-
A navegao consulta e descarregamento dos ttulos inseridos nas
Bibliotecas Digitais UC Digitalis,UC Pombalina e UC Impactum,
pressupem a aceitao plena e sem reservas dos Termos eCondies de Uso
destas Bibliotecas Digitais, disponveis em
https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos.
Conforme exposto nos referidos Termos e Condies de Uso, o
descarregamento de ttulos deacesso restrito requer uma licena vlida
de autorizao devendo o utilizador aceder ao(s)documento(s) a partir
de um endereo de IP da instituio detentora da supramencionada
licena.
Ao utilizador apenas permitido o descarregamento para uso
pessoal, pelo que o emprego do(s)ttulo(s) descarregado(s) para
outro fim, designadamente comercial, carece de autorizao
dorespetivo autor ou editor da obra.
Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram
protegidas pelo Cdigo do Direitode Autor e Direitos Conexos e
demais legislao aplicvel, toda a cpia, parcial ou total,
destedocumento, nos casos em que legalmente admitida, dever conter
ou fazer-se acompanhar poreste aviso.
A constituio dos ateniensesAutor(es): Pseudo-XenofontePublicado
por: Imprensa da Universidade de CoimbraURLpersistente:
URI:http://hdl.handle.net/10316.2/2392
DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0779-5
Accessed : 11-Oct-2015 01:22:18
digitalis.uc.ptpombalina.uc.pt
-
Pseu
do-Xen
ofon
teA Con
stituio do
s Atenienses
Apresentamos neste volume uma nova traduo da Constituio dos
Atenienses, texto cujo autor no pode ser identificado e que, por
isso, apresenta-se sob a autoria de Pseudo-Xenofonte. Esse primeiro
texto de prosa tica por ns conhecido vem sobretudo contribuir para
o estudo do pensamento poltico na Atenas do sculo V a.C. Trata-se
de um testemunho denso, embora parcial, defendendo interesses ora
oligrquicos, ora democrticos, sobre a organizao societria de
Atenas, cidade que acabou por desenvolver e exportar o modelo de
democracia, que mais tarde consolidar-se- -ia como uma das mais
importantes heranas polticas que a Grcia clssica legou ao mundo
contemporneo.
Traduo do grego, introduo, notas e ndicesPedro Ribeiro
Martins
A Constituio dos Atenienses
Pseudo-Xenofonte
Coleco Autores Gregos e LatinosSrie Textos
OBRA PUBLICADA COM A COORDENAO CIENTFICA
Lombada: 8 mm
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
Pseudo-Xenofonte
A Constituio dos Atenienses
Universidade de Coimbra
-
Ttulo A Constituio dos Atenienses Traduo do grego, introduo,
notas e ndices: Pedro Ribeiro Martins Autor Pseudo-Xenofonte
Srie Autores Gregos e Latinos - Textos
Coordenador Cientfico do plano de edio: Maria do Cu Fialho
Conselho EditorialJos Ribeiro FerreiraMaria de Ftima Silva
Director Tcnico: Delfim Leo
Francisco de Oliveira Nair Castro Soares
EdioImprensa da Universidade de CoimbraURL:
http://www.uc.pt/imprensa_ucE-mail: [email protected]
online: http://livrariadaimprensa.uc.pt
Coordenao editorialImprensa da Universidade de Coimbra
Concepo grfica & Paginao Rodolfo Lopes & Nelson
Henrique
Pr-ImpressoImprensa da Universidade de Coimbra
Impresso e Acabamento Simes & Linhares
ISBN978-989-26-0513-5
ISBN Digital978-989-26-0779-5
Depsito LegaL358457/13
1 eDio: CECH 20112 eDio: IUC 20123 eDio: IUC 2013
Abril 2013. Imprensa da Universidade de Coimbra Classica
Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis
(http://classicadigitalia.uc.pt)Centro de Estudos Clssicos e
Humansticos da Universidade de Coimbra
Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica
expressamente proibida a reproduo total ou parcial por qualquer
meio, em papel ou em edio electrnica, sem autorizao expressa dos
titulares dos direitos. desde j excepcionada a utilizao em
circuitos acadmicos fechados para apoio a leccionao ou extenso
cultural por via de e-learning.
Todos os volumes desta srie so sujeitos a arbitragem cientfica
independente.
Obra realizada no mbito das actividades da UI&DCentro de
Estudos Clssicos e Humansticos
DOIhttp://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-0779-5
-
ndice
Nota prvia 7
Introduo 11
O autor da Constituio dos Atenienses 151. Xenofonte como autor?
182. Que outro possvel autor? 203. Construindo um perfil para
Pseudo-Xenofonte 27
3.1. A duplA personAlidAde do Autor 304. Concluses sobre a
autoria do texto 33
A data da Constituio dos Atenienses 351. Anlise dos passos
decisivos para a datao da obra 372. Consideraes finais sobre a data
do tratado 51
A natureza da Constituio dos Atenienses 531. As caractersticas
estilsticas da Constituio dos Atenienses 532. A Constituio dos
Atenienses e as outras constituies do sculo V. a.C. 57
Constituio dos Atenienses 69
Bibliografia 105
ndice de povos e lugares 113
ndice analtico 114
ndice de termos polticos 117
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
Introduo
PB 7
Nota Prvia
O volume ora apresentado traz uma nova traduo da Constituio dos
Atenienses, texto cuja autoria no se pode confirmar e que, por
isso, se apresenta sob a autoria de Pseudo-Xenofonte. Apresentado
originalmente como requisito para obteno do grau de mestre pela
Universidade de Coimbra, este trabalho teve a orientao da Prof.
Doutora Maria de Ftima Sousa e Silva.
Esta edio conta com uma introduo que lida com algumas questes
essenciais para a compreenso da Constituio dos Atenienses,
nomeadamente: a autoria, o problema da datao e o gnero literrio do
tratado. Por ltimo, oferece uma traduo acompanhada de notas de
carter histrico e filolgico. Para a traduo foi utilizada a edio do
texto grego de Bowersock 1967, publicada primeiramente em Harvard
Studies in Classical Philology, vol. 71, e que passou a fazer parte
da coleo Loeb Classical Library, integrando, em cooperao com
-
Henrique Manso
8 9
Marchant 1968, o volume Xenophontis, Scripta Minora. As edies
produzidas por Marr e Rhodes 2008, Ramirez-Vidal 2005 e Frisch 1942
foram igualmente consultadas, sendo indicado em nota quando o texto
grego da edio de Bowersock preterido em virtude de uma outra. As
abreviaes utilizadas so da LAnne Philologique para revistas e do
The Greek-English Lexicon de Liddell-Scott-Jones para as fontes
gregas.
Esta traduo traz, em comparao a sua anterior (2003), feita pela
Prof. Dra. Neyde Theml e pelo Prof. Dr. Andr Chevitarese, que
gentilmente me cedeu uma cpia, a vantagem de possuir notas ao texto
e mais espao para discusso dos problemas extra-textuais da
obra.
O apoio do Centro de Estudos Clssicos e Humansticos, da Classica
Digitalia, por meio do Prof. Dr. Delfim Leo, e do corpo docente e
discente do Instituto de Estudos Clssicos da Universidade de
Coimbra deve ser salientado, e, em especial, o suporte das Profs.
Dras. Maria do Cu Fialho e Adriana Nogueira e do Prof. Dr. Jos
Ribeiro Ferreira, que compuseram o jri da defesa de dissertao.
Agradeo igualmente os esforos dos colegas Flix Jacome, Jadir
Pereira, Rodolfo de Arajo, Nlson Ferreira, Carlos de Jesus e
Elisabete Santos que de alguma maneira contriburam para a preparao
deste livro. Explicito tambm meus agradecimentos ao Pedro Paulo
Santos Oliveira, Neila Maria Teixeira Ribeiro e Gianna Gener, que
me apoiaram incessantemente. Por fim, agradeo ao Prof. Dr.
Heinz-Gnther Nesselrath, pela orientao durante
-
Introduo
8 9
o perodo em que estive na Alemanha e Prof. Dra. Maria de Ftima
Sousa e Silva, pela inesgotvel vontade de trabalhar e pelo olhar
atento na correo do texto.
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
Introduo
PB 11
Introduo
Apesar de breve, a Constituio dos Atenienses impressiona pela
quantidade de temas abordados. Sua tese principal gira em torno da
defesa da democracia como a praticam os Atenienses. Para suport-la
e desarmar crticas contrrias, Pseudo-Xenofonte visita diversos
tpicos conhecidos da Atenas do sculo V a.C. Dentre os principais
temas, o autor ressalta a importncia do imprio martimo e descreve
como a manuteno da talassocracia possvel aos Atenienses, alm de
oferecer uma lista abrangente das atividades jurdicas e
institucionais de Atenas. Apesar de defender a democracia, o autor
no se exime de critic-la. No plano moral, apresenta-se como um
oponente ferrenho do sistema, e demonstra sua postura ao criticar
mecanismos democrticos que beneficiam a parte mais pobre da
populao, como por exemplo as liturgias.
O autor recorrentemente referido como Pseudo-Xenofonte,
principalmente na bibliografia francesa, italiana e espanhola. A
tradio anglo-saxnica designa-o com o qualificativo de Velho
Oligarca (Old Oligarch), que se tornou famoso; essa designao, no
entanto, no contribui para o debate, j que no podemos inferir com
certeza a idade ou a identidade do autor. Marr e Rhodes 2008 1-2
identificam-no como X, indicando somente um autor desconhecido.
-
Pedro Ribeiro Martins
12 13
No presente trabalho utilizaremos as trs denominaes
paralelamente.
A importncia deste testemunho para o estudo das relaes entre os
aliados da Liga de Delos deve ser evidenciada. Gomme 1945 380
aponta que durante o perodo entre 477 e 431 a.C. existiam diversas
guarnies atenienses em Mileto, Ertria, Clcis, Samos, entre outras,
nas quais os Atenienses instituram regimes democrticos. No que se
refere ao tipo de relao estabelecida por Atenas com seus aliados,
Pseudo-Xenofonte corrobora os comentrios cidos encontrados em
outras testemunhas do sculo V a.C., como por exemplo Aristfanes V.
655-663 e na perdida Babilnios, cujo tema central era a escravizao
dos aliados, assim como as descries severas feitas por Tucdides
1.112-117. O Velho Oligarca explica que os cidados atenienses fazem
com que os aliados sejam obrigados a vir a Atenas para resolver
pendncias jurdicas (1.13) e que os tributos pagos pelos membros da
Liga so a base da vicissitude de Atenas (1.15). Alm disso, quando
se refere fora terrestre, registra que esta suficiente justamente
por ser superior de seus aliados (2.1), insinuando o controle
militar dos outros membros da liga de Delos pela lder Atenas,
tantas vezes relatado por Tucdides, como no caso dos Mlios (Thuc.
5.85-111). Macdowell 1978 227 sustenta, baseado no testemunho do
Velho Oligarca, que estas interferncias na esfera jurdica sobre os
aliados possua, para alm do interesse poltico, claras motivaes de
ordem econmica e social.
-
Introduo
12 13
Um outro aspecto muito estimado pelo nosso autor a organizao e o
poder da armada ateniense. Pseudo-Xenofonte concorda com a viso
clssica de que Atenas era inferior aos seus inimigos no combate por
terra, mas infinitamente superior na organizao naval. A
familiaridade dos Atenienses com o ofcio naval vastamente
conhecida. O pargrafo 1.2 destaca-se por fornecer o que pode ser
considerada uma lista de oficiais de bordo. O autor elenca alguns
cargos de oficiais do curriculum martimo ateniense, especialmente
os que poderiam ter sido desempenhados por membros do povo. O
segundo captulo destina-se, em grande parte, discusso de estratgias
militares. Fala-se da inferioridade da infantaria ateniense (2.1);
da incapacidade de insulares reunirem suas foras em revolta, em
razo do mar que est entre eles (2.2); da possibilidade estratgica,
reservada aos que dominam o mar, de realizar ataques surpresa e de
fugir com facilidade quando a fora inimiga aproxima-se (2.4); e,
por ltimo, da capacidade dos talassocratas de atravessar longas
extenses com relativa rapidez e facilidade, ao contrrio das foras
terrestres, que no conseguem ausentar-se por muito tempo de sua
base (2.5). Alguns destes cenrios estratgicos sero discutidos com
mais detalhe no captulo sobre a data da Constituio dos Atenienses,
por relacionarem-se a teatros de batalha conhecidos no sculo V
a.C.
Um outro tpico de interesse, principalmente no terceiro captulo,
a lista de encargos do Estado ateniense e o funcionamento de suas
instituies. O autor, com o intuito de explicar por que a democracia
por vezes
-
Pedro Ribeiro Martins
14 PB
ineficiente, lista uma srie de tarefas do conselho e da
assembleia dos Atenienses: celebrar festivais, julgar processos,
despachar assuntos de guerra, tratar das receitas, propor novas
leis e lidar com os aliados (3.2), alm de apontar diversas
liturgias e julgar os processos advindos dos que no aceitam
realiz-las (3.4). Refere-se a fenmenos tpicos da burocracia
ateniense, como o suborno (3.3). A participao popular e o nmero
excessivo de causas so levantadas como as causas da lentido do
sistema, mas reiterada a importncia da interveno institucional da
populao para o bom funcionamento da democracia. As semelhanas com
as descries das instituies feitas na Constituio de Atenas, atribuda
a Aristteles, so numerosas e sero apontadas em notas traduo.
Este primeiro texto de prosa tica por ns conhecido vem sobretudo
contribuir para o estudo do pensamento poltico na Atenas do sculo V
a.C., por tratar-se de um testemunho rico, apesar de parcial, de um
indivduo que expressa ora teses oligrquicas, ora democrticas, sobre
a vida poltica de uma cidade que acabou por exportar e desenvolver
o modelo de democracia, que mais tarde consolidar-se-ia como uma
das mais importantes heranas polticas que a Grcia clssica nos
legou.
-
Pseudo-Xenofonte. A Constituio dos Atenienses
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
16 17
O autOr da Constituio dos Atenienses
Nem sempre tarefa fcil estabelecer a autoria de textos antigos.
Entre o extenso rol de obras cujos autores no podem ser
identificados, destacamos a Constituio dos Atenienses. Percorrer um
breve histrico sobre a discusso do autor deste tratado proporcionar
um ponto de partida para auxiliar a compreenso das ideias nele
expostas. O trabalho de esclarecer este assunto mostra-se mais
frutfero pelo fato de nos fazer adentrar o texto e percorrer
algumas questes vitais levantadas pelo autor do que pelos
resultados propriamente ditos, j que at hoje o problema da autoria
no encontrou uma resposta definitiva.
Examinaremos as trs principais hipteses levantadas sobre o
assunto: a primeira a manuteno ou invalidao de Xenofonte como autor
segundo a atribuio mais vulgarizada; a segunda a escolha de outra
personalidade mais ou menos conhecida para o posto; e, por ltimo,
face impossibilidade de uma soluo precisa, desenvolver o perfil
psicolgico e poltico de um autor, eventualmente com base nas
informaes internas do texto. Pretendo demonstrar como as discusses
das duas primeiras hipteses auxiliam na construo da terceira.
-
Pedro Ribeiro Martins
18 19
1. XenOfOnte cOmO autOr?
A tradio manuscrita da Constituio dos Atenienses confirma, em
geral, a autoria de Xenofonte de Atenas. Todos os doze manuscritos
que contm a Constituio dos Atenienses, na ntegra ou parcialmente
confirmam a autoria de Xenofonte, o Ateniense. Inclusive,
encontramos, no fim do sculo II. d.C., o captulo 2.10 citado como
de Xenofonte ateniense pelo lexicgrafo Plux 7.167, 9. 43 e, no fim
do sculo V d.C, os captulos 1.14 e 2.20 citados por Estobeu 43.
50-51, com a mesma atribuio. A nica voz contrria a esta tese na
Antiguidade a de Demtrio de Magnsia, historiador contemporneo de
Ccero, citado por Digenes Larcio 2.57, no captulo sobre a vida de
Xenofonte. Nesta controversa passagem, a autoria da Constituio dos
Atenienses e da Constituio dos Lacedemnios posta em dvida. A
leitura tradicional a de que ambas comporiam um s livro e, para
Demtrio de Magnsia, este livro no seria de autoria de
Xenofonte.
O primeiro autor moderno a desenvolver argumentos sistemticos
contra a autoria do historiador grego foi Schneider 1815 81, que
levanta questes de ordem cronolgica para invalidar a possibilidade
de Xenofonte ter escrito o opsculo. Nesta passagem, o autor sugere
que o texto no poderia ter sido composto depois da instituio da
tirania dos Trinta, portanto depois de 404 a.C., o que excluria
Xenofonte. A data indicada por Schneider no goza de unanimidade
entre os estudiosos, no entanto a primeira vez que a
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
18 19
datao do texto influenciaria a questo da autoria. Este comentrio
indicou a seguinte contradio lgica: se o texto foi produzido antes
de 404 a.C. e podemos recuar a data de nascimento de Xenofonte no
mximo at meados dos 430 a.C., segundo Anderson 1972 9-10, ele
seria, portanto, jovem demais para ser o seu autor.
O segundo grande argumento levantado contra a teoria de
Xenofonte como autor de ordem estilstica. ponto pacfico entre os
fillogos modernos que o estilo de X diverge em quase tudo do de
Xenofonte. Bowersock 1968 461 abre a introduo de sua edio ao texto,
caracterizando-o como tantalizingly inept, para em seguida
adicionar repetitive e awkward lista dos seus traos estilsticos. Em
contrapartida, Xenofonte visto como um mestre da prosa tica, de
linguagem refinada e clara. O excesso de repeties, a falta de
continuidade entre os argumentos e o vocabulrio cotidiano do Velho
Oligarca servem como argumento em favor da no autoria de
Xenofonte.
Na ltima grande edio da Constituio dos Atenienses, Marr e Rhodes
2008 6-16 levantam o problema de se basear a deciso da autoria
meramente em critrios estilsticos e argumentam que possvel
encontrar semelhanas entre a Constituio dos Atenienses e a
Constituio dos Lacedemnios, a saber: na estrutura do texto, nas
auto-referncias, no uso sistemtico da segunda e da terceira pessoa
do singular para ressaltar distanciamento e generalizao, na
organizao programtica das afirmaes e na presena de um interlocutor
imaginrio. Mesmo eliminando o critrio
-
Pedro Ribeiro Martins
20 21
estilstico para atribuio da obra, os autores declaram que o
critrio cronolgico (para Marr e Rhodes o texto foi escrito entre
425-424 a.C.) um argumento extremamente convincente para no
atribuirmos a obra a Xenofonte.
O bigrafo moderno de Xenofonte, Anderson 1974 40-41, afirma que
a personalidade poltica do historiador rene similaridades com o
texto de X; Xenofonte poderia ter escrito o opsculo pelo seu perfil
poltico, mas provavelmente no o fez pela sua idade. Nesta nossa
reflexo, assumimos que a obra no pertence ao corpus de Xenofonte,
aceitando tanto os argumentos estilsticos quanto os cronolgicos, o
que nos leva segunda hiptese.
2. Que OutrO pOssvel autOr?
Diversos nomes de conhecidas personalidades foram levantados
para ocupar a vaga de autor deste texto. Basicamente todas as
hipteses falham por dois motivos: ou porque sabemos demais sobre o
autor em questo e a no autoria se mostra evidente, ou por no
sabermos suficiente sobre a personalidade em causa, por vezes
somente o nome, o que conduz o debate ao campo do
possibilismo1.
Dividiremos as hipteses em dois grandes grupos; o primeiro o de
personalidades secundrias, de que retemos pouca informao (Xenofonte
o Velho,
1 Esta seo est baseada na compilao feita por Ramirez-Vidal 2005
46-50 e no ensaio sobre o autor do opsculo de Leduc 1976 45-54.
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
20 21
Xenofonte de Melite, filho de Eurpides, e Tucdides, filho de
Melsias); o segundo o de grandes nomes do sculo V a.C., de que
podemos construir relativamente bem uma biografia ou bibliografia
(Tucdides, Antifonte e Crtias).
Xenofonte, o Velho, foi membro do crculo socrtico e referido
poucas vezes em obras conhecidas, como possivelmente em D.L. 2.59.
Este personagem conhecido por ter cado do cavalo e ter sido salvo
por Scrates durante a batalha de Dlio (D. L. 2.22-23). Normalmente
confundido com o historiador Xenofonte2, no s por este episdio da
queda, mas tambm por ser indicado como o autor dos Hellenika. Sua
idade, sua aproximao com os crculos filosficos de Atenas e o fato
de usar o mesmo nome so os argumentos positivos para a determinao
de Xenofonte, o Velho, como autor da Constituio dos Atenienses.
Xenofonte de Melite, filho de Eurpides, foi um nobre que ocupou
a hiparquia em 446 a.C. e a estrategia em 440 a.C., tendo morrido
em batalha como estratego em 429 a.C. durante a campanha na Btica
(Thuc. 2.79). A coincidncia do nome e o fato de este Xenofonte ter
sido tanto estratego como hiparco so os grandes argumentos para o
aceitar como autor da obra, pois, em 1.3, X afirma que a hiparquia
e a estrategia so as nicas posies que ainda eram ocupadas somente
pela classe alta.
2 No podemos deixar de sublinhar como a homonmia pode ter
responsabilidade na confuso.
-
Pedro Ribeiro Martins
22 23
Tucdides, filho de Melsias, nos conhecido atravs das descries de
Aristteles (Ath. 28.2), do bigrafo Plutarco (Per. 6.2, 8.5, 11.1-3
e 14.3) e do comedigrafo Aristfanes (Ach. 703-710). Teria assumido
a liderana da oposio a Pricles aps a morte de Cmon. Seu perfil de
um oligarca radical, que possua prodigiosa habilidade poltica e
retrica e teria sido um dos responsveis pela polarizao vista em
Atenas entre democratas e oligarcas, organizando sua prpria classe
em um bloco quando participavam na assembleia; foi ostracizado
provavelmente no ano de 443 a.C. A escolha do filho de Melsias
baseada na aproximao poltica dos dois indivduos. O autor da
Constituio, provavelmente, pertencia aristocracia, assim como o
filho de Melsias. No entanto, a semelhana s esta e, mesmo assim,
uma anlise mais aprofundada do texto revela Pseudo-Xenofonte como
um aristocrata moderado, ao contrrio deste Tucdides; Kagan 1969
139-141, por seu lado, defende o ponto de vista oposto, de que a
viso poltica expressa por X poderia ser representativa dos ideais
aristocrticos de Tucdides, embora elimine a possibilidade de ser
este o autor do opsculo. Alm disto, somente aceitando uma datao
extremamente atrasada, em torno de 440 a.C., seria plausvel a
autoria de Tucdides, filho de Melsias.
Defender qualquer um destes trs nomes traz pouca contribuio para
o debate. Todas as evidncias levantadas baseiam-se em coincidncias
e no possumos mais dados biogrficos ou polticos sobre estas
personalidades para aprofundar as pesquisas. A escolha
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
22 23
de um deles tem o nico objetivo de dar um nome ao autor, no
trazendo nenhum elemento novo para a discusso. Gigante 1953 (apud
Ramirez-Vidal 2005 40) extremamente rigoroso e afirma que no
podemos usar como mtodo cientfico a luxria do possibilismo, sem
termos dados concretos ou historicamente comprovados.
O segundo grupo de eventuais autores proporciona discusses mais
aprofundadas, pois conhecemos melhor os postulantes.
Tucdides, o autor da Histria da Guerra do Peloponeso, aparece
como uma hiptese pela semelhana dos temas abordados. A longa
explanao sobre o poder naval de Atenas nos discursos atribudos a
Pricles guarda semelhana com a descrio do imprio naval na
Constituio dos Atenienses. A lista de temas coincidentes profusa e
ser analisada brevemente: a fora de terra ateniense menos poderosa
do que a espartana (Thuc. 1.141.6, Ps. Xen. 2.1); a caracterizao
tirnica do imprio ateniense (Thuc. 2.63.2, Ps. Xen. 1.18) e o
famoso discurso sobre a possibilidade de Atenas ser uma ilha e suas
vantagens para o estabelecimento de uma talassocracia (Thuc.
1.143.4, Ps. Xen 2.14), que ser analisado em seguida.
Em 2.14-16, onde Pseudo-Xenofonte mais se aproxima de Tucdides,
inicia-se o tpico sobre a seguinte questo terica: e se Atenas
estivesse localizada numa ilha? Um levantamento feito por Romilly
1962 237-238, serviu para comparar as passagens mais
significativas, ressaltando a real similitude entre as
-
Pedro Ribeiro Martins
24 25
duas exposies, e ao mesmo tempo, evidenciando a divergncia
vocabular e de estilo. A questo da ilha levantada pelos dois
autores de maneira quase idntica, como mostram as seguintes
passagens: se os Atenienses, talassocratas, habitassem numa ilha
(2.14) e, por outro lado: pois se morassemos numa ilha (Thuc.
1.43.5). As sugestes de ao oferecidas pelos dois autores tambm so
similares, como vemos nestes passos: Transferem suas propriedades
para ilhas (2.16) e enviaram de todos os lugares o gado e os
animais de carga para a Eubeia e para as ilhas prximas
(Thuc.2.43.1). Frisch 1942 79-86 vai mais longe e compara as obras
por completo. Os resultados de ambos os comentadores so
divergentes: para Romilly 1962 240, o autor da Constituio dos
Atenienses est mais preocupado com questes de poltica interna e
economia com relao ao imprio martimo e demonstra profunda ignorncia
ou indiferena com relao aos assuntos de guerra; por seu lado,
Frisch 1942 87 entende que estamos diante de nada menos do que um
tratado de teoria da guerra. Uma possvel concluso a de que
Pseudo-Xenofonte no conheceu, necessariamente, a obra de Tucdides,
mas sim que ambos teriam dividido o mesmo ambiente
poltico-intelectual (Marr e Rhodes 2008 5) e que, provavelmente, o
tema da ilha era um lugar comum entre os cidados minimamente
politizados.
A segunda personalidade, Antifonte de Ramnunte, fora um loggrafo
profissional reconhecido pela excelncia de seu trabalho. Tucdides
8.68.1 o caracteriza como um dos melhores homens de seu
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
24 25
tempo, hbil com as palavras, mas que no se dirigia assembleia
pessoalmente. Gernet 1954 2 explica que Antifonte pertencia a uma
famlia conhecida por ter se associado ao regime dos tiranos e, por
isso, ele prprio no teria condies de ingressar na poltica sem
carregar esta pecha. Ainda em 8.68.1, Tucdides indica que Antifonte
teria ajudado a instalar o regime oligrquico de 411 a.C, sem
explicar de que maneira. O perfil poltico de Antifonte assemelha-se
ao de Pseudo-Xenofonte, pelo fato de ambos serem oligarcas e
politicamente ativos. Esta hiptese foi deixada de lado pela total
divergncia entre as obras que conhecemos de Antifonte, suas
Tetralogias, e o texto de X . Se por um lado Antifonte tido como um
mestre da retrica, o autor da Constituio dos Atenienses peca pela
falta de conexo lgica e pela topificao desconexa de seus
argumentos.
Por fim, o nome de Crtias foi tambm aventado: Si une personne
Athnes fut vraiment pour loligarchie, et sans rserve, cette
personne est Critias (Romilly 1988 289). De acordo com a autora,
Crtias tem todo o potencial para assumir a autoria do opsculo, pois
ambos assemelham-se no perfil poltico extremista. Esta
caracterstica no suficiente para credenciar Crtias como autor; mas,
se considerarmos o fato de que Crtias foi autor de diversas
constituies uma Constituio dos Lacedemnios escrita em verso, uma
Constituio dos Tesslios e uma Constituio dos Atenienses, de que s
chegou a ns o ttulo , no seria improvvel que ele tenha escrito
tambm esta
-
Pedro Ribeiro Martins
26 27
Constituio dos Atenienses. Como somente fragmentos destas outras
constituies sobreviveram, a tarefa de comparar os dois autores
mostra-se difcil. No entanto, pelo menos duas caractersticas podem
ser sublinhadas: o gosto pela comparao e a coincidncia de temas.
Romilly argumenta que Crtias estava mais preocupado com a comparao
entre o modo de vida nas diversas cidades gregas do que com suas
instituies polticas. A maneira de vestir, por exemplo, aparece como
tpico em sua Constituio dos Lacedemnios e em sua Constituio dos
Tesslios3. O texto de Pseudo-Xenofonte tambm comenta a maneira de
vestir ateniense (1.10), alm de trazer diversas comparaes entre
modos de vida de diferentes cidades gregas. A mais clebre destas
comparaes a do captulo 1.11, entre o direito de um espartano de
surrar um escravo, seja ele sua propriedade ou no, e a atitude dos
Atenienses de no aplicar castigos fsicos aos escravos.
Thierfelder 1969 82 levanta argumentos de ordem estilstica para
defender a postulao de Crtias e, principalmente, baseia-se na
tradio que fez com que Plux, em seu lxico, considerasse Crtias o
autor de uma passagem da Constituio dos Atenienses (3.6). No
entanto, o mesmo comentador resigna-se e assume: Den wirklichen
Verfasser wird weiterhin niemand mit Sicherheit nennen knnen.
Seguimos a opinio de Thierfelder e da maioria dos estudiosos4 e
no
3 Os fragmentos das Constituies de Crtias esto traduzidos na
edio de Battegazzore e Untersteiner 1962 318-331.
4 Frisch 1942, Ramirez-Vidal 2005, Leduc 1978 , entre
outros.
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
26 27
escolhemos um nome para o autor, o que no invalida a necessidade
desta breve capitulao das possibilidades. Como cada uma das
personalidades citadas sugere uma aproximao especfica com o autor,
possvel agrupar estas abordagens e construir um perfil de X.
H de se reter em mente que o autor provavelmente um oligarca,
que possivelmente ocupou uma funo militar (estrategia, hiparquia ou
trierarquia), que dividiu com Tucdides opinies em voga na poca,
conviveu com crculos sofistas e, provavelmente, estava includo nas
conversaes dos oligarcas que tramaram o golpe de 411 a.C. e o dos
trinta tiranos de 404 a.C.
3. cOnstruindO um perfil para pseudO-XenOfOnte
Construir um perfil para o autor buscar, atravs de seus prprios
comentrios, uma identidade. visvel que ele prprio no tem interesse
em se identificar em nenhum momento do texto e o que nos resta
fazer extrair de seus comentrios polticos e ideolgicos traos que
podero vir a compor uma personalidade.
Se podemos dizer algo sobre seu perfil psicolgico que o autor
extremamente autoconfiante (Frisch 1942 88-90). Praticamente metade
dos pargrafos do texto comeam ou so concludos com uma primeira
pessoa5. Percebemos que defende fervorosamente uma ideia coesa ao
longo de todo o texto, mesmo que contraditria primeira vista. O
Velho Oligarca no prope uma reflexo entre as duas formas de
governo,
5 Para uma lista completa das passagens em primeira pessoa ver
Frisch 1942 88-89.
-
Pedro Ribeiro Martins
28 29
como se fazia com frequncia na poca (vide captulo sobre o gnero
do texto); tenta convencer sua audincia de que a sua viso sobre a
democracia ateniense a mais correta, e est absolutamente convencido
deste fato. Uma contradio aparente desmascarada medida que
percebemos que os argumentos de X sobre a manuteno da democracia so
coerentes.
Alm deste trao decidido da sua personalidade, podemos afirmar,
com bastante segurana, que o autor um Ateniense, pois utiliza a
primeira pessoa diversas vezes quando refere-se a esse povo, como
na seguinte passagem (1.12):
Eis a razo por que demos liberdade de expresso aos escravos
perante os homens livres ( ...) Por este motivo agimos com razo ao
darmos liberdade de expresso aos metecos.
Contudo, Pseudo-Xenofonte abre excees e refere-se aos Atenienses
na terceira pessoa, quando explicita sua desaprovao com relao a uma
deciso por eles tomada, como, por exemplo (1.1): Quanto forma de
governo dos Atenienses, que escolheram este tipo de constituio, eu
no a aprovo. Sempre que a forma de governo est em jogo,
Pseudo-Xenofonte distancia-se dos outros Atenienses, utilizando a
terceira pessoa do plural; mas, quando, por exemplo, a frota
ateniense citada, observamos uma aproximao do autor, pelo uso da
primeira pessoa, como nesta frase: Exatamente
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
28 29
destes materiais so feitos os meus navios 6 (2.11). Deste modo,
a relao de proximidade com a cidade de Atenas pauta-se sobre
opinies pessoais do autor, podendo configurar uma aproximao com a
cidade, como no caso da frota e suas vantagens, ou um
distanciamento moral bem definido, como por exemplo com relao s
bases populares da democracia.
De onde o Velho Oligarca escreve? Frisch 1942 187 sugere que o
autor est fora da tica no momento de composio da obra, que foi
exilado ou banido, e se dirige a oligarcas de outra cidade. A
argumentao de Frisch baseia-se no uso excessivo da palavra autothi
que indica um distanciamento; o nome Atenas constantemente
substitudo por autothi7 ao invs de enthade. A traduo seria, ento, l
e no aqui como se esperava de algum que escreve dentro da cidade de
Atenas. Para Frisch esta uma evidncia forte o suficiente para
provar que o autor escreve de fora da tica, porm sobre Atenas.
Leduc 1976 53 defende a hiptese contrria e deixa a discusso em
aberto:
lemploi de autothi au lieu de enthade nest pas un argument
suffisant pour faire de lauteur un exil. De plus, une poque o tous
les Athniens font de longs
6 O uso do pronome possessivo na primeira pessoa somado ao uso
da palavra naupegos (1.2) abriu margens para a interpretao de que o
Velho Oligarca seria um armador por profisso, ou seja, um
projetista e construtor de navios (Varona 2009 29).
7 E.g. 1.2 Primeiramente, direi o seguinte: legtimo que, em
Atenas (authoti), os pobres e o povo recebam mais do que os nobres
e os ricos, exatamente porque o povo que conduz as naus e confere
poder cidade.
-
Pedro Ribeiro Martins
30 31
voyages travers la Mditerrane et o Socrate, justement, se
singularise par son refus du dracinement, il serait trs tonnant
quun homme aussi duqu que Ps-Xnophon ignore les choses de la mer et
les noms des pays lointains.
3.1. A dupla personalidade poltica do autor
E o que dizer de seu perfil poltico? evidente que ele partidrio
da oligarquia; sua posio tica explicada brevemente no pargrafo de
abertura (1.1):
Quanto forma de governo dos Atenienses, que escolheram este tipo
de constituio, eu no a aprovo pela seguinte razo: aqueles que a
escolheram optaram por privilegiar a ral ao invs da elite.
Ao mesmo tempo, um entusiasta da armada ateniense e v nela a
grande fora de sua cidade. Em sua opinio, este potencial s to
grande porque seus agentes, os remadores, so cidados com poder de
deciso no governo ateniense. Se detesta o fato de o povo ter poder
de deciso, por outro lado exalta o poder da armada democrtica. Como
conciliar este paradoxo?
Canfora 1980 91 defendeu a tese de que o texto seria um dilogo
entre dois personagens: o Oligarca moderado e o Oligarca obtuso. O
primeiro ocupar-se-ia de todas as passagens que mostram a filiao
tica nas crenas aristocrticas, enquanto que o segundo trataria de
demonstrar a fora que Atenas extrai de seu dmos e como esta fora
manifesta-se na marinha.
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
30 31
A teoria do dilogo como gnero do texto nunca foi levada a srio,
porm a base de sua argumentao mantida. De fato, existem duas vozes
em enorme contraste. Belot 1880 1-17 avanou na discusso e postulou
que possvel observar duas almas, mas uma s pessoa; Leduc 1976 36-37
emprega os termos tico e til para caracterizar cada uma dessas
almas; por um lado, o Velho Oligarca extremamente apegado s suas
convices morais, que o aproximam da nobreza e da oligarquia,
provavelmente pela sua histria de vida; mas, por outro, fascinado
pela magnitude blica que a democracia pode oferecer, atravs de sua
pujante marinha. O autor tocado, ento, pela utilidade da
democracia. Frisch 1942 110 tambm corrobora o carter dbio do texto
e afirma:
Thus two souls seem to be fighting in the authors breast, the
one, which is idealistic and ethical, is seated in his emotional
life and finds vent in all the terms of abuse directed against the
Athenians and the people, the other, seated in his reason, is
realistic and materialistic, and from that all the arguments
originate.
Ao assumirmos o carter decidido e autoconfiante, podemos
interpretar esta aparente contradio como um plano poltico bem
delimitado. Pseudo-Xenofonte, de fato, detesta a democracia, mas v
nela a possibilidade de Atenas exercer seu poder sobre as outras
cidades gregas.
A ambiguidade no est presente somente na sua escolha entre a
democracia e a oligarquia, mas tambm na sua prpria maneira de
argumentar. Pseudo-Xenofonte
-
Pedro Ribeiro Martins
32 33
um fomentador de contrastes e exageros; ao falar das hierarquias
sociais, por exemplo, sempre faz questo de coloc-las em planos
totalmente opostos, numa ferrenha caracterizao de conflito
social.
Uma outra interpretao, menos elegante, a de que, na verdade, era
um homem prtico, sabia exatamente o que queria e no estava agarrado
a pressupostos ticos, apesar de os expressar com nfase. Belot 1880
16 exprime esta opinio da seguinte maneira:
A aristocracia para ele um ideal abstrato que tem o respeito da
sua razo, mas que no governa nem suas afeies, nem mesmo suas
opinies sobre a realidade. um princpio sem consequncias, uma
religio sem culto, sem influncia sobre sua conduta, que no o impede
de argumentar e de concluir em favor da democracia. Em uma palavra,
o autor, se ns o julgarmos por sua obra, lembra um pouco o homem de
estado de nosso sculo que, durante sete dias da semana, emprega
seis contra seus amigos polticos e somente o stimo contra seus
inimigos.
Apesar de a Constituio dos Atenienses estar recheada de
generalizaes sobre grandes temas do pensamento social e econmico, o
que rendeu ao seu autor a alcunha de premier conomiste et premier
sociologue (Leduc 1976 43) inclinamo-nos a pensar que o texto saiu
da mente de um homem prtico, envolvido na poltica, e que suas
generalizaes tm a funo de provar seus argumentos de ordem poltica e
no de desenvolver sistematizaes sobre a sociedade ou sobre a
economia. No negamos a hiptese de que X era alheio
-
o Autor dA Constituio dos Atenienses
32 33
completamente aos crculos intelectuais de Atenas, especialmente
o crculo sofista, mas consideramos improvvel tratar-se de um
sofista, no sentido estrito da palavra. No se trata de um
profissional do saber. Suas generalizaes parecem ter origem no na
reflexo, mas no conhecimento prtico da sociedade e da economia.
mais provvel que tenha tido contato com as ideias dos sofistas e
feito uso delas nas ocasies que lhe interessavam.
4. cOnclusO sObre a autOria dO teXtO
Reconhecemos a impossibilidade de se encontrar o nome do autor
do texto e a dificuldade de lhe estabelecer um perfil poltico
ntido. No entanto, oferecemos a seguinte hiptese: trata-se de um
Ateniense extremamente autoconfiante e com um programa poltico bem
definido. As crenas que defende tm base em uma ideologia
oligrquica, mas suas propostas prticas dialogam com o regime
democrtico. um homem de ao, talvez um estratego, um hiparca ou um
trierarca, e participa da poltica ateniense assiduamente. um homem
culto, frequenta os crculos intelectuais e est familiarizado com as
ideias dos sofistas, apesar de no ser um deles.
Este perfil no uma concluso irrefutvel e, provavelmente, ningum
conseguir construir um perfil definitivo para o Velho Oligarca. No
entanto, pontua as vrias esferas pelas quais o autor transita
durante o texto. A escolha do perfil tem a funo de dar coerncia
traduo do texto e trazer ao leitor uma coleo de
-
Pedro Ribeiro Martins
34 PB
tpicos que esto relacionados diretamente com a sua leitura como,
por exemplo, o imprio martimo ateniense, o pensamento sofstico e o
conflito social.
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
PB 35
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
Como era esperado, o problema envolvendo a datao do presente
tratado tambm oferece diversas dificuldades e proporcionou debates
inflamados entre os crticos. Para todos os efeitos, consideramos
que o texto foi escrito entre 431 e 424 a.C., concordando com as
argumentaes de Ste Croix 1972 309 e Marr e Rhodes 2008 6. No
entanto, ser feita uma breve anlise dos passos que apontam pistas
para a datao do texto, evidenciando argumentos favorveis e
contrrios a uma datao entre 431 e 424 a.C.
A tarefa para encontrarmos a data de composio da Constituio dos
Atenienses consiste em tentar extrair dos comentrios de
Pseudo-Xenofonte evidncias de acontecimentos histricos, com datao
segura, para estabelecer o terminus post quem e o terminus ante
quem da obra. Provavelmente lemos um texto escrito durante o sculo
V a.C.1, especificamente durante a primeira talassocracia
ateniense. Foi levantada a possibilidade de o tratado ter sido
escrito durante a segunda talassocracia ateniense (378-355 a.C.),
fato improvvel, mas no impossvel. Kalinka 1913 5 trata de descartar
esta possibilidade apontando o uso da palavra phoros
1 A nica possibilidade de o texto no ter sido escrito durante o
sculo V a.C. a de termos em mos um exerccio de escola ou uma
reconstituio histrica da Atenas do tempo de Pricles, tese defendida
por Belot 1880.
-
Pedro Ribeiro Martins
36 37
(imposto), em 2.1, 3.2 e 3.5, como caracterstica da primeira
talassocracia, em detrimento das contribuies irregulares
(syntaxeis) empregadas durante a segunda. Pseudo-Xenofonte descreve
uma Atenas soberana nos mares, que desfruta de um sistema
democrtico estvel e pujante. O que nos leva a acreditar que o
opsculo foi escrito antes da derrota naval na Scilia (413 a.C) e
depois da transferncia da maior parte dos poderes do Arepago para a
assembleia e para o conselho. Para apontar uma data segura, o ano
das reformas de Efialtes (462/1 a.C) o terminus post quem do
tratado, mas o ano das reformas do Arepago feitas por Pricles (logo
aps 451/0, segundo Arist. Athen. 27.1) tambm pode ser entendido
como limtrofe. Pseudo-Xenofonte, em 1.2, considera justo o povo
tomar parte nos assuntos de Estado, por ser ele o responsvel pela
manuteno do poderio naval. O tom geral do tratado corresponde
narrativa de Aristteles Athen. 27.1 sobre o estabelecimento do
poder martimo de Atenas:
Com efeito, Pricles retirou ao Arepago alguns dos seus poderes
e, em especial, impulsionou a cidade como potncia martima, medidas
que permitiam ao povo ganhar confiana para chamar a si a maior
parte dos assuntos de Estado.2
A discusso maior entre os especialistas sobre a incluso do texto
no perodo da guerra do Peloponeso ou
2 Todas as tradues da Constituio dos Atenienses de Aristteles so
de autoria de Leo 2002.
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
36 37
antes dela. Como dependemos somente das evidncias internas para
desvendar a datao, devemos analisar brevemente os passos que
fornecem indcios slidos para a sua localizao temporal, na
perspectiva deste grande conflito da segunda metade do sc. V
a.C.
1. Anlise dos pAssos decisivos pArA A dAtAo dA obrA
O primeiro livro, em geral, no oferece nenhuma pista especfica
sobre a guerra, mas relata o tipo de relao que os Atenienses
mantinham com seus aliados. Em 1.14 e 1.15, o Velho Oligarca refere
algumas prticas imperialistas atenienses, tais como a perseguio s
elites das cidades aliadas e o pagamento dos tributos em dinheiro
ao invs do fornecimento de servio militar. Esta mudana de
comportamento da hegemnica Atenas observada, principalmente, depois
de 454 a.C., quando o tesouro da Liga de Delos transferido para o
seu territrio e as cidades aliadas deixam de fornecer apoio militar
e passam a pagar seus impostos em dinheiro.
O pargrafo 1.16 fornece evidncia mais slida: X afirma que os
aliados tm de ir a Atenas para resolver suas disputas jurdicas. A
afirmao encontra suporte no decreto de Clcis (IG i2.39), situado
usualmente em 446/445 a.C3. O decreto revela que todos os casos
3 Mattingly 2002 379 entretanto argumenta a favor de uma datao
mais avanada do decreto de Clcis, em torno de 424/23 a.C., com base
na invaso da Eubeia durante a guerra do Peloponeso, o que, se for
correto, incidiria diretamente sobre a datao da Constituio dos
Atenienses.
-
Pedro Ribeiro Martins
38 39
derivados de m conduta de funcionrios pblicos que envolvessem
exlio, morte ou perda dos direitos polticos, deveriam ser julgados
em Atenas.
Ainda sobre os impostos, mas desta vez os cobrados no Pireu
sobre as mercadorias importadas, o Velho Oligarca alude, em 1.17, a
um imposto de 1% (hekatoste). No sculo IV. a.C. o imposto pelo uso
do porto era de 2% (pentekoste), como afirma Garland 2001 88. A
nica referncia ao hekatoste est nas lamentaes do personagem
Bdelcleon nas Vespas (v. 658) de Aristfanes, pea encenada em 422
a.C. Tucdides (7.28) relata que, pelas dificuldades da guerra,
Atenas viu-se obrigada, em 413 a.C., a aumentar o tributo, que
desde ento recebeu outro nome: eikostes (tributo de 5%).
O segundo livro, dedicado principalmente s vantagens blicas do
imprio martimo, oferece rastros sobre as estratgias militares em
vigor quando o opsculo foi escrito. Em 2.4 descrito o estratagema
de devastao das costas, manobra tpica de quem controla o acesso
martimo. Pricles utiliza este meio com nfase durante a guerra do
Peloponeso em reao s invases espartanas na tica. Este primeiro
perodo do conflito (431-424) ficou conhecido como guerra
arquidmica, nome do rei de Esparta defensor e condutor desse
conjunto de ataques, e foi marcado pelo no enfrentamento direto das
foras atenienses e espartanas. No entanto, este conjunto de saques
pode tambm referir-se s invases de Tlmides em 455 a.C.
Em 2.5 Pseudo-Xenofonte afirma que uma fora expedicionria
terrestre no poderia atravessar longas
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
38 39
distncias tanto pela falta de mantimentos quanto pelas
dificuldades em cruzar territrios inimigos. Esta passagem tornou-se
extremamente debatida em virtude do comentrio de Roscher 1842 529.
O historiador alemo relacionou este passo com a bem sucedida
expedio do general espartano Brsidas no vero de 424 a.C (Thuc.
4.79). Brsidas teria atravessado toda a Tesslia at chegar Macednia
com um exrcito de 1700 homens, fazendo com que a afirmao do Velho
Oligarca perdesse a validade. Este argumento para o terminus ante
quem da composio do texto foi duramente atacado por diversos
comentadores. Ste Croix 1972 309 diz que a afirmao de
Pseudo-Xenofonte no pode ser considerada como um dogma infalvel4 e
que, mesmo com a exceo da campanha de Brsidas, o ensinamento
continua vlido. Em adio, a narrativa de Tucdides (4.78) permite-nos
entender que no se tratou de uma campanha tpica. O general
espartano contou com a ajuda de guias tesslios e foi auxiliado por
Perdicas, rei da Macednia; e, como ressaltam Marr e Rhodes 2008
107, os Espartanos no conseguiram repetir a manobra nos dois anos
que se seguiram, o que culminou com o isolamento da tropa de
Brsidas e com a sua eventual derrota e morte em Anfpolis no ano de
422 a.C. O que pode se afirmar com menos preocupao que o texto de
Pseudo-Xenofonte no foi escrito logo depois da campanha de
Brsidas.
4 Como afirma Bowersock 1968 489 em nota de rodap ao pargrafo
2.5, this dogma was proved false by Brasidas march to the north in
424 and hence was probably composed before that year.
-
Pedro Ribeiro Martins
40 41
Em 2.13 o Velho Oligarca enumera mais uma vantagem militar que
os donos do mar usufruem em virtude da topografia:
Mais ainda: junto de toda a costa continental h um promontrio ou
uma ilha posicionada de frente para terra firme ou um estreito,
sendo assim possvel aos senhores do mar atracar em um destes
lugares e pilhar os moradores do continente.
Este cenrio de conflito, puramente terico segundo Frisch 1942
57, pode ser relacionado com quatro batalhas ocorridas durante a
talassocracia ateniense. Os advogados de uma datao tardia defendem
que esta descrio estratgica refere-se ocupao da ilha de Citera, no
Peloponeso, feita pelo general Tlmides no ano de 456/5 a.C. na
ocasio da primeira guerra entre Atenas e Esparta e da circumnavegao
ateniense do Peloponeso. Para os defensores da datao depois do
incio do conflito entre Atenienses e Espartanos, existem trs
batalhas que coincidem com o relato do Velho Oligarca. No primeiro
ano da guerra, a ilha de Atalante fora invadida, para conter a
pirataria e defender o territrio de Eubeia (Thuc. 2.32). Em 424
a.C. Ncias repetiria o feito de Tlmides e invadiria a ilha de
Citera com uma fora de 2000 hoplitas e sessenta navios (Thuc.
4.53). No entanto, a batalha que mais se assemelha descrio de
Pseudo-Xenofonte , sem dvida, a de Pilos. Esta ocorreu em 425 a.C.
e teve como principais generais Demstenes, que liderou a primeira
parte da campanha,
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
40 41
na qual 420 Espartanos foram tomados como refns, e Clon, que
lanou uma ofensiva ainda maior sobre a ilha de Esfactria, onde o
exrcito espartano estava alojado, rejeitando o acordo de paz
proposto pelos Lacedemnios em troca dos refns5. Em termos
militares, a localizao e a topografia da pennsula de Pilos oferece
maior vantagem estratgica em relao ilha de Esfactria do que Citera,
que est situada a oito quilmetros ao sul da costa da Lacedemnia. O
que nos leva a pensar que Pseudo-Xenofonte tinha Pilos em mente
quando escreveu este pargrafo. Em oposio, Frisch 1942 57 acredita
que, se o autor tivesse a campanha de Pilos em mente, no hesitaria
em cit-la nominalmente, pelo que este dado no seria decisivo para a
questo da datao. Marr e Rhodes 2008 121, por outro lado, assumem
que o tratado foi escrito logo aps o ano de 425 a.C. pela
importncia poltica e estratgica que a campanha de Pilos
representa.
O captulo 2.14 apresenta a clebre digresso sobre as vantagens
que Atenas usufruiria se fosse situada numa ilha. A proposta,
discutida tambm por Tucdides em 1.143.5, mostra as vantagens de se
habitar numa ilha quando se soberano do mar. Algumas destas so
enumeradas em formulao condicional, como:
Se os Atenienses, talassocratas, habitassem numa ilha, poderiam,
se quisessem, causar dano sem nada sofrer, desde que dominassem o
mar, sem que suas prprias terras fossem
5 Para uma discusso ttica da batalha de Pilos e Esfactria e seus
desdobramentos polticos, ver Kagan 1974 218-259.
-
Pedro Ribeiro Martins
42 43
destrudas nem invadidas pelos inimigos.
A clusula condicional ei eboulonto se quisessem suficiente para
Frisch 1942 57 deslegitimar a passagem 2.14-16 como um relato
histrico. Para o autor dinamarqus, Pseudo-Xenofonte est preocupado
com a teoria da guerra e levanta possibilidades estratgicas no
necessariamente relacionadas com fatos concretos. coerente
pensarmos que nesta passagem o autor esteja tratando de uma situao
terica; no entanto, demasiado forado estender esta argumentao para
2.16:
Ora, tendo em vista que, desde o princpio, no vivem numa ilha,
fazem agora o seguinte: transferem suas propriedades para ilhas,
confiando no controle sobre o mar, e assistem, sem reagir, devastao
do territrio tico, pois bem sabem que se fizerem questo do
territrio, sero privados de outros benefcios maiores.
A frase fazem agora o seguinte: transferem suas propriedades
para ilhas no apresenta ei, an ou outra partcula que sugira
possibilidade ou pura divagao terica. Marr e Rhodes 2008 126
defendem que, neste passo, o autor refere-se a algo que est
acontecendo naquele momento, ou seja, um movimento estratgico real
de Atenas e no uma possibilidade terica. A passagem encontra
paralelo em Thuc. 2.14.1, sendo decisiva para a datao da obra
durante a guerra arquidmica (431-424), justamente pela referncia
estratgia de Pricles de deixar o territrio tico ser
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
42 43
devastado, tanto transferindo os bens para a Eubeia, quanto
protegendo-os atrs dos muros de Atenas, que assume a funo metafrica
de ilha protegida das invases inimigas. Ste Croix 1972 309
classifica enfaticamente esta passagem como vital para a datao do
tratado durante a guerra do Peloponeso e afirma com severidade:
Since the arguments for an earlier date have no substance at all,
we must accept 431 as a terminus post quem.
Uma outra passagem fervorosamente debatida a seguinte
(2.14):
Dadas as circunstncias, porm, os fazendeiros (gergountes) e
(dmos) e os ricos (plousioi) de Atenas contemporizam mais com os
inimigos, enquanto o povo (dmos), seguro de que no ter propriedades
queimadas ou destrudas, vive sem medo e no os receia.
Um primeiro olhar induziria concluso de que esta afirmao
invalida a proposio de o texto ter sido escrito durante a guerra do
Peloponeso, especialmente durante a guerra arquidmica, quando os
campos ticos foram saqueados e queimados em grande extenso, havendo
perdas materiais tanto para os ricos quanto para os pobres (Thuc.
2.65.2., Ar. Ach. 204-233). Como dizer que o povo vive sem medo, se
uma grande parte da populao rural foi obrigada a abandonar suas
casas e morar dentro dos limites pestilentos da muralhada Atenas?
Bowersock 1967 34 no hesita em tratar esta evidncia como um
terminus ante quem.
-
Pedro Ribeiro Martins
44 45
Para o autor ingls, a obra no poderia ter sido escrita durante a
guerra do Peloponeso. Para buscarmos uma contraposio a esta tese,
devemos relativizar a afirmao de Pseudo-Xenofonte. Como j vimos, o
autor emprega tcnicas de amplificao em seu discurso para fazer
ressaltar as diferenas entre ricos e pobres. Neste passo, o
objetivo do Velho Oligarca nada mais do que evidenciar as perdas
dos ricos, pois, proporcionalmente, eles perderiam muito mais do
que os pobres, que pouco tm. Bowersock tem razo em chamar a ateno
para a expresso ades dzi (vive sem medo). Parece exagerado dizer
que um povo em guerra vive sem medo, tema tambm trabalhado na
comdia Acarnenses, que retrata o protesto e descontentamento dos
moradores do maior demos da tica, Acarnas, que viram seu territrio
ser devastado pelas sucessivas invases espartanas. Diceoplis resume
o descontentamento dos Acarnenses nesta frase: Quer dizer que so e
salvo ia eu, bem rente muralha, estendido... no lixo6.
Para contra-argumentar, Marr e Rhodes 2008 salientam a
autoconfiana e otimismo presentes nas classes baixas de Atenas
graas ao poderio martimo e afirmam que toda a argumentao por trs do
tratado est baseada na crena de que Atenas vivia um momento
esplendoroso graas ao controle do mar. Tucdides registra o bom
humor dos Atenienses em 424 a.C., momento ureo da guerra para
eles:
6 Todas as tradues de Acarnenses so de Maria de Ftima Sousa e
Silva 2006.
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
44 45
Tal era o efeito do sucesso nos Atenienses que eles acreditavam
que nada poderia opor-se; para eles tanto os feitos possveis quanto
os impossveis eram alcanveis, seja com uma grande fora ou uma
deficitria. A razo para tal sentimento estava nas sucessivas
vitrias, que lhes inspiravam grande esperana. Uma abordagem similar
defendida por
Woodhead 1970 36, que acredita que a Atenas democrtica s
prosperou porque seus cidados possuam confiana (tharsos). Nas
palavras de Woodhead: Self-confidence, belief in themselves, based,
as is frequently emphasised, on their participation in Athens naval
sucess, and belief in their democratic mission, was the key to the
sucess of the Athenian people. Outro a discordar do argumento Ste
Croix 1972 309, por considerar que o Velho Oligarca entende o dmos
como populao urbana de classe baixa e no como fazendeiros
(gergountes); por isso, o dmos no teria sofrido demasiado com as
invases espartanas ao territrio tico.
No terceiro livro, especificamente em 3.2, X lista uma srie de
obrigaes do Conselho, entre elas a guerra, o que foi tomado como
uma pista que sugerisse um estado atual de conflito. Esta aproximao
no to evidente e podemos pensar que os assuntos blicos eram
debatidos pelo Conselho, mesmo em tempos de paz, assim como nossos
atuais ministrios das foras armadas esto em pleno funcionamento,
mesmo em estado de normalidade. No obstante, Aristteles, Ath.
-
Pedro Ribeiro Martins
46 47
30.5 tambm enumera os assuntos de guerra7 como uma prerrogativa
do Conselho.
Em 3.4 o Velho Oligarca afirma que funo do Conselho e da
Assembleia velar pela manuteno dos navios e apontar quatrocentos
trierarcas por ano. O nmero, considerado pouco realista pela
maioria dos especialistas8, pode revelar um estado de guerra atual
ou iminente. Tucdides (2.13.8) afirma que, um pouco antes do incio
da guerra do Peloponeso, estavam disponveis trezentas trirremes
prontas para navegar, nmero que coincide com o dado por Diceoplis
em Acarnenses 544-545: No faltava mais nada! Tratavam mas de pr
logo no mar trezentos navios. Em 428 a.C, durante a guerra
arquidmica, a armada ateniense contava com duzentos e cinquenta
navios (Thuc. 3.17), provavelmente trezentos e cinquenta se
considerarmos uma frota de elite, parte, de cem navios (Thuc.
2.24.2). No devemos confiar cegamente na declarao de
Pseudo-Xenofonte pois, como j foi dito, este tem a tendncia de
exagerar os fatos e nmeros para provar o
7 Os cinco homens seleccionados trataro tambm de tirar sorte a
ordem pela qual se apresentaro os que desejam consultar o conselho:
em primeiro lugar para assuntos de religio, em segundo para os
arautos, em terceiro para as embaixadas, em quarto para as outras
matrias, mas em questes de guerra, os estrategos podero submet-las
a discusso quando for necessrio.
8 Marr e Rhodes 2008 152 concluem: At any rate, the evidence
seems to show that, whatever the exact total numbers of Athenian
triremes was during the Archidamian War, there were never as many
as four hundred. J Frisch 1942 312 acredita que a marinha ateniense
possua outros tipos de navios, como transportadores de animais e de
carga, que os trierarcas tambm deveriam ser selecionados para a
administrao destes navios.
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
46 47
seu argumento. No entanto, o que conspira a favor do nosso autor
neste ponto que este passo to somente uma enumerao das funes dos
orgos pblicos, e no uma argumentao relacionada com o benefcio de
alguma classe social, o que normalmente ocorre quando ele exagera
ou distorce algum dado histrico. Oferecendo um voto de confiana ao
testemunho de Pseudo-Xenofonte, o nmero no to exagerado assim, se
lembrarmos que muitos navios deveriam ficar nos estaleiros para
reparao e construo, e que para estes navios tambm deveriam ser
assinalados trierarcas, como avisa Frisch 1942 312.
O prximo passo (3.5) a nos fornecer pistas sobre a data de
composio o seguinte: sobre a cobrana de impostos, que acontece
normalmente (hs ta polla) a cada quatro anos. O passo refere-se
cobrana do tributo dos aliados da Liga de Delos, que passou a ser
realizada a cada quatro anos na ocasio da celebrao das Grandes
Panateneias em Atenas, desde que o tesouro da simaquia foi
transferido para a acrpole em 454/3 a.C. O Velho Oligarca diz que
normalmente o imposto cobrado quadrienalmente; isto implicaria que,
pelo menos uma vez, ele tenha presenciado uma cobrana anormal de
impostos. Este processo repetiu-se trs vezes entre 454 e 424 a.C. A
primeira foi vista em 443/2 e indicada por Bowersock 1967 38 como a
anormalidade referida por Pseudo-Xenofonte. Mattingly 1997 353, por
outro lado, discorda da suposio, pois acredita que, para ser
considerada uma cobrana anormal, as mudanas nas regras de recolha
dos impostos deveriam ser drsticas, o
-
Pedro Ribeiro Martins
48 49
que no teria sido o caso de 443/2, onde apenas cinco novos
distritos geogrficos so adicionados lista de contribuintes. A
segunda anormalidade teria se dado em 428/7, mas tambm contestada
por Mattingly 1997 353. O comentador afirma que houve cobrana
regular de impostos em 426/5. Finalmente, em 425/4, o decreto de
Tudipo (IG i3 68) demonstra claramente uma cobrana anormal de
impostos, que alm de exigir contribuies financeiras considerveis,
determina a retomada da cobrana dos impostos durante as Grandes
Panateneias, significando que em algum momento esta prtica havia
sido deixada de lado. Marr e Rhodes 2008 156, assim como Mattingly,
consideram esta data um terminus post quem. Por outro lado, Frisch
1942 319 no acredita que o autor se refira a uma mudana drstica e
sim que o perodo de quatro anos no era sempre observado
estritamente.
A ltima passagem a ser analisada (3.11) precisamente a nica em
que Pseudo-Xenofonte utiliza eventos histricos identificveis para
esclarecer sua generalizao:
Sempre que tomaram o partido da classe alta, no obtiveram
benefcios; pelo contrrio, em pouco tempo o povo, no caso da Becia,
foi escravizado. Depois, apoiaram os Milsios da classe alta e, em
pouco tempo, eles revoltaram-se e massacraram o povo. Quando
escolheram apoiar os Lacedemnios contra os Messnios, em pouco tempo
os Lacedemnios subjugaram os Messnios e entraram em guerra contra
os Atenienses.
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
48 49
O Velho Oligarca defende a ideia de que os Atenienses sempre
foram prejudicados quando tomaram o partido da classe alta. Esta
afirmao segue a linha de pensamento apresentada em 3.10: afinal, os
semelhantes, favorecem seus semelhantes. Para exemplificar sua
teoria geral, Pseudo-Xenofonte aponta trs eventos histricos
concretos, a saber: as revoltas da Becia, de Mileto e da Messnia.
Sobre a primeira, Pseudo-Xenofonte provavelmente refere-se ocupao
ateniense da Becia, iniciada aps a batalha de Enfita, em 457 a.C.,
e com trmino em 446 a.C., aps a derrota de Tlmides na batalha de
Coroneia9. A derrota foi condicionada pelo apoio de Tebas aos
oligarcas exilados de Coroneia. Tebas foi a nica cidade que manteve
um sistema de governo oligrquico na Becia durante o perodo de
ocupao de Atenas e, logo aps a derrota desta em Coroneia, todos os
regimes democrticos patrocinados pela imperialista Atenas
sucumbiram, o que condiz com a descrio de Pseudo-Xenofonte. Como
ressaltam Marr e Rhodes 2008 163, o verbo escravizar (douleuein),
neste contexto, indica perda de autonomia poltica, ou seja, aceitao
de uma oligarquia. Com esta informao em mos, Bowersock 1967 36
sugere o ano de 446 a.C. como um terminus post quem.
A citada revolta em Mileto no est to bem documentada e pode
referir-se a diversos momentos da histria interestatal entre Mileto
e Atenas. Bowersock
9 Para uma discusso mais elaborada da ocupao da Becia e a
revolta de Mileto, vide A history of the classical Greek world
478-323 BC, Rhodes 2006 44-52.
-
Pedro Ribeiro Martins
50 51
1967 37-38 sugere que a falta de pagamento do tributo por parte
de Mileto entre 446 e 443 a.C. possa ser um indcio da referida
revolta oligrquica e ressalta a coincidncia de os dois eventos
terem lugar em 446 a.C., o que refora sua proposta de um terminus
post quem nesse mesmo ano.
O ltimo dos eventos que Pseudo-Xenofonte cita a revolta dos
Messnios, no ano de 464 a.C, na qual Atenas, liderada por Cmon,
envia reforos para auxiliar Esparta contra os hilotas, que
organizaram sua defesa em volta do monte Itome. Este o ltimo
suspiro da aliana entre Atenas e Esparta firmada em virtude das
invases persas. Cmon, confesso general pr-lacnico, defende o envio
de reforos a Esparta em 462 a.C. e acaba utilizando todo seu
capital poltico para tal feito. Efialtes, que costurava a reforma
democrtica do Arepago, no conseguiu impedir o envio dos soldados
atenienses. No entanto, as tropas ticas no alcanaram os objetivos
esperados e foram dispensadas de maneira humilhante pelos
Espartanos, que temiam que os Atenienses mudassem de lado e
passassem a defender os hilotas. O resultado deste breve
alinhamento de foras desastroso para Cmon, que no consegue reverter
a reforma do Arepago e exilado. Este o trmino definitivo da aliana
entre Esparta e Atenas10. A aproximao histrica entre este evento e
o comentrio de Pseudo-Xenofonte ajuda-nos a confirmar que lemos um
texto escrito depois das primeiras agresses
10 Para uma discusso pormenorizada ver Rhodes 2006 24-25 e
Powell 2001 109-112 .
-
A dAtA dA Constituio dos Atenienses
50 51
entre Atenas e Esparta, e talvez especificamente, como apontam
Marr e Rhodes 2008 164, depois da batalha de Tnagra, na Becia, em
457 a.C (Plut. Per.10.1).
2. considerAes finAis sobre A dAtA do trAtAdo
As trs referncias histricas citadas por Pseudo-Xenofonte
permitem-nos estabelecer apenas um longnquo terminus post quem, e
no podem ser usadas como argumento para a determinao de um terminus
ante quem como faz Bowersock 1967 38. O autor ingls afirma que o
silncio do Velho Oligarca sobre a revolta de Samos em 411 a.C.
sugere um terminus ante quem, pois tal evento seria um melhor
exemplo para sua generalizao, alm de mais prximo cronologicamente
do que os trs utilizados. Marr e Rhodes 2008 165 argumentam que a
essncia da revolta de Samos foi distinta das outras trs citadas,
por ter se tratado de um ataque da democrtica Atenas sob o comando
de Pricles contra a oligarquia estabelecida em Samos11; desta forma
no se configuraria como um apoio aos oligarcas e posterior fracasso
em razo deste apoio, como prev a generalizao do Velho Oligarca.
Escolher uma data precisa para a composio da Constituio dos
Atenienses ousado justamente pela falta de informao externa ao
texto. As evidncias internas providas pelo Velho Oligarca so poucas
e dbias; no entanto, possvel ressaltar umas em detrimento de
outras. A discusso sobre a possibilidade de Atenas
11 Plutarco (Per. 25-28) e Tucdides (1.115-117 e 8.76) comentam
a guerra entre Smios e Atenienses.
-
Pedro Ribeiro Martins
52 PB
ser uma ilha , sem dvida, decisiva para apontarmos uma data. A
semelhana com o discurso de Pricles presente em Tucdides
especificamente sobre a estratgia ateniense de no defender o
territrio tico para priorizar o controle martimo e a sistemtica
ocupao das ilhas vizinhas, como a Eubeia, so traos fortes o
suficiente para acreditarmos que estamos lendo um texto produzido
durante a guerra arquidmica. Alm disso, a proximidade de contedo e
vocabulrio entre o panfleto e a pea Cavaleiros de Aristfanes
faz-nos pensar que ambos os autores dividiram o mesmo ambiente
scio-poltico durante os anos 42012.
Por fim, se esta ou qualquer data antes de 420 a.C. for correta,
podemos afirmar que este o mais antigo exemplar de prosa tica e o
primeiro dedicado a uma crtica do sistema democrtico (Marr e Rhodes
2008 6).
12 Assim como as proximidades entre Suplicantes de Eurpides e
Vespas de Aristfanes, como avisa Marr e Rhodes 2008 6.
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
PB 53
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
A nica certeza sobre a forma da Constituio dos Atenienses a de
que no se trata de poesia por no obedecer a um esquema mtrico. De
resto, estamos no campo das especulaes. O enigmtico texto pode
corresponder a uma carta pessoal, um discurso pblico, um texto
recreativo para ser lido em grupos pequenos, um tratado
argumentativo poltico, um tratado terico sobre guerra e at mesmo um
dilogo. H uma longa discusso1 sobre as propriedades estilsticas do
texto que continua em aberto. No entanto, possvel apontar as
hipteses que gozam de uma defesa bem construda. De resto, sero
tambm apresentadas as semelhanas, em termos de contedo, com outras
Constituies compostas no sculo V a.C.
1. As cArActersticAs estilsticAs dA constituio dos
Atenienses
O tratado pobre em recursos estilsticos, sofre com a falta de
conexo entre uma ideia e outra, parece no ter meio nem fim2 e as
repeties de palavras so
1 O estudo de Ramirez-Vidal 2005 16-27 faz um conciso apanhado
do debate sobre o gnero entre os especialistas at 2005.
2 Kalinka 1913 22-23 est convencido entretanto de que o comeo do
tratado legtimo, mesmo sendo a construo peri de invulgar em comeos
de obras. Quanto ao final do opsculo, o debate continua em
aberto.
-
Pedro Ribeiro Martins
54 55
exageradas. Kirchhoff 1874 acreditava que o tratado estava
demasiadamente fragmentado para ser lido como um texto completo,
como por exemplo os pargrafos 1.13, sobre as casas de banho e
palestras, e 2.9, sobre os sacrifcios e festivais, que parecem
completamente deslocados dentro do contexto em que ocorrem (Frisch
1942 42); mas a partir da edio de Kalinka 1913, as dvidas sobre a
unicidade da obra foram postas de lado e hoje o texto entendido
como uma unidade, mesmo que apresente problemas de conexo entre os
tpicos. Marr e Rhodes 2008 28 sustentam que as falhas estilsticas
refletem mais a falta de habilidade do autor o que pode denunciar
sua pouca idade , do que necessariamente uma tradio manuscrita
corrupta.
Das diversas possibilidades levantadas pelos crticos, podemos
eliminar algumas que j no encontram sustentao. Roscher 1841,
pioneiro da crtica moderna do tratado, acreditava estar diante de
um relatrio feito ao governo espartano, que explicava o sistema
poltico ateniense. Belot 1880 considerava o texto uma carta pessoal
de Xenofonte ao rei Agesilau, com o objetivo de levar ao rei
espartano informaes sobre a marinha e o sistema poltico atenienses.
As duas hipteses podem ser refutadas pelo argumento defendido por
Frisch 1942 e que encontra aceitao entre a maioria dos crticos da
obra. Para o autor dinamarqus, o texto tem um carter oral muito bem
marcado. Frisch analisa as proposies de Pseudo-Xenofonte, municiado
pelos ensinamentos de Aristteles sobre retrica, e chega concluso de
que este texto de prosa tica tambm pode ser considerado
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
54 55
um antecessor da retrica ateniense como a conhecemos no sculo IV
a.C. Para o autor dinamarqus, trata-se de um discurso do tipo
contnuo3. O carter discursivo defendido pelo uso excessivo de
repeties e pela falta de ligao entre um perodo e outro (asyndeta4),
tpicas de um debate improvisado, mas desaconselhveis para um
discurso escrito.
Ramirez-Vidal 2005 73 concorda com Frisch sobre as propriedades
retricas do texto, porm acredita que se trata de um outro tipo de
discurso, o epidtico:
nuestro texto es un discurso epidctico que tiene como finalidad
mostrar la consistencia interna del rgimen democrtico de Atenas con
base en el criterio de la utilidad; se emplean en l medios de
persusion de carcter artificioso, esto es, relativos al arte.
O discurso epidtico, tambm conhecido como demonstrativo,
pronunciado, em geral, para elogiar ou atacar uma pessoa ou ideia
especfica. No caso, o regime democrtico o objeto de elogio do
autor, que lana mo do uso sistemtico de hiprboles para gerar o
efeito esperado de amplificao.
3 O lexis eiromen descrito por Aristteles, Rh. 3.9 1409a:
Designo contnuo aquele que no tem fim em si prprio, a no ser que o
contedo expresso esteja concludo. Todas as tradues da Retrica so da
autoria de Jnior, Alberto e Pena 2005.
4 O uso de estruturas assindticas e repeties comentado por
Aristteles, Rh 3.12. 1413b: Para dar um exemplo, num texto escrito
as estruturas assindticas e as repeties so, com razo, elementos
censurados; mas em debates orais os autores usam-nos, pois so
prprios da pronunciao.
-
Pedro Ribeiro Martins
56 57
Consoante com a ideia da origem oral do tratado, Luciano Canfora
1980 91-109 defendeu a hiptese da traduo em forma de dilogo. A tese
antiga e foi lanada por Cobet5. O autor sustenta que h no texto uma
permanente tenso entre duas linhas argumentativas e que h indcios
claros de que os perodos podem ser divididos em falas de
personagens distintas6. Um exemplo que conferiria inteligibilidade
ao texto encontra-se em 1.11:
- Onde os escravos so ricos, no h condies que meu escravo tenha
medo de ti. Em Esparta, o meu escravo teria medo de ti!Mas se o teu
escravo tivesse medo de mim, provavelmente ofereceria todo o seu
dinheiro para se preservar de qualquer risco.7
As possibilidades claras de traduo em dilogo no so raras e mais
exemplos podem ser encontrados em 2.11-12, 3.5, 3.8, 3.12-13. Esta
hiptese ganha fora com o uso da segunda pessoa do singular, embora
raramente, como nos passos 1.8: pois as razes que te fazem
considerar este um mau governo8 e 1.9: Mas se um bom governo que
procuras. No entanto, esta concluso no definitiva, pois em outras
partes do texto no h qualquer sinal de troca de interlocutor e a
segunda
5 Para uma discusso alargada da possibilidade do texto como
dilogo, vide Canfora 1980 91-97.
6 Sobre esta questo, ver o captulo sobre a autoria do tratado,
onde discutida a problemtica das duas almas do autor.
7 Sugesto de traduo de Canfora 1980 101. 8 1.8: ho gar sy
nomizeis e 1.9: ei deunomian zeteis.
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
56 57
pessoa pode ser entendida apenas como uma expresso de sujeito
indeterminado.
Marr e Rhodes 2008 169-170, por outro lado, preferem interpretar
estas evidncias de interlocuo como uma srie de intervenes
imaginadas pelo autor. Exemplos como: Pode questionar-se: o que
poderia um homem deste nvel dizer que seja til para si e para o
povo?9 sugeririam que o autor possui um repertrio de indagaes e
crticas que j teriam sido feitas anteriormente, como anunciado no
pargrafo de abertura. Estas crticas impessoais so utilizadas como
recurso retrico do autor, que baseia seus prprios pontos de vista
na resposta das perguntas que ele mesmo traz ao debate.
Marr e Rhodes 2008 169 chamam a ateno para a importncia
estrutural deste recurso estilstico, pois o tratado, de maneira
geral, desenvolve-se em torno deste jogo de perguntas e
respostas.
2. A constituio dos Atenienses e As outrAs constituies do sculo
V A.c.
Sabendo que estamos lidando possivelmente com um texto de carter
oral, que se estrutura a partir da interao com outros indivduos,
mesmo que esta interao seja imaginada, podemos passar para a anlise
do contedo do tratado. A aproximao com outras Constituies dos
sculos V e IV a.C. inevitvel.
9 1.7: eipoi tis an, ti an oun gnoi agathon auti he ti dmi
toioutos anthrpos. Para uma lista de intervenes imaginadas, ver
Marr e Rhodes 2008 169-170.
-
Pedro Ribeiro Martins
58 59
Mesmo no se tratando de um gnero literrio bem definido no tempo
em que o Velho Oligarca ter escrito, a apreciao dos outros textos
que trataram sobre a melhor forma de governo vlida para compreender
as ideias presentes na Constituio dos Atenienses.
Distinguem-se as Politeiai escritas na Grcia dos sculos V e IV
a.C em trs grupos: filosfico, cientfico e poltico. A Repblica de
Plato e os livros 6 e 7 da Poltica de Aristteles so os melhores
exemplos de Constituies filosficas, pois tratam a questo da disputa
entre as constituies de maneira utpica e idealizada. A Constituio
dos Atenienses de Aristteles a melhor representante do tipo
cientfico, j que trabalha com uma suposta imparcialidade e analisa
diacronicamente as instituies polticas de Atenas. O ltimo tipo
abarca obras como os discursos de Pricles, especialmente a orao
fnebre, onde Tucdides recria o discurso do estratego ateniense
enfatizando o modelo poltico democrtico e os efeitos concretos na
vida poltica e militar de Atenas decorrentes deste modelo. O texto
que estudamos certamente pertence ao ltimo tipo.
O tema principal da Constituio dos Atenienses no poderia ser
outro seno a poltica ateniense. Diferentemente da obra homnima de
Aristteles, Pseudo-Xenofonte no est interessado em analisar
sistematicamente a transio das sucessivas formas de governo de
Atenas, nem o seu mecanismo de funcionamento. Quando descreve os
procedimentos da democracia ateniense no com a inteno de produzir
uma anlise imparcial, mas sim de comprovar
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
58 59
o seu prprio ponto de vista. Antes de mais, o texto em questo
poltico e no se exime desta caracterstica. Tucdides, por exemplo,
admite possveis falhas metodolgicas que possam ter afetado sua
anlise (Thuc. 1.22.3), mas promete ser to fiel aos fatos quanto for
possvel, para que assim sua obra possa ser til por vrias geraes.
Pseudo-Xenofonte no tem interesse no futuro e na sobrevivncia da
sua obra. Fala do presente e tem inteno de influenciar o contexto
em que vive. Seus escritos, provavelmente, no teriam sobrevivido se
no tivessem sido, por algum motivo, adicionados ao corpus de
Xenofonte. Tendo este erro sido cometido, ganhamos ns, os modernos,
com a possibilidade de ler um documento pontuado por diversas
informaes importantes sobre a poltica ateniense, mas que,
sobretudo, fascina por ser espontneo. rico por escolher um lado e
defend-lo. No incorre nos erros dos historiadores porque no
pretende ser historiogrfico. um documento fossilizado que contm um
elogio da democracia de um ponto de vista oligrquico. Como tambm no
tem preocupaes artsticas, como Eurpides e Aristfanes, que
contriburam igualmente para o debate sobre os diferentes tipos de
constituio, no necessita de esconder as palavras na boca de
personagens. O Velho Oligarca no precisa ser sutil, no precisa
emocionar sua plateia, nem produzir um espetculo. Est livre para ir
direto ao ponto.
O debate sobre as caractersticas polticas dos tipos de
constituio na Grcia clssica observou seu pice no sculo IV a.C com
as discusses de Aristteles sobre as
-
Pedro Ribeiro Martins
60 61
mudanas constitucionais e a melhor forma de governo. Antes dele,
Plato tambm havia teorizado sobre a constituio ideal10. A escrita
de Politeiai passou a ser um gnero literrio. Foram atribudas escola
de Aristteles cento e cinquenta e oito Politeiai, todas perdidas,
exceto a mais clebre, a Constituio dos Atenienses. Crtias tambm
escreveu, em verso, diversas Politeiai, tendo chegado a ns alguns
fragmentos das Constituio dos Atenienses, Constituio dos
Lacedemnios e Constituio dos Tesslios. Xenofonte deu o seu
contributo ao gnero das Constituies e escreveu a Constituio dos
Lacedemnios, obra na qual relata o modo de vida, sistema militar e
organizao poltica dos Espartanos.
Em que difere o texto de Pseudo-Xenofonte de todas estas
Constituies? Primeiramente, nosso autor no tem como objetivo fazer
uma anlise histrica das formas de governo atenienses, como
Aristteles, no conduz uma discusso filosfica sobre qual a
Constituio ideal, como faz Plato, e no oferece uma explicao
estrutural do modo de vida dos Atenienses e do seu sistema militar,
como Xenofonte.
O prprio nome de seu tratado, Athenaion Politeia, induz-nos a
crer que o contedo aproximar-se-ia das Constituies do sculo IV a.C.
No entanto, esta uma pista falsa, pois, como argumentam Marr e
Rhodes 2008 2, o nome do tratado deve ter sido estabelecido
posteriormente, por algum que teria conhecimento
10 Plato inovador na discusso das Constituies, pois o primeiro a
buscar a constituio ideal, sem analisar necessariamente um caso
existente (Bordes 1982 386)
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
60 61
das outras Politeiai do sculo IV. a.C. e viu na primeira linha
do panfleto a sugestiva combinao vocabular Athenaion Politeia.
Com quais autores devemos ento comparar o opsculo de
Pseudo-Xenofonte? No suficiente compar-lo somente com outros
exemplares de prosa tica, o que nos levaria basicamente a uma
aproximao com Tucdides, mas sim observar escritos de outros gneros
literrios ou obras produzidas dentro e fora de Atenas para
encontrarmos convergncia de contedo. O teatro trgico de Euripdes e
cmico de Aristfanes dialogam com esta pequena obra em termos de
vocabulrio poltico e de contedo. Alm deles, Herdoto 3.80-83 tambm
divide o mesmo interesse poltico ao narrar a discusso dos nobres
persas sobre a melhor forma de constituio. Procederemos a uma srie
de breves comparaes, com o objetivo de evidenciar as divergncias e
convergncias das obras citadas at agora com o opsculo de
Pseudo-Xenofonte.
Hrodoto contribui para o debate tripartido das Constituies.
Atribui a um conselho de persas a discusso sobre a melhor forma de
governo, que para muitos s poderia ter ocorrido num meio grego. Um
grupo de sete nobres rene-se para decidir qual ser a forma de
governo persa, tendo em vista que Cambises tinha morrido sem
sucessor e o governo seguinte, o dos magos, obtido por conspirao,
tambm tinha sido banido pelo excesso de abusos. Otanes o campeo da
democracia e o primeiro a falar (Herdoto 80.6):
-
Pedro Ribeiro Martins
62 63
Ora, quando o povo (plethos) governa, esse poder tem, antes de
mais, o mais belo de todos os nomes isonomia; em segundo lugar, de
todas as coisas que um monarca faz, nenhuma existe em isonomia: por
sorteio que se recebe cargos pblicos, exerce-se o poder prestando
contas, todas as deliberaes so expostas comunidade.11
Otanes e Pseudo-Xenofonte concordam unicamente na descrio do
governo democrtico. O sorteio (1.2), a prestao de contas (3.4), as
deliberaes pblicas (3.2-8) e a isonomia (1.2-5) so temas presentes
na Constituio dos Atenienses. No entanto, as escolhas polticas so
diversas. Pseudo-Xenofonte age como um reformista, aceita que o
governo democrtico seja forte o suficiente para ser mantido e
aponta os pontos positivos, mesmo no concordando com ele em
princpio, enquanto Otanes acredita, sem restries, que o melhor
sistema poltico possvel mesmo a democracia.
Megabizo o encarregado de defender o regime oligrquico e baseia
sua argumentao nos critrios de utilidade e educao, como vemos no
passo Her. 3.81:
Com efeito, nada h de mais insensato do que uma multido intil
(omilos achreios), nada h de mais insolente (...). Como que
poderia, alis, saber agir quem nunca foi ensinado, nem viu nada de
bom em sua posse (...) e apangio dos melhores homens (aristoi
androi) tomarem as melhores e mais sensatas deliberaes.
11 As tradues de Herdoto so da autoria de Silva e Abranches
1994.
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
62 63
Megabizo, o defensor da oligarquia no debate de Herdoto,
certamente poderia fazer parte do clube de aliados polticos de
Pseudo-Xenofonte. Eles dividem a mesma viso moral: existem pessoas
melhores que outras e so elas que devem estar no poder. Servem-se
dos mesmos argumentos para diminuir seus adversrios a falta de
utilidade e a ignorncia do povo. Diferenciam-se por questes
prticas. Megabizo lana um voraz ataque democracia e
Pseudo-Xenofonte trabalha a possibilidade de se viver bem numa
democracia. A diferena que o Velho Oligarca tem uma democracia
concreta para basear suas crticas positivas, enquanto que Megabizo
raciocina apenas no plano das ideias.
O ltimo a falar Dario, vencedor do debate e defensor da
monarquia. O futuro rei dos Persas deslegitima a oligarquia e a
democracia usando um s argumento: os homens tendem a polemizar-se
uns contra os outros, e desta disputa pelo primeiro lugar nascem
discrdias que faro, eventualmente, com que retornem ao estado de
monarquia. Pseudo-Xenofonte nada tem a dizer sobre a monarquia,
pois no est interessado em debates tericos; e, como sua realidade
exige uma reflexo sobre o posicionamento poltico de oligarcas
dentro de uma democracia, a monarquia parece uma alternativa
distante demais para ser discutida neste pequeno texto.
A disposio intelectual dos persas ao discutir a melhor
Constituio pode ser resumida nesta frase atribuda a Dario: Das trs
alternativas que se nos deparam, democracia, oligarquia e
monarquia, cada uma
-
Pedro Ribeiro Martins
64 65
delas pode ser teoricamente defendida como a melhor. Ou seja,
exige-se um debate aberto e franco sobre as virtudes e vcios das
trs formas de governo em sua forma ideal. Vejamos o que tem a dizer
Pseudo-Xenofonte (3.9) sobre a melhor forma de Constituio no campo
da especulao:
Em resumo, possvel descobrir muitas maneiras de melhorar a
constituio. Agora preservar a democracia e, ao mesmo tempo,
encontrar uma frmula poltica melhor, no parece tarefa fcil. A menos
que, como acabei de dizer, se trate de adicionar ou suprimir
pequenos detalhes.
O autor preocupa-se essencialmente com a forma poltica vigente e
no com uma ideia de regime poltico ideal. Esfora-se em encontrar
solues para reformar a democracia na prtica e no se prope a
imaginar formas polticas alternativas que no tenham uma viabilidade
institucional imediata. Em outras palavras, trata-se de um
reformador e no de um revolucionrio.
Faamos uma pequena comparao entre a Repblica de Plato e o
opsculo em questo. O mais antigo ensaio de filosofia poltica utpica
da histria, como o chama Maria Helena da Rocha Pereira 2007 49, est
envolto de temas caros filosofia, tais como a definio das quatro
virtudes cardinais, a exposio do mtodo da dialtica e a repartio da
alma em trs. Para cada um destes tpicos a filosofia poltica serve
de metfora ou smile. A plis analisada como um
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
64 65
conjunto humano e dela tenta-se extrair o conceito das trs
primeiras virtudes (sophia, andreia, sophrosyne), para que se
alcance a quarta, a justia (dike). Com este intuito, Plato divide a
cidade em trs classes, a dos guardies, filsofos por excelncia e
portadores da sophia, a dos guerreiros, representantes da andreia,
e a dos artfices, trabalhadores manuais. Finalmente, da harmonia
entre as trs classes emana a temperana (sophrosyne).
Como temos enveredado pela discusso da Constituio a partir do
ponto de vista dos grupos sociais, vejamos como Plato (499b-c)
convoca os filsofos para tomarem seu lugar como classe dominante de
sua cidade ideal.
Por tais motivos disse eu e com esta preocupao, que ento
dissemos, apesar do nosso receio, mas forados pela verdade, que no
h Estado, nem governo nem sequer um indivduo que do mesmo modo
possa jamais tornar-se perfeito, antes que a esses filsofos pouco
numerosos a que agora chama, no perversos (poneroi), mas inteis
(achrestoi), a necessidade, sada das circunstncias, os force, quer
queiram quer no, a ocupar-se do Estado , e que este lhes obedea; ou
antes que um verdadeiro amor da filosofia verdadeira, por qualquer
inspirao divina, se apodere dos filhos ou dos prprios homens que
esto actualmente no poder ou ocupam o slio real.12
Se for possvel ler a Repblica como uma constituio do tipo
poltico, a sugesto principal a
12 Traduo de Rocha Pereira 2007.
-
Pedro Ribeiro Martins
66 67
de que a classe dominante deve ser formada por reis-filsofos
inspirados por revelaes divinas e munidos de amor legtimo pela
filosofia. Por estas e outras sugestes o tratado considerado
utpico, pois no passa de um exerccio terico que supe um indivduo
perfeito (ou um grupo deles), que tenha alcanado todas as virtudes,
testa do governo.
Nada pode ser mais frontal do que a proposta de
Pseudo-Xenofonte. Ao abrir o tratado, a sua viso moral de mundo
delineada (1.1):
Quanto forma de governo dos Atenienses, que escolheram este tipo
de constituio, eu no a aprovo pela seguinte razo: aqueles que a
escolheram optaram por privilegiar a ral ao invs da elite.
Pseudo-Xenofonte tem uma viso poltica oligrquica e acredita na
superioridade dos seus para governar. Mesmo com esta crena bem
enraizada, seu propsito defender a democracia e evidenciar as
vantagens que este modo de governo traz para os Atenienses. Ou
seja, o Velho Oligarca defende uma Constituio que existe e trata
dos seus desdobramentos sociais e polticos na vida quotidiana
ateniense. Mesmo que para isso traia suas prprias crenas
morais.
As incertezas quanto forma do texto, felizmente, no nos impedem
de traar estas e tantas outras aproximaes com escritores que se
debruaram sobre a poltica ateniense dos sculos IV e V a.C. E, e se
no podemos afirmar com certeza a qual gnero literrio
-
A nAturezA dA Constituio dos Atenienses
66 67
pertence a Constituio dos Atenienses, devemos ressaltar a
importncia desta anlise positiva do sistema poltico que ocupa lugar
central na atualidade, a democracia.
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
Constituio dos Atenienses
-
(Pgina deixada propositadamente em branco)
-
Constituio dos Atenienses
70 71
1.1. Quanto forma de governo dos Atenienses, que escolheram este
tipo de constituio, eu no a aprovo pela seguinte razo: aqueles que
a escolheram optaram por privilegiar a ral ao invs da elite. Eis
por que a no aprovo. Mas j que decidiram desta maneira, pretendo
demonstrar como eles conseguem preservar a sua constituio e
resolver os restantes assuntos de Estado, mesmo recebendo a crtica
dos outros gregos.
1.2. Primeiramente, direi o seguinte: legtimo que, em Atenas, os
pobres e o povo recebam mais do que os nobres e os ricos1,
exatamente porque o povo que conduz as naus e confere poder
cidade2;
1 Aristteles diz que a partir das polticas atribudas a Aristides
o Justo, o povo passa a viver em situao confortvel: Concedeu-se,
portanto, multido abundncia de sustento, conforme Aristides havia
proposto; acontecia, de facto, que o rendimento de tributos, de
impostos e dos aliados permitia alimentar mais de vinte mil homens.
(Arist. Ath. 24.3) Ambos os autores concordam que o povo de Atenas
passou a viver melhor e tambm com o motivo desta transferncia de
renda. Para Aristteles, os impostos dos aliados eram a fonte que
propiciava a abundncia de sustento, enquanto que para
Pseudo-Xenofonte o poder naval que confere grandeza cidade. Em
ltima instncia, o poder naval assegurava o pagamento regular dos
impostos dos aliados, portanto ambos autores concordam com a tese
de que o povo ateniense passou a viver em melhores condies em
virtude do domnio martimo.
2 A trajetria do deslocamento da supremacia do poder terrestre
p