UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – FDUFBA METODOLOGIA DA PESQUISA JURÍDICA Gilson Santos Brito Moacir Antônio Oliveira Miranda Ucilene Reis de Jesus Os Direitos Infanto-Juvenis negligenciados: Quais os fatores sócio-jurídicos que determinam que a proposta da diminuição da maioridade penal constitui ultraje aos adolescentes que devem receber apenas medidas sócio-educativas? Salvador – Bahia 2009
Conteúdo do curso de Direito da Universidade Federal da Bahia.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – FDUFBA
METODOLOGIA DA PESQUISA JURÍDICA
Gilson Santos Brito
Moacir Antônio Oliveira Miranda
Ucilene Reis de Jesus
Os Direitos Infanto-Juvenis negligenciados: Quais os fatores sócio-jurídicos que
determinam que a proposta da diminuição da maioridade penal constitui ultraje aos
adolescentes que devem receber apenas medidas sócio-educativas?
Salvador – Bahia
2009
Gilson Santos Brito
Moacir Antônio Oliveira Miranda
Ucilene Reis de Jesus
Os Direitos Infanto-Juvenis negligenciados: Quais os fatores sócio-jurídicos que
determinam que a proposta da diminuição da maioridade penal constitui ultraje aos
adolescentes que devem receber apenas medidas sócio-educativas?
Projeto de Pesquisa apresentado pelos
acadêmicos de Direito Gilson Santos Brito, Moacir
Antônio Oliveira Miranda e Ucilene Reis de Jesus
com objetivo avaliativo do componente curricular
Metodologia da Pesquisa Jurídica – DIR 188 – do
programa de Graduação da Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia – UFBA –,
ministrada pela professora Sara da Nova Quadros
Cortes, Mestre em direito pela UNB.
Salvador – Bahia
2009
RESUMO
Compreender como ocorre a adequação das normas de proteção da Criança e
do Adolescente, indicadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, à realidade metropolitana
é o objetivo principal deste projeto de pesquisa que, de maneira mais abrangente, buscará dar
visibilidade aos motivos da negligência da sociedade perante os Direitos da Infância e
Juventude ao ansiar diminuição da maioridade penal.
Para tanto, adota-se como marco teórico a indicação de Michel Foucault em
sua obra “Vigiar e Punir”1 quando disserta que, no regime de poder disciplinar, a arte de punir
não visa nem a expiação nem mesmo a repressão, sendo necessário diferenciar os indivíduos
em relação uns aos outros ou em função dessa regra de conjunto, analisando em termos de
valor as capacidades, o nível e a “natureza” destes.
Ademais indicamos como ponto de partida também a concepção de Cristina
Borges de Oliveira2 a qual aponta possíveis soluções concretas para reduzir o envolvimento
dos jovens com a violência, sublinhando, demarcadamente, que todas as crianças e
adolescentes são recuperáveis, desde que haja um vínculo com os jovens e um
comprometimento do Estado, família, escola, comunidade e autoridades.
Promover-se-á, dessa forma, com a pesquisa um canal de reflexão em favor do
progresso da conscientização social da prioridade à consideração dos direitos da Criança e do
Adolescente, defendendo a correta aplicação das medidas sócio-educativas aos adolescentes,
conforme expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente, em detrimento da veemente
ânsia popular em diminuir a idade concernente à maioridade penal.
1 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Editora Vozes, 29ª. Ed. Petrópolis, 2004. p. 152. 2 OLIVEIRA, Cristina Borges de. Adolescente em conflito com a lei: a miopia em torno do estatuto da criança e do adolescente. Artigo da Doutoranda em Políticas Publicas e Formação Humana - PPFH/UERJ. Bolsista da FAPERJ. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd113/adolescente-em-conflito-com-a-lei.htm>. Acesso em 23 de novembro de 2009.
SUMÁRIO
1. DEFINIÇÃO DO TEMA-PROBLEMA.................................................................. 04
O início da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990,
marcou o abandono do Direito de Menores – disposto no Código de Menores – e o início da
adoção do chamado Direito da Infância e da Juventude, um sistema de proteção integral.
Assim, eis o que consta no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Tendo em vista esses parâmetros e a realidade do trato com as Crianças e
Adolescentes na região metropolitana de Salvador, questiona-se:
Os princípios mencionados no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente
realmente são aplicados à realidade metropolitana no trato com as Crianças e
Adolescentes em conflito com a lei?
Por que há tanta relevância social e enfoque midiático nas discussões sobre a mudança
da aplicabilidade na lei sancionadora ao propor diminuição da maioridade penal,
buscando suprimir os direitos já existentes para a criança e o adolescente, e os direitos
benéficos assegurados para estes são, diversas vezes, negligenciados pela sociedade?
Como podem ser superados os problemas na aplicabilidade do Estatuto da Criança e do
Adolescente, a exemplo das dificuldades para se programar eficientemente o sistema de
proteção integral ao desenvolvimento e readequação social para as Crianças e
Adolescentes em conflito com a lei?
Diante dessas indagações, chegamos, então, à situação-problema do nosso
projeto de pesquisa: “Os Direitos Infanto-Juvenis negligenciados: Quais os fatores sócio-
jurídicos que determinam que a proposta da diminuição da maioridade penal constitui ultraje
aos adolescentes que devem receber apenas medidas sócio-educativas”?
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2 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS
Embora os direitos infanto-juvenis de proteção integral estejam expressos em
textos legais, a realidade não demonstra que as crianças e adolescentes os têm plenamente
atendidos. Isso porque comumente há, no contexto soteropolitano, situações em que crianças e
adolescentes em conflito com a lei são maltratados, agredidos em abordagens policiais,
tratados com descaso pelas autoridades e, diversas vezes, discriminados com o termo
pejorativo “menores infratores” – quando o correto seria designá-los como “crianças ou
adolescentes em conflito com a lei”.
Ademais, diante de casos nos quais adolescentes são autores ou co-autores de
crimes hediondos, verifica-se um grande clamor público, estimulado pelo sensacionalismo
midiático, almejando uma nova verificação por parte dos integrantes do Poder Legislativo a
respeito do projeto que visa à diminuição da maioridade penal.
Assim, a sociedade, com o intuito de fixar maior severidade às penalidades
infligidas aos adolescentes em conflito com a lei, negligencia a formação psicológica e
intelectual plena que vários destes ainda não detêm e, no caso, não são plenamente
responsáveis pelos seus atos. Ademais, ao invés de almejar a supressão dos direitos que
protegem a Criança e do Adolescente, o correto seria que os direitos de proteção integral,
veementemente menosprezados, fossem devidamente assegurados, como acesso à
escolaridade, cultura, lazer e prática de esportes, por ensejo.
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3 OBJETIVOS DO ESTUDO
3.1 Objetivos Gerais
a) Compreender como os direitos da Criança e do Adolescente escritos no Estatuto da Criança
e do Adolescente se evidenciam no contexto social, explicitando os vestígios do pensamento
deturpado de marginalização anteriormente denotados no Código de Menores;
b) Aclarar que o anseio da sociedade civil em diminuir a idade da maioridade penal vai de
encontro com os direitos da Criança e do Adolescente.
3.2 Objetivos Específicos
a) Identificar, na contemporaneidade, se parâmetros normativos existentes são suficientes para
realizar re-adequação e re-inserção social daquelas crianças e adolescentes que infringiram a
lei;
b) Caso essa resposta seja negativa, explicitar o porquê que a redução da maioridade penal
não ocasionaria melhorias substanciais ao trato com os adolescentes imersos nessa situação;
c) Expressar que as crianças e adolescentes em conflito com a lei são recuperáveis, desde que
haja um comprometimento do Estado, família, escola, comunidade e autoridades;
d) Outros objetivos específicos que demonstrarem deter relevância no ínterim do projeto.
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4 JUSTIFICATIVA
A escolha do tema acerca do trato com Crianças e Adolescentes no âmbito da
sociedade baiana decorreu da observação de que a violência contra crianças e adolescentes
não ocorre apenas nos órgãos do Estado. No seio da família e da sociedade metropolitana,
baiana, brasileira, ou mesmo mundial, são múltiplas as suas manifestações.
Extermínio, exploração sexual, maus-tratos, abandono, prostituição, o tráfico
internacional e os desaparecimentos, a fome, trabalho penoso, torturas e prisões arbitrárias
podem ser facilmente perceptíveis no contexto de convivência de milhares de crianças e
adolescentes no âmbito mundial. Nesse sentido, atendo-se à condição brasileira, Cristina
Borges de Oliveira3 expõe:
Adolescentes assaltando em sinais de trânsito; portando arma de fogo; servindo de soldados para o tráfico de drogas; se prostituindo, crianças e adolescentes abaixo da linha de pobreza, que sofrem maus tratos e abandono, sem perspectiva nenhuma de futuro e que vivem num mundo cujos valores éticos estão mais próximos da barbárie do que da civilização. Este é o paradoxo: a sociedade atual ter tudo para ser civilizada e ainda assim, pratica a barbárie. Estas ainda são manchetes, infelizmente, comuns nos noticiários brasileiros. Daí o índice de assassinatos de jovens ser muito alto em relação à média nacional. Para muitos adolescentes, o caminho é sem volta!
Apesar do Estatuto da Criança e do Adolescente ser considerado
internacionalmente avançado em termos de direitos humanos porque acolhe os princípios de
organizações mundiais de proteção à infância e adolescência, seus conceitos não são
plenamente vislumbrados na realidade da aplicação do Direito e do trato com as crianças e
adolescentes no âmbito social.
Destarte, focalizando a abordagem na cidade de Salvador-BA, é claramente
perceptível um abismo entre a realidade concreta, vivenciada pelas crianças e adolescentes no
ínterim soteropolitano, e as normas indicadas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim, na maioria das vezes, as proposições expressas na lei figuram apenas como
formulações repletas de abstração.
Atentando-se com enfoque ainda mais apurado no que se refere ao adolescente
em conflito com a lei, a situação revela-se, sobretudo, caótica. Ao perceber uma prática de
delitos ocorre freqüentemente uma desqualificação dos adolescentes, como se eles deixassem
3 OLIVEIRA, Cristina Borges de. Adolescente em conflito com a lei: a miopia em torno do estatuto da criança e do adolescente. Artigo da Doutoranda em
Políticas Publicas e Formação Humana - PPFH/UERJ. Bolsista da FAPERJ. Disponível em <http://www.efdeportes.com/efd113/adolescente-em-conflito-com-a-lei.htm>. Acesso em 23 de novembro de 2009.
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de ser sujeitos de direitos. É interessante realçar que os adolescentes em conflito com a lei não
deixam de ter cidadania, mesmo que integrem essa categoria denominada “delinqüência
juvenil”. A sociedade é rápida em reações e sentimentos hostis repletos de emotividade com
inspiração no sensacionalismo propagado pela mídia televisiva, mas os cidadãos não analisam
adequadamente o contexto sócio-econômico, político e cultural em que vivem os jovens em
conflito com a lei para ter a clara concepção que, diversas vezes, são instigados ao crime por
não terem seus direitos de proteção integral atendidos como deveriam. Usualmente, essas
reações sociais são imediatistas, expressando a ânsia veemente de excluir o menor do
convívio social, vendo-o como plenamente dotado de razão para distinguir os seus atos, pois
teve toda a capacidade de realizar o crime.
O correto seria que os direitos da criança e do adolescente fossem plenamente
atendidos e cumpridos, com absoluta prioridade. Afinal, a Constituição Federal de 1988
aclara:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
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5 HIPÓTESE
Não é suficiente unicamente a existência da Constituição, da Convenção
Internacional e do Estatuto da Criança e do Adolescente para que sejam plenamente
assegurados o reconhecimento, a observância e a efetividade dos Direitos Infanto-juvenis.
Isso porque a realidade não muda unicamente com a vigência de uma nova lei, mas com
atitudes diárias no seio social por parte do conjunto de cidadãos que estão sob a lei vigente.
Para possibilitar uma melhor intervenção na tarefa de garantir a proteção integral às crianças e
adolescentes, distanciando-os da vida do crime e, conseqüentemente, prevenindo que eles
cometam delitos e tornem-se “crianças e adolescentes em conflito com a lei”, é preciso
compartilhar iniciativas, estratégias, ações públicas e comunitárias.
Ademais, um trabalho sócio-educativo intenso com os adolescentes infratores é
mais eficaz para a recuperação dos mesmos do que o confinamento numa cadeia. Nesse
sentido, a redução da idade da responsabilidade penal não contribuiria com o intuito de
combate à violência, pois o indivíduo ainda não plenamente apto a distinguir e ponderar
adequadamente os seus atos terá contato com presidiários violentos, aprendendo e absorvendo
deles, diariamente, atitudes de ódio e rancor ao sistema penitenciário e à lei.
A preponderante necessidade é seguir adequadamente os direitos de proteção
integral assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, oferecendo aos menores as
condições para a formação psicológica de uma vida digna, e não o ensejo de tratá-los com
maior severidade ao praticar atos infracionais, levando-os à prisão.
É deveras necessário que a sociedade se mobilize e que permanentemente
almeja assegurar, na prática, os direitos legalmente previstos, enfrentando os obstáculos que
obstam a garantia da proteção integral para as crianças e adolescentes, entre eles o descaso, o
comodismo e a negligência com a observância de seus direitos expressos no Estatuto da
Criança e do Adolescente.
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6 VARIÁVEIS E INDICADORES
A disposição normativa do Estatuto da Criança e do Adolescente e a efetiva
aplicação destes mesmos conceitos aos adolescentes que cumprem concretamente as medidas
sócio-educativas – os menores em conflito com a lei – apresenta-se como variáveis principais
ou independentes deste projeto de pesquisa. A variável dependente ansiada é a análise do
desrespeito a esses mesmos direitos ao perceber que a sociedade almeja a diminuição da
maioridade penal sem atentar-se à compreensão dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Estarão sendo adotados como indicadores os dados provenientes da percepção duma situação
de negligência com os Direitos da Criança e do Adolescente expressos no Estatuto da Criança
e do Adolescente a ser constatada a partir da entrevista com adolescentes que cumprem
medidas sócio-educativas.
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7 REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O ASSUNTO
O presente projeto de pesquisa apresenta algumas questões para reflexão e
debate sobre a noção de que a participação popular, refletida pelo envolvimento dos
movimentos sociais que representam a sociedade civil, é capaz de propor mudanças profundas
no que se refere aos direitos infanto-juvenis e a sua adequação à realidade.
O Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu a partir da necessidade de um
re-ordenamento jurídico no Brasil, tão logo que o Código de Menores não era mais
compatível com os princípios da Constituição Federal de 1988, e da Convenção Internacional
dos Direitos da Criança, de 1989, da qual o País é signatário.
A Lei nº.8069/1990 revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, adotando a
doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Essa doutrina tem como
referência a proteção de todos os direitos infanto-juvenis, que compreendem, ainda, um
conjunto de instrumentos jurídicos de caráter nacional e internacional, colocados à disposição
de crianças e adolescentes para a proteção de todos os seus direitos.
A citada doutrina, baseada na total proteção dos direitos infanto-juvenis, tem
seu alicerce jurídico e social na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança,
adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, no dia 20-11-1989. O Brasil adotou o
texto, em sua totalidade, pelo Decreto nº 99.710, de 2-11-1990, após ser retificado pelo
Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 28, de 14-9-1990).
Essa doutrina vigora entre nós depois de ter sua semente nos movimentos
internacionais de proteção à infância, materializados em tratados e convenções,
especialmente: a) Convenção sobre os Direitos da Criança; b) Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing); c) Regras Mínimas das
Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade; e d) Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).
A doutrina da proteção integral assegura um direito universal às crianças e
adolescentes e esse direito não deve e não pode ser exclusivo de uma categoria de menor,
classificado como carente, abandonado ou infrator, mas deve dirigir-se a todas as crianças e
todos os adolescentes, sem distinção.
Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, o termo “menor”
deixou de ser utilizado. A legislação anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente – o
Código de Menores, lei 6.697/1979 – tinha um caráter que associava discriminadamente a
pobreza à "delinqüência" e encobria as reais causas das dificuldades vivenciadas pelas
12
crianças e adolescentes, tais como a desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. As
crianças de baixa renda eram consideradas inferiores e deveriam ser tuteladas pelo Estado.
Assim, havia ainda uma idéia errônea de que os mais pobres tivessem um "inevitável
condicionamento comportamental devido ao contexto social", almejando, inevitavelmente, a
desordem, e não tendo possibilidades de adaptação à vida em sociedade. Isso justificava o uso
dos aparelhos repressivos como instrumentos de controle pelo Estado brasileiro.
A doutrina da proteção integral, como lembra Antônio Carlos Gomes da
Costa4,
[...] afirma o valor intrínseco da criança como ser humano, a necessidade de especial respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento; o valor prospectivo da Infância e da Juventude, como portadora da continuidade do seu povo e da espécie e o reconhecimento da sua vulnerabilidade, o que torna as crianças e adolescentes merecedoras de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, o qual deverá atuar através de políticas específicas para promoção e defesa de seus direitos.
A partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, passou a se usar, no lugar do
termo "menor", as denominações "criança" e "adolescente" a fim de generalizar, evitando,
outrossim, a noção deturpada de marginalização causada pelo termo anteriormente ensejado.
Está expresso no Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 103, que a
conduta descrita como crime ou contravenção penal, quando praticada por criança ou
adolescente, é denominada “ato infracional”. Será, então, da competência do juízo civil, o
qual julgará pautado no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A norma firmada no art. 228 da Constituição Federal de 1988 indica que “são
penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
Nesse sentido, é interessante indicar que a inimputabilidade abaixo dos 18 anos de idade
levanta polêmica e divide opiniões. Nesse sentido, algumas pessoas expressam que ela
deveria ser reduzida para 16 anos, tendo em vista a já conquista do direito político de votar,
expresso no art. 14 § 1º, II, “C”, da Constituição Federal de 1988:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular. § 1º. O alistamento eleitoral e o voto são: [...] II. Facultativos para: [...] c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
4 GOMES DA COSTA, Antônio Carlos. In: CURY, Munir, AMARAL e SILVA, Antônio Fernando do, MENDEZ, Emilio García (Coords.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais, p.19.
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Contudo o Código Penal, no art. 23, manteve o projeto da inimputabilidade
penal ao menor de 18 anos de idade. A Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984, indica
no Art. 27 do Código Penal – Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –, que "Os
menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas
estabelecidas na legislação especial". Nesse sentido, Rogério Greco5 em sua obra “Curso de
Direito Penal – Parte Geral”, aclara que “uma vez completados 18 anos, o agente torna-se
imputável6, podendo-se atribuir-lhe uma sanção de natureza penal. Assim, no primeiro minuto
da data de seu aniversário, independentemente da hora em que nasceu, o agente adquire a
maioridade penal com todas as implicações dela decorrentes”.
A título de curiosidade, segundo a revista Aventuras na História7, na época do
Brasil-colônia, crianças de até 7 anos já eram maiores de idade. Assim, percebe-se que essa
idéia de qual seria a idade congruente para fixar a maioridade penal muda conforme o tempo e
a cultura:
Ser maior de idade aos 18 anos é uma tradição recente no direito brasileiro. Ao longo do tempo, a maioridade mudou diversas vezes. O primeiro Código Penal, de 1830, por exemplo, estabelecia a idade de 14 anos para que alguém fosse julgado. Já o menor de 14 podia ser recolhido à “casa de correção”, uma espécie de Febem da época. Depois, o código de 1890 chegou a reduzir a maioridade para 9 anos. O último, elaborado em 1940 e em vigor até hoje, passou para os 18 anos. Nada se compara, entretanto, à época do Brasil colônia, quando estavam em vigência as Ordenações Filipinas, as mesmas de Portugal (as Ordenações eram o conjunto de leis em que as penas para diversos crimes estavam estabelecidas). A maioridade se dava aos 7 anos. A partir daí, crianças e jovens eram severamente punidos, sem muita diferença em relação aos adultos – isso quer dizer que podiam ser até condenados à morte. Outras penas, consideradas “leves”, eram dadas publicamente, como parte do interrogatório. Caso, por exemplo, da aplicação de chicotadas, que faziam o sangue escorrer no primeiro golpe.
Assim, almejar o combate à violência com a redução da idade da
responsabilidade penal revela-se um ato prejudicial, haja vista que não é possível estabelecer
uma idade plenamente correta para a ratificação, pois a noção de desenvolvimento intelectual
varia entre os indivíduos de acordo com diversos fatores. Mais uma vez demonstra-se que a
adoção de melhorias substanciais no trabalho sócio-educativo é mais eficaz do que o
5 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte geral / Rogério Greco. – 11. Ed. Rio de Janeiro : Impetus, 2009. 824 p.400.
6 Imputabilidade, para Greco, seria “a possibilidade de se responsabilizar alguém pela prática de determinado fato previsto pela lei penal. Para tanto, teria
o agente de possuir condições para entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Assim, deveria estar no pleno gozo de suas faculdades mentais para que pudesse atuar conforme o direito. 7 FEIJÓ, Bruno Vieira. VOCÊ SABIA? Na época colonial, crianças de 7 anos já eram maiores de idade. Aventuras na História. Disponível em
<http://historia.abril.com.br/cultura/epoca-colonial-criancas-7-anos-ja-eram-maiores-idade-435291.shtml>. Acesso em 16 de novembro de 2009.
14
confinamento do adolescente em conflito com a lei numa cadeia, ocasião esta na qual o
indivíduo ainda não plenamente apto a distinguir e ponderar adequadamente os seus atos terá
contato com presidiários violentos, aprendendo e absorvendo deles, diariamente, atitudes de
ódio e rancor ao sistema penitenciário e à lei.
A prisão de adolescentes também pode infringir o princípio da humanidade do
Direito Penal, o qual, segundo Cezar Roberto Bitencourt8 em sua obra “Tratado de Direito
Penal”, sustenta que “o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a
dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados”.
Destarte, condenar um adolescente em formação psicológica a coabitar com indivíduos de
mau caráter, em sua maioria, num ambiente fétido, infecto e repleto de privações pode
acarretar distorções irreparáveis em seu comportamento social na vida adulta.
Jock Young9, em sua obra “Sociedade Excludente”, explica que o aumento da
criminalidade resulta num aumento da população encarcerada. Como exemplo ele cita a
situação estadunidense: Nos Estados Unidos, os presos constituem uma população excluída
significativa: cerca de 1,6 milhão de pessoas estão presas – uma cidade do tamanho da
Filadélfia, se fossem todas reunidas no mesmo lugar. Ora, se o aumento da criminalidade traz
essa realidade, então o aumento do rol de indivíduos – maiores de 16 e menores de 18 anos,
caso a menoridade penal seja reduzida para 16 anos – decerto incrementaria ainda mais o
contingente de presidiários no contexto brasileiro, o qual, diga-se de passagem, é muito mais
deficiente e enfrenta maior superlotação do que o dos Estados Unidos da América.
Os adolescentes não deveriam ser levados para locais tão repugnantes quanto a
Casa de Detenção retratada no documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro"10
, porque
senão haveria negligência ante os princípios de proteção da Infância e Juventude. Esse filme
foi realizado por uma equipe mista composta de profissionais de cinema e detentos da Casa de
Detenção de São Paulo, como resultado de um curso de vídeo ministrado naquele
estabelecimento prisional. Os presos demonstrados neste documentário – assassinos,
estupradores, ladrões, entre outros – estão em celas com situações precárias, faltam
medicamentos, o uso de drogas é comum, além de que a violência encontra-se presente em
diversos trechos. Ou seja, os detentos vivem em condições sub-humanas.
É também interessante analisar que já não é suficiente excluir os delinqüentes
da sociedade, mas é imprescindível rever o próprio conceito de encarceramento como forma
8 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal : parte geral, volume 1 / Cezar Roberto Bitencourt. – 10. Ed. – São Paulo : Saraiva, 2006. p.21.
9 YOUNG, Jock. A sociedade excludente: exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Tradução de Renato Aguiar – Rio de
Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p.37-38. 10
SACRAMENTO, Paulo. Prisioneiro da Grade de Ferro (Autoretratos). São Paulo, Brasil, 2003. 123 min
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de recuperação do cidadão e de prevenção do crime. No entanto, apesar de todos os
inumeráveis esforços que têm o ensejo de melhorar a situação do sistema penitenciário, a
situação lastimável persevera agravando-se, algo explicitado no documentário através de
entrevistas com ex-diretores do presídio e outras autoridades competentes do poder Estatal.
Além disso, outro fato que impede a diminuição da menoridade penal está
atrelado à lastimável estrutura dos presídios e penitenciárias brasileiras. Assim, se os presos
adultos já as superlotam demasiadamente, como então almejar inserir ali mais indivíduos com
idade entre 16 e 18 anos (supondo que a idade fixada para a maioridade penal diminuísse para
16 anos de idade, por ensejo)?
Nesse sentido, Edmundo Campos Coelho11
, em sua obra, “A Oficina do
Diabo”, por exemplo, denota que qualquer observador que adentrar, numa breve visita, às
unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro, decerto perceberá indicações seguras de
deterioração física do sistema. O aspecto preliminar das instalações e dependências, nesse
sentido, já revela o descaso e abandono no qual têm permanecido usualmente. Destarte, há
celas deterioradas, com infiltrações que acarretam problemas no período chuvoso, alguns
detentos não têm uniformes, há escassez de produtos básicos de higiene pessoal, roupas de
cama e até de colchões.
Em sua obra “As Prisões da Miséria”, Loïc Wacquant12
indica que a doutrina
da “tolerância zero”, instrumento de legitimação da gestão policial e judiciária da pobreza que
incomoda propagou-se através do globo a uma velocidade alucinante. Essa doutrina causa
incidentes e desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação
de insegurança, ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência. Assim, a veemência
de infligir mais sanções aos adolescentes em formação para aliviar o anseio social de busca de
segurança demonstra-se uma atitude impensada, irracional, haja vista que, na verdade, os
adolescentes necessitam mesmo é de apoio psicossocial para que possam retornar ao convívio
harmônico com a sociedade. Além disso, pela sua fragilidade psicológica, diversos
adolescentes não compreenderão plenamente o significado de estarem trancafiadas num
espaço doentio com vários detentos, passando a adotar os maus aconselhamentos que os seus
“companheiros” de cela, decerto, lhes ministrarão.
Os conceitos deturpados acerca das injustiças sociais e de serem indivíduos de
má-sorte, devendo ser mesmo bandidos, será imputado aos jovens que adentrarem no âmbito
11
COELHO, Edmundo Campos (1939-2001). A Oficina do Diabo e Outros Estudos sobre Criminalidade/ Edmundo Campos Coelho – Organização de
Magda Prates Coelho – Introdução de L. A. Machado da Silva. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 71-72. 12
WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Tradução de André Telles, Zahar Ed. Rio de Janeiro, 2001, p.30.
16
das penitenciárias e presídios com idade inferior à formação psicológica plena, por intermédio
dos demais infratores da lei que tiverem mais idade – e, provavelmente, mais experiência no
mundo do crime. Nesse sentido há, no documentário “O Prisioneiro da Grade de Ferro”13
, um
trecho no qual alguns presos estão embalando maconha para venda e, simultaneamente,
reclamando das atitudes excludentes do Estado, dizendo que se o Estado tivesse oferecido
oportunidade deles trabalharem numa oficina eles não estariam ali, naquela condição
lastimável. Dizem que é aquela a condição que o Estado quer para eles: a marginalidade
mesmo.
“O mundo da prisão é, antes de mais nada, um mundo complexo”, afirma Julita
Lemgruber14
em sua obra “Cemitério dos Vivos”. Nesse sentido ela indica que a solidariedade
denota-se ausente, algo também incitado pela administração da penitenciária, que não almeja
que ela ocorra. Só que, mesmo que tal solidariedade indicada por Julita Lemgruber esteja
ausente, há ali uma união entre presos – mesmo que desleal – com o fim de almejar segurança
e auxílio em diversos momentos da realidade da cadeia. Os infratores jovens poderão servir de
subordinados aos presos mais velhos, em troca de proteção na cadeia contra agressões de
outros presidiários violentos, por exemplo, o que indica a possibilidade deles absorverem
maus comportamentos por conviver rotineiramente com péssimas companhias.
Um dos pontos mais controversos da legislação sobre menores infratores prevê
que, seja qual for o delito cometido, o culpado permanecerá interno na Fundação Casa –
termo que substituiu o anterior “Febem” – por, no máximo, três anos (ou até completar 21
anos). Essa restrição pode ser vislumbrada como uma possibilidade alarmante de estímulo à
criminalidade na participação dos menores em quadrilhas de bandidos. Isso porque oferece a
possibilidade das quadrilhas imputarem a culpa de todos os seus crimes ao integrante menor
de idade, pois sabem de antemão que a resposta estatal à conduta infracional será muito mais
branda a este.
Mesmo assim não se pode colocar um adolescente numa prisão, pois a
possibilidade dele sair um criminoso mais violento do que entrou é intensa. Isso também é
indicado em “Depois das Grades – Um reflexo da cultura prisional em indivíduos libertos”,
artigo de Mariana Leonesy da Silveira Barreto15
, a qual diz que além da grande chance de o
interno tornar-se mais violento a partir da sua experiência no complexo carcerário, ele ainda
13
SACRAMENTO, Paulo. Prisioneiro da Grade de Ferro (Autoretratos). São Paulo, Brasil, 2003. 123 min 14
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres/ Julita Lemgruber, 1945. – 2ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense,
1999, p. 92. 15
BARRETO, Mariana Leonesy da Silveira. Depois das Grades – Um reflexo da cultura prisional em indivíduos libertos. Psicologia, Ciência e Profissão,
2006, 26 (4), 582-593. Disponível em <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/pcp/v26n4/v26n4a06.pdf> - Acesso em 13 de novembro de 2009.p. 586-587.
17
vivencia opressões morais após a sua libertação, sendo que a própria identidade passa a ser
constituída a partir da concepção de ex-presidiário. Esse último fato mencionado oferece ao
egresso a lastimável dificuldade em desempenhar papéis sociais, sendo que a sociedade tende
a excluir aquele que já fora excluído, o que aumenta ainda mais a probabilidade de
reincidência do crime.
No caso das crianças – que o Estatuto da Criança e do Adolescente define
como a pessoa até os 12 anos de idade – serão encaminhadas ao Conselho Tutelar e estará
sujeito às medidas de proteção previstas no art.101 caso pratiquem algum ato infracional,
conforme trecho seguinte da legislação:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) [...]
Já o adolescente – entre 12 e 18 anos de idade – estará, na ocasião, sujeito a
processo legal, podendo ser indicado à realização de uma medida denominada Medida Sócio-
Educativa.
A título de curiosidade, nas sociedades indígenas, é comum que o indivíduo
seja considerado adulto e responsável pelos próprios atos assim que atinge o pleno
desenvolvimento físico. Nesse sentido, os xavantes16
, por exemplo, realizam os rituais de
passagem por volta dos 15 anos. Nessa idade, meninos e meninas já estão prontos para casar-
se, ter filhos e sustentar a casa.
16
Os xavantes são um grupo indígena que habita o leste do estado brasileiro do Mato Grosso, mais precisamente nas reservas indígenas de Areões,
Marechal Rondon, Parabubure, Pimentel Barbosa, São Marcos, Áreas Indígenas Areões I, Areões II, Maraiwatsede, Sangradouro/Volta Grande, Terras Indígenas Chão Preto, Ubawawe, bem como o Noroeste de Goiás, nas Colônias Indígenas Carretão I e Carretão II. Se auto denominam A'wê Uptabi, que quer dizer "gente verdadeira".
18
No ensejo indica-se a situação judicial da criança e adolescente no campo do
Direito Civil: aqui o menor de 16 anos detém incapacidade absoluta automática, sendo
dispensada a necessidade de interdição. É o grau máximo de incapacidade. Isso porque,
segundo Pablo Stolze17
, “abaixo deste limite etário, o legislador considera que a pessoa é
inteiramente imatura para atuar na órbita do direito”. Essa situação se verifica porque, devido
à idade, os indivíduos não atingiram o discernimento para distinguir o que podem ou não
fazer, ou seja, a diferenciação do que lhes é conveniente ou prejudicial. Destarte, para a
validade dos seus atos, demonstra-se necessário que estejam representados por seu pai, por
sua mãe, ou por tutor.
Ademais, no espaço intermediário entre a absoluta incapacidade e a plena
capacidade civil, figuram indivíduos que não têm total capacidade de discernimento e auto-
determinação. Estes são os relativamente incapazes. Assim, Stolze indica que, no Novo
Código Civil, está expresso uma de suas mais importantes modificações no fato de que a faixa
etária que abrange a incapacidade relativa foi alterada. Assim, no Código de 1916
compreendia os maiores de 16 e os menores de 21 anos. Consoante a diretriz do Código de
2002, o limite etário máximo foi reduzido para 18 anos enquanto o limite etário mínimo
permaneceu aos 16 anos de idade. Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano18
assevera:
A partir do Novo Código, a maioridade civil será atingida aos dezoito anos, seguindo uma tendência já firmada em nossa sociedade, no sentido de chamar os jovens à responsabilidade mais precocemente, igualando-a, nesse aspecto, à maioridade criminal e trabalhista. Registre-se, porém, que não há nenhuma correlação obrigatória entre a maioridade civil e a imputabilidade penal. A coincidência do marco temporal dos 18 anos é acidental, constituindo muito mais uma exceção do que uma regra na história jurídica do Brasil (o Código Criminal do Império de 1830, por exemplo, fixava a responsabilidade em 14 anos).
O referido autor, destarte, inclui sua observação de que não há relação qualquer
das atenuantes ligadas aos critérios etários com a idade de capacidade civil, havendo maior
relação com a sua própria formação psicológica.
A incapacidade relativa refere-se àqueles que podem praticar por si mesmos
atos da vida civil, contudo devem estar assistido por que o direito responsabiliza por esse
ofício, seja em razão de parentesco, de relação de ordem civil ou de designação judicial, sob
17
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume I: Parte Geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. - 11. ed. - São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 90. 18
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume I: Parte Geral / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho. - 11. ed. - São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 94.
19
pena de anulabilidade do ato (CC, art. 171, 1), a partir duma possível iniciativa do lesado,
havendo até hipóteses em que tal ato poderá ser confirmado ou ratificado. Mesmo assim,
alguns atos podem ser praticados, sem autorização, pelo relativamente incapaz.
20
8 METODOLOGIA
8.1 Marco Teórico
Michel Foucault19
, em sua obra “Vigiar e Punir”, indica que, no poder
disciplinar, a punição não visa nem a expiação nem mesmo a repressão, mas põe em
funcionamento cinco operações distintas, conforme aclara o autor: “relacionar os atos, os
desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campo
de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir”. Destarte, é
necessário diferenciar os indivíduos entre si e com o parâmetro dessa regra de conjunto, a
qual deve ter uma base mínima e um ideal ótimo ao qual deve-se almejar. Ademais, Foucault,
em sua obra, indica a necessidade de “Medir em termos quantitativos e hierarquizar em
termos de valor as capacidades, o nível, a „natureza‟ dos indivíduos”.
A partir desse enfoque, pode-se perceber que constitui uma incongruência
colocar, numa mesma situação prisional pessoas com desenvolvimento intelectual pleno e
outras que não detém essa qualificação. Ou seja, adolescentes que estiverem em conflito com
a lei não seriam justamente sancionados se estiverem presos no mesmo sistema dos adultos,
os quais, por sua vez, são dotados de plena capacidade intelectual e psicológica.
É preciso compreender que os jovens detêm as suas peculiaridades intrínsecas
à condição de não-dotados plenamente de livre arbítrio, pois, nessa idade, ainda não
conseguem distinguir plenamente o teor de suas atitudes. Assim, os menores em conflito com
a lei devem permanecer no regime proposto pelo Direito da Criança e do Adolescente, ou
seja, com a medida que almeja reestruturar o adolescente, para atingir a normalidade da
integração social.
Nesse sentido, Foucault não indica que a ânsia social gerada pela emotividade
diante de crimes bárbaros e o sensacionalismo televisivo não são critérios para diferenciação
da punição, indicando que somente aqueles menores que cometerem crime hediondo – ou de
maior repercussão nacional – deverão ir para prisão e os que cometerem outros crimes serão
encaminhados para cumprimento de medidas sócio-educativas.
19
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir – Nascimento da Prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. Editora Vozes, 29ª. Ed. Petrópolis, 2004. p.152.
21
8.2 Procedimentos Metodológicos
Considerando a complexidade do tema, que envolve questões políticas, sociais,
educacionais, penais, criminalistas, antigas e ao mesmo tempo tão atuais, percebe-se que a
pesquisa está inserida no setor interdisciplinar de conhecimento. Há uma articulação entre
disciplinas, no todo ou em parte de seus conteúdos, como Direito Constitucional, Direito
Penal, Direito Civil, Direito da Criança e do Adolescente, Psicologia Criminal e Sociologia
Jurídica, exigida pelo próprio objeto de estudo.
A pesquisa pertence a vertente jurídico-sociológica, pois entendemos que o
direito deve atuar em função da sociedade, ou seja, de todos os cidadãos considerados e
respeitados dentro de suas individualidades, devendo o Estado, através do Direito, valer-se de
seus institutos para promover uma efetiva aplicação das regras e dos princípios jurídicos
adequados às demandas de todos as classes sociais. Destarte, as demandas sociais das crianças
e dos adolescentes em busca da efetivação dos seus direitos descritos na legislação, sobretudo
na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente, outrossim, devem ser foco de
atenção.
Adotamos como processo de estudo o sócio-jurídico, pois o propósito da
pesquisa é verificar a omissão da sociedade metropolitana para com os direitos expressos na
Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente, levantando a relação
desse tema com noções como descaso com os direitos infanto-juvenis e a polêmica da
maioridade penal. Ademais, o intuito não é apenas descrever o fenômeno, mas compreendê-lo
adequadamente.
A escolha do grau de generalização dos resultados por amostragem justifica-se
pelo fato de que o desrespeito aos direitos do adolescente ao ansiar a diminuição da idade a
serem considerados aptos a penalidades semelhantes àquelas aplicadas a adultos ser apenas
uma parcela do universo de negligências à correta aplicação dos direitos assegurados aos
menores no texto escrito do Estatuto da Criança e do Adolescente, o que tornaria, o tema
muito abrangente e de difícil investigação. Ainda assim, será analisada a amostragem da
região metropolitana de Salvador-BA. Ademais, a amostragem é do tipo estratificada, por
gênero, raça, renda, escolaridade. As estratégias (técnicas) e os procedimentos assumidos são:
pesquisas de campo e teórica, aplicação de questionário, entrevistas, coleta e análise de
documentos e legislações.
22
8.3 Natureza dos Dados
Quanto à natureza dos dados da pesquisa, apresentamos dados primários e
secundários.
São dados primários a abordagem dada ao objeto de estudo pela Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990) e pelo Código Penal (Decreto-lei n. 2.848 de 1940), além das
Leis nº 6.697/1979 (Código de Menores, atualmente revogado), livros, artigos e entrevistas
com menores que cumprem medidas sócio-educativas na região metropolitana de Salvador.
Como fontes secundárias pode-se mencionar aquelas nas quais há o reprocesso
das informações de primeira mão: resumos e listas de referências. Ainda assim, como fontes
terciárias, pode-se incluir documentos que compendiam nomes e títulos de outras publicações,
nomes de boletins, sendo que a fonte terciária reúne as fontes de segunda mão.
23
9 FASES DA PESQUISA
FASE I: Conhecimento do objeto de estudo e redefinição da investigação
Aprofundar-se analisando legislações e pesquisas bibliográficas;
Pormenorizar o plano de pesquisa;
Organizar o plano de estudo para melhor aproveitamento do tempo;
Elaborar levantamento bibliográfico;
Analisar a literatura especializada a respeito das discussões sobre aplicabilidade dos
direitos da criança e adolescente aos casos judiciais.
Discussão com a orientadora e entre o trio para análise em profundidade do objeto de
pesquisa.
FASE II: Investigação, interpretação e qualificação do marco teórico do estudo
Organizar e agrupar os dados bibliográficos conquistados na fase anterior;
Iniciar uma Análise crítico-interpretativa e qualificar os elementos que serão aprofundados
na pesquisa;
Aprofundar-se na análise do marco teórico;
Ratificar uma confirmação ou mesmo refutação da hipótese levantada inicialmente na
pesquisa;
Realizar entrevistas, questionário – ver no apêndice – e conversas informais com menores
que realizam medidas sócio-educativas na região metropolitana de Salvador;
Discussão com a orientadora.
FASE III: Discussão e revisão de textos
Revisar o conteúdo checando a adequação com as proposições iniciais;
Iniciar uma prévia redação da dissertação;
Discutir o texto preliminar com a orientadora.
24
FASE IV: Redação do relatório final da pesquisa e divulgação dos resultados obtidos
Discussão com a orientadora;
Sintetizar a redação final do texto;
Revisar a dissertação e averiguar sua edição final;
Entregar o texto para que seja analisado pela orientadora.
FASE V: Aprofundamento no tema e pesquisa de campo detalhada
Elaboração do relatório final em fase definitiva.
25
10 CRONOGRAMA FÍSICO
ETAPAS/ ATIVIDADES 2009
2ºsem
2010
1ºsem
2010
2ºsem
2011
1ºsem
Fase 1 – “Conhecimento do objeto de estudo e redefinição
da investigação”
Aprofundar-se analisando legislações e pesquisas
bibliográficas;
Pormenorizar o plano de pesquisa;
Organizar o plano de estudo para melhor
aproveitamento do tempo;
Elaborar levantamento bibliográfico;
Analisar a literatura especializada a respeito das
discussões sobre aplicabilidade dos direitos da
criança e adolescente aos casos judiciais.
Discussão com a orientadora e entre o trio para
análise em profundidade do objeto de pesquisa.
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
Fase 2 – “Investigação, interpretação e qualificação
do marco teórico do estudo”
Organizar e agrupar os dados bibliográficos
conquistados na fase anterior;
Iniciar uma Análise crítico-interpretativa e
qualificar os elementos que serão aprofundados
na pesquisa;
Aprofundar-se na análise do marco teórico;
Ratificar uma confirmação ou mesmo refutação
da hipótese levantada inicialmente na pesquisa;
Realizar entrevistas, questionário – ver no
apêndice – e conversas informais com menores
que realizam medidas sócio-educativas na região
metropolitana de Salvador;
Discussão com a orientadora.
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
Fase 3- “Discussão e revisão de textos”
Revisar o conteúdo checando a adequação com
as proposições iniciais;
Iniciar uma prévia redação da dissertação;
Discutir o texto preliminar com a orientadora.
xx
xx xx
xx
xx
xx
Fase 4- “Redação do relatório final da pesquisa e
divulgação dos resultados obtidos”
Discussão com a orientadora;
Sintetizar a redação final do texto;
Revisar a dissertação e averiguar sua edição
final;
Entregar o texto para que seja analisado pela
orientadora.
xx xx
xx
xx
xx
xx
xx
xx
Fase 5- “Aprofundamento no tema e pesquisa de
campo detalhada”
Elaboração do relatório final em fase definitiva
xx
26
11 CRONOGRAMA FINANCEIRO
PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA
RESUMO
Itens de despesa Valor em R$
II - Aquisição de livros para elaboração da pesquisa 2000,00
III - Despesas com telefonia, comunicação, acesso à Internet 500,00
IV - Despesas de transporte urbano 50,00
V - Serviços de fotocópia e impressão de materiais didáticos 50,00
Q. 14. No caso de, na questão 09 ser escolhida a opção 03, questiona-se:
Em que local você cumpre a sua medida sócio-educativa de prestação
de serviços à comunidade?
1. O Escola
2. O Órgão Público
3. O Empresa
4. O Organizações não-governamentais
5. O Sindicatos
6. O Outros
36
Q. 15. Qual são suas atribuições? _______________________________________
Q. 16. Você já sofreu discriminação no ensejo de realização de sua
obrigação de cumprimento da medida sócio-educativa?
1. O Sim
2. O Não
Q. 17. Qual foi a sua reação?
______________________________________
Q. 18. Você procurou ajuda?
1. O Sim
2. O Não
Q. 19. Houve denúncia?
1. O Sim
2. O Não
Q. 20. Você continuou no cumprimento da medida?
1. O Sim
2. O Não
Q. 21. Como você avalia a contribuição da medida sócio-educativa
para a sua readequação à sociedade?
1. O Excelente
2. O Boa
3. O Regular
4. O Fraca
5. O Péssima
37
15 ANEXOS
ANEXO I – RELATO DA ENTREVISTA COM A SUBGERENTE DA CENTRAL DE
MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS EM MEIO ABERTO
ALMEIDA, Daiana Silva; JESUS, Ucilene Reis de; MARQUES, Monique Alves; SANTOS, Jamile Almeida dos; SANTOS, Rogério Reis dos; SILVA, Leandro Bomfim Batista. Criança e Adolescente em Conflito com a Lei: Medidas Sócio-Educativas no Estado da Bahia. In: Relatório de Pesquisa apresentado à disciplina Sociologia das Organizações da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. 2009, Salvador-BA: UFBA, 2009. p.34-35
Subgerente: Denísia Ribeiro
Na visita feita a Central de Medidas Sócio-Educativas, localizada na Rua
Afonso França, 112, Centro. A subgerente da unidade explicou que as medidas (prestação de
serviços à comunidade, liberdade assistida e reparação ao dano) que são de responsabilidade
do município de Salvador, compromisso assumido em 2005 pela prefeitura da cidade com o
Ministério Público e com o Poder Judiciário. Segundo ela a municipalização data desde antes
de 2005, mas só se concretizou com a assinatura do Termo de Responsabilidade de Conduta.
A prefeitura assumiu as medidas de meio aberto via Fundação Cidade Mãe, com isso
extinguiu-se o CELIBA (Central de Liberdade Assistida).
De acordo com Denísia Ribeiro, os adolescentes encaminhados à unidade em
maioria são de baixa renda, analfabetos funcionais e com muitos anos fora da escola. Ela
destaca que até o ano passado a maior parte era residente do Subúrbio Ferroviário, mas
atualmente os bairros de grande incidência são: Liberdade, São Caetano, Cajazeiras e por
último Subúrbio Ferroviário. Também existe uma inversão entre os delitos praticados, no ano
de 2008 era mais freqüente o furto, o roubo e o porte ilegal de drogas. O índice de homicídio
era baixo, salienta que não é como a mídia vem divulgando. Já este ano o índice de porte
ilegal de drogas ganhou destaque e infelizmente oito jovens atendidos na instituição foram
mortos.
A subgerente apresenta-se contra a redução da maioridade penal e enfatiza que
as medidas são eficazes, mas é necessária a integralização de todo um conjunto de ações.
Revela que por conta da ineficiência do Estado há uma grande dificuldade nos eixos saúde,
educação e trabalho, pois todos estes direitos são assegurados às crianças e aos adolescentes,
todavia não estão acessíveis e é de competência da unidade matriculá-los em instituição de
ensino e encaminhar o adolescente ao atendimento médico se for preciso.
Informa que a execução das medidas de prestação de serviço à comunidade é
conforme as aptidões do infrator, sendo realizada junto ao técnico ou orientador num período
38
de oito horas. Denisia Ribeiro ressalta que após o acolhimento o adolescente em conflito com
a lei é agendado para um técnico. Além disso, é de extrema importância que se crie um
vínculo para que o jovem possa compreender que ele está ali para ser ajudado no
desenvolvimento de suas capacidades e conscientização dos seus atos.
A Central possui grupo terapêutico, cerca de quatro assistentes sociais e dois
pedagogos prontos para prestar atendimento à família e ao adolescente em conflito com a lei.
Na reunião do acolhimento com a família, os adolescentes ficam sabendo o que é o Estatuto
da Criança e do Adolescente, seus direitos e deveres, quais os serviços oferecidos, quais as
suas perspectivas e as conseqüências do descumprimento das medidas sócio-educativas. Até o
momento já foram encaminhados, este ano, pela 2ª Vara da Infância e Juventude, trezentos e
vinte e três adolescentes, mas por volta de cem não compareceram à Central.
ANEXO II - RELATO DA ENTREVISTA COM A GERENTE DA FUNDAÇÃO DA