessoa às idioformações do “nosso caso”, a “espécie
humana”. Pessoa é uma rede de formações em transa e que resistem a quaisquer
outras que lhe sobrevenham. Essa rede infinita organiza-se em polo com foco e
franja (Magno [2005], p. 106-115). O “ser humano” é caso de encarnação dessa
disponibilidade ao reviramento que há no Haver. Assim, não é a chamada “espécie
18 Magno [1995], p. 231: “Uma idioformação é uma (qualquer) formação que tenha disponível para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a hiperdeterminação. Então, essas coisas que chamam de gente, que se tem o hábito de, não sei por quê, chamar de Sujeito – pois não há aí Sujeito disponível o tempo todo –, são idioformações não porque são Sujeitos, ou subjetividades, mas porque são formações tão sintomáticas, tão limitadas quanto quaisquer outras mas tendo a disponibilidade eventual da hiperdeterminação – coisa que outras formações não têm. Chamo-as de idioformações pois parecem completamente idiotas quando não estão no exercício da hiperdeterminação. Assim fica melhor, pois se descola das pessoas, da história do tal Sujeito. Pode haver por aí outras idioformações desconhecidas por nós”.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ humana” que qualifica o revirão, conforme veremos a seguir. Pelo contrário, é o
homem que é por ele qualificado. Pode-se se reconhecer que há pulsão, como revirão,
e que somos um caso de encarnação dessa ordem disponível ao reviramento –
tratando-se então de um caso de idioformação –, embora seja a única que
conhecemos até o momento.
Pessoa e hiperdeterminação
Conforme já vimos, quando se trata de “idioformação do nosso caso” (seres
humanos), a nova psicanálise chama de pessoa. Essa ideia, que resulta da concepção
da mente como espelho, pode nos dar uma noção da compatibilidade da tese
psicanalítica com as pesquisas da cibernética e da informática. No aparelho teórico
que estamos descrevendo, a pessoa é concebida como uma rede de formações
“naturais” e “culturais”, com vários níveis e em interações recíprocas, que se organiza
em polos que, por sua vez, se apresentam de modo focal e franjal19. É uma formação
complexa, com n componentes que se organizam em dada configuração, que também
pode estar gravitando em torno de outras formações e assim sucessivamente. E, como
todo polo, é um aglomerado de resistências a outras formações já constituídas e
também organizadas polarmente.
O que caracteriza a pessoa em sua singularidade é poder ser, ainda que
aprisionada em um grande conjunto de formações que a determinam e constituem,
afetada eventualmente pela hiperdeterminação: poder ser afetada pelo determinante
último e radical capaz de produzir eventos que suspendem as outras formas de
determinação em vigor e possibilitam o surgimento de formações originais e novas
19 “...ao considerar as formações, é preciso fazê-lo no sentido abrangente, pois isso é infinitamente grande para todos os lados e não sei quais são suas conexões. Lembram do que eu dizia do foco e da franja, e de que, até para se produzir um conhecimento, uma quantidade de coisas fica fora? Não só o campo é infinito de formações, pois não há como fazer a leitura dele todo, como cada uma das formações tem que ser pensada como formação de formações, não se sabe onde isso termina. A história da física, por exemplo, antigamente parava na ideia de átomo, mas foi crescendo: o átomo tomou outra característica e hoje temos a suposição, incomprovada ainda, de que há umas três ou quatro cordas mínimas como última formação das formações. Será? A infinitude, tanto na abrangência do campo como dentro de cada formação, é fractal. É o conceito de Mandelbrot, de que já falei aqui há anos: a coisa vai se expandindo para dentro e para fora. Pode-se até, com frequência, ter uma forma mínima que percebemos organizar todo o campo, mas aquilo é infinito no extensivo e no intensivo” (Magno [2000/2001], p. 481).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ resistência e recalque, os quais, de inúmeras maneiras, limitam o poder de
indiferenciar ou neutralizar qualquer formação que se apresente.
O ponto de partida do pensamento psicanalítico é a ideia de pulsão, pensada
originalmente por Freud ([1920]) como pulsão de morte e reformulada por Magno
como: Haver desejo de não-Haver (AÃ). Esse é o algoritmo fundamental da
psicanálise. É a mesma e única pulsão que ordena qualquer outra forma de pulsão
(de vida, de destruição, oral, anal, etc.) que tenha sido recortada por Freud ou outros
teóricos da psicanálise. Assim, a mente (que Há) é regida por um princípio de
catoptria que alucina sua extinção (não-Haver) como requisição (desejo) de simetria
absoluta, a qual, em última instância, por impossibilidade de concretização desse
gozo último, de Morte, impõe à própria máquina catóptrica sua reversão para o
mesmo lado do espelho. Note-se que, neste ponto, o espelho é tomado como limite
absoluto, sem qualquer possibilidade de avesso. Para efeitos didáticos, apresenta-se o
modelo do revirão mediante a lógica de avessamento da banda de Moebius20.
Vejamos abaixo sua esquematização:
Destaca-se aí a superfície unilátera da banda de Moebius desenhada segundo
o percurso longitudinal sobre ela, nomeado pelos matemáticos como oito interior21.
20 A hipótese do Revirão é apresentada formalmente pela primeira vez em (Magno [1982]). Cf. principalmente as seções: 10. Introdução à matemúsica-2 (A Chã Psicanálise ou o ICS da A a Z), p. 176-193; e 12. O halo, o alelo, p. 208-220. Cf. também a produção subsequente do autor, com destaque para [1999] e [2000/2001]. 21 Da banda de Moebius (ou contrabanda, como chama Lacan) a topologia também extrai a lógica do oito interior (ou oito dobrado ou invertido). É o percurso longitudinal sobre a superfície unilátera da banda a partir de um ponto qualquer, resultando uma dobradura (o anel superior do oito é dobrado no interior do anel inferior). Os dois anéis se superpõem e, no ponto em que lhes é comum, inscreve-se o ponto catóptrico, especular (também chamado, por Magno, de Real do Revirão ou ponto bífido), que inverte absolutamente tudo que passa por ele como se fosse um furo de passagem entre um anel e outro. Notamos, também, que, com o percurso em oito interior, atravessa-se duas vezes o mesmo ponto e decompõe-se a
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Nele estão inscritas as diferenças x / -x, que podem ser indiferenciadas ou
neutralizadas no ponto terceiro n, onde estes pontos positivo (x) e negativo (-x) se
equivalem. O que interessa à psicanálise, além do terceiro ponto – lugar de
indiferenciação –, é principalmente a vontade de simetria (entre A e Ã), que está na
base do conceito de pulsão. Trata-se da função lógica do espelho: para além dos
avessamentos que opera (pois a mente é pura função de catoptria), há a função
alucinatória de uma vontade de simetria absoluta, que jamais comparece na
experiência, pois é uma simetria absolutamente impossível. É essa “polaridade” de
último grau – que está no esquema como sendo a “segunda potência do binário” (2²)
– que a fórmula Haver desejo de não-Haver descreve.
Esse é o trauma e/ou a condenação apontados por Freud, que comparece para
a mente propondo a simetria absoluta e a impossibilidade de atingi-la. É, portanto,
uma experiência de quebra de simetria que se coloca como início de tudo que há. E a
dissimetria que se produz em função dessa impossibilidade ressoa no Haver como as
clausuras e fronteiras das situações com que nos defrontamos cotidianamente das
mais variadas formas e maneiras. Mas é também sobre ela que se operam todas as
formas de artifício e técnica que nos caracterizam.
Certamente que essa capacidade especular do espelho plano é muito inferior à
catoptria cerebral, pois o princípio de catoptria põe um espelho absoluto, capaz de
qualquer tipo de avessamento ou reversão. A única reversão impossível é a da
simetria absoluta que, como vimos, é impossível e coincidiria com a extinção absoluta
que não há.
Ao tomar o conceito de pulsão como fundamental e de formular o princípio de
catoptria e o revirão, Magno refaz o projeto freudiano por inteiro em consonância
com as transformações que vêm ocorrendo desde o final dos anos 1980. A emergência
da nova psicanálise se deu na virada das transformações promovidas por Lacan e seu
retorno a Freud e o diálogo com as novas ciências da informação desde seus
antecedentes nos anos 1970.
Desde Senso contra senso: da obra de arte, etc. que podemos acompanhar o
percurso de MD Magno tanto pelo campo das matemáticas e formas de conhecimento
superfície em duas partes distintas. As partes pertencem à mesma formação e constituem uma única peça que se organiza a partir do ponto neutro e suas polarizações.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ consequências, será possível construir uma máquina hiperdeterminada, uma
idioformação? E, além disso, está também em construção o computador quântico22 e
o computador cognitivo23 da IBM.
A série das máquinas
Em uma perspectiva darwinista, Daniel Dennett (1942-) faz a suposição de que
grande variedade de organismos foram criados espontaneamente às cegas no
processo evolutivo por recombinação e mutação de genes, que ele designa de modo
genérico como criaturas darwinistas. Posteriomente, aqueles que nasceram com
“reforçadores apropriados” são chamados de criaturas skinnerianas, pois já se
22 Um computador quântico é um dispositivo que executa cálculos fazendo uso direto de propriedades da mecânica quântica, tais como sobreposição e interferência. Teoricamente, computadores quânticos podem ser fabricados e o mais desenvolvido até o momento trabalha com poucos q-bits de informação. O principal ganho desses computadores é a possibilidade de resolver, em tempo eficiente, problemas que na computação clássica levariam tempo impraticável (exponencial no tamanho da entrada), como por exemplo, a fatoração em primos de números naturais. A redução do tempo de resolução deste problema possibilitaria a quebra da maioria dos sistemas de criptografia usados atualmente. Contudo, o computador quântico ofereceria um novo esquema de canal supostamente mais seguro. 23 O mundo da computação pode estar prestes a sofrer uma reviravolta graças ao "SyNAPSE", projeto para a elaboração de chips que simulam o comportamento do cérebro humano e que, no futuro poderá equipar computadores que “aprendam” com a experiência do utilizador. A parceria entre a IBM, as universidades de Columbia, Cornell, Califórnia e Wisconsin, nos EUA, e a DARPA (agência americana responsável pelo desenvolvimento de tecnologia com fins militares) tem como objetivo desenvolver computadores que possam simular as atividades cognitivas de sentir, perceber, interagir e reconhecer o que o cérebro pode fazer, algo que, até agora, tem sido dificultado pela arquitectura dos processadores comuns. Trata-se de um computador “cognitivo” que será capaz, por exemplo, de lançar um alerta de tsunami, depois de analisar informações de diferentes sensores marinhos e recolher dados sobre temperatura, pressão e altura das ondas. Além disso, poderá ter funções de menor relevo como ajudar a gerir estoques de produtos frescos graças ao “sentido do olfato”. Os membros deste projeto esperam conseguir mudar assim a forma como se utiliza os computadores, fazendo-os agir como um cérebro. Nesta nova arquitectura, são utilizados processadores digitais que funcionam como neurônios, nos quais as ligações internas simulam as que ocorrem entre as sinapses, as zonas de contato entre as células nervosas. Trata-se de uma abordagem completamente diferente da dos chips de silício com transístores que se utilizam atualmente. De acordo com a IBM, este novo tipo de computador vai consumir menos energia e ser mais compacto que os aparelhos atuais. Embora sejam programados da mesma forma, vão “aprender” com as experiências, encontrar correlações ou desenvolver hipóteses, tal como o cérebro humano. Até agora, já foram desenvolvidos dois protótipos do chip, que estão sendo testados. Os seus núcleos são formados com uma linha muito fina de silício, com diâmetro duas mil vezes inferior ao de um fio de cabelo. Estes chips possuem o equivalente a 256 “neurônios”. A IBM está testando dois tipos de estruturas para esses chips: uma com 262 mil “sinapses” programadas e outra com 66 mil (http://www.cienciahoje.pt/)
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Glossário da Nova Psicanálise
(Organizado por: Paula de Oliveira Carvalho e Nívia Bittencourt)
ALEI – “Haver desejo de não-Haver” ou “Haver quer não-Haver” ou “Haver tesão de não-Haver” e estenografa-se A→Ã. É a máquina fundamental da clínica, que Freud chamou de Pulsão (de Morte), indicando o desejo de alcançar o Gozo Absoluto: extinguir-se, sumir radicalmente, seja no nível micro (homem), seja no macro (Haver). Arte – Tomando o radical ART no sentido etimológico de processo puro e simples de articulação, a Arte se generaliza para toda e qualquer operação de criação, de invenção, que resulte na produção do novo, para além das formações já dadas. Artifício – Tudo que há é artifício. Tudo se construiu por algum artifício, por uma articulação. Apresenta-se em dois níveis: Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Ver Artifício Espontâneo e Artifício Industrial. Artifício Espontâneo – Designa o modo de construção, mais resistente, das formações já dadas, presentes no Haver desde sempre. Inclui o que se chama de Natureza. Ver Artifício e Artifício Industrial. Artifício Industrial – Designa o modo de construção, mais maleável, das formações produzidas pelas Idioformações - que podem forçar a reversão do espontâneo, do já dado. Ver Artifício e Artifício Espontâneo. Ato Poético – Ato criativo, em que há a intervenção da Hiperdeterminação. Ver Criação. Binário – Referido à lógica da dualidade entre formações de polos opostos. Há dois binários: (a) o binário simples ou “interno” (entre formações modais do Haver que se opõem); e (b) o binário ao quadrado ou “externo”, elevado à segunda potência, (22), quando a massa homogênea do que há se opõe ao não-Haver desejado. Bipolaridade – Dualismo presente em toda e qualquer afetação psíquica, fazendo parte do Pathos humano. A bipolaridade funciona em qualquer situação e não apenas nas ditas nosologias. Ver Patologia. Cais Absoluto – Lugar extremo do Haver, onde o conjunto pleno do que há opõe-se ao que não-há. Lugar de máxima afetação e angústia, pois o não-Haver é requerido pelo Haver, mesmo não havendo. Lugar ao qual todos se vinculam absolutamente (e não entre si), lugar de Hiperdeterminação, de Vínculo Absoluto. (Metáfora poética retirada de Fernando Pessoa). Catoptria (Princípio de) – Do grego kátoptron: ‘luz’, ‘espelho’, ‘refletor’. Princípio de funcionamento dos espelhos produtores de reflexão, no sentido de absoluta reversão, enantiose ou Revirão. Emana da neutralidade do Haver e do psiquismo. Ver Revirão. Causa – O movimento do Haver em direção a não-Haver produz o excesso em vazio (pois não-Haver não há), que funciona, em seguida, como Causa do movimento pulsional. Comunicação – O ápice da comunicação ocorre no silêncio absoluto, na impossibilidade de dizer a experiência de Haver, mas vinculado absolutamente a ele. Nesse Vínculo Absoluto se fundamenta toda e qualquer comunicação, decorrente de transas e transes entre formações,
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ herdeiras de vinculações aos regimes Primário e Secundário. Sua teoria mais genérica é a Transformática. Criação – Criar é ultrapassar o que já está dado, reverter o que parecia irreversível. A partir da indiferenciação interna no Haver, sob o empuxo da Hiperdeterminação, o indiscernível se discerne e o achado de algo novo é acolhido pela primeira vez. Ver Arte. Criatividade – Simples re-combinatória de formações, sem recurso à HiperDeterminação. Contrapõe-se a Criação. Cultura – Em sentido genérico e abrangente, é o modo de existência da espécie humana. Em um de seus sentidos específicos, é vista como Neo-etologia. Enantiose ou enantiomorfismo – Possibilidade de reversão ao avesso absoluto, a partir da razão catóptrica ou razão enante-homórfica. Excesso – Só há excesso. Não existe falta. Em virtude do excesso, o Secundário é “inventado” por nós, ou melhor, secretado mediante nós, em decorrência da pressão do Originário. Formação –Toda e qualquer conjuntura destacável, desenhável, dentro do Haver, seja qual for a forma ou a materialidade de seus elementos ou dela mesma. O próprio Haver em sua plenitude é uma formação (aliás, de última instância), assim como o é o Revirão que se supõe funcionar no Haver. Formação do Haver – O que quer que se organize, o que quer que se forme, espontânea ou industrialmente, como modalização decorrente da fractalidade do Haver, seja da ordem de um ser vivo, de uma formação psíquica, qualquer coisa. As formações do Haver se movimentam no empuxo d’ALEI, como ressonância ou metáfora da impossibilidade última de Haver passar a não-Haver. Ver ALEI. Haver (A) – O conjunto aberto de tudo que há e que pode vir a haver. Inclui o chamado Universo. HiperDeterminação – Empuxo do não-Haver que, como o nome diz, é tão exterior ao Haver que nem há, mas nele se inscreve e se re-inscreve na espécie humana, como Causa. Exasperação da diferença entre a homogeneidade do Haver como Um e o não-Haver. Aplica-se sobre o aparelho de Revirão, para suspender as determinações primárias e as sobredeterminações secundárias. Homogeneidade – O Haver, em sua totalidade, é homogêneo no seu seio. O que dá a impressão de heterogeneidade são as fechaduras das formações, que impedem as transas dentro do Haver. IdioFormação – Uma (qualquer) formação que tenha disponível para si (mesmo que não aplicada hic et nunc) a Hiperdeterminação. O Haver e o Homem são exemplos de Idioformações. IdioFormação (Princípio de) – Idios: ‘mesmo’. O universo tem uma formação em reflexão, espelho, catoptria e, em última instância, produz algo que repete a sua reflexão. Repete-se a si mesmo. Ver Catoptria (Princípio de).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Imanência – O fato de haver formações coloca uma imanência da qual não se sai nunca. A transcendência é colocada de direito, mas não há de fato. Indiferenciação (Indiferença) – Neutralização. Resultado da equivalência entre dois polos opostos, com superação da dualidade, revelando um terceiro lugar que sofre o empuxo da HiperDeterminação. Estado neutro do Real. Morte – ‘A Morte não há’, porque não há o gozo da morte. É impossível para qualquer um ter experiência de morte, sua ou de outro. O que existe são experiências de perda, castração. não-Haver (Ã) – Avesso radical do Haver. Designa o gozo absoluto requerido pela pulsão, o Impossível. É conjecturado, de direito, pela catoptria do Haver, mas de fato, ele não há. As IdioFormações, por sua constituição íntima, não podem não conjecturar o não-Haver em última instância, como Causa de desejo. NovaMente (ou Nova Psicanálise) – Aparelho clínico de simulação da suspensão dos recalques, criado em 1986, por MD Magno, na linhagem de Freud e Lacan. Trata-se de uma reedificação da psicanálise com base nos mais importantes achados desses dois mestres. Tem se mostrado à altura de orientar uma leitura da situação atual do mundo, sobretudo em seus aspectos de conhecimento. Coaduna-se com as teorias contemporâneas da cosmologia e da física, e demonstrou antecipá-las em diversos pontos cruciais. Originário (OR) (Nível ou Regime) (Recalque) – Fundamenta-se na axiomatização da ALEI. Designa a dissimetria radical do Haver e do psiquismo, decorrente da impossibilidade do Haver passar a não-Haver. Pessoa – IdioFormação do caso humano. Situada em determinado pólo, apresenta foco e franja e, em sua extensão máxima, abrange o Haver por inteiro. Ver IdioFormação e Haver. Ponto Bífido – Ponto neutro, com possibilidade (não de se orientar, mas) de ser direcionado ora para um lado ora para outro. Primário (Nível ou Regime) (Recalque) – Conjunto de formações que o Haver oferece espontaneamente. As formações materiais existentes no Haver. No primário de nosso corpo há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos inerentes ao autossoma). Prótese – Invenção resultante de invocação da Hiperdeterminação. Pode ser psíquica, verbal, tecnológica, etc. Imita nossa originariedade, pois a prótese fundamental é o Originário. Ver Originário. Pulsão – Conceito fundamental da Nova Psicanálise que segue a última instância elaborada por Freud, a Pulsão de Morte. Inscreve-se no movimento da libido como tesão e estrutura-se como Revirão. O próprio movimento do que há como modo de funcionamento do Haver. Deste conceito se deduzem todos os outros: recalque, inconsciente, repetição, transferência, narcisismo, etc. Real – Ponto absolutamente neutro, indiferente, que não dá passagem para o não-Haver, porque ele não há. Comparece no Haver como marca do não-Haver, como inscrição do impossível. Ver Cais Absoluto.
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Recalque – Conceito que estrutura o pensamento psicanalítico. O que incide sobre as formações, embargando o movimento pleno da pulsão. O que quer que emperre o Revirão é fundação de Recalque. O que quer que não esteja comparecendo aqui e agora é da ordem do Recalque. Ver Recalque (Regimes ou Registros do). Recalque (Níveis ou Regimes de) – 1°) Primário – Regime das formações materiais que o Haver oferece espontaneamente, recalcantes do Revirão. No Primário de nosso corpo há dois níveis: autossoma (constituição biótica) e etossoma (conjunto dos comportamentos inerentes ao autossoma). 2°) Secundário – Regime secretado pelas Idioformações como imitação do modo de produção do Primário. Inclui o que se chama de simbólico e de cultura. 3°) Originário – Quebra de Simetria no Haver e no psiquismo, dada pela impossibilidade de o Haver passar a não-Haver. Competência que têm as Idioformações de reviramento radical do que quer que se apresente. Fundamenta-se na axiomatização da ALEI. Reificação – Processo progressivo/regressivo entre níveis, variando em três graus segundo sua intensidade. Primeiro grau (analogia): reificação branda que se dá no Secundário, por imitar o modo de construção do que estava no Primário, não sendo necessariamente recalcante. Segundo grau (metáfora): recalcamento. Terceiro grau (hipóstase): reificação do Secundário sobre o Primário, hiper-recalque, onde o que é proibido é tomado como impossível. Resistência – O Haver é resistência em estado puro, originária, pois não passa a não-Haver. Abaixo disso temos inúmeros níveis de resistência. As formações do Haver, às vezes, não resistem, perecem. Tudo que há se inclui na política, no jogo das resistências. A Nova Psicanálise supõe a vida como pura resistência à pulsão pelo não-Haver. Revirão – Máquina lógica tomada como exemplar dos movimentos do psiquismo e do Haver. Decorre d’ALEI e se presentifica para as Idioformações na possibilidade que têm de pensar, querer e mesmo produzir o avesso de tudo que lhes é apresentado. Secundário (Nível ou Regime) (Recalque) – Regime produzido pelas Idioformações enquanto referidas ao Primário (etossoma e autossoma), mas empuxadas pelo Originário, que é sua competência de reviramento radical do que quer que se lhes apresente. Inclui o que se chama de simbólico e cultura. Sexuação – Modos lógicos de estabelecimento de gozo. Concerne às modalidades de gozo decorrentes do Tesão do Haver pelo não-Haver. São quatro sexos: O Quarto sexo, é o Sexo Desistente, ou Sexo da Morte, que quer eliminar o Tesão completamente, mas não comparece por impossibilidade de entrar em funcionamento. O Terceiro Sexo é o Sexo Resistente que se põe como Um, o sexo do Haver, que simplesmente indica qual é o movimento do Tesão, sua afirmação diante da não existência da eliminação do Tesão. Quando o Haver se fractaliza diante da não havência do não-Haver, este Terceiro Sexo se modaliza em duas polaridades: Sexo Consistente, que imita o Um do sexo resistente e faz uma universalização; e Sexo Inconsistente, cujo modo de atingimento de gozo é na infinitização, sem designar fronteiras. Simetria – Aquilo que é desejado pelo Haver e pelo psiquismo, por imposição da catoptria, de acordo com ALEI: Haver desejo de não-Haver. Simetria, Quebra de – A fractalização do Haver diante de um espelho absoluto, por desejar seu avesso catóptrico e não conseguir atingi-lo. Ocorre pelo fato de não-Haver ser impossível. Inclui o que Freud chamou de castração e indicou como recalque originário (Urverdrangung).
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Estudos Transitivos do Contemporâneo TRANZ Sobredeterminação – Imensa gama de elementos, de formações que determinam a vida da gente. Podem ser de nível Primário ou Secundário.