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69BIB, So Paulo, n 71, 1 semestre de 2011, p. 69-94.
Desde os atentados de 11 de setembro de 2001, tornou-se quase
que senso comum dentro da rea de Relaes Internacionais afirmar que
os chamados Estados Falidos so uma das principais ameaas paz e
segurana internacionais. Na ltima dcada, presencia-mos a produo de
muitas obras dedicadas a debater as causas do fracasso e as
provveis solues para o problema1 e, mediante uma reviso prvia sobre
tais estudos2, acreditamos ser possvel sintetizar este debate da
seguinte maneira. Primeiramente, o fracasso estatal afloraria das
inabilidades ou da relutncia das lideranas dos pases em questo para
im-plantar instituies governamentais liberais em seu interior,
consideradas as mais adequa-das para o desenvolvimento das naes. Em
segundo lugar, a ausncia dessas instituies culminaria no surgimento
de problemas in-
ternos que extrapolariam as fronteiras nacio-nais e atingiriam
outros pases. Finalmente, a superao e reverso do fracasso seriam
al-canadas por meio de reformas em direo a um governo liberal
democrtico ou, no li-mite, pela reconstruo desses pases, ambos os
processos guiados por atores externos. importante destacar que o
foco dessas inter-venes, segundo seus propositores, se res-tringe s
instituies estatais, com o intuito de aumentar a eficincia e a
integridade das mesmas. Um projeto limitado em escopo e tcnico por
natureza, portanto.
O que ainda merece a devida ateno, contudo, a literatura de
cunho crtico ao conceito Estado Falido, que vem surgindo nos ltimos
anos e que possibilita uma gran-de oxigenao ao debate tradicional,
visto que procura fugir do que podemos chamar de vilanizao da
pobreza, isto , os principais problemas de segurana internacional
surgi-
Aureo de Toledo Gomes
1 interessante ilustrarmos a ampliao quantitativa do debate
sobre Estados Falidos depois dos atentados ter-roristas de 11 de
setembro de 2011 a partir da base de dados EBSCO, que rene grande
nmero de peridicos internacionais e utilizada inclusive pelo site
Peridicos Capes (www.periodicos.capes.gov.br). Tomando como base o
ano de 1993 (publicao de Saving Failed States, de Helman e Ratner,
considerado um dos textos precur-sores sobre a questo) e apenas
peridicos cientficos, at 2011 encontramos 223 publicaes referentes
ao tema. Quando refinamos a pesquisa estabelecendo o intervalo de
procura entre 2002 e 2010, deparamo-nos com 213 resultados. Devemos
salientar, contudo, que este levantamento apenas procurou analisar
o nmero de vezes em que a problemtica citada, e no a natureza da
anlise realizada se favorvel ou crtica ao termo Estado Falido, por
exemplo.
2 Monteiro (2006) realiza uma boa reviso sobre a discusso
envolvendo o impacto dos Estados Falidos para a segu-rana
internacional a partir de autores como Helman e Ratner (1993),
Rotberg (2004), Fukuyama (2005), entre outros. Ademais, em
trabalhos anteriores, especialmente Gomes (2008, 2012), tambm
avaliamos essa literatura sobre Estados Falidos e Reconstruo de
Estados.
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riam das inabilidades estruturais ou mesmo da relutncia poltica
de pases como Afega-nisto, Iraque e Somlia, entre outros.
Nesse sentido, o artigo procura preen-cher essa lacuna ao
revisar e tentar sistema-tizar tais contribuies recentes sobre a
dis-cusso. Para tanto, optamos por dividir os trabalhos em trs
rubricas.
Primeiramente, apresentaremos as cr-ticas forma como o fracasso
estatal ana-lisado. Aqui cabe ressaltar que as anlises compartilham
da utilidade analtica do con-ceito Estado Falido, porm divergem das
metodologias empregadas para a construo dos ndices, em especial o
Failed States In-dex, produzido pela Foreign Policy e o think tank
Fund for Peace. Nesse sentido, um mo-vimento prvio apresentao das
crticas uma apresentao, ainda que sumria, da for-ma como so
construdos tais ndices, dando maior relevo para o Failed States
Index.
Em segundo lugar, apresentaremos as anlises que criticam a relao
de causalidade estabelecida entre Estados Falidos e prolife-rao de
grupos terroristas. fato consoli-dado que uma parte significativa
de analis-tas e policy makers argumentam haver uma relao causal
direta entre Estados Falidos e a proliferao do terrorismo
transnacional, e que governana democrtica e reformas liberalizantes
reduziriam a incidncia do ter-rorismo. Contudo, uma leva
considervel de trabalhos problematiza tal relao de causa-lidade,
questionando as justificativas utiliza-das para aes como a Guerra
ao Terror.
Em terceiro lugar, sistematizaremos as crticas forma como o
discurso sobre Esta-dos Falidos construdo e instrumentaliza-do para
ao poltica. Ainda que tais crticas sejam teoricamente informadas
por aborda-gens muito distintas entre si desde anlises que destacam
o papel dos interesses estra-tgicos de potncias, at aquelas
inspiradas pelo ps-modernismo/ps-estruturalismo,
ps-colonialismo e teoria crtica , os tra-balhos reunidos nessa
seo apontam exata-mente para a arbitrariedade do uso poltico do
conceito, assim como para suas deficin-cias ao abordar a situao dos
pases consi-derados frgeis. A seo apresenta, portanto, uma diviso
temtica, e no terica, para a sistematizao do debate.
Ao final, apresentamos nossas conside-raes finais, buscando
iluminar para quais direes as crticas levam a discusso sobre o
fracasso estatal.
Identificar e mensurar a fragilidade dos pases um dos principais
pontos de diver-gncia entre os analistas no debate sobre o fracasso
estatal. Nesse tocante, certamente o trabalho mais conhecido o
Failed Sta-tes Index, do peridico Foreign Policy e do think tank
Fund for Peace, que se prope a ser uma ferramenta crtica no apenas
para destacar as presses normais que os Estados enfrentam, mas
tambm identificar quando estas presses esto os levando para o
limite do fracasso (Fund for Peace, 2011, p. 8). Um ponto que
precisa ao menos ser sinte-tizado so as cinco etapas pelas quais
passa a construo dos ndices sobre Estados Fali-dos, seja ele o do
Fund for Peace ou os de-mais que iremos revisar. Ainda que ndices
como o Failed States Index no sejam crticos ideia de Estado Falido,
importante desta-car como tais ferramentas so construdas e apontar
as divergncias entre os analistas so-bre as maneiras mais precisas
de se apreender o fracasso estatal.
Em primeiro lugar, h a definio do conceito de base (background
concept), que consiste em fixar o entendimento dos for-muladores do
ndice sobre o que seria fragi-lidade. Dessa forma, tendo-se em
mente que fragilidade aqui se refere ao Estado, os ndi-
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ces procuram definir o que seria tal entidade para, a partir da,
tentar averiguar as fragili-dades dos pases em questo. Teramos
desde definies minimalistas, relativas, sobretu-do, ideia do
monoplio do uso legtimo da violncia, at abordagens mais amplas, as
quais incluem boa governana, democracia e proviso de servios
pblicos. Muitas ve-zes existe uma teoria de base, implcita ou
explcita, que informa qual a concepo de Estado adotada.
O segundo movimento a sistematizao do conceito, ou seja, a
partir do carter terico do termo, caminha-se sua operacionalizao.
Trata-se aqui de identificar quais so os atri-butos do conceito que
permitiriam ao analista visualiz-lo empiricamente. Na maioria dos
ndices criados, os atributos escolhidos so aqueles elementos
considerados como setores constituidores de um Estado,
destacando-se as esferas poltica, econmica, social, de seguran-a e,
por vezes, a ambiental. Assim, parte-se da ideia de quais servios
um Estado deveria prover aos seus cidados para ser considerado
bem-sucedido, alm do monoplio do uso le-gtimo da violncia.
importante frisar aqui que a discusso sobre a legitimidade do
Estado restringe-se ao provimento de servios: legti-mo o Estado que
consegue prover de maneira eficiente os servios considerados
essenciais para a sua populao.
A terceira etapa consiste na obteno de dados, isto , uma vez
selecionadas as esfe-ras que constituem um Estado, trata-se agora
de recolher dados que as caracterizariam. Os dados a serem
recolhidos podem ser de trs tipos: indicadores de entrada (input
indica-tors), referentes existncia ou qualidade de condies
estruturais. As perguntas postas por tais indicadores demandam
respostas de tipo sim ou no, tais como: Existe uma diviso de
poderes no pas?; O pas ratifi-cou as convenes internacionais de
direitos humanos?, entre outras. O segundo tipo so
os indicadores de processo (process indicators), que medem os
esforos para se alcanar de-terminado resultado. Dentre eles,
podemos destacar a porcentagem do PIB em gastos de sade, a
porcentagem do PIB em gastos mi-litares e a relao professor-aluno
em escolas primrias. Por fim, o terceiro tipo so os in-dicadores de
resultados (output indicators), que procuram medir os resultados
das aes, que incluem o nmero de mortes em combates no ano, ndice de
desemprego etc.
Ainda referente aos dados, boa parte dos ndices faz uso de
quatro metodologias especficas para coleta dos mesmos. Temos,
primeiramente, as estatsticas pblicas (pu-blic statistics),
coletadas pelos governos dos pases, organizaes internacionais e
orga-nizaes no governamentais; em segundo lugar, os dados
produzidos por especialistas (expert data), os quais se ancoram na
ideia de que algumas pessoas mais envolvidas em determinados
processos so mais capazes de fazer julgamentos sobre tais eventos;
e, final-mente, as pesquisas de opinio (opinion polls), que
procuram obter respostas de uma par-cela considerada representativa
da populao total do pas em tela.
Dois problemas comumente observados nesses procedimentos so as
possibilidades de ocorrerem erros randmicos, aqueles que apare-cem
em razo da grande quantidade de dados a serem obtidos, cujo exemplo
mais comum seria quando, em um questionrio, os entre-vistados
preenchem lacunas erradas, e erros sistemticos, aqueles nos quais a
mensurao no corresponde ao conceito ao qual deveria fazer
referncia. Um exemplo interessante seria a tentativa de se
averiguar a capacidade estatal mediante a verificao de casas com
saneamento bsico; se em um pas esta no competncia estatal, o dado
seria assim clara-mente enviesado. Ademais, quando se trata de
Estados Falidos, outro problema comum se-ria, por exemplo,
determinar o que seria uma
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parcela representativa da populao, como coletar dados primrios
sobre provimento de servios, alm do fato de que a fonte das
in-formaes pode ser bastante questionvel, vis-to que o governo,
fonte comum desses dados, est sendo questionado pela populao e
pelos construtores do ndice.
A quarta etapa o clculo dos ndices, ou seja, a quantificao do
conceito. Para tanto, as diferentes escalas de dados (por-centagens
e moedas, por exemplo) precisam ser padronizadas, ou seja, os
valores desses dados so transformados em uma variao fixa de nmeros,
com um mnimo e um m-ximo definidos para que se possam comparar os
pases. A seguir, os dados so agregados, isto , combinam-se os
mesmos mediante operaes matemticas, uma vez que no h apenas um
indicador que possa ser usado para representar a fragilidade
estatal. Dessa forma, os analistas usam vrios dados que
re-presentam os atributos da fragilidade estatal e os combinam em
um ndice. A maior par-te dos ndices sobre Estados Falidos faz uso
de dados compostos, ou seja, aqueles que se embasam em diferentes
atributos e so, por-tanto, multidimensionais. Podem ser inclu-dos
no mesmo ndice, entre outras variveis, o PIB, os ndices de
mortalidade infantil e o nmero de homicdios3.
Um grande problema da agregao de dados em ndices de fragilidade
estatal refe-re-se atribuio de um valor para cada setor sob
avaliao. Para ilustrar o argumento, o exemplo que Sann (2011) nos d
esclare-
cedor: se compararmos duas variveis que esto em setores
diferentes do Failed States Index, como fuga de crebros devido a
perse-guio ou represso e surto de violncia poltica contra inocentes
civis, veremos que as mesmas so consideradas equivalentes em termos
numricos. Todavia, o que isso quer dizer? Poderamos questionar que,
como bem o faz Sann (2011, p. 30), a repatriao de um (ou mais de
um) cientista compensaria por um massacre de inocentes? Assim,
segundo o autor, nesse tipo de clculo h um pressu-posto implcito
sobre a possibilidade de uma taxa de substituio entre as variveis,
mas em contextos sociais e polticos tal pressu-posto no consegue se
sustentar.
Por fim, a ltima etapa consiste na visu-alizao dos nmeros, que
so comumente apresentados em rankings ou em mapas. guisa de
ilustrao, segue a visualizao pro-posta pelo Failed States Index de
2011, com as primeiras 15 entradas do ranking, alm da visualizao
cartogrfica, dos mais estveis aos em estado mais crtico4:
O Failed States Index possui algumas especificidades que merecem
ateno. Pri-meiramente, a coleta dos dados realizada pela prpria
equipe: alm de dados prim-rios adquiridos da Organizao Mundial da
Sade, do Banco Mundial, do Alto Comis-sariado das Naes Unidas para
Refugiados e do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento, os
analistas, mediante um software denominado CAST (Conflict
Assessment System Tool) fazem uma anlise
3 Uma importante limitao tcnica do clculo dos ndices d-se quando
o clculo desconsidera o conceito de base. Se o conceito de base
destaca que um elemento de suma importncia para a compreenso da
fragilidade a falta de segurana, um mtodo de agregao que combine,
alm de dados primrios sobre segurana, mas tambm dados de economia,
poltica e programas sociais no seria aceitvel, visto que as outras
dimenses poderiam compensar a falta de segurana e distorcer a real
posio do pas no ndice.
4 Tabela e mapa foram extrados de: . Acesso em: 10 fev.
2012.
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Quadro 1
As Primeiras 15 Entradas do Ranking
Quadro 2
Failed States Index 2011
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de contedo (content analysis) de relatrios e artigos em lngua
inglesa adquiridos de uma organizao de notcias chamada Meltwater.
Em outras palavras, os relatrios e artigos so processados pelo
software que, utilizando lgebra booleana, procura nos documentos
informaes sobre conflitos, violncia e ou-tras variveis nos 177
pases sob anlise, com
base em 12 indicadores5, separando as infor-maes relevantes das
irrelevantes.
Failed States Index
Dentre os problemas do ndice, trs de-les so especialmente
destacados por crticos
5 Os indicadores sociais so: (1) presso demogrfica; (2)
movimento de refugiados e de pessoas dispersas interna-mente; (3)
legado de vingana por parte de faces internas; (4) fuga humana
crnica e sustentvel. Os indicadores econmicos so: (5) crescimento
desigual entre os grupos da populao; (6) declnio econmico acentuado
e/ou severo. Os indicadores polticos so: (7) criminalizao e/ou
deslegitimizao do Estado; (8) deteriorao progres-siva dos bens
pblicos; (9) suspenso ou aplicao arbitrria do Estado de Direito e
violaes de direitos humanos; (10) aparato de segurana operando como
um Estado dentro de um Estado; (11) ascenso de faces de elites; e
(12) interveno de outros Estados ou de atores polticos.
Quadro 3
Failed States Index
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como Sann (2011). Em primeiro lugar, a metodologia, os dados dos
indicadores, as palavras-chave utilizadas nas buscas da an-lise de
contedo, e possveis erros de men-surao no so completamente
descritos no site e na revista, o que impede, por exemplo, a
replicao do ndice por outros pesquisa-dores. Em segundo lugar, as
publicaes uti-lizadas nas anlises de contedo restringem--se s de
lngua inglesa, ainda que tradues de outras fontes para o ingls
estejam em planejamento. Por fim, a categorizao e a visualizao so,
no mnimo, controversas: enquanto na revista Foreign Policy os pases
so divididos em estados crtico (critical), em perigo (in danger),
no limite (borderline), es-tvel (stable) e mais estvel (most
stable), no site do Fund for Peace, como podemos ver na figura
abaixo, os mesmos so visualiza-dos mediante os termos em alerta
(alert), em aviso (warning), moderado (moderate) e sustentvel
(sustainable), o que pode acar-retar problemas de avaliao de pases.
Se nos atentarmos para a situao africana, no mapa da Foreign Policy
h muitos pases em situao crtica, enquanto, no site do Fund for
Peace6, os mesmos pases so vistos em situao de aviso.
Na poca de sua publicao, o Failed Sta-tes Index provocou debates
acalorados, com crticas vindas das mais diferentes esferas7. Alm de
crticas posio de determinados pases no ranking, outros analistas
questiona-
ram a metodologia utilizada, apontando suas deficincias e
propondo novas formas de se pensar a fragilidade estatal. Em
especial, uma das crticas mais constantes ao Failed States Index
girou em torno dos indicadores escolhidos para se avaliar o
desempenho dos pases e como estes se relacionariam entre si.
Goldstone (2008, p. 287) sintetiza esse pro-blema ao afirmar
que:
[...] simplesmente listar os indicadores no pro-porciona nenhum
sentido sobre como eles se com-binam, ou qual tem mais peso, para
se chegar ao fracasso estatal. Logo, o Failed States Index
funcio-na mais como um checklist de itens para os policy makers
considerarem com relao estabilidade dos pases. Ademais, possui
valor limitado como guia para indicar o que muda ou a que processos
procurar e responder em polticas direcionadas para fortalecer ou
lidar com Estados em processo de falncia8.
No mesmo diapaso, surgiram outras obras tambm interessadas em
identificar Estados Falidos, as quais merecem ser ava-liados. Os
trabalhos de David Carment e seus colegas do projeto Country
Indicators for Foreign Policy, da Canadian Internatio-nal
Development Agency, inovam ao propor uma nova forma de se pensar a
fragilidade dos Estados, colocando os pases sob anlise num
continuum de fora/fraqueza, a partir de seus desempenhos em
determinados in-dicadores. Criticando as abordagens que se
restringem ora no nvel macro que privile-
6 7 Por exemplo, o ento embaixador colombiano na ONU, Luis
Alberto Moreno, afirmara que seu pas, a despeito
dos problemas com grupos armados ilegais, uma democracia
pluralista caracterizada por uma sociedade civil politicamente
ativa e por uma imprensa livre e que listar a Colmbia como pas em
situao crtica seria ultrapas-sado e impreciso (apud Foreign Policy,
2005, p. 4). Nesse caso especfico, a resposta dos idealizadores do
ndice calcou-se no fato de que o fracasso seria um fenmeno com
vrias dimenses e que a grande utilidade do Failed States Index
estaria justamente no cruzamento dessas dimenses. Assim, apenas um
governo democrtico e estvel no seria garantia de que um pas poderia
deixar de ser considerado falido.
8 Todas as tradues livres do ingls para o portugus apresentadas
ao longo do texto so de nossa inteira responsa-bilidade e para uso
exclusivo neste trabalho.
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giam as abordagens de mudana sistmica e seus impactos nos
Estados fracos , ora no nvel intermedirio anlises de cunho
insti-tucional, as quais centram suas atenes nas estruturas
polticas e econmicas dos pases , ora no nvel micro as quais olham
pro-cessos especficos, em especial a dinmica de conflitos internos
, Carment (2003) avan-a na necessidade de abordagens que com-binem
todos os nveis, agregando mtodos economtricos e pesquisas de
campo9. Outra inovao dos trabalhos a definio de fragi-lidade, agora
vista de forma relacional e em graus, no em tipos.
Um Estado pode ser forte segundo um indicador e fraco de acordo
com outro. Argumentamos que o referencial para compreenso da
fragilidade estatal no deve ser o desempenho passado, presente ou
futuro em termos absolutos, mas sim em termos relativos vis--vis
outros Estados em dado ponto. A mudana, que compreendida ao
examinarmos o desempenho relativo de um pas, seja progressi-va ou
regressiva, nos diz se um Estado est cami-nhando rumo ao fracasso
ou se sua situao est melhorando. [...] Em suma, fragilidade no deve
ser associada com um ponto final a partir do qual o pas no pode
piorar. [...]Argumentamos tambm que fragilidade uma medida para
verificar se as prticas e capacidades correntes dos Estados diferem
de sua imagem ide-alizada. uma questo de grau, no de tipo. [...]
uma medida para se verificar se as instituies, fun-es e processos
polticos dos pases correspondem imagem do Estado soberano, aquele
reificado nas teorias do Estado e no direito internacional. Pela
nossa definio, todos os pases so, em alguma medida, frgeis
(Carment; Samy, 2011, p. 3).
O grupo liderado por Jack A. Golds-tone, da School of Public
Policy da George Mason University, tambm buscou inovar a forma de
se pensar a fragilidade estatal, privilegiando anlises de cunho
institucio-nalista, mensurando como instituies dos pases reagiram
diante de desafios internos e externos. Apesar de terem iniciados
seus trabalhos antes da publicao do Failed Sta-tes Index
especificamente em 1994, sob o nome de State Failure Task Force e
finan-ciados pela CIA , Goldstone e seus cole-gas ganharam mais
destaque aps o 11 de setembro e a avalanche de trabalhos sobre
Estados Falidos. Segundo os autores, sob o conceito de fracasso
estatal teramos quatro grandes eventos que indicam grave
instabi-lidade poltica:
Guerras revolucionrias: embates entre o governo e grupos
organizados que ten-tariam derrub-lo;Guerras tnicas: conflitos
entre o gover-no e grupos tnicos, religiosos ou mino-rias cuja meta
seria mudar o status quo;Mudanas adversas de regime: mudan-as
abruptas na forma de governana, desde colapsos estatais,
instabilidades polticas e transies de democracias para regimes
autoritrios;Genocdios e politicdios: polticas de governo que
poderiam resultar na morte de grupos minoritrios inteiros10.
9 Diferentemente do Failed States Index, os trabalhos do grupo
de Carment, em especial o relatrio de 2006, ava-liam os pases
segundo seus desempenhos em 10 reas mediante o uso de 74
indicadores, em contraposio aos 12 indicadores do ndice do Fund for
Peace e da Foreign Policy. Os dados do grupo de Carment foram
coletados de estatsticas pblicas e da anlise de especialistas. A
grande fraqueza do ndice de Carment, de forma similar ao Failed
States Index, que a metodologia no est claramente apresentada na
publicao.
10 O banco de dados utilizado no relatrio de 2000 incluiu 114
eventos ocorridos em diversos pases com populao acima de 500 mil
habitantes, no perodo de 1955 a 1998. Em trabalhos mais recentes,
como os de 2008 e 2010, o banco de dados lista os eventos ocorridos
at 2003.
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De acordo com os trs relatrios produ-zidos pelo grupo e
publicados entre 1995 e 2000, das condicionantes analisadas pelos
autores, quatro foram positivamente associa-das com as
instabilidades polticas acima ar-roladas, quais sejam: (1) a
qualidade de vida da populao; (2) o tipo de regime poltico de um
pas e a natureza de suas instituies; (3) influncias internacionais,
tais como o comrcio externo, participao em organiza-es
internacionais e conflitos com pases vi-zinhos; e (4) a composio
tnica e religiosa de sua populao. Ou seja, quando ocorrem alteraes
negativas em qualquer dessas qua-tro variveis, instabilidades
polticas podem ameaar a estabilidade dos pases.
A partir de 2003, o grupo foi rebati-zado para Political
Instability Task Force e continuou envidando esforos para refinar
suas anlises. Em artigo de 2008, Goldstone destacou duas qualidades
essenciais que todo Estado deve ter para se manter estvel:
efeti-vidade e legitimidade. Enquanto efetividade referir-se-ia a
quo bem um pas consegue executar suas funes essenciais, como
pro-vimento de segurana, promoo de cresci-mento econmico, oferta de
bens pblicos, entre outros; legitimidade refletiria se tais funes
so percebidas pelas elites e pela po-pulao como justas ou razoveis
nos termos das normas sociais correntes.
Segundo Goldstone (2008), existem cinco caminhos principais que
facilitariam a instabilidade poltica, aumentando as chan-ces do
fracasso: (1) a escalada de conflitos tnicos ou grupais, cujos
melhores exemplos seriam Ruanda, Libria e Iugoslvia; (2) pre-dao
estatal (state predation), caracterizada pela corrupo de recursos
por parte das eli-tes em detrimento de outros grupos,
exem-plificado pelos casos da Nicargua, Filipinas e Ir; (3)
rebelies regionais ou guerrilhas, exemplificadas pela Colmbia e
Vietn; (4) colapso democrtico, resultando em guerra
civil ou golpe de Estado, representados pelos casos da Nigria e
Nepal; e (5) sucesses ou crises em Estados autoritrios como a
Indo-nsia sob o governo de Suharto e o Ir sob o domnio do X Reza
Pahlevi.
A carncia de anlises empricas e a pre-sena de generalizaes
simplistas na litera-tura que fracassariam em distinguir
catego-rias distintas como Estados Fracos e Estados Falidos, e em
explicar como pases especfi-cos podem ser associados com
determinadas ameaas, so dois dos principais problemas identificados
por Stewart Patrick (2007). Sem uma definio consensual, a tendncia
agrupar Estados muito distintos num mes-mo grupo, subestimando no
apenas as es-pecificidades histricas e culturais, mas tam-bm os
desafios particulares pelos quais cada um passa, resultando em
solues que seriam em tese adequadas para todos os casos, mas que no
lidariam de forma precisa com as peculiaridades de cada pas.
Ainda segundo Patrick (2007), o con-ceito Estado Falido no
habilitaria o analista a diferenciar pases que no teriam
capacida-de para oferecer os bens pblicos sua popu-lao daqueles que
no estariam interessados em ofertar tais bens. Em ltima instncia,
qual o ganho analtico em agrupar na mesma categoria a Coreia do
Norte, cujo lder tem s mos um dos maiores exrcitos do mundo e que
no estaria interessado em reformar o sistema poltico e econmico do
pas, e Ti-mor Leste e Libria, cujos governos, segundo o autor (p.
647), demonstram interesse mas carecem das capacidades para lidar
com as imensas dificuldades de suas sociedades?
Por fim, Patrick levanta trs objees normativas ao conceito: em
primeiro lugar, muitos pases jamais alcanaram o status de Estados
efetivos, ou seja, nunca conseguiram prover todos os bens que a
literatura argu-menta serem deveres dos Estados para com suas
sociedades; em segundo lugar, ao apon-
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tar os problemas internos dos Estados Fali-dos como causa das
ameaas transnacionais contemporneas, ignora o fato de que mui-tos
pases considerados bem-sucedidos con-triburam para a corrente
situao daqueles vistos como frgeis e, por fim, esse enquadra-mento
encorajaria polticas de reconstruo de Estado que privilegiariam
regimes que garantissem a ordem e estabilidade em detri-mento de
democracias.
Apesar das crticas pertinentes, o autor enxerga mritos em
ranquear pases de acordo com o desempenho dos mesmos em prover bens
pblicos para suas populaes, pois tais ndices ajudariam a superar
debates sobre como adjetivar determinados Estados (em co-lapso,
falidos, fracos, entre outras categorias), indicariam que lacunas
institucionais deve-riam ser preenchidas para que as autoridades
nacionais e agentes externos possam saber precisamente quais as
fontes de instabilidade e, por fim, contribuiriam para direcionar
de forma mais adequada os recursos econmicos.
Assim, juntamente com Susan Rice, o autor prope o Index of State
Weakness in the Developing World (2009), o qual avalia 141 pases
vis--vis suas capacidades no desem-penho de funes relativas
segurana, pol-tica, economia e bem-estar social, avaliados mediante
o uso de vinte indicadores11. No que tange segurana, os indicadores
procu-rariam avaliar se o Estado capaz de manter a segurana para
seus cidados e sua sobe-
rania ao longo do territrio. Uma segunda leva de indicadores
julgaria em que medida o governo do pas legtimo e capaz, avaliando
a responsividade (accountability) do Estado para com seus cidados e
se o mesmo gover-na de maneira efetiva e transparente. Com relao
economia, os indicadores analisa-riam a capacidade do pas em
garantir um ambiente econmico estvel, a qualidade das polticas
econmicas e das medidas regulat-rias, a fora do setor privado e a
distribuio de renda. Ademais, o bem-estar social seria mensurado a
partir de capacidade do Estado em garantir sade, educao, acesso gua
potvel, entre outras variveis.
A inovao do ndice proposto por Rice e Patrick (2009) em
contraposio ao Fai-led States Index a utilizao de indicadores
distintos para se mensurar o fracasso estatal. Segundo Patrick
(2007), o Failed States In-dex privilegia indicadores relacionados
ao risco de violncia, no agregando de maneira satisfatria outras
variveis que permitiriam uma melhor compreenso das capacidades
institucionais dos pases. De acordo com esse autor, a partir da
diferena entre capacidade institucional para se oferecer bens
pblicos e comprometimento governamental para se levar adiante esta
mesma tarefa:
possvel diferenciar quatro grandes categorias de Estados: (1)
aqueles com bom desempenho e com vontade e comprometimento; (2)
Estados
11 Os indicadores utilizados pelos autores para a rea de
segurana so os seguintes: conflict intensity, political
ins-tability and absence of violence, incidence of coups, gross
human rights abuses, territory affected by conflict. Os indicadores
para a rea poltica so os seguintes: government effectiveness, rule
of Law, control of corruption, voice and accountability, freedom
house. No que tange economia, os indicadores so: GNI per capita,
GNP growth, income inequality, inflation rate, regulatory quality.
Por fim, com relao ao bem-estar social, temos: child morta-lity,
primary school completion rate, undernourishment, access to
improved water and sanitation, life expectancy. A coleta de tais
indicadores foi realizada por meio de estatsticas pblicas de
agncias e organismos internacionais, tais como o Banco Mundial
(economia), Freedom House (poltica), Center for Systemic Peace
(segurana), Poli-tical Instability Task Force (segurana) e
Governance Matters (poltica e segurana), alm de pesquisas de opinio
e anlise de especialistas.
-
79
fracos, mas com comprometimento; (3) Estados que possuem os
meios, mas que no tem compro-metimento; e (4) aqueles os quais no
possuem nem capacidade nem comprometimento para o exerccio de suas
tarefas (Patrick, 2007, p. 651).
Com essa nova categorizao, seria possvel problematizar a conexo
entre pa-ses considerados fracos e ameaas trans-nacionais, em
especial o terrorismo. Desse modo, o autor destaca que: (1) nem
todos os Estados Falidos possuem grupos terro-ristas em seu
interior; (2) os atentados que ocorrem em Estados Falidos no tm
carter transnacional, privilegiam alvos domsticos e so motivados
por divergncias polticas; (3) grupos terroristas tendem a optar por
Estados fracos como o Paquisto ou Qu-nia, pois, ao mesmo tempo que
so frgeis e suscetveis corrupo, possibilitam acesso a uma estrutura
financeira e logstica; e (4) a partir de uma organizao
descentralizada, mediante a utilizao de clulas, hoje a ideia de
santurios para atividades terroristas no seria mais to
atrativa.
Segundo Mata e Ziaja (2009), uma das grandes fraquezas do ndice
de Patrick e Rice que, metodologicamente, no traz nenhuma inovao,
seja na forma como os dados so coletados ou mesmo na criao de
softwares. Ademais, podemos ainda destacar que o ndice restringe-se
aos pases em de-senvolvimento, e que apesar de ter sido uma escolha
deliberada dos autores, traz consigo uma questo tica importante:
apenas os pa-ses considerados fracos e em desenvolvimen-to merecem
ser avaliados? Para alm, Sann (2011, p. 35) aponta trs grandes
problemas dos ndices sobre fragilidade estatal, porm no exclusivos,
no trabalho de Rice e Patrick (2009) e extensivos s demais
tentativas de se mensurar o fracasso estatal:
Primeiramente, os conceitos a serem operaciona-lizados lidam com
muitas formas de incerteza e
geralmente so muito obscuros e tm fronteiras difceis de serem
claramente delimitadas. Em se-gundo lugar, so altamente
multidimensionais. No temos a nosso dispor ferramentas que nos
ha-bilitem a reduzir todas as variveis polticas a uma unidade
numrica. Imagine que almejemos agre-gar os direitos das mulheres e
violncia. Quantas mortes seriam equivalentes a uma dada melhora na
situao feminina em dado pas? [...] Em ter-ceiro lugar, ndices
polticos trabalham com dados corrompidos, deteriorados e muitas
vezes verbais (e que em muitos casos levam o nome de dado apenas
por analogia).
Nessa seo, portanto, a reviso do de-bate centrou-se nas maneiras
consideradas mais adequadas para se apreender o fen-meno do
fracasso estatal. Apesar de, meto-dologicamente, os trabalhos
apresentarem diferenas substanciais, ontolgica e
episte-mologicamente compartilham da ideia de que os chamados
Estados Falidos so uma realidade e que possvel capturar suas
ca-ractersticas principais para, assim, reform--los. Outro ponto em
comum das aborda-gens revisadas a ideia de que o fracasso um
fenmeno essencialmente domstico e, por isso, a nfase nas
reconstrues das ins-tituies estatais. So trabalhos eminente-mente
policy-oriented e que almejam servir de recursos para a interveno
na realidade dos pases em tela.
terrorismo
Aps os atentados de 11 de setembro de 2001, aqueles favorveis s
intervenes em Estados Falidos apontavam para o fato de que grupos
terroristas poderiam fazer uso de tais pases como santurios para
suas aes, sendo a Al Qaeda no Afeganisto durante o regime do Talib
(1996-2001) a confirmao cabal dessa relao. No obstante, uma leva de
estudos procurou testar empiricamente as premissas de que haveria
uma relao de
-
80
causalidade entre Estados considerados fali-dos e a proliferao
de grupos terroristas, as-sim como o argumento de que a governana
democrtica e reformas liberalizantes reduzi-riam a incidncia do
terrorismo. So tais tra-balhos o objeto de estudo da corrente
seo.
Especificamente sobre a relao de cau-salidade entre Estados
Falidos e a prolifera-o do terrorismo, destaca-se a contribuio de
James Piazza que, desde 2006, envida es-foros para encontrar quais
seriam os prin-cipais determinantes para a proliferao de grupos
terroristas. No trabalho de 2006, mediante anlises de regresso
mltipla e tendo como variveis dependentes os inci-dentes
terroristas e o nmero de vtimas em 96 pases, entre 1986 e 2002, o
autor pro-curou encontrar a importncia de variveis como pobreza,
desnutrio, desigualdade de renda, desemprego, baixo crescimento
econmico como determinantes do terro-rismo12. Todavia, segundo o
autor, variveis como o tamanho da populao, diversidade tnica e
religiosa, represso estatal e o sis-tema partidrio, em suma, a
forma como a estrutura estatal lida com questes relativas
oportunidade de acesso ao aparato polti-co e formulao de polticas
pblicas so mais significativas do que os fatores ante-riormente
listado, problematizando assim a ideia de que pobreza e terrorismo
esto intimamente ligados.
No estudo de 2008, no qual procurou verificar se democracia e
mercado livre se-riam positiva ou negativamente associados
proliferao do terrorismo, o autor apresenta a seguinte
concluso:
Os resultados fracassam em fornecer suporte para as duas
hipteses testadas neste estudo: que pases democrticos so
negativamente relacionados com a incidncia do terrorismo
internacional; e que polticas econmicas pr-mercado so
negativa-mente relacionadas com a incidncia do terroris-mo
internacional. Os resultados batem de frente com os pressupostos
que aliceram a atual poltica contra-terrorismo dos EUA que o
terrorismo produto de sistemas polticos e econmicos no liberais e
apontam para populao, estabilida-de poltica e possivelmente fatores
relacionados demografia religiosa como mais importantes na previso
e preveno do terrorismo (Piazza, 2008, p. 83)13.
Aidan Hehir outro autor que busca questionar a causalidade em
tela. Em seu artigo de 2007, o autor cruzou os dados da lista de
Organizaes Terroristas Internacio-nais (Foreign Terrorist
Organizations FTO), que, segundo o Departamento de Estado dos
Estados Unidos, enumeraria os principais grupos que representam
ameaas seguran-a norte-americana, e o Failed States Index. Dessa
interseco, o autor argumenta ser possvel tirar trs concluses:
Primeiro, a falta de qualquer relao entre o grau de fracasso de
um Estado e o nmero de grupos
12 Os dados utilizados pelo autor so o ndice de Desenvolvimento
Humano (IDH), utilizado pela ONU para o relatrio anual do Programa
das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); o coeficiente de
GINI, ndice criado para mensurar a desigualdade na distribuio de
renda; o PIB dos pases sob anlise; alm das taxas de in-flao e
desemprego dos mesmos e o nmero de calorias ingeridas pelas pessoas
por dia nesses pases. Essa ltima varivel, segundo Piazza, seria
importante para ajudar a verificar se a associao pobreza-terrorismo
vlida, visto que em pases com pouca ingesto de calorias indicaria
baixa estabilidade alimentar e a possibilidade de altos ndices de
inanio e fome.
13 Mediante anlises estatsticas, Piazza (2008) relaciona os
atentados terroristas ocorridos entre 1986 e 2003, com-pilados na
publicao Patterns of global terrorism, do departamento de Estado
dos EUA com quatro variveis que medem a liberdade poltica e
econmica de um pas, criados pela Freedom House, pela Heritage
Foundation e pelo Frasier Institute.
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81
terroristas ali baseados; segundo, a pouca dife-rena no nmero de
incidentes de terrorismo nos pases alocados nas primeiras vinte
posies do n-dice de Estados Falidos [por exemplo, 11 estados
listados na Tabela 3 (Estados Falidos e Terroris-mo) Repblica
Democrtica do Congo, Costa do Marfim, Chade, Haiti, Guin, Libria,
Rep-blica Centro-Africana, Coreia do Norte, Burundi, e Serra Leoa
juntos totalizam oito fatalidades durante o perodo de 1998-2006 e
no possuem nenhuma Organizao Terrorista Internacional]; terceiro, a
presena de nmeros significativos de Organizaes Terroristas
Internacionais em Esta-dos que em tese no poderiam ser avaliados
en-quanto fracassados, sendo at considerados como democrticos
(Hehir, 2007, p. 317).
Com raciocnio semelhante, Newman (2007) avalia a causalidade
entre Estados Falidos e terrorismo ao comparar as orga-nizaes
terroristas consideradas mais pe-rigosas vis--vis os pases a partir
dos quais elas surgem e operam, procurando identi-ficar possveis
padres ou correlaes entre o habitat dos terroristas e tipos de
regimes polticos. Tambm compara uma amostra de pases usualmente
considerados fracos ou falidos14 e a quantidade de atentados
terro-ristas que ocorreram em seus territrios. A primeira comparao
capacitou Newman a afirmar que grupos terroristas apresentam
operaes mais significativas em pases de-mocrticos e nos quais o
governo consegue projetar poder sobre o territrio; a segunda, por
sua vez, mostrou que a despeito de baixo desempenho na proviso de
bens pblicos e na proteo de direitos humanos, pases con-siderados
fracos ou falidos no apresentam necessariamente atividades
terroristas em seus territrios. Assim, o autor assevera que no h
relao conclusiva entre terrorismo e
Estados Falidos: apesar de grupos terroris-tas operarem a partir
de alguns pases tidos como frgeis, a maioria deles no possui
ati-vidade terrorista significativa.
Por fim, outro estudo seminal o de Pape e Feldman (2010), que,
ao apresentar o que seriam as principais causas dos aten-tados
terroristas contemporneos, ainda que no diretamente, questiona
fortemente a tese da associao Estados Falidos-terroris-mo. Segundo
os autores, o terrorismo suici-da, nacional ou transnacional,
origina-se da mesma causa, qual seja, a ocupao militar externa, e,
enquanto a mesma persistir, a tendncia a termos tais fenmenos
persisti-r. Um segundo achado dos autores que as diferenas
religiosas entre os interventores externos e a populao do pas
ocupado uma varivel que permite compreender por que determinadas
intervenes culminam em ataques suicidas e outras no. Ademais, a
ocupao de comunidades afins (kindred com-munities), relativas
determinada cultura ou religio, e no necessariamente determinado
pas, o principal fator que leva um indi-vduo a cometer um atentado
suicida. Dito de outra forma, a presena norte-americana na Arbia
Saudita, em terras consideradas sagradas pelos muulmanos, seria uma
con-dicionante mais poderosa para o terrorismo suicida do que o
fracasso estatal.
Logo, mediante tais trabalhos, vemos que as alegaes para
intervenes e recons-trues de Estados tendo em mente uma possvel
proliferao de grupos terroristas em seus territrios algo bastante
controverso, longe de ser consensual entre parte conside-rvel dos
analistas interessados no tema.
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82
Em sua anlise sobre o conceito de fra-casso estatal, Pureza e
seus colegas (2007) apontam para o fato de que a literatura
tradi-cional comunga de dois pressupostos bsicos, de certa forma j
apresentados nas sees an-teriores: Estados fracassam porque no
pos-suem as capacidades institucionais, econ-micas e polticas para
se manterem enquanto entidades polticas legtimas e autnomas; e a
falta de tais capacidades sobremaneira re-sultante de problemas de
governana interna. Para alm, os autores argumentam que Esta-do
Falido um conceito negativo, descritivo e prescritivo: refere-se a
algo que no est ex-plcito, no caso, o Estado democrtico liberal
ocidental, ao afirmar que alguns pases fra-cassaram em atingir esse
determinado pata-mar; descreve as situaes de diferentes pases como
casos permanentes de crises e caos; e prescrevem que tipo de
caractersticas e capa-cidades os Estados devem ter. Nesse sentido,
conforme Newman (2009, p. 437):
O uso da categoria Estado Falido quando apli-cada, por que, e
com quais consequncias no sempre resultado de uma verdade objetiva
ou da realidade, mas sim de uma interpretao subjetiva de eventos
que prioriza Estados Falidos, mas ne-gligencia por exemplo desafios
ambientais ou mesmo epidemias. Como uma demonstrao da importncia
das construes polticas, a realidade emprica dos Estados Falidos
muitas vezes me-nos importante do que a percepo que poderosos
atores tm do conceito e das ameaas com as quais se deparam.
A partir dessa constatao, selecionamos um grupo de estudos
crticos que problemati-za a forma como o conceito de Estado Falido
foi construdo e vem sendo instrumentaliza-do. Em outras palavras,
esses estudos privi-legiam, cada qual a seu modo, em que
cir-cunstncias o conceito seria usado, quais os
impactos dessa utilizao, assim como quais pressupostos estariam
implcitos na termino-logia e como se d a lgica de construo in-terna
desses discursos, questionamentos estes nada desprezveis, embora
pouco trabalhados pelo mainstream acadmico e poltico.
O que une os primeiros trabalhos a se-rem revisados nessa seo a
nfase nas cir-cunstncias e nas consequncias da utiliza-o do
conceito Estado Falido, destacando como os interesses de
determinados atores, especialmente as grandes potncias, podem estar
sendo mascarados sob o debate do fra-casso estatal.
Em alguma medida, tal ponto j foi sa-lientado pelo prprio
peridico Foreign Po-licy, quando da publicao do Failed States Index
de 2009. A reportagem centra-se na diferena entre as vises
norte-americana e chinesa sobre a situao dos pases do Ter-ceiro
Mundo, destacando o fato de que, na nsia por matrias-primas e
energia, Pequim vem recorrentemente buscando investimen-tos em
pases que, segundo a agenda de se-gurana dos Estados Unidos, seriam
consi-derados falidos e, no mnimo, de alto risco. Contudo, alm do
acesso a esses insumos, a China tambm estaria conseguindo apoio
poltico de diversos pases em temas sensveis da poltica externa
chinesa, como o isola-mento de Taiwan e votaes relativas a
direi-tos humanos na ONU. Segundo dados arro-lados pelo jornal O
Estado de So Paulo, de 14 de fevereiro de 2011, apenas na Arglia,
empresas chinesas j tm contratos fechados de mais de 20 bilhes de
dlares, e a atuao de Pequim em pases como Sudo, Zmbia e frica do
Sul visa garantir o acesso irrestrito a matrias-primas necessrias.
Logo:
[...] enquanto os EUA e seus aliados discursam para autocratas
do Terceiro Mundo sobre boa governana e transparncia, engenheiros
chineses constroem estradas paras as casas de final de sema-na dos
ditadores (Halper, 2010, p. 99).
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83
O que outros autores fazem mostrar que visualizar o fracasso
estatal mais como oportunidades do que como riscos no privilgio
chins. Bs e Jennings (2007), ao mapear as circunstncias em que o
ter-mo foi utilizado avanam na hiptese de que pases adjetivados de
falidos so aqueles nos quais a recesso e informalizao do Estado na
medida em que as decises sobre dis-tribuio e redistribuio de bens e
recursos ocorrem fora e entre as estruturas estatais so
considerados uma ameaa aos interesses do Ocidente. Em outros pases,
contudo, esse funcionamento do Estado no apenas aceitvel, mas em
certa medida facilitado, uma vez que pode vir a criar condies mais
propcias para negcios. Classificar (ou no) Estados como falidos
seria um meio para delinear repostas polticas consideradas mais
adequadas para esses pases.
Nos casos de Afeganisto e Somlia, Bs e Jennings (2007)
argumentam que prevaleceu o enquadramento securitrio, ou seja, a
situao de tais pases foi percebida como ameaa aos interesses
norte-america-nos, resultando em respostas militares para as duas
conjunturas. No Afeganisto, os autores destacam que o regime do
Talib controlou boa parte do territrio do pas, conseguindo at
combater o cultivo de pio; todavia, o que levou o regime do Talib a
cair e ser considerado falido no foi uma situao de fracasso
estatal, e sim a interveno dos Estados Unidos aps os atentados de
11 de setembro de 2001. Os autores no descon-sideram os argumentos
humanitrios para a derrubada do Talib; o problema que estes mesmos
argumentos s foram formalmente verbalizados aps os atentados,
quando os
interesses norte-americanos que, at o final da dcada de 1990, no
divergiam dos do Afeganisto15, mudaram a partir da conexo entre Bin
Laden e o Talib. Com relao Somlia, os autores argumentam que apesar
de ser considerado um pas fracassado desde o incio da dcada de
1990, o conceito foi operacionalizado em 2006, quando as Isla-mic
Court Unions (ICU) estavam conseguin-do estabilizar seu domnio
sobre pores considerveis do territrio somali.
Por outro lado, nos casos de Sudo e Nigria, pases considerados
fracassados se-gundo parte significativa de analistas, as
res-postas foram distintas. No caso do primeiro, as jazidas de
petrleo existentes e a presena chinesa no pas funcionariam como um
efi-ciente escudo contra o enquadramento secu-ritrio para a situao
sudanesa. Com relao Nigria, apesar da circunstncia precria no
entorno do delta do rio Nger, com desta-que para pobreza e
desemprego, combinados com problemas ambientais, crime e corrup-o,
tratar o pas como falido no do inte-resse de potncias ocidentais
visto que, alm das reservas de petrleo, o governo de Abuja visto
como parceiro confivel e potncia regional numa poro do continente
africa-no vista como bastante problemtica. Bs e Jennings (2007, p.
483) concluem afirman-do que situaes de Estados Falidos so ora
definidas como ameaas e outras vezes no: o ponto crucial que o
conceito e o termo em si no jogam qualquer luz sobre a questo da
segurana humana nos pases em questo.
Em linha similar, Nasser (2009) apon-ta para o fato de que o
termo Estado Falido tem se tornado um expediente conveniente para
que as grandes potncias, em associa-
tendo em vista a passagem de oleodutos pelo pas, alm de
perceberem o novo governo como um importante
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84
o com empresas multinacionais, possam intervir nesses territrios
e assim facilitar o acmulo de riquezas mediante a explorao de
recursos naturais, o que atualmente resul-ta em envolvimento cada
vez maior de pases como Estados Unidos, Rssia e China nos conflitos
internos, ora disputando recursos, ora apoiando militarmente as
faces em conflito. No caso da estratgia norte-ame-ricana para a
frica, por exemplo, Nasser chama a ateno para o fato de think tanks
influentes no governo, como o Council on Foreign Relations,
destacarem a necessidade de se ampliar o papel das foras militares
do pas e assim vigiar e controlar as fontes energticas e os
sistemas de distribuio do continente africano frente a vazios de
poder e ameaas como o terrorismo, caractersticas do fracasso
estatal.
Chapaux (2009) caminha em direo semelhante de Nasser e Bs e
Jennings, apresentando duas anlises interessantes so-bre o uso do
conceito de Estado Falido e as consequncias dessa utilizao. Segundo
o autor, o conceito de Estado Falido, ao me-nos em tese, permitiria
queles que o criaram impor um modelo de governana aos pases
classificados como fracassados. Contudo, mediante os exemplos da
interveno norte--americana no Iraque e as respostas interna-cionais
aos distrbios ocorridos na Bolvia entre 2003 e 2006, Chapaux
argumenta, primeiramente, que nem sempre o termo utilizado com esse
objetivo e que, em segun-do lugar, quando o termo utilizado para
promover mudanas de regime nem sempre se obtm xito, muitas vezes
devido s resis-tncias dos pases-alvo.
Ao mapear a aplicao do termo ao re-gime de Saddam Hussein, o
autor identifica trs utilizaes distintas em momentos dife-rentes e
por atores distintos. Primeiramen-te, antes da interveno, veculos
de mdia e autoridades do governo negaram que o
Iraque fosse um Estado Falido. Em segundo momento, os opositores
guerra utilizam o termo para afirmar que o Iraque se tornou um
Estado Falido em decorrncia da inter-veno norte-americana. Por fim,
Chapaux identifica o retorno do conceito ao discurso oficial,
momento mais significativo da uti-lizao, seja em figuras como a do
ex-secre-trio de Defesa Colin Powell ou mesmo no ento candidato
democrata presidncia, John Kerry. A especificidade desse momen-to
deve-se ao fato de que o discurso sobre o fracasso estatal
utilizado como justificativa e legitimao para a presena das tropas
es-trangeiras no Iraque, pois os Estados que esto no Iraque tem que
ficar para evitar a produ-o de um novo Estado Falido (Powell, 2003
apud Chapaux, 2009, p. 122). Sumarizando, Chapaux (2009) afirma que
a noo de Esta-do Falido foi utilizada para tentar dar legiti-midade
interveno no Iraque, e no para impor um modelo de governana.
Ademais, o autor argumenta que:
A relao de causalidade entre a interveno e a si-tuao atual do
Iraque esquecida; o trabalho de reconstruo dos EUA j no descrito
como a reparao de um dano e sim como uma necessida-de objetiva.
Assim, a legitimidade da ocupao no se avaliaria em termos da
legitimidade do ataque, a qual muitos se opuseram, mas agora se
apresentaria como uma misso altrusta que intenta evitar que o
Iraque rume ao caos (Chapaux, 2009, p. 123).
No caso da Bolvia, quando da nacionali-zao dos hidrocarbonetos
iniciada em 2003 pelo presidente eleito Evo Morales e dos
con-flitos que da redundaram entre o governo e as empresas
afetadas, Chapaux (2009) diz que o conceito de Estado Falido foi
utilizado por analistas para afirmar que os problemas pelos quais o
pas passava eram consequn-cias de um processo de fracasso estatal
que se instaurava e que demandava solues r-pidas, pois, caso
contrrio (Washington Post, 2003 apud Chapaux, 2009, p. 132):
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85
Poderemos ver uma possvel secesso ou uma guerra civil
devastadora. Tamanho caos no co-rao do continente se espalharia
para alm das fronteiras bolivianas, desestabilizando seus vizi-nhos
e interrompendo a economia da regio. Em ltima instncia, a Bolvia
pode se tornar o Afega-nisto dos Andes, um Estado Falido que
exporta drogas e desordem.
No caso do pas andino, o autor afirma que o discurso objetivava
contribuir para questionar o governo iniciado aps a eleio de Evo
Morales. Contudo, as crticas que esse enquadramento recebeu e a
pouca receptivi-dade que o mesmo teve tanto no discurso aca-dmico
como poltico impediram que a viso do fracasso estatal boliviano se
estabilizasse.
A segunda anlise, realizada por Cha-paux e Wiln (2009),
inicia-se com uma pergunta bastante pertinente: A distino entre
Estados Falidos e aqueles considerados bem-sucedidos teria alguma
influncia nas relaes internacionais, mais precisamente na forma
como os pases se relacionam na prtica? Para tentar responder a essa
inda-gao, os autores direcionam suas atenes para o relacionamento
dos Estados dentro do Peacebuilding Commission (PBC), rgo da ONU
criado em 2005 para coordenar as reconstrues de pases sados de
conflitos. Por meio da anlise dos casos do Burundi e Serra Leoa, os
autores argumentam que os pases sob o escrutnio do PBC, mesmo que
no sejam explicitamente nomeados Estados Falidos so considerados
menos capazes para resolverem seus problemas. A consequncia dessa
viso que a fraqueza dos referidos pases os deslegitimariam para
serem partici-pantes ativos nas discusses e os alijariam da tomada
de decises sobre seu prprio pro-cesso de reconstruo.
Em sua reflexo sobre Estados Falidos, os autores utilizam o
conceito habermasiano de discurso tico, o qual se refere s regras
que embasariam e legitimariam um debate,
assim como as decises tomadas aps o mes-mo que, nas palavras de
Linklater (2007), definiriam a priori o formato do processo de
tomada de decises, mas no a natureza da deciso a ser alcanada. Dito
de outra forma, a tica de um debate estabelece os procedi-mentos
dos debates para que indivduos pos-sam expressar as suas demandas e
diferenas morais e assim resolv-las mediante a fora do melhor
argumento. Nesse sentido, no se almeja predizer ou condicionar o
resultado final, mas, ao mesmo tempo em que aponta os critrios
formais que precisariam ser sa-tisfeitos, tambm convidaria os
participantes a refletirem sobre que estruturas e crenas obstruem a
concretizao do dilogo aberto. Com esse ponto de partida, Chapaux e
Wi-len identificam dois tipos de tica dentro da poltica
internacional.
Em primeiro lugar, teramos a tica de identidade, cujo melhor
exemplo seria a fi-liao ONU: um pas no precisa ser bom ou mau,
ocidental, rico ou democrtico para se filiar organizao; o simples
fato de ser um Estado suficiente para que sua vontade tenha peso
dentro da ONU, com exceo do Conselho de Segurana.
Consequentemen-te, em um debate envolvendo esse tipo de tica, as
decises seriam consideradas legti-mas somente se seguissem a
vontade de to-dos (consenso) ou a vontade de uma maioria
predefinida e aceita pelos participantes que seriam afetados pela
deciso a ser tomada. O segundo tipo seria a tica da capacidade,
exemplificada pela filiao ao FMI, pois a importncia econmica de
determinados pases daria mais peso s suas decises, ou seja, no
importa apenas se voc um Esta-do, mas tambm que tipo de Estado voc
.
Essa distino importante para o in-tento dos autores, pois, a
despeito de for-malmente as decises dentro do PBC serem tomadas via
consenso, ou seja, todos em tese teriam o mesmo peso, o que se
observa a
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86
consolidao de uma tica de capacidade: me-diante os relatrios das
discusses sobre os casos do Burundi e Serra Leoa, seria possvel
verificar uma oposio cada vez mais paten-te entre pases
considerados bem-sucedidos e aqueles vistos como fracassados e,
conse-quentemente, uma tendncia a considerar legtimo que pases
vistos como mais capazes impusessem suas decises sobre a
reconstru-o de terceiros, decises estas que afetariam mais
diretamente as populaes de Burundi e Serra Leoa, mas cujo
plenipotencirio no PBC no teria como influenciar o contedo. Segundo
os autores, incorrer-se-ia no risco de que pases considerados
incapazes no te-rem o que dizer sobre sua prpria reconstru-o,
quaisquer que fossem os objetivos a se-rem alcanados ou mesmo onde
os recursos a serem investidos deveriam ser alocados, em virtude do
tipo de tica dominante no PBC.
Sobre a capacidade heurstica do con-ceito Estado Falido, Pinar
Bilgin e Adam David Morton (2002, p. 56) argumentam que ao tentar
explicar as causas do fracasso, a maioria dos estudos se foca no
comporta-mento poltico de tais pases e nas implicaes desse
comportamento sobre a segurana da or-dem econmica liberal, sem
questionar o con-texto econmico no qual tais comportamentos esto
includos. Logo, segundo os autores, a excessiva preocupao da
literatura tradi-cional com os supostos sintomas do fracasso
estatal, em especial a proliferao de grupos terroristas em Estados
Falidos, impede uma anlise pormenorizada sobre as condies
es-truturais que levariam os pases ao fracasso. Assim, Bilgin e
Morton (2007) chamam as anlises sobre segurana internacional aps o
11 de setembro e que versam sobre Esta-
dos Falidos de externalistas e reducionistas: externalistas por
no inclurem na anlise o impacto que a globalizao e o capitalismo
hodierno tiveram sobre os pases, no abor-dando de forma adequada
como os Estados influenciam e so afetados por esses proces-sos16; e
reducionistas, porquanto reduzem as ameaas segurana ao
terrorismo.
Ainda segundo Bilgin e Morton (2004), a adjetivao de pases
enquanto fracos ou falidos teria consequncias problemticas, dentre
as quais se destacam: a reduo do sucesso ou fracasso s capacidades
coercitivas dos pases para controlarem seus territrios deixando em
um segundo plano a discusso sobre a natureza da democracia nesses
territ-rios; a viso da fragilidade estatal como com-portamento
desviante de normas internacio-nalmente reconhecidas, que serviria
como justificativa e legitimao para intervenes; a negligncia em
relao aos impactos dos programas de ajuda e estruturao econ-mica
capitaneados por organizaes como o Fundo Monetrio Internacional
(FMI) e Banco Mundial, que muitas vezes criam, ou ento exacerbam,
os sintomas do fracasso. Como alternativa s abordagens
tradicionais, Bilgin e Morton (2007, p. 21) propem:
Uma maior considerao precisa ser dada a como as diferentes
lgicas de soberania e capitalismo se combinam e formatam as condies
estruturais que confrontam os Estados ps-coloniais fa-lidos ou
qualquer outro adjetivo. Essas contra-dies so capturadas pela
maneira como pases especficos internalizam processos de acumulao de
capital e formas de dominao. [...] Em suma, uma historicizao mais
profunda dos processos de formao estatal no mundo no ocidental
necessria, ciente da circunstncias polticas e eco-nmicas nas quais
estes Estados evoluram.
16 Quando tratados, a globalizao e a atual conjuntura do
capitalismo internacional so vistos na maioria das vezes como meios
que facilitam a proliferao de ameaas como o terrorismo, e no como
causadores dessas ameaas.
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87
De outro lado, temos as anlises interes-sadas na questo da
representao e atribui-o de sentidos aos chamados Estados Fali-dos,
as quais se ancoram em pressupostos das abordagens
ps-modernas/ps-estruturalis-tas de Relaes Internacionais17, em
especial no tratamento dado por essas perspectivas sobre a relao
entre discurso e realidade. De forma geral, inspirados em trabalhos
de Mi-chel Foucault e Jacques Derrida, os trabalhos a serem
revisados argumentam que os sujei-tos, objetos e as relaes entre os
mesmos e que constituiriam a realidade s se tornam inteligveis
mediante a estruturao de cam-pos discursivos. Em outras palavras, o
real no poderia ser compreendido como ex-geno ao indivduo e passvel
de ser acessado sem qualquer interpretao pelo analista18. O estudo
das prticas discursivas, portanto, no almeja revelar a verdade que
at ento estaria obscurecida, mas sim verificar como certas
representaes embasam a produo do conhecimento e de identidades, e
como essas mesmas representaes tornam deter-minados cursos de ao
possveis. Moreno (2011, p. 21) sintetiza bem o impacto que as
anlises ps-modernas/ps-estruturalistas teriam sobre o conceito
Estado Falido:
[...] ao qualificar determinados Estados como em runas, falidos,
ou pelo menos como represen-taes imperfeitas do Estado moderno e
suas po-pulaes como atrasadas, primitivas, guerrei-ras, a
literatura no est empreendendo um mero esforo inocente de melhor
compreenso destes
Estados e das suas sociedades, mas est produzin-do aquilo que
deve ser governado, disciplinado e modernizado e, desse modo,
criando as condies de possibilidade para as novas operaes de paz da
ONU.
A viso depreciativa sobre a experincia de outros pases
considerados falidos um ponto em comum das anlises de Hugues e
Pupavac (2005) e Manjikian (2008). Am-bas as anlises almejam
destacar como as percepes sobre o chamado fracasso estatal aps o 11
de setembro de 2001, no mni-mo, assemelham-se a uma narrativa sobre
enfermidades, tratando sociedades sadas de conflitos como
patolgicas e incapazes de se recuperarem autonomamente. Dizemos no
mnimo, pois por vezes a metfora utiliza-da para caracterizar o
fracasso estatal refere--se explicitamente ao tratamento de
doen-as, como no seguinte trecho de Goldstone (2008, p. 293):
Impedir o fracasso estatal no simples como con-sertar um telhado
com vazamentos de uma casa, no qual a tecnologia conhecida e a
questo giraria em torno de se aplicar corretamente as solues. mais
como tentar curar um cncer, uma vez que no estado atual do
conhecimento, no sabemos preci-samente como prevenir ou curar cada
caso. Contu-do, podemos sugerir algumas diretrizes gerais para uma
abordagem global (grifo nosso)19.
Assim, com base em estudos de casos do Camboja e dos territrios
que outrora fize-ram parte da Iugoslvia, Hugues e Pupavac (2005)
argumentam que a noo de Estado
17 No nosso objetivo reconstruir todo o percurso das abordagens
ps-modernas/ps-estruturalistas na rea de Relaes Internacionais.
Para uma reviso especfica sobre o impacto do
ps-modernismo/ps-estruturalismo em Relaes Internacionais, sugerimos
Nogueira e Messari (2005) e Resende (2010).
18 As abordagens em tela propem uma ruptura com a concepo
representacionalista da linguagem, afastando-se da ideia de que a
linguagem seria nica e exclusivamente um reflexo das condies
materiais e/ou ideacionais da sociedade. Parte-se agora do
pressuposto do real como resultado de prticas discursivas, no
possuindo fundao ontolgica e sendo produto de relaes de poder, as
quais dariam forma e sentido ao mundo mediante a linguagem e teriam
consequncias prticas, possibilitando e legitimando determinadas
aes, ao passo que tambm desauto-rizariam tantas outras.
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88
Falido, alm de fixar a culpabilidade dos conflitos nas
sociedades em questo, d a en-tender que a razo de ser desses mesmos
con-flitos pode ser encontrada em predisposies inatas das populaes
desses pases vio-lncia. Esse paradigma teraputico, segun-do
terminologia das autoras, caracterizaria as populaes do Camboja e
da Iugoslvia como traumatizadas e brutalizadas, o que ex-plicaria o
fracasso estatal, ao mesmo tempo que retiraria o foco das
influncias polticas domsticas e internacionais sobre a consti-tuio
do Estado nessas regies, permitindo que a soberania fosse-lhes
negada, uma vez que cambojanos e os povos da ex-Iugoslvia ora
seriam percebidos como passivamente espera de ajuda externa, ora
como no confi-veis para liderarem os seus prprios proces-sos de
reconstruo.
De forma semelhante, Manjikian (2008) argumenta que o ato de
classificar um pas como falido ou bem-sucedido re-pousa em
pressupostos implcitos sobre o Estado, tratando-o como um corpo,
assim como em premissas relativas sade, aos tra-tamentos que
parecem ser mais promissores e autonomia que os pacientes desfrutam
ou no uma vez recebido o diagnstico. Seguin-do o raciocnio da
autora, parte significativa das metforas utilizadas nas
caracterizaes sobre a relao entre fragilidade estatal e ter-rorismo
compara o ltimo a uma virose, focando-se nos solos frteis de
Estados Falidos, assim como no fcil contgio e transmisso para
outros territrios. A par-tir dessa metfora, a comunidade
internacio-nal, assim como um mdico, vista como altamente capaz,
possuindo todas as habili-dades e capacidades para intervir e
resgatar o
pas fracassado. A este, uma vez que no teria capacidade para
tomar conta de si prprio, restaria apenas aguardar a interveno que
o salvaria, j que aos Estados Falidos nem mes-mo optar sobre qual
tratamento se subme-ter seria possvel.
importante reforar que a autora no pretende trivializar os
problemas de diversos pases do mundo: o intento aqui chamar a ateno
para a forma como a cultura ociden-tal em geral (e a
norte-americana em particu-lar) escolhe patologizar alguns
problemas de governana e sociedade e no outros (Man-jikian, 2008,
p. 343). Nota-se tambm que um dos ganhos oriundos dos esforos tanto
de Manjikian (2008) como de Hugues e Pu-pavac (2005) mostrar que a
doena dos Es-tados Falidos , na verdade, um amontoado de sintomas
(corrupo extensiva, inabilida-de para prover bens pblicos e
projetar po-der sobre o territrio, baixos ndices educa-cionais,
desemprego, entre outros), ou seja, no advm de nenhuma qualidade
essencial, mas sim da forma como se decide interpretar o quadro
geral.
So tambm dignos de nota os trabalhos que, amparados em insights
da literatura ps--colonialista20, problematizam a caracteriza-o
corrente dos chamados Estados Falidos. Dentre os pressupostos
ps-colonialistas que informaram teoricamente as anlises em tela,
alguns deles semelhantes queles das abor-dagens
ps-modernas/ps-estruturalistas, destaca-se a ideia de que a produo
do co-nhecimento ou das representaes insepa-rvel de questes
relativas ao poder, e a de que o mundo social no um objeto inerte
espera de uma descrio imparcial, objetiva e desinteressada: pelo
contrrio, conforme nos
19 A analogia com doenas e morte no privilgio de Goldstone
(2008). Por exemplo, Zartman (1995, p. 8) cha-mava o colapso
estatal de uma doena degenerativa de longo prazo, enquanto Krasner
e Pascual (2005, p. 155) diziam que os elementos do fracasso
estatal assemelham-se a folhas mortas que se acumulam em uma
floresta.
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89
diz Krishna (2009, p. 73), as representaes sobre a realidade
dependem sobremaneira de questes relativas a quem descreve, de onde
partem as descries, quais so os interesses dos responsveis pelas
descries, entre ou-tros pontos.
Nessa linha, talvez seja de Jonathan Hill (2005) uma das crticas
ps-colonialistas mais incisivas ao conceito de Estado Fali-do.
Partindo da premissa de que o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo no
so entida-des ou divises geogrficas naturais, mas sim que se formam
um em relao ao outro, o autor identifica dois elementos centrais na
tese sobre o fracasso estatal: primeiramente, a identificao dos
Estados Falidos como in-capazes ou desinteressados em desempenhar
as funes que deveriam cumprir; e, em se-gundo lugar, a definio de
quais seriam es-sas funes, destacando-se o provimento de bem-estar,
ordenamento legal e segurana. Logo, embasando as descries sobre
Esta-dos Falidos jazeria a definio do que cons-tituiria um Estado
bem-sucedido e das ca-pacidades que os pases deveriam ter.
Assim:
Ao adotar uma perspectiva eurocntrica, a abor-dagem comparativa
escolhida pela literatura tra-dicional para identificar Estados
Falidos torna-se inadequada para explicar o desenvolvimento
indi-vidual dos Estados. Ao invs de explicar por que os problemas
sociopolticos de um Estado surgiram, esta abordagem comparativa
meramente salienta que os Estados africanos so diferentes daqueles
do Primeiro Mundo antes de condenar os Estados africanos por serem
diferentes. Estados so identi-ficados como falidos no pelo que so,
e sim pelo que eles no so. [...] O processo de identificao de um
Estado Falido , portanto, analiticamente de pouca valia para
explicar porque Estados esto passando por problemas polticos,
econmicos e sociais que resultaram na descrio de falidos (Hill,
2005, p. 148).
Ademais, a partir dessa caracterizao problemtica, a nica sada
para os Estados Falidos seria a ajuda de atores externos,
apre-sentados como benevolentes, como as foras capazes de
restaur-los e os resgatarem, re-tirando desses mesmos interventores
quais-quer responsabilidades acerca do chamado fracasso
estatal.
Problematizar este ltimo ponto a inteno de Hill (2009) em
trabalho que investiga a utilidade analtica do conceito de Estado
Falido quando aplicado ao caso da Arglia. Segundo o autor, tentar
com-preender a guerra civil argelina da dcada de 1990 luz do
conceito de fracasso es-tatal, salientando apenas a incapacidade do
Estado em desempenhar determinadas fun-es como principal
determinante para a continuidade do conflito, deixar de lado a
influncia que outros atores internacionais tiveram na situao, em
especial o FMI e o Banco Mundial.
Logo, o autor tenta mostrar que as re-formas estruturantes da
dcada de 1990, exigidas pelos organismos supracitados,
en-fraqueceram a capacidade da Arglia em pro-ver servios
considerados necessrios para a populao e que estariam no rol de
funes a serem desempenhadas por Estados bem--sucedidos,
constituindo-se assim num dos motivos mais determinantes a levar
parte dos argelinos a apoiar os insurgentes, da mesma forma que
financiamentos externos possibi-litaram que governo e rebeldes
prolongassem os embates. Assim sendo, mediante o exem-plo da
Arglia, Hill (2009) tensiona a viso de que as causas do fracasso so
sumamente domsticas, alm de verificar como as cone-xes do pas com o
sistema internacional po-tencializaram seus problemas.
20 Para os interessados no pensamento ps-colonialista, sugerimos
Krishna (2009) e Young (2008).
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Por fim, temos a contribuio de Marta Fernandez Moreno (2011)
que, mediante o estudo de caso da Somlia, questiona a cons-truo
discursiva do fracasso estatal. Segun-do a autora, a caracterizao
das novas ope-raes de paz da ONU, em especial aquelas conduzidas a
partir do final da Guerra Fria, depende de determinada viso sobre
as socie-dades alvo. Mais especificamente:
[...] a produo da descontinuidade/inovao das operaes de paz em
relao ao passado colonial depende da continuidade das sociedades
alvo de tais operaes vistas como sujeitas a conflitos ancestrais de
natureza endgena, ligados a um passado pr-colonial; revelando,
desse modo, uma dependncia mtua entre as identidades mo-derna,
produzida como smbolo do progresso, e tradicional, construda como
atrasada (Moreno, 2011, p. 17; negrito no original).
Informada pelas abordagens ps-mo-derna/ps-estruturalista e
ps-colonialista, Moreno procura desestabilizar o discurso de que as
novas operaes de paz seriam uma inovao em relao ao passado
colonial. Pelo contrrio, a autora sugere que a lgica subja-cente a
estas misses a da teoria da moder-nizao, a ideia de que o
desenvolvimento se d por etapas, levando sociedades at outrora
consideradas tradicionais para a modernida-de. Desse modo, as
operaes permitiriam re-tirar os chamados Estados Falidos do caos
so-cial no qual estariam inseridos, colocando-os no caminho do
desenvolvimento. Contudo, a condio de possibilidade para tal viso
calcada numa caracterizao esttica de pases como a Somlia, cuja
situao sempre per-cebida como derivada da continuidade dos seus
modos de organizao social pr-moder-nos. Moreno tambm destaca o
carter hbri-do da Somlia, resgatando discursos e obras que apontam
para a influncia dos atores di-tos modernos no atraso das
sociedades hoje consideradas passveis de interveno, pertur-bando
assim as fronteiras discursivas entre o
progresso e a racionalidade de atores externos e a barbrie e
irracionalidade somali.
Ao final da presente reviso, resta-nos apontar o que a crtica ao
conceito de Estado Falido acrescenta ao debate e que novas agen-das
de pesquisa so abertas para se explorar o problema de pases
considerados fragilizados.
Em primeiro lugar, temos uma crtica ideia de que a apreenso do
fracasso estatal consistiria simplesmente na seleo de deter-minados
indicadores e o consequente desem-penho dos pases segundo tais
dados, mos-trando que a percepo do fenmeno pode mudar drasticamente
conforme as variveis utilizadas. Ademais, por vezes, a distino
en-tre causas e sintomas do fracasso estatal tor-na-se opaca: guisa
de ilustrao, uma guerra civil uma indicao de que um Estado faliu ou
a sua causa? No toa, Easterly e Freschi (2010) afirmam que o
fracasso estatal pode ser considerado um destruidor de ideias, pois
ao tentar combinar variveis to distintas en-tre si, como guerras
civis, corrupo, inabili-dade para prover bens pblicos, entre
outras, cria um agregado extremamente confuso.
Em segundo lugar, a viso de que Es-tados considerados fracos ou
falidos seriam incubadores das ameaas contemporneas paz e segurana
internacional, em especial o terrorismo, tambm tensionada. Parte
dos autores apresentados ao longo do texto, a despeito das
metodologias distintas, chegou a concluses no mnimo semelhantes: no
possvel fazer afirmaes conclusivas sobre a associao entre Estados
considerados fracos ou falidos e a proliferao de grupos
terroris-tas, o que se choca frontalmente com as pre-missas da
Guerra ao Terror do governo Ge-orge W. Bush, quais sejam, h uma
relao de causalidade direta entre os ditos Estados Falidos e a
proliferao do terrorismo e que
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91
governana democrtica e reformas liberali-zantes reduziriam a
incidncia do mesmo.
Nota-se tambm a ausncia de anli-ses historicizantes sobre a
situao dos pa-ses subdesenvolvidos, optando-se por uma comparao,
muitas vezes implcita, entre o que seria um Estado bem-sucedido e o
que est faltando no Terceiro Mundo. Ou seja, discutem-se muito as
instituies e o tipo de governo que no estariam presentes, mas
es-quece-se de averiguar que relaes sociais e formas de domnio
realmente existem, sub-sumindo todos esses processos pelos
concei-tos de anarquia, caos social e falncia estatal. Ademais,
principalmente a partir das cr-ticas vindas dos trabalhos
informados pela literatura ps-moderna/ps-estruturalista e
ps-colonialista, temos a poderosa ideia de que os Estados Falidos
seriam uma represen-tao que acabaria por construir a realidade,
viabilizando identidades desiguais entre os atores e autorizando
prticas intervencionis-tas e de reconstruo.
Frente a tal quadro, uma medida extre-mamente importante fazer
uma mudana na maneira como se formula o problema: em vez de
mantermos o vis comparativo, tei-mando em perguntar o que falta e o
que pre-cisa ser transplantado para tais pases, talvez devssemos
nos questionar o que as popula-es nessas regies esto realmente
fazendo
diante da situao na qual esto inseridas e como se relacionam com
os interventores.
O primeiro tipo de pergunta acaba por reforar a ideia de que em
Estados Falidos reina um caos total, uma barbrie generali-zada, o
que cria as condies para as cons-trues de sentido de que a ajuda
externa neutra e benevolente, sem outros interesses. O segundo tipo
de pergunta, contudo, leva o pesquisador a deixar de lado essa viso
e tentar entender o que realmente se passa nes-ses pases, a se
engajar com o local, evitando assim exotiz-lo ou romantiz-lo.
Felizmen-te, alguns analistas j procuram enveredar nesse tipo de
investigao, tais como os es-tudos de Richmond (2010, 2011) e
Mac-Ginty (2012), os quais verificam, cada qual a seu modo, como as
intervenes externas impactam as populaes locais, mas como, ao mesmo
tempo, essas mesmas populaes negociam com os interventores e
conseguem influenciar o processo. Em suma, trata-se de entender as
reconstrues como um fen-meno hbrido, que combina contribuies
externas, mas tambm aquelas oriundas da populao envolvida. Levando
em conside-rao o atual estgio em que se encontram as reconstrues do
Afeganisto e do Iraque, questionar o fracasso estatal um esforo
nada desprezvel, pelo contrrio, extrema-mente necessrio.
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Artigo recebido em 13/09/2009
Aprovado em 16/05/2011
Questionando o fracasso estatal: um balano da literatura
crtica
O objetivo do artigo revisar as crticas ao conceito de Estado
Falido e evidenciar como as mesmas ampliam o debate contemporneo
sobre o tema. Para tanto, optamos por dividi-las em trs linhas:
primeiramente, as contribuies que questionam as formas de se
identificar o fracasso estatal; em segundo lugar, aquelas que
problematizam a relao Esta-dos Falidos e proliferao do terrorismo
transnacional; e, em terceiro lugar, as obras que privilegiam a
forma como o discurso sobre Estados Falidos construdo e utilizado
para a ao poltica.
Palavras-chave: Estados Falidos; Terrorismo; Segurana
internacional; Relaes internacionais; Discurso.
Calling into question the State failure: a review of critical
approaches
The aim of the article is to review the criticisms on the
concept of failed State and to show how they enlarge the scope of
the contemporary debate on the theme. In order to achieve such
goal, the author decided to separate those conceptions into three
lines: first, the contributions that discuss the current ways of
identifying State failure; secondly, the works that put in question
the relationship between failed States and transnational terrorism;
and thirdly, those approaches whose main focus is the exam of how
the discourse on failed State is built and used for political
action.
Keywords: Failed States; Terrorism; International security;
International relations; Discourse.
La dfaillance de ltat en question: un bilan de la littrature
critique
Lobjectif de larticle est de revoir les critiques propos du
concept dtat Failli et didentifier comment ces critiques largissent
le dbat actuel sur le sujet. Nous avons pour cela dcid de rpartir
ces critiques en trois groupes : tout dabord, les contributions qui
remettent en question les formes didentification de lchec de ltat ;
ensuite, celles qui problmatisent le rapport entre les tats Faillis
et la prolifration du terrorisme transnational ; et, enfin, les
ouvrages qui privilgient la forme par laquelle le discours sur les
tats Faillis est construit et utilis pour laction politique.
Mots-cls: tats Faillis; Terrorisme; Scurit internationale;
Relations internationales; Discours.