UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTOCENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA
Jardim América REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA
[Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista]
VITÓRIA
2012
GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA
JARDIM AMÉRICA:
REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA
[Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista]
Projeto de Graduação II
apresentado ao Curso de Arquitetura e
Urbanismo do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Espírito
Santo, como requisito para obtenção
do grau de Arquiteta Urbanista.
Orientadora: Profª. Drª.Clara
Luiza Miranda
Co-Orientador: Prof. Dr. Fábio
Gomes Goveia
VITÓRIA
2012
GABRIELA TEIXEIRA OLIVEIRA
JARDIM AMÉRICA:
REFLEXÕES SOBRE A PROXIMIDADE E A DISTÂNCIA
[Do ponto de vista de uma Arquiteta Urbanista]
Projeto de Graduação aprovado em:________________
Ata de Avaliação da Banca:
______________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
_______________________________________________________________
_________________________________________________________
Nota data Profª. Drª. Clara Luiza Miranda
_________________________________________________________
Nota data Prof. Dr. Fábio Gomes Goveia
_________________________________________________________
Nota data Prof. Dr. Antonio Carlos Queiroz Filho.
Agradecimentos
Agradeço a Deus,
Aos meus pais e irmão que, com muito carinho e apoio,
não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa
de minha vida. A toda minha família. Amo vocês imensamente.
À professora Clara Luiza Miranda por todos seus
ensinamentos, pela paciência na orientação e sua “Memória
individual” que tornaram possível o desenvolvimento deste
trabalho.
Ao Fábio Goveia (Fabinho) pelas idéias, sugestões e
incentivo.
Ao professor Queiroz por ter aceito o convite, pela
atenção e disponibilidade.
Ao meu querido Alex, pelo companheirismo e por estar
junto até nas derivas em Jardim América.
Aos amigos pelo incentivo e pelo apoio constantes. Em
especial às amizades consolidadas no Cemuni III.
A todos que contribuíram com informações,
depoimentos e imagens. Realmente o trabalho não existiria
sem a ajuda de vocês.
Agradecer não é fácil tarefa, mas entrego que todas as
pessoas que passaram pela minha trajetória contribuíram para
minha formação. Muito obrigada.
“O olho vê, a memória revê e a imaginação transvê.”
Manoel de Barros
Sumário
APRESENTAÇÃO
1 INTRODUÇÃO: APREENSÃO DO SÍTIO.........................
1.1 Reflexões sobre a proximidade e a distância...............
1.1.1 Memória em discussão...............................................
1.1.2 Representação e corpografia....................................
1.1.3 Outro olhar e imaginação...........................................
1.2 A forma do sítio............................................................
2 VESTÍGIO DE UM INÍCIO PLANEJADO...........................
2.1 Vestígio de um início planejado [base historiográfica]......
2.1.1 Transformações recentes...............................................
2.1.2 Cia Vale do Rio Doce.....................................................
2.2 O que é o lugar?................................................................
2.3 Algumas trajetórias e o sítio...........................................
3 ASSOCIAÇÃO SÍTIO , MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO........
3.1 Sitio e o inconsciente coletivo...........................................
3.2 Proximidade [e distância] de um (a) Urbanista errante......
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................
5 REFERÊNCIAS...................................................................
APÊNDICE.............................................................................
17
17
33
44
50
76
89
89
105
109
111
117
131
131
142
165
171
179
I, II e III
Apresentação
O tema deste trabalho surgiu a partir do ensaio “Apreensão
do lugar a partir da imagem: Estudo em Jardim América”, feito
como trabalho final da disciplina “Teoria da História da arquitetura
e da cidade”, ministrado pela professora Clara Luiza Miranda em
2010.
Vale dizer que o ensaio desenvolveu-se a partir de uma
memória particular das cenas do filme “Lamarca”, rodado no então
sítio de estudo. Essa “imagem destinada” se desdobrou em
questionamentos sobre percepção do lugar a partir da imagem,
maneiras de investigar o lugar interpondo com material
pesquisado, tais como os recortes de periódicos e imagens do
IJSN (Instituto Jones dos Santos Neves).
Compreender um sítio é preciso muitos horizontes (
histórico, filosófico, analítico, formal, descritivo, estético, social,
econômico, político etc.). No conteúdo de “Sites Matters” de Carol
Burns e Andrea Kahn (2005), cada um adota o ponto de partida
para examinar um site como relação cultural construída. O ponto
de partida do primeiro capítulo aqui é a uma lembrança particular
do bairro Jardim América.
Este primeiro capítulo ainda, se imbui sobre proximidade e
distância de maneira introdutória.
I
Permeia sobre possibilidades de investigação apoiando-
se em fontes como “Pesquisas Urbanas” de Gilberto Velho e
“Espaços, corpos e cotidiano” de Byrt Wammack. Relaciona as
questões de memória, substancialmente na “Memória Coletiva”
de Maurice Halbwach. Comenta, em Representação e
corpografia, o registro da experiência da cidade, mencionado
por Paola Berenstein Jacques (2006), como suporte na
corpografia, em que a cidade é lida pelo corpo desta maneira
seria a memória urbana no corpo.
No sub item 1.2 “A forma do sítio”, são mencionadas
características geográficas , enfim o sítio físico de Jardim
América. O texto de Burns e Kahn (2005), que diz que cada
projeto construído cria novas forças dentro de sua própria área
e também modifica e influência além do local e dentro dele. Ao
mesmo tempo os aspectos físicos existentes têm uma influência
enorme no projeto podendo se transformar foco dele. Ainda no
subitem 1.2 ,expõe alguns aspectos sobre a Teoria da Sintaxe
Espacial, aonde faz-se uma análise das vias do bairro.
II
No capítulo 2 vem a base historiográfica em Vestígio de
um início planejado, em seguida traz os possiveis significados
de “lugar” em O que é o lugar? , e, em Algumas trajetórias e o
sítio faz reflexões sobre termo “trajetórias”, relação com história,
tempo e representação visual [sobretudo fotografia].
Já no terceiro capítulo se inicia com o inconsciente
coletivo mencionado em um depoimento do cineasta Sergio
Resende. Posteriormente, aproveita-se das questões sobre
proximidade e distância, de Walter Benjamim, para por fim
chegar ao lugar, em sua construção simbólica, através da
imagem fotográfica.
Palavras chave: Jardim América, Lugar, Sítio, Corpo, Meios de
representação [Proximidade e distância]
III
01
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
1 INTRODUÇÃO: APREENSÃO DO SÍTIO
1.1 Reflexões sobre a proximidade e a distância
Começo aqui com a minha lembrança, pois uma tarde em que as
pessoas pararam e tudo se voltou para as filmagens do filme Lamarca (1994).
Foi no eixo viário importante de Jardim América, Rua Espírito Santo, que
serviu de cenário para uma de suas cenas, cuja história se passava no tempo
da ditadura.(Figura 1)
Figura 1: Cenas do Filme Lamarca, 1994. Av. Espírito Santo, Jardim América- Cariacica-ES.
Fonte: Imagem retirada http://www.youtube.com/watch?v=F3a_TePgOEE. Acesso: 20/11/2010.
17
Por que o filme Lamarca busca Jardim América como cenário?
A casa dos meus pais ficava a um quilômetro dali: Jardim América. Foi
a partir dessa primeira experiência urbana que se consistiu do
questionamento sobre proximidade e distância, familiaridade e
estranhamento. (Figura 2)
Imaginar o que havia por detrás dos muros da antiga Siderúrgica
Ferro e Aço, algumas construções abandonadas e os trilhos do trem que
cortam parte da região, numa visão particular, isso é próximo e familiar.
18
“
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“[...]Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, E
aqui tornei a voltar, e a voltar. E aqui de novo tornei a voltar? Ou
somos todos os Eu que estive aqui ou estiveram, Uma série de contas-
entes ligados por um fio-memória[...]”
(FERNANDO PESSOA, 1926, LISBON REVISITED)
Olivier Mogin (2009) recorre a linguagens antagônicas: a linguagem do
escritor e do poeta por um lado, e do urbanista por outro. Segundo o autor
não há melhor caminho de entrada que aqueles dos escritores que
perscrutam a cidades com seus corpos e suas penas. Adentra dizendo que o
mundo da cidade, essa mistura de físico e de mental, o escritor apreende em
todos os sentidos, o olfato, a audição, o tato, a vista, mas também com os
pensamentos e os sonhos.
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 2: Imagem da paisagem
Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.
Contudo a cidade não se presta numa narrativa única e Mogin (2009)
cita também que a linguagem dos escritores contrasta com outro discurso
importante a cerca do conhecimento da cidade, a do urbanismo. Além disso,
questiona a interferência do homem comum, aquele que vive e passa.
19
“
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“Enquanto o escritor escreve a cidade de dentro, o engenheiro e o
urbanista a desenham de fora, dela ganhando altura e tomando
distância.[...] Para um, o dentro; para outros, o fora. Eis uma cisão muito
estranha, se a experiência urbana consiste em colocar em relação um
dentro e um fora. Mas haveria outra escolha a não ser valorizar, por um
lado, uma abordagem macroscópica, que associa o urbano a um projeto e a
uma maquete, que valoriza o desenho do engenheiro, o sentido da visão, a
abordagem que dá lugar aos planos diretores e a políticas urbanas? Ou
então, privilegiar, por outro lado, um imaginário da cidade, aquele dos
transeuntes, dos vagabundos das passagens, aquele que exprime os
criadores, o poeta o artista, mas também o homem comum, o homem que
adora a falsa banalidade do cotidiano?”(MOGIN, 2009, p.34)
Gilberto Velho (2003) compartilha das expressões proximidade e
distância expondo uma experiência particular. Ele pesquisara a classe
média de Copacabana, para ele, espacialmente próxima, mas relativamente
distanciada do seu universo de origem. Permeando esse debate ainda com
familiaridade e exotismo, autoridade e acessibilidade. Diz que a diversidade
das experiências reflete a própria diversidade dos mundos pesquisados já
que cada antropólogo tem seu “campo” e seus “nativos”.
20
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Dessa perspectiva, este autor, assume que a pesquisa em meio
urbano vem tradicionalmente apresentando alguns desafios específicos, tais
como formas de trabalhar com a diversidade dos mundos, com pessoas que
transitam entre eles, com diferentes potenciais de metamorfose.
Nesse raciocínio Mogin (2009) propõe que o lugar desenhado pelo
urbanista poderia dar corpo a uma experiência urbana que se anuncia em
diversos níveis, o que se entende como a junção da técnica e de uma
poética. Posto que, somente com o entrelaçamento de linguagens, não é
possível absorver essa experiência urbana por completo, justifica-se na
multidimensionalidade da experiência urbana a qual desenvolve processo
poético, em um espaço cênico e um espaço político.
Seguramente as construções mais antigas ou imponentes lembram
que a cidade vem de uma história, que integra processos de modificações
sucessivas, mas lugares que pontuam os percursos são a fonte de uma
“imagem mental” que se forma gradualmente e se dissolve com a própria
idéia da cidade.
““ Os lugares que favorecem as trajetórias, as
bifurcações, as praças, as imbricações, ritmam no presente, na
extensão do espaço, todas as possibilidades desaparecidas da
cidade ainda reconhecidas através dos monumentos, e os
símbolos de uma memória ativa” (MOGIN, 2009, p.53)
21
Observou-se que galpões abandonados (Figura 3) fazem parte da
paisagem do bairro Jardim América principalmente na Av. América a qual
atravessa a praça “Hugo Viola”. Essas construções mais antigas, atualmente
em sua maioria abandonadas, marcam o apogeu da industrialização no
estado, e são elas, principalmente, os grandes galpões de estocagem,
Estes galpões de armazenagem foram construídos ali na década de
1960. Com a erradicação do café, apoiou também no crescimento do
comércio atacadista e varejista que teve auge nos anos de 1970.
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 3: Imagens de alguns
dos galpões antigos e sem
uso em Jardim América.
Fonte: Arquivo pessoal
(2012).
22
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O ensaio “Espaços, corpos e cotidiano” de Byrt Wammack, busca nas
teorias de Henri Lefebvre e Gilles Deleuze, reconsiderar as conexões entre a
vida cotidiana, o poder e o espaço. Lefebvre defende que um espaço social é
uma combinação de atividades mentais, físicas e sociais e que estabelece
uma ordem no espaço da natureza, no fluxo dos fenômenos espontâneos e
naquele caos que precede a chegada do corpo.
Segundo Lefebvre, citado em Wammack, assimila o espaço social a
imagem cinematográfica. Decorre que o espaço social também é „produto‟ de
uma relação tensão entre o espaço diretamente vivido, as concepções do
espaço e a prática espacial (a prática visual) que produz o espaço social.
Como Lefebvre, Deleuze volta-se para a produtividade do corpo como
suporte da diferença. Deleuze ampliou estudo com base em diversos filósofos
além de estudos como literatura e cinema. E o que Lefebvre chama de
espaço social, Deleuze chama de corpo social, assim como as pontes entre a
produção do espaço e a subjetividade.
As reflexões de Lefebvre se assemelham as citações de Mogin
(2009), quando defende que o espaço social não é homogêneo, mas
„multiforme‟. Desenvolve que o corpo é fonte da energia produtiva já que está
aberto a todos os sentidos- o olfato, a sexualidade, a visão, o ouvido, o tato-
trabalhando como campo de diferenças.
23
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“No mal apreendido espaço do corpo, um espaço que é
igualmente próximo e distante, esta paradoxal junção do repetitivo
e do diferente - esta forma de produção mais básica - está sempre
ocorrendo.” (BYRT WAMMACK; Espaços, corpos e cotidiano)“Walter Benjamin em seu texto “ A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica”, menciona o teatro dizendo que ele conhece o ponto
do qual a ação é aprendida como ilusória, sem dificuldade. Já para o cinema
não existe um tal ponto, sendo que essa natureza ilusória está em um segundo
grau, pois resulta de uma montagem. Diz ainda que o aspecto da realidade,
isento de aparelhagem, adquiriu aqui seu aspecto artificial, e a visão da
realidade imediata tornou-se miosótis [pequena] no mundo da técnica.[seria o
cenário de Jardim América insignificante para os produtores do filme Lamarca?
Haveria então essa distância?]
[Walter] Benjamin então mostra que o caráter do cinema que se opõe ao
teatro pode ser confrontado, ainda mais claramente, com o que se verifica na
pintura. Coloca a questão: como se comporta o operador de câmara
relativamente ao pintor?
Para responder Benjamin usa de proximidade e distância fazendo uma
construção auxiliar, comparando o cirurgião e o mago. Nessa análise, o
cirurgião representa o pólo de uma ordem cujo outro extremo é ocupado pelo
mago, visto que a ação do mago que cura o doente impondo as mãos é
diferente do cirurgião que realiza uma intervenção no doente.
24
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
“O mago mantém a distância natural que existe entre si próprio e
o paciente; melhor dizendo: ele diminui-a pouco – por força da mão que
coloca no doente – e aumenta-a muito – por força da sua autoridade. O
cirurgião procede ao contrário: diminui muito a distância relativamente
ao paciente – na medida em que intervém no seu interior – e, aumenta-a
apenas ligeiramente – através do cuidado com que a sua mão se move
nos órgãos do paciente. Isto é, contrariamente ao mago (que ainda está
presente no médico), o cirurgião prescinde, no momento decisivo, de se
defrontar, enquanto homem, com paciente, intervindo nele de uma forma
operante.” (WALTER BENJAMIN; A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica)
“
Para Benjamim, mago e o cirurgião comportam-se como o pintor e o
operador de câmara. O pintor, no seu trabalho, observa uma distância natural
relativamente à realidade, o operador de câmara, pelo contrário, intervém
profundamente na textura da realidade. De modo que a natureza que se dirige
à câmara não é a mesma que a que se dirige ao olhar. A diferença está
principalmente no fato de que o espaço em que o homem age
conscientemente é substituído por outro em que sua ação é inconsciente.
Partindo das idéias de Walter Benjamim, o olho apreende mais
depressa do que a mão desenha. A reprodução das imagens experimentou
essa aceleração podendo ser uma expressão dessa nova percepção, a
proximidade com o inconsciente ótico.
25
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Etienne Samain (1998) que em seu livro “ O fotográfico” o qual aborda
sobre fotografia e memória, diz que haverá sempre um complexo e
fascinante processo de construção de realidades e aí reside, possivelmente,
o ponto nodal da expressão fotográfica. Sendo moldável na produção, fluída
em sua recepção, plena de verdades explícitas- analógicas, sua realidade
exterior- [distante] e de segredos implícitos – sua história particular, sua
realidade interior- [próxima], imaginária. Trata, pois de uma expressão
peculiar que, por possibilitar inúmeras representações realimenta o
imaginário num processo sucessivo de criação de novas realidades.
A realidade passada é fixa, imutável; refere-se à realidade do assunto
no seu contexto espacial e temporal, assim como a produção da
representação. E como Samain (1998) denomina, é este contexto da vida:
primeira realidade [próximo]. A fotografia [o registro criativo daquele
assunto], corresponde à segunda realidade [distante], a do documento
(Figura 5). A literatura afirma que a realidade nele registrada também é fixa e
imutável, porém sujeita a múltiplas interpretações.
26
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa
photoshop CS .Acesso: 02/11/2011.
Figura 5: Primeiro plano antiga Cofavi. Ao fundo morros de Vitória e Argolas.
Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, v. 1, n. 11, jan. 1968
27
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Prossegue Samain (1998), dizendo as fantasias da imaginação
individual do imaginário coletivo adquirem contornos nítidos e formas
concretas por meio do chamado testemunho fotográfico. Se o signo é
produto de uma construção por um lado, em contrapartida, a interpretação
desliza entre a realidade e a ficção. Tratam-se, como já vimos, de processos
de construção de realidades, processos esses que desde sempre existiram.
Para Samain (1998, p.47), “[...] Não é difícil imaginarmos em que medida
tais processos se revelarão no futuro.”
Samain (1998) ainda diz que é justamente em virtude que se atribui
ao documento fotográfico, como espelho fiel da história cotidiana, que um
dia [quem sabe] , poderá dar margem à criação de um passado que jamais
existiu. Um passado sem referentes reais, fisicamente concretos. Um
passado, portanto, sem contexto de vida [primeira realidade]; um tempo e
um espaço concebido com bases em referentes fotográficos imaginários,
bidimensionais ou eletrônicos, porém iconograficamente possíveis. Etienne
Samain (1998, p.47), questiona “[...]Por que não? Uma história construída
com base no documento fotográfico ficcional, porém na escala real;
representações de representações” [ainda mais distante?]
28
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O livro “ Site Matters” de Carol Burns e Andrea Kahn (2005) aborda a
importância do site [sítio]. No contexto da cidade de Nova York ter que
hospedar os jogos olímpicos de 2012 ,onde em 2004, lançou o concurso para
que arquitetos, paisagistas, projetistas e planejadores urbanos fornecessem
então uma idéia de vila olímpica.
Segundo os autores, cada área especializada tais como arquitetura do
projeto físico, arquitetura da paisagem e do projeto urbano interpreta a
localização de suas atividades evidente e taticamente com suas
aproximações, suas abordagens normativa própria. Até mesmo a variedade
dos termos que designan e estão associados ao site [sítio], direcionam essa
proximidade [ou distancia]. Lugar, terra, contexto, situação, paisagem: a idéia
do site pode abraçar cada um deles. Cada termo invoca uma região
identificável no território conceitual do site. Tempo, cultural, ideológica, de
percepção, dimensões em diferentes escalas, este território é uma
construção rica. Site abrange registos múltiplos e suas diferentes funções.
Burns e Kahn (2005) exemplificam que os arquitetos sabem que o
contexto físico circunvizinho impacta um site (Figura 6 e 7); arquitetos
paisagistas sabem que a ecologia não pode ser ignorada ; planejadores
sabem que os sites são socialmente produzidos. Mas eles sempre souberam
dessas coisas? Quando e por que as preocupações sobre site tornam-se
assuntos?
29
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011
30
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 6: Primeiro plano igreja
e a torre. Ao fundo morros de
Vitória e Argolas .[notar
segunda ponte recém
construída]
Fonte: IJSN-ES / CAR- UFES
(1979).
Figura 7: Primeiro plano à esq.
igreja e a torre [referência
construída na paisagem]. Ao
fundo (parte) morros de Vitória
e Argolas [referência natural na
paisagem]
Fonte: Imagem Panorâmico.
Acesso: 05/11/2011.
31
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Três premissas são informadas no livro. Primeitamente o site [sítio] e
primeiros conhecimentos. Isso exerce uma grande força no projeto a
investigação teórica, reconhecendo a analisando criticamente. Historiografia,
em segundo, com maneiras particulares de se relacionar com cada site. Os
modos de representação, em terceiro, interpretam os sites. Sua função
formativa na produção do conhecimento local deve ser revelado e
expressado.
O pensamento do site [sítio] fornecem caminhos para que as
informações possam ser interpretadas e compreendidas. O site prevê uma
situação, isso guia os pensadores para que possam responder as questões
do local e assim ser compreendido.
Os autores levantam perguntas: Como os sites são definidos? Como é
o valor atribuído ao site? Como os significados acumulam em torno da noção
de site? De onde vem, como são eles aplicados, e como são derivados?
Levando em consideração estas perguntas abre espaço para legitimar o site
[sítio]. Eleva o sítio (mantido por muito tempo fora do retrato, literalmente) a
um nível novo de visibilidade.
“O pensamento do site deve oscilar entre o material e pontos de
vista conceituais, abstratos e físicos; e gerais e específicos. Compreender
um site deve extrair uma realidade objetiva de uma percepção subjetiva.”(
BURNS e KAHN,2005, p.XXIII, tradução nossa).“
32
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Estas posições distintas, que se misturam a experiência, ilustram as
diferenças relativas à representação do site. Resultam do processo de procurar
uma perspectiva centrada de uma relação que tenta mediar a opinião na visão
de quem está dentro (antropológica) [próxima] e de quem está fora [distante].
O site é visto melhor do ponto entre eles.
Os estudos desses autores vêm no sentido de mostrar as visões da
cidade (ora próxima ora distante) que merece ser investigado, ser mais
explorada. Com a tentativa que integrar o cotidiano às teorias sociais,
objetivando novas maneiras de refletir e agir.
1.1.1 Memória em discussão
Uma ou mais pessoas unindo suas lembranças conseguem com
detalhes fatos e objetos que vimos ao mesmo tempo em que elas, e,
constroem toda a sequencia dos nossos atos e nossas palavras em
circunstâncias definidas. É o que diz Maurice Halbwach (2006) em sua obra
Memória Coletiva.
33
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Numa interpretação abrangente e inicial, menciona que no primeiro
plano da memória de um grupo se destacam as lembranças de eventos ou
de experiências que dizem respeito à maioria de seus membros e que
resultam de sua própria vida:
““ Normalmente um grupo mantém relação com outros grupos.
Muitos acontecimentos e também muitas idéias resultam de semelhantes
contatos” (HALBWACH, 2006, p.52)
Daí, para falar de memória, é necessário que os períodos sobre o qual
ela se prolonga sejam diferenciados na proporção correta. Sabendo-se que
cada um dos grupos tem história, distingue-e personagens e acontecimentos,
contudo o que ressalta-se da memória é que nela, as semelhanças naquele
primeiro plano. Questionei-me: Como diferenciar essas lembranças na medida
certa?
Nesse raciocínio, Halbwach (2006), explica que cada consciência
individual, as imagens e os pensamentos resultam dos diferentes ambientes
que percorremos e se sucedem por uma nova ordem , sendo assim, cada um
tem uma história. Posto que exista uma lógica da percepção que se impõem ao
grupo e o que o auxilia a entender e a dispor essas noções, tais como a lógica,
a geografia, topografia e a física. E esta é a ordem que um grupo introduz em
sua retratação das coisas do espaço, em suma sua lógica social e as relações
que ela estabelece.
34
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Contudo, mesmo tendo consciência da importância de organizar
esses relatos numa lógica, o autor critica a Memória Histórica, já que nesta
há uma interrupção entre sociedade que lê essa história e os grupos de
testemunhas ou atores. Fato que vai de encontro com sua condição
necessária para que exista a memória: sujeito que lembra, tenha sensação
de que a memória construa a lembrança de um movimento contínuo.
Halbwach (2006) admite que se possam organizar as lembranças de
duas maneiras, tanto em uma determinada pessoa, que as enxerga de seu
ponto de vista (Figura 8, 9, 10 e 11), como se distribuindo dentro de uma
sociedade grande ou pequena, que se configuram imagens parciais. Assim
há, respectivamente, memórias individuais e memórias coletivas: por um
lado suas lembranças teriam lugar o contexto de sua vida pessoal e por
outro, em certos momentos, seria capaz de se comportar simplesmente
como membro de um grupo que contribui trazer e manter lembranças
impessoais.
35
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 8: Ilha do Príncipe a partir da
baia de Vitória. Em segundo plano A “5
Pontes” e os municípios de Vila Velha e
Cariacica [de acordo com o site da
Prefeitura de Vitória, foi em 1980 que
foi realizado aterramento no trecho
entre a Ilha do Príncipe e Santo
Antônio.]
Fonte: Arquivo IJSN-ES/ CAR-UFES
(1936)
Figura 9: Desenho da atual situação, no mesmo lugar da Figura 8. Notar o aterro feito neste trecho. Agora uma
“Ponte Seca” e presença da Segunda ponte, além da Rodoviária, Tancredão e Mercado Vila Rubim.
Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.
36
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 10: Ilha do
Príncipe a partir da
baia de Vitória. Ao
fundo Jardim
América.1930
Fonte: Acervo do
DAU/UFES
Figura 11: Ilha do
Príncipe a partir da baia
de Vitória. Notar no
fundo a direita fileira de
casas no terreno de
Jardim América. Data
imagem entre 1936/40.
Fonte: Acervo do
DAU/UFES
37
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Jacy Seixas (2001) afirma que a adequação entre memória e história
possui raízes sólidas e longas. Admite não se aprofundar na análise, mas
enfatiza que as categorias arcaicas da memória retêm sua trifuncionalidade:
memória ação, memória afetiva e memória conhecimento. Ainda cita a
memória coletiva de Maurice Halbwachs e interpreta-a como atributo de
atividade espontânea (desinteressada) e seletiva, a qual guarda do passado
apenas o que lhe possa ser útil para ter uma ligação entre o presente e o
passado. Ao contrario da história, que constitui um processo político
(interessado), portanto, manipulador.
O autor detém também de questionar os efeitos da contemporânea
apropriação da memória pela história e aponta que a historiográfica deixando
de se colocar como um dos campos integrantes da memória para posiciona-
se fora dela. Em função à reflexão historiográfica, faz releitura Marcel Proust
e de Henri Bergson trazendo importantes pontos de apoio.
Mostra que para Bergson, assim como para Proust, a Memória
Voluntária não atinge o pleno estatuto da memória, ela configurando-se uma
memória menor, essencial à vida, porém ligada ao hábito, por sua vez
superficial. Contudo Proust afasta-se de Bergson, quando critica a memória
voluntária enquanto memória intelectual.
38
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Diz que é uniforme e concomitante, em grande parte, enganadora,
pois operam com imagens que não guardam nada nelas, tais como o odor, o
sabor, as sensações que cada individuo poderia ter sentido no passado e que
é diferente do que acredita lembrar.
Em Proust, citado em Seixas (2001), a memória involuntária é aquela
que rompe com o hábito, não preenchendo espaços em branco, nem
somando nem subtraindo, condensando. Nesse sentido diz que memória
emerge e os sentimentos são sempre presentes, não tendo memória
involuntária sem afetividade. Vale citar, que tempo por Proust é perdido
concomitante do espaço perdido, e Bergson contrário tem tempo sem perdas
e desconfortos.
Os estudos de Bergson e Proust enfatizam o caráter atualizador da
memória e seu vinculo com a ação. A reflexão em Seixas (2001), não tem
intenção de definir questões sobre memória para área da história, mas
acredita-se que há problemática da memória que permeia varias áreas e
necessita ser feita nesse caminho, sendo que a própria história está inserida.
Seixas (2001) conclui que é considerando o papel prospectivo da
memória, ressaltado por Bergson e Proust, que pode-se ter vinculo com a
utopia e historia. Pois a memória compartilha com a utopia de características
distinguidores que é a dimensão do tempo futuro e a designação de lugares.
39
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Com base em Sébastien Marot (2006), tem-se a designação da
arquitetura e o urbanismo como arte da memória, com a capacidade de
representar memorial das cidades e do território. Aborda operações de
reconhecimento entorno de lugares mais desolados, mais “desnaturalizados”
e das periferias dotados, por exemplo, de espaços de estacionamentos
vazias, zonas industriais ou mesmo pedreiras abandonadas.
E é no estado americano de New Jersey que Robert Smithson junto
com sua esposa, Nacy Holt, inicia essas operações pelo subúrbio em 1965.
Outros artistas tais como Donald Judd, Carl André e Robert Morris se uniram
em algumas ocasiões a essas excursões suburbanas de Smithson.
Inicialmente documentaram por meio de mapas, fotos e anotações coletadas
no lugar. Destes materiais acumulados, completados e reorganizados,
surgiram os primeiros non-sites. (Figura 12, 13 e 14)
40
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 12: Mapa com as observações coletadas nas visitas em campo-Jardim América
Fonte: Arquivo pessoal.
41
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 13: Folhetos antigos de guia comercial de Jardim América. Reforça a informação
que a associação de comerciantes foi bem atuante e organizada no local.
Fonte: Cedidos por moradores do bairro.
Figura 14: Folhetos edição de
aniversário Jardim América e
comemoração primeiro centenário
de Hugo Viola, fundador do bairro.
Fonte: Material cedido por Cesar
Viola
42
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Smithson identificava o personagem ( o que morou, mora no subúrbio
em questão), mescla versos, obras, recortes de periódicos, correspondências
e toda ordem de documentos com a busca de uma linguagem capaz de
transcrever as sínteses, os ritmos, os tons sobrepostos enfim todos os
objetos mínimos da suburbanidade.
Buscava, instalações com materiais heterogêneos (fragmentos
geológicos) aliado a mapas, fotografias áreas ou textos. Nesse momento que
entrava o conceito de non site, configurando um quadro lógico em 3
dimensões, expondo esse material e assim podendo por metáfora
representar um outro lugar que não se parecesse com o lugar de fato
explorado.
A aventura artística de Robert Smithson supõe elaborar instrumentos
de uma reinvenção da paisagem como arte da representação e história
enfrentando a amnésia suburbana, diz Marot (2006). Influenciou
decisivamente mais tarde arquitetos e paisagista, visto, por exemplo, George
Decombes, cujo denominador comum de suas obras oscila entre arquitetura,
a reabilitação, a arte urbana, a paisagem a arte contemporânea, e de mais
relevância cabe ao jogo da memória que todas elas põem em funcionamento.
43
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
1.1.2 Representação e corpografia
No que se refere às representações, aproveita-se para mencionar o
ensaio sobre Venturi “Quadros Vivos”. Nele afirma-se que para Venturi, o uso
da foto como meio de documentação e análise da forma urbana não se limita
à publicação de um trabalho, uma pesquisa. É também um aspecto de
trabalho no estúdio. A fotografia é ferramenta de investigação (Figura 15, 16,
17 e 18 )como também base de projeto.
Figura 15: Imagem aérea de parte, em destaque, de Jardim
América em 1978. Notar ausência da praça Hugo Viola(em
laranja), apenas seu traçado. Ausência também da Segunda
Ponte, à direita (em azul) Rio Marinho.
Fonte: IJSN (1978).
Figura 16: Imagem aérea de parte, em destaque,
de Jardim América em 2011.
Fonte: Imagem Google Earth Acesso: 02/11/2011.
44
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 17: Imagem aérea 1970. Ligação com
Vitória apenas pela ponte Florentino Ávidos.
Em laranja área correspondente à Ilha do
Príncipe sem aterro.
Fonte: IJSN (1970).
Figura 18: Imagem aérea 1978. Desportiva como
referência em laranja. A Segunda Ponte em construção.
Fonte: IJSN (1978).
Em Milton Esteves (2002), a psicogeografia é a palavra chave e para
tanto ela conta com duas importantes alternativas operacionais: o
comportamento lúdico construtivo e a situlogia. Prossegue:
45
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“Esta, por sua vez, conta com dois aliados: a deriva e o
mapeamento cognitivo. Essa associação estratégica foi especialmente
pensada para superar as táticas de cognação e representação que
substituem os objetos reais por simulacros e, principalmente, para
eliminar os efeitos da prefiguração da vida cotidiana. Ela pretende
permitir a compreensão de nossa própria geografia- elemento chave do
nosso contato com a realidade, seja ela cotidiana ou mental – e
estabelecer um conjunto de ações que definam nossos próximos passos
em direção à liberdade e, conseqüentemente, à beleza e à dignidade.”
(ESTEVES, 2002, p.321)
Em seqüência, defende que o mapeamento cognitivo tem como foco o
combate às políticas urbanísticas que enfatizam os universos das imagens e
exaltam uma unificação negativa do significado estético em detrimento do
significado existencial. Além disso, cita que o papel da memória do
mapeamento cognitivo é o de expressar e vincular as experiências
diretamente com o conteúdo e a forma: (Figura 19)
“
“Pondo em prática a clássica relação dialética entre essência e
aparência e ampliando-a para a relação entre experiência viva e
estrutura, o mapeamento cognitivo descreve tanto a estrutura do
fenômeno a que se refere (identificada pela experiência) quanto a
experiência nele vivificada (que definitivamente o justifica).” (ESTEVES,
2002, p.326)
“
46
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 19: Imagem dos trajetos mais utilizados em um período de mês, segundo entrevistada Lolita Rossi.
Fonte: Arquivo Pessoal (Dez..2011)
47
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Vale retomar o conteúdo do ensaio “Espaços, corpos e cotidiano” de
Byrt Wammack, quando cita que uma investigação pode resumir-se as idéias
de Lefebvre, tendo como referência, por exemplo, qualquer dos fatores de
produção espacial por ele proposto.
O registro da experiência da cidade é mencionado por Paola
Berenstein Jacques (2006) como suporte na corpografia, onde a cidade é lida
pelo corpo desta maneira seria a memória urbana no corpo. Afirma que a
imagem espetacular, ou o cenário, só necessita do olhar. [distante] Com a
corpografia, retoma as questões das “sensações” na cidade a qual precisa
ser tateada absorvendo seus sons, cheiros e gostos próprios compondo com
o olhar a complexidade da experiência urbana, entendendo também como
processo investigativo.[próximo]
Jacques (2006) ainda adentra no que chama de urbanista errante,
sendo este que não vê a cidade de cima somente, por exemplo, numa
representação tipo mapa, mas se insere, neste ato de se relacionar com o
corpo urbano e seu próprio corpo físico. Resume dizendo que o urbanista
errante, lento voluntário intencional, faz elogio à experiência urbana
principalmente do ato de se perder (desterritorialização).
48
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Esse encontro de determinações de corporeidades, do errante com a
cidade, de acordo com Jacques (2006), enfatiza a redução da cota de
experiência urbana direta na contemporaneidade, simplesmente a ação de
andar pela cidade. Para exemplificar isso cita Mário de Andrade no relato de
suas andanças por São Salvador da Bahia (no dia 7 de dezembro de 1928).
Em um dos trechos que mais reflete essa importância da experiência urbana,
Mário de Andrade, descreve que a sensação de andar a pé em São Salvador é
“como fazer parte dum quitute magnificiente e ser devorado por um gigantesco
deus Ogum, volúpia quase sádica, até.”
Tratando-se de pesquisa em termos técnicos, Bosi (2003) afirma que é
positivo a combinação dos procedimentos de história de vida e perguntas
exploratórias, desde que deixam ao recordador a liberdade de encadear e
dizer, de sua maneira, os momentos do seu passado.
Lembra também que quanto mais o pesquisador entrar em contato com
o contexto histórico cotejando e cruzando dados e lembranças de diversas
pessoas mais estrutura a imagem do campo de significações já pré formadas
nos relatos. Sugere ainda uma pré entrevista, que a metodologia chama de
“Estudo Exploratório” o qual conduz o futuro roteiro e extrai questões da
linguagem usual do depoente, detectando temas promissores. Finaliza que
confessar as dificuldades ao depoente, do trabalho fará com que ele
acompanhe melhor o caminhar da pesquisa.
49
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
1.1.3 Outro olhar e imaginação
No que diz Armando Silva (2006), as técnicas de investigação se resume a
cinco procedimentos: fotografia de distintos atos urbanos e sua análise; fichas
técnicas onde se escrevem dados; recorte e evolução dos discursos ou imagens
de periódicos em comparação com os eventos urbanos; técnicas de observações
continuadas para estabelecer possíveis lógicas de percepção visual e elaboração
de um formulário sobre projeções imaginários de cidadãos segundo croquis
urbanos que se explicarão dentro de um texto.
Dessa perspectiva, o autor diz que a princípio a participação cidadã e sua
contribuição simbólica estruturam o exercício de investigação. A cidade vivida,
interiorizada e projetada por grupos sociais que a habitam e suas relações com o
uso urbano não só é recorrente como a interferem dialogicamente reconstruindo-a
como imagem urbana. É importante ressaltar que as estratégicas de
representação são distintas nas culturas assim como são distintas nas
comunidades urbanas.
Em “Olhares Particulares”, Arruda (2011) adere à essência desta pesquisa
na medida em que conclui que os espaços urbanos são realidades que persistem
nas impressões individuais, mesmo quando se está afastado deles. Enfim,
defende que é sobre o espaço individual, ocupado pelas pessoas, as quais têm
acesso todos os dias que sua imaginação é capaz de reconstruí-lo.
50
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Os relatos orais colhidos [ver relatos na integra no APÊNDICE]
tiveram como inspiração o que a metodologia chama de “Estudo
Exploratório”. A priori, houve o contato com o contexto histórico para
futuramente utilizar temas promissores, inclusive a busca por fotografias foi
feita paralelamente. Todavia não havia um roteiro a ser seguido, as
entrevistas se desenvolveram conforme a trajetória do depoente.
Em geral as pessoas acreditam que seu depoimento não tem valor,
que elas não podem contribuir com informação ou mesmo ficam com receio
de haver perguntas que elas não saibam responder. Assim, dizia que aquele
depoimento seria importante na estrutura da pesquisa. Mesmo que elas não
contassem [não soubessem ou mesmo lembrassem] “toda” a história do
bairro e que não tivesse uma cronologia no relato, aquelas palavras
somariam. [o depoente estava livre para contar fatos de um passado mais
distante, falar sobre a contemporaneidade ou dizer dos problemas atuais
depois voltar para o passado distante, inclusive histórias particulares dela no
lugar]
Para iniciar solicitava: Conte-me sobre Jardim América. A resposta
comum foi na linha: Contar o que? A história? O que precisa melhorar aqui?
E assim respondia: Sim, pode começar contando sobre sua vida no bairro.
[dessa forma me senti mais a vontade quando o depoente então próximo do
assunto dissertava do seu modo, sobre aquele lugar]
51
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
O olhar de Maurice Halbwachs (2006) evoca o depoimento da
testemunha, diz que só tem sentido em relação a um grupo do qual esta faz
parte, porque pressupõe um evento real vivido outrora em comum [memória
coletiva]. Para Maurice, no final tirando-se gravuras e livros, o passado
deixou na sociedade muitos vestígios [às vezes visíveis] que também
percebemos nas expressões das imagens, no aspecto dos lugares e até nos
modos de pensar e de sentir.
Esse comum foi encontrado no relatos feitos. Chamou bastante
atenção o domínio que os entrevistados tinham sobre o nome das ruas de
Jardim América. Mesmo usando um “ali”, “parte alta”, ou “parte baixa” ao
desenvolver no mesmo relato o nome exato das ruas eram mencionados e o
que existiu, existe ou descrever um problema aparecia o nome das vias.
Sr. Orvelino , por exemplo, com propriedade disse:
““[...]Jardim América no começo as primeiras ruas foram a
Canadá e a México[...]”, “[...]O valão da Av. América foi um erro [...]”,
“[...]Han ali onde é o Banestes era uma rua..onde é o EPA era a rua
Uruguai que hoje nem existe mais...era aberto e era bom...agora ta
muito fechado..nossa saia lá no asfalto[...]”
52
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 20: O que é “asfalto” para Sr. Orvelino,
corresponde a BR-262.[ Foto do comércio de
Jardim América na BR-262 em 1982]
Fonte: Arquivo IJSN
Figura 21: O que é o asfalto hoje.
Fonte: Arquivo Pessoal (Mar.2012)
53
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“
Perguntei ao Sr. Orvelino que asfalto era esse que ele tanto dizia, pois
segundo ele tudo era barro vermelho, era lama. Disse que o asfalto que as
pessoas diziam é o que corresponde a BR 262 (Figura 20 e 21). As
enchentes nas chuvas também foram constantes nos depoimentos. O valão
da Av. America foi excessivamente alvo de crítica e pedido de melhorias. O
Sr. Darci , de maneira peculiar, afirma que há grande valão na BR- 262 que
poderia resolver o problema das cheias na Av. América:
“[...]Sabemos que tem um valão na BR 262 que cabe um
caminhão de tão grande...vimos na época que eles estavam em
obras reestruturando a via e que ela está a não mais de 150
metros do valão da Av. América..mas ai pergunto: por que não
fazem nada?..por que não investem nessa obra de infraestrutura
para acabar com esse monte de água...pois desce água de
Itaquari, alto laje..e cai aqui nesse valão de Jardim América, pois é
mais baixo..aqui é mais baixo[...]”
Por vezes os fatos comuns mencionados foram cruzados com as
visões particulares, por exemplo, a professora de educação infantil Teresinha
, enfatizou mais as escolas (Figura 22, 23 e 24) e casas de apoio a criança do
bairro:“[...]Eu estudei no Cerqueira Lima- fiz primário, depois fui para
onde é o Passionista, na época não era Passionista, era GEJA
(Ginásio Estadual de Jardim América), onde fiz os dois últimos anos de
magistério...tinha prova e tudo pra entrar..igual escola técnica[...]“
54
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 22: Comemoração das olimpíadas no
GEJA. Morro de argolas ao fundo.
Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data
Figura 23: Desfile das escolas, provavelmente de
dia 7 de Setembro. [Dúvida na localização da
foto. Cadê os Morros de referência?]
Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data
Figura 24: Escola Cerqueira Lima comentado no relato
de “Teresinha”. Data:1952
Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)
55
O contexto, aqui nos relatos, tem reflexões pessoais, lembranças de
familiares, ” [...] a lembrança é uma imagem introduzida em outras imagens,
uma imagem genérica transportado ao passado” (HALBWACHS, 2006, p.93).
A memória coletiva se distingue da história em pelo menos dois aspectos,
segundo Halbwachs (2006), ela é uma corrente de pensamento contínuo, de
uma continuidade que nada tem de artificial, pois não retém do passado
senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na consciência do grupo.
O sujeito retratado por Peter Monteiro (2008), é aquele se encontra em
constante relação com os objetos, usando continuamente a arquitetura da
cidade [num nível mais ou menos complexo] seja na vivência diária numa
casa, seja na apreensão esporádica que faz de um monumento, sendo ao fim
responsável pela construção real ou imaginária da imagem urbana, e
segundo Peter, imagem esta que é pública (externa) e ao mesmo tempo
privada (interna).
Esse sujeito não só exerce sua história, mas a história da própria
cidade e de seus objetos, com os quais criam uma espécie de dialética, onde
constrói e reconstrói significados. Monteiro (2008) diz ainda que é preciso
utilizar a cidade para compreendê-la.
56
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“
Mogin (2009) diz que a forma da cidade, sua imagem mental, é a
junção de elementos tais como lugares, percursos, uma idéia da cidade. Estes
remetem ao “nome”, ao nome próprio da cidade, mas também a todos os
nomes que contam a história da cidade (nomes de rua, escola, de museu).
Nos relatos houve lembrança sobre o cinema no bairro (Figura 25 e
26), o cinema Hollywood o qual era opção de lazer. Na matéria do jornal A
gazeta de 2005 (Gazeta nos bairros) traz a notícia:
“[...]Assistir um filme na década de 50 não era privilégio para
qualquer um. Mas os moradores de Jardim América tiveram a chance de
ver muitos filmes perto de casa. O bairro já teve duas salas: uma
localizada na esquina da Rua Paraguai com a Av. América e outra do
outro lado da BR 262. O primeiro recebeu o nome de Hugolândia, em
homenagem ao criador do bairro, Hugo Viola; e o segundo foi chamado
de Cine Hollywood. Era a diversão dos moradores.
Os cinemas pertenciam a empresa José Careta, que tinha uma
rede de cinemas e a entrada era de Cr$1,00 (1 cruzeiro).”
57
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 25: O cinema ficou na memória
Fonte: Revista Espírito Santo AGORA.Fevereiro, 1975.
Figura 26: Era opção de lazer
Fonte: Revista Espírito Santo AGORA.Fevereiro, 1975.
58
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“
Sidirlene Rossi, quando moradora foi bem atuante e líder
comunitária, disse detalhes e lembrou que o cinema funcionava nos fins
de semana e que o espaço também era utilizado para as chamadas
"domingueiras", bailes que aconteciam após o horário da missa na
Paróquia.
“Lá teve um cinema e quem arrendava o espaço desse
cinema, quem patrocinava eram os donos do supermercado
Schneider , já ouviu falar?...aconteciam nos finais de semana, mas a
coisa foi tão volumosa, fez tanto sucesso, filas e mais filas..pessoas
pelo chão que daí nasceu a história de construir o cine Hollywood.
Naquela parte de lá..por que não sei se você sabe onde é a Caixa
Econômica na rodovia ainda é Jardim América. [...] Nessa época
tinha os bailes, as domingueiras também que funcionavam no
cinema, como as cadeiras eram soltas, eles tiravam...e quando o
cinema passou pro outro lado, o novo, os bailes passaram a
acontecer na LBA[...]”
Na sequência, Sidirlene, relembra , além dos bailes, sobretudo
os cursos oferecidos pela LBA [ Legião Brasileira de Assistência].
Afirma ainda que chegou a fazer cursos mas que foi no governo do
Collor que acabaram com as legiões de assistência de todo Brasil.
(Figura 27)
59
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 27: Primeiro plano LBA. À esq. em segundo plano as
primeiras casa do conjunto de Hugo Viola nas ruas México
e Canadá
Fonte: Acervo Padres Passionistas. Data: 1957
60
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“
Sr. Orvelino traz também em seu relato a LBA, os cursos que eram
oferecidos e depois a situação atual de abandono do edifício:
“[...]A obra social LBA foi construído do lado tinha diversos
cursos...tudo quanto é profissão você aprendia ali, hoje ta lá
abandonado estragando tudo. Tinha curso de manicure, padeiro,
carpinteiro, doces e salgados..tinha muito curso mas acabou tudo,
era muito bom. Hoje ali é federal e tem uma parte que eles arquivo
morto do INSS. Parece que eles estavam querendo pegar pra fazer
uma creche, não sei se conseguiram. Foi construído na época do
governador Francisco Lacerda de Aguiar(..o Chiquinho), eu acho que
foi mais ou menos do ano de 1965, han tem uma quadra de esporte
lá atrás muito boa, os meninos jogavam vôlei ali. Agora aquele
madeira toda deve estar estragando..antes tudo era de madeira[...]”
Assim como Sr. Orvelino, Dona Lolita confirma os cursos
oferecidos pela LBA e como tudo aquilo era bom.
Sr Orvelino pontuou as mais diversas áreas e acontecimentos de
Jardim América em seu relato, provavelmente, por ser um dos
depoentes mais velhos e ter sido comerciante por muito tempo no
bairro. Com noção de datas, por exemplo, em 1958 quando a igreja
católica, em construção, foi derrubada após ventania. (Figura 28)
61
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 28: Paredes Igreja católica ao chão após ventania.
Fonte: Acervo Padres Passionistas. Data: 1958
62
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
A única rua calçada, em 1960, era Rua Paraguai, recordou Sr.
Orvelino data em que se mudou. O recomeçar a vida com ajuda de Hugo
Viola que cedeu ponto na mesma rua após sua mercearia pegar fogo na
década, de 1970, também fez parte de suas lembranças.
Augusto Gomes em seu depoimento reforça a Rua Paraguai
(Figura 29 e 30) como de comércio, mas lembra que é um comércio
voltado para o bairro: “[...]aqui é por exemplo comércio da dona Maria que
usa o caderninho e vende fiado..acho o comércio muito familiar...a própria
padaria daqui é de irmãos, o ambiente é muito familiar, já o comércio da
BR é diferente[...]
Sidirlene relaciona o comércio e inicia seu depoimento
mencionando o “bairrismo”, um sentimento de que o que ela vivia no bairro
a bastava, afirma que naquele comércio dito pequeno e de bairro era o
suficiente, tudo ali se encontrava:
“[...] na nossa época o nosso bairro nos bastava a gente tinha
de tudo..e tudo era muito próximo, a gente tinha o supermercado
melhor[...] o bairro nos bastava, e hoje parece que a gente nunca
encontra nada..ficamos naquela busca sabe?!...essa sensação é a que
sempre sou tomada por ela...vou ao shopping pra comprar “não sei o
quê”...andei, andei, andei me enchi e fui embora..lá você se precisasse
ia na lojinha do Kill, ou na tenda no senhor Alaor pra comprar, ou lá na
dona Mirtes...tudo dentro da nossa realidade, a gente achava tudo
ali![...]
“
63
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 29: Título do arquivo: VISTA de uma rua no
bairro Jardim América. Cariacica-ES
Fonte: IJSN (1982).
Figura 30: Rua Paraguai [rua comercial], em
um dia de domingo
Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011).
64
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Cesar Viola, neto do fundador do bairro "Hugo Viola", relaciona o
bairro diretamente com o trabalho feito pelo avô. Afirma que ele [Cesar] é
mesmo uma boa fonte para a pesquisa pois ele detém não apenas a
lembrança, mas pode comprovar com os documentos inclusive cartas e
agradecimentos por escritos das pessoas que conheceram ou foram
ajudadas por Hugo Viola:
"[...] minha mãe não se cansava de colher depoimentos..olha
estes escritos atrás de panfletos...qualquer papel uma forma de
comprovar a postura de meu avô (Figura 31), como as pessoas o
via..olha esse de Carlos Lindemberg( papel timbrado a rede gazeta e
escrito com letras cursivas do próprio Carlos Lindemberg)...olha vou te
falar que Carlos Lindemberg não atendia qualquer um não...ele estava
ainda na A Gazeta...meu avô ficava lá até os jornais serem impressos
cedo..a amizade deles era grande.[...]
“
Figura 31: Mensagem do historiador Renato Pacheco
em homenagem a Hugo Viola feito no verso de um
panfleto. Data: 14/05/1995
Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Cesar Viola
65
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Em seu depoimento, o neto de [Hugo] Viola retoma a história desde
quando o avô saiu da Itália, em 1920, até chegar ao país e por seguinte se
naturalizando brasileiro. (Figura 32) Cita a profissão de marceneiro exercido
por Hugo Viola onde fez móveis para muita gente, e, segundo Cesar, gente
da elite na época pois o trabalho era de qualidade e feito de maneira
artesanal.
Figura 32: Imagem
de Hugo Viola (à
direita) com a
família. Segundo
informações de
Cesar Viola seu
avô teria nessa
fotografia por volta
de 10 anos de
idade.
Fonte: Reprodução
Arquivo pessoal
Família Viola
66
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Parte dos móveis que ornamentam a casa na Av. Espírito Santo
esquina com rua Chile(onde Cesar concedeu a entrevista), foi da época que
Hugo Viola ainda trabalhava em sua Oficina de móveis em Vitória. Cesar, de
maneira gentil mostrou a antiga casa do avô e alertou que já havia feito
algumas modificações, mas que mantinha objetos e traços da edificação
feita na época em que seu avô morava. (Figura 33)
Figura 33: À esquerda cadeira feita por Hugo Viola. Centro Imagem do corredor da casa com pé direito alto e
mantendo quadros e objetos antigos de família. À direita quadro com desenho-retrato de Hugo Viola.
Fonte: Arquivo pessoal (Jan.2012)
67
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O que os documentos não mostram mas o neto fala com
propriedade, que Hugo Viola fez muito além que as 100 casas populares
e venda sem juros e correção monetária. Entre outros acontecimentos na
história do avô, Cesar citou que Hugo Viola foi preso político por 4 vezes,
como topógrafo de formação traçou o aeroporto de Vitória Eurico Sales, fez
projetos urbanos em Goiás e projetou todo o bairro Jardim América:
"[...] Até a visão de trazer Ferro e Aço pra cá..por que a principio o
terreno da Ferro e Aço fazia parte do bairro..tinha traçado...ruas mas ele
cedeu para inserção da siderúrgica..para crescimento do local[...]Hugo Viola
foi preso 4 vezes, preso político..porque ele era a
frente...argumentava..fazia...corrias atrás e pra ditadura gente assim não era
bom..da última vez q foi preso os policiais que o conheciam diziam que
estavam com vergonha de ter que fazer aqui, prendê-lo, mas porque?!
..porque sabia da sua índole...hoje não vejo mais gente assim..é raro. Muita
gente não sabe também mas como topógrafo traçou o aeroporto Eurico
Sales, em Vitória e fez também cidade de Goiás.
Esse traçado aqui de Jardim América ele se baseou vila operária
européia. Quando ele morou no Rio de Janeiro..trabalhava ali onde aqueles
prédios caíram, perto da Av. Rio Branco..ali ele conseguiu não sei como um
projeto, e foi a partir dele que traçou Jardim América[...]
“
68
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Segundo o depoimento, o traçado de Jardim América foi baseado no
projeto de uma Vila Operária Européia. Cesar mostrou o projeto original que
estava no andar superior da casa. A planta era original de 1937 e todo bairro
já estava desenhado ali. A planta estava amarelada e foi feita em um tecido
especial(Figura 34). Pouco pode-se ver na planta, mas com auxílio de
Cesar, ele foi apontando os resquícios da tinta no desenho da praça assim
como na área da antiga Ferro e Aço. O neto do fundador disse do desejo de
restaurar aquele projeto original [ mais ou menos 1,5 x 2 m de planta], fazer
um livro com todos os documentos e imagens do seu acervo.
Figura 34:
Imagem planta
do projeto
original de
Jardim América
Fonte:
Reprodução
Arquivo pessoal
Família Viola
(Jan.2012)
69
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Dona Altair falou, do desejo na época de morar em uma das casas do
conjunto iniciado por Hugo Viola. Segundo ela, morava “num canto” do bairro e
era muito ruim. A casa não era boa e seu esposo construíra outra
posteriormente, mas mesmo assim dona Altair almejava uma casa do conjunto:
“[...]Eu tinha uma casinha lá no canto, mas ela era muito ruim,
então meu marido desmanchou a detrás pra fazer outra...mesmo assim
eu olhava para essa aqui [Dona Altair aponta na foto as casas do
conjunto de Hugo Viola] e ficava apaixonada, pensava “Não posso
comprar uma casa daquela”
“Ela não conseguiu morar em uma das casas do conjunto, mas tempo
depois comprou através do Sr. Anísito Soto, um terreno onde seu esposo
construiu a casa que morou por mais tempo e ainda está no mesmo terreno
de sua atual casa. (Figura 35)
“[...]e aqui era uma lagoa..meu marido aterrou. É essa
casinha aqui da frente, mas ela já foi reformada, inclusive tem um
retrato dela[...]”“
70
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 35:
Imagem família
dona Altair frente
da casa em
Jardim América
Fonte:
Reprodução
Arquivo pessoal
Altair Tagarro Leal
71
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
A neta de Dona Altair, completa dizendo sobre os bailes de carnaval que
aconteciam no clube desportiva: "[...] depois de muito dançar chegava na casa
de vovó escalando aqui pela varanda." A paisagem também é forte em sua
lembrança, e ressalta que quando criança se cansava ao olhar os morros do
entorno. (Figura 36 e 37)
Figura 36: Luizinha, neta de Dona Altair, na
casa da avó em Jardim América.
Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Altair
Tagarro Leal
Figura 37: Familiares de Dona Altair com ela,
no terraço da casa em Jardim América.
Morro ao fundo
Fonte: Reprodução Arquivo pessoal Altair
Tagarro Leal
72
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Cesar Viola afirma ainda que o Rio Marinho foi desviado por índios há
muito tempo1 ,e, Hugo Viola consciente do terreno alagadiço e mais baixo que
a região vizinha, tomava o cuidado de drenar o rio. Finaliza dizendo que o
bairro teve seu auge por volta de 1970 e que depois foi abandonado, contudo,
acredita que daqui 20 anos ele retomará o desenvolvimento visto que é um
lugar estratégico próximo ao centro de Vitória.
Sidirlene compartilha do mesmo sentimento quando diz que o bairro
tinha uma estrutura boa e próxima do centro (Figura 38) da cidade:
1 Em 1716 Foi construído o Canal do Rio Marinho para embarcações maiores transportarem a produção da
Fazenda Araçatiba para o Porto dos Padres, evitando a passagem oceânica pela Foz do Rio Jucu. Em 1816 houve
uma limpeza do Rio Marinho e aperfeiçoamento do canal Caçaroca para ligá-lo ao Rio Jucu
In. SIMÕES, Roberto Garcia. Aterro, mangues e mar, primeira considerações sobre o problema. Vitória, ES:
IJSN, 1978
Um bairro que tinha uma estrutura muito boa, com comércio e
tal, próximo do centro...bairro é mais próximo de vitória que muitos
bairros do município de Vitória...tirando o transito ..pois naquela época
só tinha as “cinco pontes”..eu mesmo em 1979, quando entrei na
UFES, a gente ia literalmente a pé por que o ônibus a gente pegava na
Vila Rubim..pegava, quando dava, um em Jardim América e outro na
vila Rubim...não tinha transcol não tinha nada e fazíamos assim
“baldiando” né?!...Então a gente gastava muito pouco, por que era
tudo muito pertinho...assim como é São Torquato pra Vitória, quer
dizer um bairro de Vila Velha pra Vitória...nessa ótica que eu to
falando ..próximo da capital.
“
73
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Fonte: Imagem Google Earth, editada no programa photoshop CS .Acesso: 02/11/2011.
74
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 38: Aspecto dos 3 municípios. Parte da Desportiva em primeiro plano. Notar Rio Marinho cortando o terreno alagadiço
(ainda sem Segunda Ponte:
Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, v. 1, n. 7, 01 set. 1967.
75
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
1.2 A forma do sítio
Características geológicas e hidrológicas junto com a orientação, topografia,
e drenagem, conectam aos sistemas maiores, aquela que opera em várias
maneiras em várias escalas- o sistema solar, a geomorfologia, e o ciclo da água.
Para Burns e Kahn (2005) , cada projeto construído cria novas forças dentro
de sua própria área e também modifica e influência além do local e dentro dele.
Concebido ao longo do tempo desta forma, o local [site] tem três áreas distintas. A
primeira é a área de controle, fácil de localizar linhas designando limites legais e
barrancos. O segundo, abrangendo forças que agem sobre uma trama sem estar
confinado a ele, pode ser chamado de área de influência. A terceira é a área de
efeito,é o domínio impactado pela ação do projeto. Estas três áreas [territórios] se
sobrepõem apesar de suas diferentes geografias e temporalidades.
O sítio físico, para ser controlado ou possuído, precisa de delimitação, porém
para ser compreendido no projeto deve-se considerar essas sobreposições, o local
não pode ser considerado de maneira isolada. O conceito de site [sítio] então, ao
mesmo tempo refere-se a idéias aparentemente opostas: a física de um lugar
específico, áreas geográficas distintas, idéias divergentes espacial, tendo tempo de
passado, presente e futuro. O livro de Burns e Kahn (2005) afirma: Sites são
complexos.
76
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O bairro Jardim América tem uma geografia mista que se compõe de
uma parte plana e outra parte com predomínio de colinas e pequenos morros.
Possui uma altitude média de 1,5 m acima do nível do mar na sua parte baixa,
e segundo o site Wikipédia, é o que pode justificar as constantes enchentes das
ruas no período das chuvas mais fortes.
Nesse sítio é onde se inicia efetivamente a Rodovia Federal BR-262,
limitado a leste pelo Rio Marinho com o município de Vila Velha, ao norte pelos
bairros de Alto Lage e Itaquari, ao sul pelos bairros de Vasco da Gama e Vale
Esperança e, ao oeste, pelo bairro Vera Cruz. (Figura 39 e 40)
O norueguês, Christian Norberg-Schulz (2008), desenvolve uma
interpretação essencialmente nas idéias do ensaio “Construir, habitar, pensar”
do filósofo alemão, Martin Heidegger.
A partir dessas interpretações, Norberg-Schulz (2008) diz que as
construções trazem a terra, como paisagem habitada, para perto do homem e,
ao mesmo tempo, situam a intimidade da vizinhança sob a vastidão do céu.
Logo a prosperidade básica dos lugares criados pelo homem é a concentração
e o cercamento. Os lugares são literalmente “interiores”, o que significa dizer
que “reúnem” o que é conhecido. Para cumprir essa função, os lugares contêm
aberturas através das quais se ligam com o exterior. [A bem dizer, só um
interior pode conter aberturas].
77
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 40: Imagem aérea 2011. Em
destaque o bairro Jardim América.
Fonte: Imagem Google Earth, editada
no programa photoshop CS .Acesso:
02/11/2011.
78
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 39: Desenho dos limites e entorno de Jardim América. Ver cone
visual na Figura 38.
Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.
Ainda no texto, o teórico Christian menciona [Siegfried] Giedion o
qual distingue exterior de interior como fundamento de uma concepção
grandiosa da história da arquitetura. Cita também Kevin Lynch, que
investiga mais a fundo a estrutura do espaço concreto, introduzindo os
conceitos de nodo (marco), baliza, caminho, borda e distrito para indicar os
elementos que embasam a orientação das pessoas no espaço.
79
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
No começo da década de oitenta a teoria da Sintaxe Espacial buscou
descrever a configuração do traçado e as relações entre espaço público e
privado. Permitindo entender aspectos importantes do sistema urbano, como
acessibilidade e distribuição de usos do solo, isso, através de medidas
quantitativas.
De acordo com a teoria, criada por Bill Hillier e colaboradores da
Universidade de Londres, na Sintaxe Espacial, o movimento natural pode
ser entendido como a parcela do movimento total de pedestres em uma
cidade, determinada apenas pela estrutura configuracional do sistema de
espaços públicos, independente da presença ou não de atratores.( HILLIER,
apud TEIXEIRA, acesso em 26 nov. 2011)
A busca é de um olhar de dentro [próximo], onde pelo processo de
reconhecimento ou construção de uma identidade, o planejador possa criar
suporte teórico de estudo, e responder questões como; em que medida se
dá através da consciência espacial/cultural a reavaliação e ajustes na
dinâmica de transformação da cidade.
80
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
No estudo Sintaxe Espacial, basicamente existem dois tipos de
mensuração morfológica. Um trabalha a observância da conectividade
estimando controle e integração local e a outra trabalha a mensuração da
integração global. De maneira geral, no que diz respeito a conceito de
Sintaxe Espacial, as linhas axiais são unidade básica de análise utilizada
por esta teoria. [ juntamente com os denominados espaços convexos ]
Por exemplo, a conectividade é uma mensuração acerca do número
de linhas que cortam uma linha ou o número de vértices que outras linhas
formam com uma determinada linha. Neste caso as linhas representam as
vias ou ruas.
Figura 41: Base AutoCAD. Destaque
Bairro Jardim América
Fonte: Mapa elaborado no auto cad em
cima da base cartográfica de Cariacica
81
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Assim, as vias mais conectadas, segundo a análise do mapa axial de
Jardim América, são a Chile (16), Venezuela (18), Paraguai (35) e Honduras
(34). A R. Chile, por exemplo, chega a ter 11 conexões. As cores mais
quentes, tendendo para o vermelho, indicam maior conectividade. As
cores mais frias, tendendo para ao azul escuro, indicam aquelas de
menor conectividade.
A mensuração pode ser conferida a seguir no mapa gráfico de
conectividade. (Figura 42)
De acordo com esta breve análise, hoje a via que apresenta o maior
índice de conectividade (Rua Chile-16) não corresponde à rua de comércio e
movimento, ela é essencialmente residencial. Contudo ela corta uma rua de
caráter comercial voltado para atender o bairro, tais como padaria, armarinho
e pequenas lojas de roupa.
Conforme as observações diretas em campo e que são refletidas no
mapa de uso e ocupação de solo (Figura 43) e no mapa de conectividade;
observa-se que as vias Paraguai (35) e Hermes Santório (15) são as que
apresentam uma maior concentração de atividades comerciais. As vias da
parte baixa do bairro (ex: 1, 4, 5, 6, 14 e 49), em sua maioria estão em
laranja, mostrando assim boa conectividade segundo a hierarquia do gráfico
[lembrando que esta equivale área inicial do bairro, uma área de aterro].
82
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
83Figura 43: Mapa uso de solo. Pontuada em visita in loco 2011.
Fonte: Mapa elaborado no auto cad em cima da base cartográfica de Cariacica
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 43: Mapa uso de solo. Pontuada em visita in loco 2011.
Fonte: Mapa elaborado no auto cad em cima da base cartográfica de Cariacica
84
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
As vias em azul são as de menor conectividade ou que recebem
menos ligações dentro desse local. Nota-se que em geral as vias em azul
escuro correspondem a áreas em expansão no bairro e áreas afastadas. Ali
se vê precária estrutura, tendo vias ainda sem calçamento e pouca
iluminação configurando áreas perigosas; principalmente na rua (R. Sem
Nome- nº43 no mapa de conectividade) do Distrito Policial (nº 18- no mapa
de uso e ocupação do solo).
A Avenida Espírito Santo (1) tem extensão significativa (em torno de
800 m), tem uso bastante comercial com galpões de armazenagam e é um
eixo de ligação de diversos bairros vizinhos com os municípios de Vila Velha
e Vitória, todavia, a cor laranja no gráfico não corresponde a essa
importância presenciada. Possivelmente esse fato esteja vinculado com a
localização da Siderúrgica Belgo Mineira a qual ocupa grande área (Figura
44) .
Ao longo desta via o muro da Belgo [Mineira] está presente,
consequentemente é impeditivo para conexões de possíveis vias. É de
conhecimento, que o calçadão contínuo permeando o extenso muro é usado
de maneira alternativa para exercícios e caminhadas mesmo com mau
calçamento e estrutura.
85
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 44: Av. Espírito Santo à esquerda. Em
segundo plano área da Siderúrgica Belgo Mineira.
Fonte: Imagem Panorâmico. Acesso: 05/11/2011.
A via de entorno imediato (R. Eng. José da Silva, nº12) ao Estádio
Engenheiro Araripe (Desportiva) tem baixo nível de conexão. Inclusive, pelo
mapa de uso e ocupação do solo [confirmado em visita ao local] parte da rua
não é pavimentada, não tem calçamento e tem o fim súbito com o encontro
da “alça” da Segunda Ponte (nº13 no mapa de conectividade).
86
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Vale dizer aqui que, de acordo com o PDM de Cariacica, a edificação
está inserida na Zona de Ocupação Preferencial (ZOP 01), que é composta
por áreas em transformação urbana acelerada e por grandes áreas
desocupadas. A permissão de usos diversificados e gabaritos de até 16
pavimentos reforçam a necessidade do pensar e agir no lugar (Figura 45 e
46).
Figura 45: Projeto original do estádio Engenheiro Araripe
(Desportiva). Rio Marinho em primeiro Plano.
Ao fundo atual Rua José da Silva.
Fonte: Acervo de Dirceu Márximo Loureiro
Figura 46: Proposta de
“Centro de Convivência
Empresarial Esportiva e
Comercial do Estado:
Cidade Jardim”
construtora 3M.
Referência à esquerda
2º ponte.
Fonte: Reprodução
panfleto . Material da
Prefeitura de Cariacica.
87
02
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
2 VESTÍGIO DE UM INÍCIO PLANEJADO
2.1 Vestígio de um início planejado [base historiográfica]
Antes mesmo de ser Fazenda Paul, tem-se o mapa da região que era
de domínio de Leonardo Froes, cristão novo. Ele tinha fazenda de cana e
engenho, onde hoje é a policia federal em São Torquato mas que,
possivelmente, se estendia até parte de Jardim América. (Figura
47)
Consta na referência “ Um novo olhar sobre Cariacica” ,de Luzia
Pereira de Oliveira (2006), que o primeiro documento referente é de 23 de
maio de 1827. Nele está o nome do mais antigo proprietário da fazenda Paul,
Pe André Vitorino Delgado.
Figura 48: Moradores das primeiras casas
populares construídas pela Companhia de
Melhoramentos de Vitória na década de 40.
Fonte: Jornal A Tribuna. Agosto 2003
89
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 47: Imagens em
escalas
diferentes. Reprodução
fotográfica do livro
“Estado do Brasil,
coligido das mais
certas noticias que
pode ajuntar D.
Jerônimo de Ataíde.
por João Teixeira
Albernaz I, Cosmógrafo
de Sua Magestade,
1631”.
Fonte: Arquivo-
Biblioteca Itamaraty,
Rio de Janeiro.
90
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
A fazenda passou por 13 proprietários e, a partir de 1936, foi transferida para
a Companhia de Melhoramentos de Vitória. O fundador do bairro, Hugo Viola, teve
a iniciativa de criar a Companhia de Melhoramentos de Vitória para adquirir a
extensa faixa de terra pertencente à antiga Fazenda Paul. Lá, construiu casas
populares (Figura 49, 50 e 51) vendidas à prestação, num tempo onde não havia
correção monetária e nem inflação. Até então, o terreno baixo era deserto e coberto
por vegetação de mangue.
Figura 49: Fachada casa na Rua
Canadá .Data: 1946
Fonte: Faria (1988).
Figura 50: Perspectiva das casas populares
na Rua México .Data: 1946
Fonte: Faria (1988).
Figura 51: Perspectiva das casas
populares na Rua Canadá .Data: 1946
Fonte: Faria (1988).
91
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
No livro de Omir Leal Bezerra (2009) “ Cariacica: Resumo Histórico”,
diz que de 1946 a 1950, foram construídos nesse bairro mais de 500 casas,
sendo que 100 delas foram frutos da operosidade da Companhia de
Melhoramentos de Vitória S/A vendidas por prestação de 34.000 cruzeiros.
Bezerra (2009) menciona também, que o antigo arraial deve seu nome ao Sr.
Hugo Viola (fundador do bairro), em homenagem ao bairro Jardim América
em São Paulo, onde vivera grande parte de sua infância.
No artigo do Jornal A Gazeta “ Do sonho à realidade” de setembro de
2003 retomava um texto escrito por Mesquita Neto, em 1955, o qual dizia:
“O bairro, em 1955, tinha ruas com nomes de países da América e
já contava com uma boa infra-estrutura para a época: água, luz, esgoto e
transporte, os quatro fatores essenciais ao progresso de qualquer meio
civilizado [...]
O bairro foi fundado no início do século XX e era pouco mais que
um conjunto habitacional que abrangia as ruas Paraguai, Guiana,
Colômbia, México, Canadá e América. Depois veio o loteamento dos
morros e o aterro da sua parte baixa. Hugo Viola tinha lá sua vivenda
exatamente na esquina das ruas Colômbia e Chile. (Figura 52) (...) Jardim
América é o núcleo de uma grande cidade. Não está longe disso. Quando
forem aterradas partes que se alagam com as chuvas, melhorada a rede
de esgoto, e calçadas algumas ruas, há de ver o impulso que tomará”.
“
92
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 52: Casa de Hugo Viola
Fonte: Arquivo pessoal (Jul.2011).
Todo este movimento trouxe migrantes do interior do estado, que vieram
à procura de emprego, e geraram um crescimento na população do bairro. O
bairro cresceu muito mais do que poderia prever o seu fundador Hugo Viola,
cujo seu projeto de iniciativa própria, na extensa baixada do Rio Marinho,
contemplava a inserção de iniciais cem casas populares em 1947 naquele
traçado ortogonal grelha(FARIA,1988).
Waldir Menezes, na reportagem de A tribuna em 1949, afirma que Jardim
América resolveu o grave problema residencial de Vitória. Os novos lares e os
lares mais modestos tinham em Jardim América a solução do seu problema de
moradia. O texto ainda diz que: “[...] Vitória é uma cidade literalmente lotada de
população. No centro uma residência é um problema de difícil solução[...]”
93
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Até os anos 70, Jardim América era o principal centro urbano de
Cariacica, mas foi esvaziado devido também o crescimento do bairro Campo
Grande. Com isso o lugar tido como pioneiro do país [ e de acordo com os
relatos orais, pioneiro da América Latina] na construção de um conjunto
habitacional perdeu lugar. Os buracos nas ruas, o alagamento na parte baixa
quando chove e a poluição da Ferro e Aço de Vitória (Cofavi) dificultaram a
vida dos moradores. A indústria contribuiu para expansão do bairro, contudo
acelerou processo de degradação do espaço devido seu transporte de carga
pesada e poluição.
Figura 53: instalações da Cia de
Ferro e Aço de Vitória. Alto forno e
aspecto geral da usina.18/01/1945
Fonte: Arquivo Público. Seção
fotográfica (1944-1971)
Figura 54: Políticos na Cia de Ferro e Aço de Vitória.3/5/1950
Fonte: Arquivo Público. Seção fotográfica (1944-1971)
94
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Na referência “ A ferro e fogo” de Álvaro José Silva e Lino Geraldo
Resende (2004), diz que a empresa foi fundada em 1942, pela família Oliveira
Santos, ligada à exportação, e, inicialmente tinha um pequeno forno de carvão
(Figura 53). Começou a operar efetivamente em 1945, depois, com a chegada
do governo de Juscelino Kubistchek, foi feito o primeiro planejamento da
Siderúrgica no Brasil chamado de Plano Siderúrgico Nacional.
Nele foi definida a instalação de três novas siderúrgicas: a Cosipa, em
São Paulo; a Açominas em Minas Gerais; e a Companhia Ferro e Aço de Vitória
(Cofavi). No que se refere à Cofavi, que tinha apenas um alto forno movido à
carvão vegetal, com produção limitada de aço comum, o objetivo do Plano era
ampliar sua produção, fazendo com que, junto com as outras usinas, o Brasil
tivesse a maior produção de aço.
Na década de 1950, em uma visita ao Espírito Santo (Figura 54), o
presidente Juscelino Kubistchek, anunciou expansão da empresa de acordo
com o seu Plano de Metas(SILVA, 2004). A área que antes pertencia a Cofavi,
com a falência em 1996 e após compra da Arcelor Mittal, passou por direito a
Belgo Mineira.
Um exemplo também de construção de grande escala, é o estádio da
Desportiva (Figura 55, 56 e 57), cuja situação atual é de má condição física e
financeira.
95
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 55: Muro da desportiva e parte da BR
262. Morro de Argolas ao fundo
Fonte: Arquivo Pessoal (2010)
Figura 56: Mesmo trecho da Figura 25: 2
ainda na construção do estádio Engenheiro
Araripe (desportiva) em 1966.
Fonte:
http://grenamor.blogspot.com/2008/10/tnel-
do-tempo-engenheiro-araripe.html
Acesso:23/11/2010.
Figura 57: Estádio Desportiva Ferroviária, ainda inacabado, e
prédio de sua Sede Social a frente, 1963.
Fonte: REVISTA CAPIXABA. Vitória: Capixaba, Ano. 1, n. 5, jul.
1967.
96
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
A Associação Desportiva Ferroviária Vale do Rio Doce, surgiu em 1963, da
unificação de clubes ferroviários pela empresa Cia Vale do Rio Doce. A idéia de
unificação surgiu de uma portaria assinada pelo engenheiro Eliezer Batista da
Silva, então Superintendente do Departamento de Estrada da Vale do Rio Doce,
criando “uma comissão para estudar e apresentar uma fórmula capaz de atender
aos interesses das agremiações existentes, sem qualquer prejuízo aos direitos de
seus associados”.
Assim, financiado pela CVRD, o clube construiu em Jardim América
inicialmente a Sede Social [em 2010 a edificação foi demolida] e, posteriormente,
um estádio. Esse estádio, bem como toda área ocupada até hoje era pertencente à
Vale. Segundo Álvaro José Silva no livro “Clubes de Futebol”, a Desportiva a
utilizava em regime de comodato. Em 1997, com a privatização da empresa, tudo
foi finalmente passado para o nome da agremiação esportiva.
A presença da Segunda Ponte é um dos marcos do desenvolvimento do
estado e localiza-se ao lado da Desportiva, conectando os municípios de Vitória,
Vila Velha e Cariacica. E que junto da BR 262, que também liga outros municípios,
proporciona um fluxo intenso de veículos e mercadorias. Antes 1979 [data
construção] a ligação com Vitória era feita pela ponte Florentino Ávidos (Figura 58
e 59) [conhecida como 5 pontes e construída na década de 30]
97
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 58:
Movimento antes
de 1979, Ponte
Florentino Ávidos
Fonte: Revista
Espírito Santo
AGORA.Novembr
o, nº2
Figura 59:
Imagem atual
parte ponte
Florentino Ávidos.
Fonte: Imagem
Panorâmico.
Acesso:
05/11/2011.
98
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
A Estação Pedro Nolasco (Figura 60, 61 e 62), se localiza do outro
lado da BR 262 e apesar de aparentar uma movimentação tímida, possui um
contingente bastante significativo de passageiros, que se deslocam a
trabalho e motivos variados todos os dias. De acordo com documento
histórico do Centro de Memória do Museu da Vale, a estação passou a
funcionar após 1985 quando foi transferido o transporte de passageiros que
então estava funcionando em uma estação provisória em Porto Velho.
Figura 60: Imagem dentro da Estação Pedro Nolasco
em funcionamento
Fonte: Arquivo pessoal (2010)
Figura 61: Imagem dentro da Estação Pedro Nolasco
em funcionamento
Fonte: Arquivo pessoal (2010)
99
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 62: BR 262 ao centro , desportiva em primeiro plano à esq. e ao fundo parte alta de Jardim América. À direita em
primeiro plano tem-se CRE metropolitano . Estação Pedro Nolasco e Morro da Companhia ao fundo
Fonte: Arquivo pessoal (2010)
100
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
[ Vale mencionar que era na Estação Pedro Nolasco em Argolas que
funcionava primeiramente o transporte de passageiros. É de conhecimento que
sofreu uma série de dificuldades nas áreas políticas, burocráticas e financeiras e
em 1940 passa a ser conhecida como “Ferrovia de Minério”. Assim o transporte
de cargas em geral e passageiros ficam em segundo plano só que em 1961, com
mudanças significativas no sistema viário e crescimento urbano da Grande
Vitória, a estação esse transporte foi transferido para a estação provisória em
Porto Velho]
Na parte alta do bairro insere-se a igreja católica (Figura 63 e 64) que é
referência não apenas no bairro, mas na região, pois, como Paróquia, coordena
comunidades vizinhas. As festividades da padroeira [Santa Maria Gorette], que
acontecem sempre no início de Julho atraem diversas pessoas e movimentam o
local.
Com base no documento histórico da secretaria paroquial de Santa Maria
Gorette, foi em 1945 quando um grupo de moradores procurou o Bispo Dom Luiz
Scortegagna, com o objetivo de fundar em Jardim América uma comunidade
católica. Missões foram feitas [ as missões eram feitas de pregações, batizados e
primeira comunhão] e o local dos encontros foi um armazém de abastecimento de
cereais da C.V.R.D. (Companhia Vale do Rio Doce), na Rua Paraguai. Após
missões determinadas pelo Bispo foi celebrada a primeira missa no bairro em uma
garagem, que pertencia à residência do Sr. Silvio Pádua, na Rua México nº 19.
101
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 63: Foto aérea. Igreja e sua torre à direita.
Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data
Figura 64: Igreja enfeitada para as festividades da padroeira.
Fonte: Arquivo pessoal (Jul.2011)
Até o início de 1950, não havia lugar fixo, prossegue o documento
paroquial. As atividades religiosas como: reza dos terços e ladainhas, ora na
garagem, ora na oficina de marcenaria do Sr. Pignaton, na Rua Chile. Com o
crescimento da comunidade [o que o documento denomina “igreja viva”], a
imobiliária Hugolândia doou dois terrenos de 300 m² cada na Rua Venezuela,
próximo à divisa com a Ferro e Aço [atualmente Siderúrgica Belgo Mineira]. O
então Pároco José Brasil motivou a comunidade a comprar mais dois terrenos
do mesmo tamanho onde foi feita grande igreja de madeira.
102
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Em 1953, os Passionistas compraram uma quadra de terreno limitado pelas
Ruas Bolívia (Figura 65 e 66), Venezuela e São Paulo da Cruz para edificarem a
sua obra. Já no ano de 1954 o Pároco Ambrósio Marafiota[1º Pároco oficialmente
de Jardim América] doou a L.B.A. (Legião Brasileira de Assistência) uma área de
2.275 m² para construção de uma obra social, onde funcionaria também uma Igreja
e a residência do Pároco, ambas provisórias. Finalizada as construções, a Igreja de
madeira foi desativada e as celebrações passaram a ser realizadas na Capela da
L.B.A. Conclui o documento, que no ano de 1957 já havia inaugurado
correspondente atual igreja Matriz [que é a atual igreja Santa Maria Gorette] e a
residência paroquial.
Figura 65: Foto tirada
da Rua Bolívia.
Fonte: Acervo
Padres Passionistas.
s/ data
103
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 66: Foto tirada da
Rua Bolívia.
Fonte: Arquivo pessoal
(Fev.2012)
104
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
2.1.1 Transformações recentes.
De acordo com o Plano Diretor Municipal (PDM) a área configura-se
como eixo de dinamização compondo zonas lineares dentro do perímetro
urbano de Cariacica. Elas correspondem a áreas formadas com vias
localizadas estrategicamente, sendo importante como ligação e centralização
de atividades de comércio. Além disso abrange uma zona de proteção
ambiental( ZPA) próximo a área de Belgo Mineira, antiga Cofavi, que por sua
vez é uma Zona Especial (ZE), a qual se caracteriza por equipamento de
interesse econômico englobando atividades diferenciadas de forma que
possam a vir exercer impacto econômico, urbanístico, sociais ou mesmo
ambientais.
Para a compreensão da atual situação urbana do bairro, o
entendimento da estrutura econômica da Região da Grande Vitória é
essencial, uma vez que a consolidação na década de 40 e a seguinte
estagnação na década de 70 estão intrinsecamente relacionadas ao
desenvolvimento industrial, portuário e logístico.
Hoje os galpões mais novos de Jardim América funcionam como
unidade de armazenagem integrada com a movimentação portuária do da
Grande Vitória. Característica do município (Cariacica) o qual se insere o
bairro, como reforça a professora Martha Campos:
105
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
“ A especificidade funcional do município de Cariacica de pólo
de atividades de comércio e serviços retroportuários, indica o vínculo de
seu perfil produtivo urbano com o sistema de transportes de cargas,
articulado pelos terminais de carga e unidades de armazenagem,
integrado à movimentação portuária do complexo portuário concentrado
na Grande Vitória”.
“A inserção do terminal rodoviário Transcol, em 2010, deu uma nova
dinâmica para a região, mudando fluxo e sentido de algumas avenidas tais
como Av. Espírito Santo, Rua Brasil e Pará. É de frente para a BR-262 que
ele se insere, rodovia esta que é a porta de entrada para a capital do Estado,
sendo o eixo de ligação principal com as maiores metrópoles do país. Ao
longo dela encontram-se diversas lojas especializadas em equipamentos,
peças e manutenção de automóveis, assim como também postos de
combustíveis.
Do outro lado da BR 262 está o Centro Regional de Especialidades
Metropolitano e no trevo da rodovia se localiza um ponto da Polícia Federal
[usado para blitz] (Figura 67). Muitos terrenos estão desocupados, e no
entorno imediato à Desportiva são poucas as residências, no entanto, a
poucas quadras encontra-se o centro de vivências do bairro [ou o que poderia
ser], a praça Hugo Viola. (Figura 68)
106
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 67: Posto da Polícia Federal
Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)
Figura 68: Valão que corta Praça Hugo Viola .
Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)
107
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
A Rodovia BR-262 constitui um espaço geográfico muito importante para o
crescimento de Jardim América. Pela sua própria importância econômica e de
localização estratégica, contribuiu para a valorização comercial e imobiliária do
bairro. Esta é uma descrição oficial, por exemplo, no site da prefeitura de Cariacica
ou mesmo nos principais sites de busca na internet. Em outro zoom, no que Paola
Berenstein cita sobre a experiência urbana (urbanista errante), a descrição é
diferente.
Nesse processo investigativo usando a corporeidade, nas andanças sentindo
esse sítio, na proximidade com a BR há um grande nó de veículos. Forma-se no
cruzamento da BR 262 com acesso a segunda ponte e é fator marcante para a
marginalização do espaço, da mesma forma as condições insalubres do Rio
Marinho e os terrenos vazios, ocupados apenas por lixo. (Figura 69)
Figura 69: Ponte do Camelo e Rio Marinho
Fonte: Arquivo pessoal (2010)
108
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
2.1.2 Cia Vale do Rio Doce
Em 1952, após enfrentar vários contratempos, a CVRD consegue
modernizar as operações do complexo mina-ferrovia-porto e atingir a meta de
1,5 milhão de toneladas exportadas por ano.
No primeiro ano da gestão de Arthur Gerhardt criou-se um distrito
industrial para concentrar as micro, pequenas e médias empresas. Localizado
em Carapina, no município de Serra o CIVIT [Centro Industrial de Vitória.]
A Companhia Vale do Rio Doce que, em 1966, construiu o porto de
Tubarão em uma antiga fazenda de gado na praia de Camburi, começou em
1974, as obras da Companhia Siderúrgica de Tubarão - CST. O terminal de
Tubarão desafogou o porto de Atalaia, na baía de Vitória. [Neste mesmo
período foi iniciada a obra da Segunda Ponte, ligando Vitória a Vila Velha, com
término em 1979] (Figura 70)
Figura 70: Imagem aérea CVRD em Jardim
América e Baia de Vitória
Fonte: IJSN (1961)
109
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Atualmente onde se insere o CRE metropolitano, era centro
operacional da CVRD, a qual hoje tem alguns galpões, ferrovia, algumas
casas abandonadas no “Morro da Cia” e a Estação Pedro Nolasco.
Na reportagem de Waldir Menezes, publicada no jornal A Tribuna em
1949, mencionou invasão de terrenos em Jardim América pela Cia.
Prosseguiu o texto dizendo que a Vale do Rio Doce opõe-se a Companhia
Melhoramentos de Vitória S.A prosseguisse com a construção das casas
sob o fundamento que os terrenos de Jardim América fossem terrenos de
Marinha. Segundo a reportagem somente não bastasse esse protesto do
representante da União, como também a invasão de terras legítimas de uma
Companhia ligada ao Governo Federal. A matéria ainda diz:
“Não nos compete aqui discutir esses pontos, uma vez que as
medidas cautelosas foram tomadas e o assunto está sendo discutido
pelos canais competentes. Apenas queremos dizer que, a nosso ver,
aqueles dois fatos a que nos referimos somente conseguiram criar
apreensões e desassossego[...] invadir terrenos legítimos com um tal
acervo de documentação, cujas escrituras datam de mais de um século
parece-nos obra de desatinados. Assim como pretender que a margem de
rio entre morros, brejo de batinga seja terreno de marinha, parece-nos
anedota de fazer rir. O Jardim América tem uma parte que é terreno de
marinha, a parte mais baixa, à margem esquerda do Rio Marinho, mas
desta parte, a Companhia de Melhoramentos de Vitória S.A, tem
certificado de ocupação regularmente processado” (MENEZES, 1949)
“
110
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
2.2 O que é o lugar?
Entender Jardim América, um lugar, requer compreender o que é o
lugar. As categorizações são diversas e diante das reflexões sobre
proximidade e distancia e após permear sobre possibilidades de
investigação, adianto-me e presumo que o lugar não é o mesmo para todos.
O samba de Arlindo Cruz “O Meu Lugar”, mostra algumas dimensões do
conceito do lugar. Aqueles que trabalham, habitam, circulam, amam,
produzem esse dia a dia do lugar, narrando histórias diferentes:
O Meu Lugar
Composição : Arlindo Cruz
O meu lugar
É caminho de Ogum e Iansã
Lá tem samba até de manhã
Uma ginga em cada andar
O meu lugar
É cercado de luta e suor
Esperança num mundo melhor
E cerveja pra comemorar
O meu lugar
Tem seus mitos e Seres de Luz
É bem perto de Osvaldo Cruz,
Cascadura, Vaz Lobo e Irajá
O meu lugar
É sorriso é paz e prazer
O seu nome é doce dizer
Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa, lá lá laiá
111
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Ahhh que lugar
A saudade me faz relembrar
Os amores que eu tive por lá
É difícil esquecer
Doce lugar
Que é eterno no meu coração
E aos poetas trás inspiração
Pra cantar e escrever
Ai meu lugar
Quem não viu Tia Eulália dançar
Vó Maria o terreiro benzer
E ainda tem jogo à luz do luar
Ai que lugar
Tem mil coisas pra gente dizer
O difícil é saber terminar
Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa, lá lá laiá, Madureiraaa
Em cada esquina um pagode num bar
Em Madureiraaa
Império e Portela também são de lá
Em Madureiraaa
E no Mercadão você pode comprar
Por uma pechincha você vai levar
Um dengo, um sonho pra quem quer sonhar
Em Madureiraaa
E quem se habilita até pode chegar
Tem jogo de lona, caipira e bilhar
Buraco, sueca pro tempo passar
Em Madureiraaa
E uma fezinha até posso fazer
No grupo dezena centena e milhar
Pelos 7 lados eu vou te cercar
Em Madureiraaa
E lalalaiala laia la la ia...
Em Madureiraaa
112
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Doreen Massey (2008) esquematiza algumas linhas específicas de
argumentos que exemplificam modos em que o espaço pode se apresentar,
através de discursos filosóficos. Contudo entende que a partir daí, enquanto
lugar é reinvidicado ou rejeitado em debates, de maneiras diferentes, existem
evidências em comum, tais como o de lugar como algo fechado, integrado,
um refúgio seguro, de certa maneira, originalmente regionalizado. Além disso,
tais discursos filosóficos movimentam uma contraposição subentendida em
diferentes níveis teóricos; tendo o espaço, de um lado e lugar de outro.
Assim sendo autora afirma que existe “lugar” no contexto de um
mundo que é progressivamente mais interconectado com a noção de lugar
(geralmente citado como um “lugar local”) cujo valor simbólico é
frequentemente articulado em argumentos políticos. Há também esse
significado usado no cotidiano, nas práticas reais desta maneira valorizadas,
fonte geográfica de significado, essencial como referência.
No livro, Massey (2008), ainda defende uma maneira alternativa de
encarar o espaço:
“ E se recusarmos essa distinção, por mais sedutora que pareça, entre
lugar (como sentido, vivido e cotidiano) e espaço (como o quê? O exterior? O
abstrato? O sem significação?)” (MASSEY, 2008, p.25)“
113
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Não se pode definir o espaço como oposto de lugar como vivido ou
mesmo equivaler o cotidiano como local. Sendo assim, defender o espaço de
forma relacional, não permite que ele seja união de todas conexões, afirma
Massey (2008). Há uma pluralidade de trajetórias cujas conexões são sempre
cambiantes, o que faz com que o próprio lugar se forme como um feixe
dessas articulações.
No capitulo “Relatos de Espaço” do livro Invenção do Cotidiano, Michel
de Certeau (1998), inicia dizendo que na Atenas contemporânea, os
transportes coletivos se chamavam metaphorai. Assim para trabalhar ou
voltar para casa pegava-se uma “metáfora”. A partir disso equipara o ato de
relatar com esse movimento dos transportes coletivos, mencionando que
poderiam ter esse nome (metáfora), já que todos os dias os relatos
atravessam e organizam lugares fazendo deles frases e itinerários, em suma
são percursos de espaço.
Certeau (1998) considera em sua pesquisa, ações narrativas as quais
permitem pontuar algumas formas das práticas organizadoras de espaço: a
bipolaridade “mapa” e o “percurso”. Entre espaço e lugar coloca uma
distinção que delimita um campo onde o lugar é a ordem segundo o qual se
distribuem os elementos nas relações da coexistência, sendo, portanto, o
lugar uma indicação de estabilidade.
114
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Certeau (1998) categoriza, diz: que o espaço é um cruzamento de
móveis; e ainda faz a comparação do espaço estar para o lugar assim como
a palavra quando falada.
Em reportagem publicada em A tribuna em 1949, de Waldir Menezes,
relata o que era aquele lugar antes de ser Jardim América:
“ Há 3 anos passados, quem, partindo de Vitória
atravessasse a ponte “Florentino Avidos”, a seguindo,
deixasse a estrada de Vila Velha e transpusesse a ponte
sobre o Rio Marinho, teria a oportunidade de ver, à direita
e à esquerda, extensa área de terreno baixo, deserto,
coberto de vegetação comum a essa natureza de terreno
vulgarmente conhecido por brejo”
“
Cabe insistir que lugar significa mais do que uma localização. Para
Norberg-Schulz (2008), naturalmente as direções principais são horizontal e
vertical, isto é, da terra e do céu. Então aí, centralização, direção e ritmo são
importantes propriedades. Por fim, deve-se mencionar que os elementos
naturais (como as montanhas) e os assentamentos podem agrupar-se ou
formar feixes, com graus diversos de proximidade. (Figura 71 e 72)
115
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 71: Paisagem. À direita Morro Argolas( Vila
Velha). À esquerda morros de Vitória.
Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011)
Figura 72: Paisagem natural: À esquerda Morro
Argolas( Vila Velha). À esquerda paisagem
construída: Torre da igreja que se destaca.
Fonte: Arquivo pessoal (Nov.2011)
116
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
2.3 Algumas trajetórias e o sítio
O significado de trajetória no dicionário é: s.f (geom) linha
descrita ou percorrida pelo centro de gravidade de um corpo em
movimento; Linha descrita por um ponto material em movimento, por
um projétil, de seu ponto de partida ao de chegada. (p.ext.) órbita;
caminho, trajeto; meio; via.
Massey (2008) cita os termos “Trajetória” e “estória” e
prontamente diz que significam, simplesmente, enfatizar o processo
de mudança em um fenômeno. (Figura 73, 74 e 75) Nessa perspectiva
Doreen [Massey], explicita que os termos são, assim, temporais em
sua ênfase, apesar de que, ela defenderia sua necessária
espacialidade (seu posicionamento a outras trajetórias ou histórias,
por exemplo). Segundo a autora, tanto trajetória quanto estória tem
outras conotações que ela mesma não adota em seu livro. Diz ainda
que trajetória é um termo presente em debates sobre representação
que tiveram influências importantes e duradouras nos conceito de
espaço e tempo.
117
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 73: Terreno atual da igreja, ainda vazio. Data:
1954
Fonte: Acervo Padres Passionistas.
118
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 74:
Terreno atual da
igreja, com a
LBA. Data:1956
Fonte: Acervo
Padres
Passionistas.
Figura 75:
Terreno atual da
igreja, com a LBA
e igreja ao fundo
(ainda sem a
torre) .Data: 1958
Fonte: Acervo
Padres
Passionistas.
119
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Estória traz consigo conotações de alguma coisa relatada ou de
uma história interpretada. Em Jardim América, ao longo da pesquisa, foi
citado, por exemplo, sobre a LBA e seus cursos ofertados, de como
aquilo era bom. Mas exatamente quando aquilo foi inserido, em qual
circunstância e de maneira mais convincente e comprovado pela
fotografia [a base historiográfica da Paróquia Santa Maria Gorette
descreve esse processo] viu-se a ligação da edificação com a igreja
católica. Obviamente que outras situações objetivamente podem ser
aproveitas daquela imagem (Figura 73, 74 e 75), tais como a topografia
e a tipologia das casas naquela época.
Massey (2008) expõe no livro, “[...] mas eu me refiro,
simplesmente, a estória, mudança, movimento, das próprias coisas”
(MASSEY, 2008, p. 33). A autora diz se incomodar com as equivalências
entre representação e espacialização, e, de associações de espaço com
sincronia. Ela está interessada em como poderíamos imaginar espaços
para estes tempos, como poderíamos buscar uma imaginação
alternativa.
120
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Henri Jeudy (2006) escreve que a marcação das épocas é uma
maneira tradicional de fazer aparecer a ligação entre o tempo e o advento do
sentido. Segue dizendo que contudo,”[...] a criação artística e arquitetônica é
estimulada por uma certa desordem dos regimes de historicidade, por efeitos
de condensação semântica das épocas.”( JEUDY, 2006, p. 16). Com a
história a desempenhar um papel social e político na anamnese [recordação]
comunitária, a posição dos arquitetos pode então ser rigorosamente
contraditória: uns farão “tabula rasa” (a cidade genérica) mas estes mesmos
não escapam à criação implícita de “novas memórias” dos lugares
paradoxalmente impulsionados pelo “vazio”, outros tentarão promover uma
concepção arquitetônica desobrigada da conservação patrimonial. Jeudy
(2006) coloca a questão “[...]Como esse “dever de memória” pode se articular
a uma projeção simbólica para o futuro?” .”( JEUDY, 2006, p. 16)
Numa retomada a literatura [Sites Matters] de Carol Burns e Andrea
Kahn (2005), onde faz a sobreposição de três grupos com a função de focar
em uma área teórica. Um adentro no terceiro grupo que Burns e Kahn (2005)
comentam, onde fala da relação entre as técnicas de representação, os
métodos de estudo e as estratégicas para abordagem do projeto.
121
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Burns e Kahn (2005) julgam que o conhecimento do sítio [site] apresentado
no livro pode lançar nova luz sobre o passado assim como fornecer estruturas
para desenvolvimentos futuros, também aponta para quanto o sítio continua a ser
explorado. Os instrumentos da representação permitem desenvolvimentos nas
técnicas de descrição. As ferramentas gráficas informam e são suportes das
idéias dos desenhistas.
O pensamento é permitido e confinado por formatos [plantas, as seções,
os mapas (Figura 76), a fotografia, o vídeo, e os programas usuais], os quais
escalam o espaço. Quando um modelo, um desenho, ou um diagrama que inclui
a informação fora dos limites do lote (estruturas adjacentes), ou fenômenos
temporais (inundações no ano), acrescentam influências situacionais ao site
assimilando-o melhor. Por outro lado, omitir tais informações tem efeito contrário.
(BURNS e KAHN, 2005)
Etienne Samain (1998) diz que processo de construção do signo
fotográfico implica necessariamente a criação documental de uma realidade
concreta. Para o autor, trata-se, entretanto, da realidade da representação que,
geralmente, conflita com a realidade material, objetiva, passada. Expõe ainda,
que do ponto de vista do receptor, “[...] há um confronto entre o documento
presente (originado no passado) com o próprio passado inatingível fisicamente,
apenas mentalmente, subjetivamente.”( SAMAIN, 1998, p.46)
122
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Burns e Kahn (2005) julgam que o conhecimento do sítio [site] apresentado
no livro pode lançar nova luz sobre o passado assim como fornecer estruturas
para desenvolvimentos futuros, também aponta para quanto o sítio continua a ser
explorado. Os instrumentos da representação permitem desenvolvimentos nas
técnicas de descrição. As ferramentas gráficas informam e são suportes das
idéias dos desenhistas.
O pensamento é permitido e confinado por formatos [plantas, as seções,
os mapas (Figura 76), a fotografia, o vídeo, e os programas usuais], os quais
escalam o espaço. Quando um modelo, um desenho, ou um diagrama que inclui
a informação fora dos limites do lote (estruturas adjacentes), ou fenômenos
temporais (inundações no ano), acrescentam influências situacionais ao site
assimilando-o melhor. Por outro lado, omitir tais informações tem efeito contrário.
(BURNS e KAHN, 2005)
Etienne Samain (1998) diz que processo de construção do signo
fotográfico implica necessariamente a criação documental de uma realidade
concreta. Para o autor, trata-se, entretanto, da realidade da representação que,
geralmente, conflita com a realidade material, objetiva, passada. Expõe ainda,
que do ponto de vista do receptor, “[...] há um confronto entre o documento
presente (originado no passado) com o próprio passado inatingível fisicamente,
apenas mentalmente, subjetivamente.”( SAMAIN, 1998, p.46)
122
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 76:
Mapa Ilha de
Vitória e
arredores.
Consta data no
documento de
Maio de 1968,
mas o
documento
representa
região Grande
Vitória em
1954. Em
destaque, à
esquerda,
Jardim
América. E
azul o Rio
Marinho. Notar
traçado de
poucas ruas,
essencialmente
existência das
ruas da parte
baixa.
Fonte: Arquivo
IJSN-ES/ CAR-
UFES
124
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 77: Meninas do
colégio Passionista em
Jardim América. A foto
na diagonal pode indicar
dimensão da fila e a
linearidade
correspondente a
disciplina diante aquela
instituição.
Fonte: Acervo Padres
Passionistas. s/ data
Figura 78: Meninos do
colégio Passionista em
Jardim América.
Anteriormente era um
internato somente de
meninos. A
espontaneidade do grupo
pode indicar mais
liberdade para aqueles
meninos.
Fonte: Acervo Padres
Passionistas. s/ data
125
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Para Peter Ribon Monteiro (2008) além da historicidade imbuída no
sujeito observante [memória] e a aquela construída no objeto, a identidade do
lugar, portanto é construída no próprio ato de percebê-lo. Se junta às relações
de figura – fundo (Figura 79 e 80) e de sujeito e objeto, a relação de tempo e
espaço onde a temporalidade [fenomelogicamente], é ativada por um sujeito.
Figura 79: Morro de Argolas ao fundo. À direita torre da igreja católica.
Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data
126
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 80: Novamente :Morro de Argolas ao fundo. À direita torre da igreja católica.
Fonte: Acervo Padres Passionistas. s/ data
127
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Desse modo, Monteiro (2008) também defende que a imagem da
cidade não está estruturada apenas nos seus objetos e no que eles
representam, mas nessa representação vista e sentida pelos seus
vivenciadores. Falar de uma singularidade urbana, portanto impõem
necessariamente a vivência no espaço, vivência esta que supõe o tempo
presente. Pode-se apreender uma cidade e sua imagem através de uma
representação, “[...] mas de fato, só pode ser verdadeiramente conhecida
através da presença do corpo, do ser no mundo, sendo este responsável pela
criação das novas representações derivadas” (MONTEIRO, 2008, p. 158). A
cidade em sua imagem é presente que vai ao passado e ao futuro (Figura
81, 82, 83 e 84), se apresentando em um duplo horizonte.
128
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 81: Título do arquivo: “Saneamento
em Jardim América.” [notar ao fundo morro
de Argolas]
Fonte: Arquivo IJSN.s/ data
Figura 82: Título da matéria de jornal:
“Jardim América reclama melhor atenção da
PMC”
Fonte: Jornal A Tribuna.22 set.1983
Figura 83: Título da matéria de jornal: “Ninguém agüenta mais os
problemas provocados pelo valão”
Fonte: Jornal A Gazeta .20 mai.1984
Figura 84 Imagem galeria na Av. América.
Fonte: Arquivo pessoal (Fev.2012)
129
03
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
3 ASSOCIAÇÃO SÍTIO , MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO
3.1 Sitio e o inconsciente coletivo
Retomo a Lamarca [o filme] para informar que parte do enredo do
filme passa no Rio de Janeiro e questionar: Poderia relacionar o subúrbio e
linguagem dos bairros fabris do Rio de Janeiro com lugar usado para rodar o
longa? Teria então Jardim América e esses bairros de subúrbio do Rio de
Janeiro uma imagem genérica? (Figura 85 e 86)
131
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 85: Cena do Filme
Lamarca, 1994. Av. Espírito
Santo, Jardim América-
Cariacica-ES.
Fonte: Imagem retirada
http://www.youtube.com/watch?
v=F3a_TePgOEE. Acesso:
20/11/2010.
igura 86: Av. Espírito Santo, em
um sábado. Jardim América.
Segundo plano muro da antiga
Cofavi [Atual Belgo Mineira].
Fonte: Arquivo pessoal
(Jul.2011).
Lúcia Nagib no livro “O cinema da retomada: depoimento de 90
cineastras dos anos 90” traz relato de Sérgio Rezende, responsável pelo
filme. Em trecho, Sérgio Rezende revela:
132
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
“ [...]Homens comuns que tiveram destinos incomuns. Li um livro
chamado Lamarca: capitão da guerrilha, de Emiliano José e Oldak
Miranda, e resolvi fazer o filme. Chamar de “adaptação literária” é um
dos grandes equívocos em relação a esses filmes históricos, no Brasil.
Não se pode adaptar nada. Num cinema de ficção tudo é inventado,
você tem fatos, mas os fatos não viram cenas. Um livro pode ser
excelente, mas não tem uma estrutura narrativa de um filme. Comecei o
filme com um pequeno documentário sobre Lamarca, por que percebi
que o público em geral não tinha informação sobre ele.[...]” (NAGIB,
2002, p. 381, acesso em 24 de nov. 2011)
“
O cineasta prossegue admitindo não ver grandes problemas em fazer
filmes de ficção baseados em fatos históricos, inclusive diz que na verdade
trata-se de uma das principais vertentes do cinema. Para ele o cinema
trabalha com aquilo que ficou no inconsciente coletivo das pessoas, um
personagem é a representação de um inconsciente coletivo. Escrever um
filme é escrever um filme, afirma Sérgio. Seja ele Um sonho não acabou ou a
história de Lamarca. Tudo é invenção. Tudo é contar mentiras para falar a
verdade. Há fatos que é preciso respeitar, mas toda construção do
personagem é recriação, conclui.
133
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Aproveito daquelas questões sobre a proximidade e a distância, em
especial a comparação do pintor e operador da câmera no cinema [ e a
construção auxiliar do cirurgião e do mago] que Walter Benjamim faz, para
mencionar sua conclusão: o operador de câmera intervém profundamente na
textura da cidade. A reprodução fotográfica, nesse contexto, realiza essa
aproximação, todavia trata-se de uma imagem transportável, que acaba por
distanciar o indivíduo numa relação de apego [aproximação] a representação
em detrimento ao objeto.
As questões de pré-projeto, incluindo também programa,
financiamento e outros fatores estratégicos é o que formam a estrutura de um
projeto. Se aprofundando um pouco mais, um local está definido por aqueles
que detêm o poder de fazê-lo, sendo assim, segundo Burns e Kahn (2005)
certamente todo as outras discussões do sítio seguem dessa certeza
estrutural.
Compreender o sítio sobre os níveis de teoria e prática ao mesmo
tempo é enriquecer a experiência concreta no campo do projeto como um
todo. O capítulo 2 de “Sites Matters” mostra o ensaio de Harvey M. Jacobs.
Este ensaio procura explicitar de como nós, como proprietários, os vizinhos e
as pessoas interessadas referem-se sobre um site, reivindicam-o, dando
idéias de mudança.
134
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O autor começa na história americana, com os debates sobre a
propriedade e direitos durante o tempo da Revolução Americana. Jacobs diz
ainda que apesar de uma retórica popular que muitas vezes visa simplificar
esta história, o que mostra na verdade é que qualquer ambigüidade
contemporânea sobre as idéias de propriedade e direitos estão preso à
fundação do país.
Conclui que não existe uma fórmula simples, econômico ou legal a que
podemos recorrer. Cada comunidade, em cada geração [tempo] decide sobre
o ponto de equilíbrio que respeite os direitos do proprietário do site [sítio].
Como os americanos continuam a reinventar o seu conceito de liberdade, as
reivindicações sobre o site tornar-se uma das expressões mais óbvias e em
constante mudança.
Pensando desse modo, hoje poderia ser feito uma melhor estrutura
para a galeria na Av. América. Ao invés de lutar contra e esconder as águas
trabalhar com elas e torná-las visíveis, parte integrante desse lugar
originalmente alagadiço. Estudos como o das águas urbanas do grupo
MMBB, é um exemplo, que se desdobrou em um projeto de um urbanismo
inundável para o Córrego do Antonico na favela de Paraísopolis, São Paulo.
Neste projeto, os espaços de ruas e praças foram desenhados para serem
inundados temporariamente de acordo com o volume das chuvas. (Figura 87)
135
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 87: Canal a céu aberto com intuito de
adquirir novo significado e transformar o
espaço público.
Fonte: LARA, Fernando Luiz. Lápis verde:
Anotações sobre arquitetura, arte.
Disponível em:
<http://www.google.com.br/imgres?imgurl=ht
tp://2.bp.blogspot.com>.Acesso em: 08 dez.
2011.
136
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O autor começa na história americana, com os debates sobre a
propriedade e direitos durante o tempo da Revolução Americana. Jacobs diz
ainda que apesar de uma retórica popular que muitas vezes visa simplificar
esta história, o que mostra na verdade é que qualquer ambigüidade
contemporânea sobre as idéias de propriedade e direitos estão preso à
fundação do país.
Conclui que não existe uma fórmula simples, econômico ou legal a que
podemos recorrer. Cada comunidade, em cada geração [tempo] decide sobre
o ponto de equilíbrio que respeite os direitos do proprietário do site [sítio].
Como os americanos continuam a reinventar o seu conceito de liberdade, as
reivindicações sobre o site tornar-se uma das expressões mais óbvias e em
constante mudança.
Pensando desse modo, hoje poderia ser feito uma melhor estrutura
para a galeria na Av. América. Ao invés de lutar contra e esconder as águas
trabalhar com elas e torná-las visíveis, parte integrante desse lugar
originalmente alagadiço. Estudos como o das águas urbanas do grupo
MMBB, é um exemplo, que se desdobrou em um projeto de um urbanismo
inundável para o Córrego do Antonico na favela de Paraísopolis, São Paulo.
Neste projeto, os espaços de ruas e praças foram desenhados para serem
inundados temporariamente de acordo com o volume das chuvas. (Figura 87)
135
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 88: Pichações e gravites
em contruções abandonadas,
ruas acesso ao terminal
Fonte: Arquivo pessoal
(Fev.2012).
138
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 89 Pichações e
vestígios de lama em muro da
Av. América
Fonte: Arquivo pessoal
(Fev.2012).
Figura 90: Poluição visual em
muro e falta de calçada na
Av. Espírito Santo.
Fonte: Arquivo pessoal
(Fev.2012).
139
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Figura 91: Á Dir. quadra do colégio Passionista. Á esq. prédio abandonado onde funcionou LBA e depois arquivo do INSS. Rua Bolívia
Fonte: Arquivo pessoal. Editada no programa photoshop (Jul.2011)
140
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
O colombiano Armando Silva (2006), no livro “Imaginários Urbanos”,
analisa as problemáticas urbanas da América Latina com aporte teórico e
metodológico da antropologia, da psicanálise, da teoria da comunicação, da
estética e da história. Armando Silva fala que se pode invocar a cidade como
uma construção simbólica, e, assim compreendê-la através de sua imagem
carregada de sentido.
Peter Monteiro (2008) diz que a percepção se revela, portanto, desse
encontro: é subjetiva e objetiva ao mesmo tempo. A percepção se revela sob
perfis, sendo construída através de todas as possibilidades, sendo assim de
diversos pontos de vista, e, segundo Peter incluindo mesmo aquele que
possibilita a ilusão.
Ele se aproxima da cidade, se põe sobre ela, desloca sobe sua rede,
vivencia nela, ao mesmo tempo em que intenciona uma nova representação,
na inserção dele no tempo e no espaço localiza-se e move-se, e, segundo
Monteiro (2008), é através de suas avenidas que suas faces se revelam.
“É uma vivência da consciência, um ato, cujo correlato são
qualidades percebidas pela mediação de nosso corpo, é um modo de
estarmos no mundo e de nos relacionarmos com a presença das coisas
diante nós(...)” (MONTEIRO, 2008, p.156)“
141
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
3.2 Proximidade [e distância] de um (a) Urbanista errante
142
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 92: Desenho de Jardim América e indicações referentes à algumas
imagens a seguir.
Fonte: Desenho feito a mão. Finalização programa photoshop CS.
143
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
A fantasia mental desloca o real em conformidade com a visão de
mundo do autor da representação e do observador que a interpreta segundo
seu repertório cultural particular, é o que cita Samain (1998). O que é real
para uns é pura ficção para outros. Real é o barulho do trem na linha férrea
mal cuidada e os sons do maquinário da siderúrgica. O muro que limita a área
marca em extensão a Av. Espírito Santo, mas não tem altura suficiente para
encobrir os grandes galpões e algumas máquinas em desuso.(Figura 93, 94 e
95)
Figura 93: O trilho
cortando o terreno
Fonte: Arquivo
Pessoal
(Fev.2012)
Figura 94: O
calçadão que
acompanha a
avenida
Fonte: Arquivo
Pessoal (Fev.2012)
144
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 95: A Ferrugem do maquinário
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
145
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Em O Mundo Codificado, de Flusser (2007, p.128)), temos que a
fotografia não é representação do mundo, mas de conceitos: “[...]fotografias
são imagens de conceitos, são conceitos transcodificados em cenas”. Nesse
contexto o projeto se vale das representações para chegar aos conteúdos
implícitos desses cenários, aprofundando a investigação do espaço urbano,
através de uma coleção de fragmentos. As fachadas mais antigas se
destacam, as datas lembram em uma mistura de estilos ou mesmo em uma
adaptação para uso atual. (Figura 96)
Figura 96: fachadas como fragmento.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
146
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Suntag (2004) diz que as imagens fotografadas não parecem manifestações a
respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade. As fotos, que
brincam com a escala do mundo são também reduzidas, ampliadas, recortadas ou
adaptadas. Os grafites, pichações e cartazes estão naquela construção abandonada
e naquele muro do terreno baldio. As superfícies como depositárias de inúmeras
camadas de informações, instigam a reflexão ante o isolamento e degradação do
espaço urbano. (Figura 97, 98 e 99)
Figura 97: Arte no abandono
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 98: Grafite como marca de um
passante
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)Figura 99: Camadas de informação
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
147
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Estamos diante de um lago cujo nome é conhecido dos geógrafos, em
meio a altas montanhas, e eis que regressamos a um passado remoto.
Sonhamos enquanto nos lembramos. Lembramo- nos enquanto sonhamos.
Nossas lembranças nos devolvem um rio singelo que reflete um céu apoiado
nas colinas. Mas a colina recresce, a enseada do rio se alarga. O pequeno
faz-se grande. O mundo do devaneio da infância é grande, maior que o
mundo oferecido ao devaneio de hoje (BACHELARD, 1996, p. 96). (Figura
100, 101, e 102)
Figura 100 : Morro de Argolas próximo do terraço
da dona Altair
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 102 :Se aproximando o Morro de Argolas
se esconde sob a Segunda Ponte.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
148
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 101: Morro de
Argolas espia a fenda na
rua Paraguai.
Fonte: Arquivo Pessoal
(Fev.2012)
149
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
É preciso que se utilize o lugar para comprendê-lo, vivenciadores
como atores da cidade [que é ao mesmo tempo cenário e cena]
percebendo e sendo percebido continuamente, dessa relação de
construindo e reconstruindo a própria paisagem. As imagens ambientais
nesse sentido, sendo figura sobre o fundo. (Figura 103, 104 e 105)
Figura 103 : A placa indica Jardim América . O morro confirma o lugar.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
150
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 104: Galpões antigos
realçam na rua estreita e reconstrói
aquela paisagem.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 105: O pavilhão D da
siderúrgica espia, por detrás do
muro, a Av. Espírito Santo.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
151
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
A representação fotográfica, em meio a uma série de outros objetos
simbólicos, que para os outros podem não ter nenhum significado, constitui-
se, pois, no ponto de partida. A Torre da igreja católica pode ser vista de
vários pontos de Jardim América. A realidade assim como a ficção tem
múltiplas facetas e infinitas imagens. (Figura 106, 107 e 108)
Figura 107 : Por detrás da escola.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
152
Figura 106 : Do local ocupado pela trajetória.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
153
Figura 108 : Do parquinho abandonado.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Não são histórias enterradas que estão em questões aqui, mas
história ainda sendo feitas, agora. Como as escolas: Pautila Rodrigues
Xavier que pouco foi falado, mas está edificado e em funcionamento;
Cerqueira Lima de tantos alunos ainda pulsa no centro do bairro ou
mesmo a extinta LBA e sua arquitetura abandonada, é saudade de
várias pessoas. (Figura 109, 110 e 111)
Figura 109 : Está ali mas foge da memória.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 111 : Extinto, mas vivo na lembrança.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
154
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 110 : Vivo em mão dupla.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
155
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
As descrições oscilaram em termos de uma alternativa: ver ou ir. Ou
organizou movimentos “você entra”, “você atravessa”, “você retorna” assim
andando e ao atravessar a rua Chile inusitadamente tem o “trânsito local”.
O que seria o transito local? Seria o “ali você não entra”. Poderia ser alerta
para fragilidade da estrutura viária sobre a galeria pluvial. (Figura 112 e
103)
Figura 112 : Distante: um pequeno obstáculo.
Fonte: Arquivo Pessoal (Jan.2012)
Figura 113 : Próximo: sinalização de
maneira improvisada.
Fonte: Arquivo Pessoal (Jan.2012)
156
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Quando se sugere revalorizar a experiência urbana é a
reconquista dos lugares que se torna a linha do horizonte. Essa
experiência urbana tem uma dimensão pública, não por que os lugares
são definidos como público, mas por que ele cria as condições para
uma experiência pública. Foi flagrado a escola de samba nas
proximidades do carnaval usa a rua como extensão da produção dos
carros alegóricos. Todo sábado a feira ocupa a Av. Brasil e traz um fluxo
grande de pessoas. A construção, hoje supermercado, ocupou o que
antigamente era rua Uruguai. (Figura 114, 115 e 116)
Figura 114 : Escola de samba no uso
publico
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 115 : A
feira semanal na
Av. Brasil.
Fonte: Arquivo
Pessoal
(Fev.2012)
Figura 116 : O
supermercado
que usa a [o que
foi] rua.
Fonte: Arquivo
Pessoal
(Fev.2012)
157
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
A ponte se faz presente na fronteira do bairro. Sobre a segunda
ponte passam automóveis toda movimentação rumo à Vitória. Sob ela
passa a linha férrea, o Rio Marinho e outras pontes. Marca essa relação
entre os lugares naturais e os lugares feitos pelo homem. (Figura 117,
118 e 119)
Figura 117 : Linha férrea sob a ponte
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
Figura 119: A ponte sob a ponte
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
158
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 118: O rio mal cuidado
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
159
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Toda fotografia que apreciamos se refere ao passado. Mesmo as
que tiramos, ou as que tiraram de nós, no último fim de semana. Falar
em passado, pode dizer que o momento vivido e irreversível e que as
situações, sensações e emoções que vivemos estão registradas no
nosso íntimo sob a forma de impressões. Pode casa de aparência mais
antiga tem impressão de enraizamento, de permanência. Pode , por sua
vez, a cobertura de proteção de trem da Estação Pedro Nolasco ter a
impressão de movimento. (Figura 120 e 121)
160
Figura 121 : Movimento: Estação Pedro Nolasco.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 120 : Edificado: Primeiras casas no bairro.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
161
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Senti, através dessa experiência da errância, as diferentes simultâneas
realidades que a fotografia comporta. A fotografia é uma rica fonte de
informações para a reconstituição do passado, tanto quanto uma matéria para
a construção de ficções. Direcionada a investigação histórica ou à simples
recordação pessoal. Com a proximidade da lente fotográfica: lembrança dos
gradis ornamentados, o mosaico no chão ou azulejos na escada-calçada.
(Figura 122, 123 e 124)
Figura 122 :
Trajetórias
entrelaçadas de
resultados
imprevisíveis:
repetição dos gradis
em algumas
fachadas
Fonte: Arquivo
Pessoal (Fev.2012)
Figura 123 : Mosaico na varanda.
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
162
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Figura 124 : Lugar: “Cuida de mim, tenho vida igual a você.”
Fonte: Arquivo Pessoal (Fev.2012)
“[...]Cultura é a memória, ter registro histórico do bairro...eu
torço por isso e sabe, tenho orgulho de falar que sou de Jardim
América, pois é diferente de falar ser de Cariacica..não sei se você
me entende mas tem peso.” (SIDIRLENE R.)“
163
Considerações
finais
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conflitos de Lamarca não constam em lugar nenhum. O que eles
falaram os fizeram é território da imaginação, diz Sérgio Rezende em livro
de Lúcia Nagib. Lamarca foi filmado em Ibotirama, na Bahia, perto da região
onde ele realmente esteve. A parte urbana foi feita em Vitória. Mesmo o Vale
do Ribeira foi feito no Espírito Santo, no município de Serra. “[...]Começamos
a gravar Lamarca em agosto de 1993 e tínhamos uma cópia no início de
1994[...]” (Sergio Rezende)
No que diz respeito proposta de Halbwachs, dedicada à memória
coletiva, vejo o denominado memória tem sempre um caráter social, pois
qualquer lembrança, embora muito pessoal, existe em relação a um conjunto
de noções que nos dominam mais que outras, com pessoas, grupos, lugares,
datas ou palavras. Inclusive com raciocínios e idéias, ou seja, com toda a
vida material e moral das sociedades. Isso se conserva no meio material que
nos cerca.
165
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Seja a igreja que freqüenta, a siderúrgica que poluía [ou ainda polui], a
escola que é antiga, os galpões abandonados, partes altas e baixas, morros,
as pontes bem perto que fazem conexão, a BR que permeia, o valão da
Avenida, enfim, implantadas em grandes dimensões, as cidades são
construções nos espaços que, no decorrer dos tempos [trajetórias], são
conhecidas e registradas na memória e na história social. Numa cidade são
incontáveis as sensações vividas e todas dependentes dos espaços urbanos.
Jardim América [sítio físico] começou antes mesmo da construção das
casas populares, pelo traçado de suas ruas e, possivelmente essa forte
memória justifique domínio dos moradores com o nome das ruas. Lembro
aqui da memória coletiva que se distingue da história pela corrente de
pensamento contínuo que não se apega no passado simplesmente, mas do
que ainda está vivo e vive na mente desse grupo.
Substancialmente a população tem preocupação com dias de chuva
forte nessa baixada e a falta de cuidado com aquele espaço. Contudo há
afetividade com o espaço, o qual gera a identidade social através de
construções [de significados] associadas a este lugar. Ali o sujeito ao se
apropriar deste espaço se identifica com ele criando um processo de
construção do lugar.
166
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
A experiência corporal, como diz Paola Berenstein, não pode ser
reduzida a um simples espetáculo, a uma simples imagem. A cidade deixa de
ser um simples cenário no momento em que ela é vivida e experimentada.
Ela, a partir do momento em que é praticada, ganha corpo, para o errante
urbano, sua relação com a cidade seria da ordem da incorporação. Seria
precisamente desta relação entre o corpo do cidadão e deste outro corpo
urbano que poderia surgir uma forma de aproximação da cidade.
Na breve análise das ruas usando a teoria Sintaxe Espacial, em
especial a mensuração da Conectividade, desdobrou análises relevantes
como importância da Rua Chile, mesmo sendo uma rua essencialmente
residencial, visto com a sobreposição do mapa de usos do solo. As vias com
boa conectividade nessa hierarquia também se configuram entre as mais
citadas, tanto em documentos históricos quanto nos relatos.
Todavia seria pertinente a mensuração da Integração Global [outro tipo
mensuração na Sintaxe Espacial] e maior aprofundamento no estudo dessa
Teoria, pois a relação desses dois tipos de mensuração oferece
particularidades, perspectiva para um sistema urbano percebido em longa
escala do espaço, trabalhando junto o ponto de vista local e global. [podendo
dizer próximo e distante]
167
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
As fotografias fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos
falar e que parece comprovado quando nos mostram uma foto. Ela
pode distorcer, mas sempre existe o pressuposto de que algo existe, ou
existiu, e era semelhante ao que está na imagem. Quaisquer que sejam
as limitações (por amadorismo) ou as pretenções do fotógrafo, a
imagem tornou-se aqui um dos principais expedientes para
experimentar Jardim América. Tudo é um evento: algo digno de se ver e,
portanto digno de se fotografar.
Questões da cidade e da sua representação são presentes como
investigação no curso de Arquitetura e Urbanismo, onde o exercício da
documentação e do olhar para o urbano são instrumentos
estruturadores para as intervenções arquitetônicas. Nesse trabalho esse
exercício de colecionar, selecionar e relacionar o imaginário urbano veio
encontrar terreno para aproximações e desdobramentos no sítio, onde
se ampliou na área da fotografia.
168
Referências
5 REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
BEZERRA, Omyr Leal. Cariacica: Resumo Histórico. 2. ed. Vitoria: Ipedoc,
2009.
BOSI, Eclea. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2003.
BURNS, Carol J.; KAHN, Andrea. Sites Matters: Design Concepts, Histories,
and strategies. New York And London: ________, 2005
CAMPO, Martha. Vazios Operativos da Cidade: Territórios interurbanos na
Grande Vitória (ES). São Paulo:2004.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
1998.
ESTEVES JúNIOR, Milton. Psicogeografia e situlogia: Premissas e
alternativas experimentais. In: RIO, Vicente Del; DUARTE, Cristiane Rose;
RHEINGANTZ, Paulo Afonso. Projeto do lugar: Colaboração entre
Psicologia, Arquitetura e Urbanismo . _: Contra Capa, 2002. p. 321-328.
FARIA, Leila Penha Oliveira. Jardim América: Uma comunidade a procura
de melhorias. Trabalho de Graduação do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 1988.
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
171
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
FLUSSER, Vilém. O mundo codoficado: Por uma filosofia de design e
da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro,
2006.
JACQUES, Paola Berenstein. Elogio aos Errantes: a arte de se perder.
In: JACQUES, Paola Berenstein; JEUDY, Henri Pierre. Corpos e
cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador:
Edufba, 2006. p.117-139.
JEUDY, Henri P. Reparar : Uma nova ideologia cultural e política? In:
JACQUES, Paola Berenstein; JEUDY, Henri Pierre. Corpos e cenários
urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: Edufba,
2006. p. 13-23.
MAROT, Sébastien. Suburbanismo e a arte da memória. Barcelona:
Gustavo Gili, 2006.
MASSEY, Doreen. Pelo Espaço: Uma nova política da espacialidade.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Ltda, 2008.
MOGIN, Olivier. A condição Urbana: a cidade na era da globalização.
São Paulo: Estação da Liberdade, 2009.
MONTEIRO, Peter Ribon. Vitória: Cidade e presépio: os vazios
visiveis da capital capixaba. São Paulo: Annablume Fapesp; Vitória:
Facitec, 2008.
172
NORBERG-SCHULZ, Christian. Reparar : O fenômeno do lugar In:
NESBITT, Kate. Uma nova agenda para a arquitetura: Antologia
teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p. 443-461.
OLIVEIRA, Luzia Pereira de; SFALSINI, Sirlei Lúcia Soprani. Um novo
olhar sobre cariacica: Paisagens, história, cultura, arte e turismo.
Vitoria: Bios, 2006.
SAMAIN, Etienne. O fotográfico. São Paulo: Hucitec, 1998.
SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos e memória em terras de história:
Problemáticas atuais. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia.
Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível..
Campinas: da Unicamp, 2001. p. 37-58.
SILVA, Álvaro José. Clubes de futebol: Esporte e Memória. Vitória:
Secretaria de Esportes, 1996.
SILVA, Álvaro José; RESENDE, Lino Geraldo. A ferro e a fogo: A
trajetória de um setor. Vitória: Gráfica Túlio Samorini, 2004.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia Das
Letras, 2004.
SILVA, Armando. Imaginarios Urbanos. 5. ed. Bogotá: Arango Editores,
2006.
VELHO, Gilberto; KUSCH, Karina. Pesquisas Urbanas: desafios do
trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
173
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
FONTES PESQUISADAS
•Arquivo Público Estadual
•Centro de Memória da Estrada de Ferro Vitória a Minas-
Museu Vale
•Colégio Passionista - Jardim América
•Desportiva Ferroviária – Jardim América
•Biblioteca Central UFES – Sessão especiais
•Biblioteca Setorial- Centro de Artes
•Biblioteca Pública Estadual
•Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN)
•Prefeitura de Cariacica- Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Urbano
•Secretaria da Paróquia Santa Maria Gorette - Jardim América
INFORMAÇÕES E RELATOS ORAIS
•Altair Tagarro Leal [88 anos, Moradora ]
•Augusto Gome [Rede Cidadã em Jardim América ]
•Cesar Viola [Neto do fundador do bairro, Hugo Viola ]
•Sidirlene Ramos [ex-moradora e ex- liderança comunitária ]
•Darci Pereira Pinto [Comerciante e morador ]
•Gabriel Ramos [ex- morador]
•Lolita Rossi [Comerciante e moradora]
•Overlino Melina [ morador e ex- comerciante]
•Pe Eraldo Furtado de Oliveira [diretor colégio Passionista]
•Regina Gomes Soares [secretária da Paróquia]
•Terezinha de Jesus Lyra Poltronieri [ moradora]
174
INTERNET
ARRUDA, Phrygia. Vitrúvius: Arquitextos. Olhares particulares. Disponível
em: <http://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.102/96>. Acesso em:
04 abr. 2011.
CARIACICA, Prefeitura de. Plano Diretor Municipal de Cariacica. Disponível
em: <http://www.cariacica.es.gov.br/default.asp>. Acesso em: 24 mar. 2011.
NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos
anos 90. link do livro no google books. Disponível em:
<http://books.google.com.br/books?id=5fH9bMp--
b4C&lpg=PA382&ots=WW7NxaWIEB&dq=por%20que%20filme%20lamarca%
20foi%20rodado%20em%20vit%C3%B3ria&hl=pt-
BR&pg=PA518#v=onepage&q=por%20que%20filme%20lamarca%20foi%20ro
dado%20em%20vit%C3%B3ria&f=false>. Acesso em: 24 nov. 2011.
SABOYA, Renato. Urbanidades: Sintaxe Espacial. Disponível em:
<http://urbanidades.arq.br/2007/09/sintaxe-espacial/>. Acesso em: 26 nov.
2011
TEIXEIRA, Leila Soares. Sintaxe Espacial: um estudo de caso. Disponível
em: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAHKQAA/sintaxe-espacial-
estudo-caso>. Acesso em: 26 nov. 2011.
VITÓRIA, Prefeitura de. Vitória em dados: Ilha do Príncipe. Disponível em:
<http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/bairros/regiao2/ilhadoprincipe.asp>.
Acesso em: 01 nov. 2011.
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
175
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
WIKIPÉDIA. A arquitetura da cidade: Aldo Rossi. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Arquitetura_da_Cidade>. Acesso em: 25 nov.
2011.
WIKIPÉDIA. Jardim América: Cariacica. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_Am%C3%A9rica_(Cariacica)>. Acesso em:
24 nov. 2011.
PERIÓDICOS
•AG, Arquivo. Gazeta nos bairros Jardim América: saudades do cinema. A
Gazeta, Vitória, p. 54-54. 28 out. 2005.
•AG, Arquivo; MESQUITA NETO,. Urbanização: Do sonho à realidade. A
Gazeta, Vitória, 21 set. 2003
•JORNAL A TRIBUNA: Da antiga fazenda Paul a Jardim América. Vitória Es, 29
ago. 2003
•MENEZES, Waldir. Jardim América: Um milagre residencial para Vitória. A
Tribuna, Vitória, p. ____-____. 24 abr. 1949.
TEXTOS
•Espaços, corpos e cotidiano: Uma exploração teórica (Byrt Wammack)
•SOBRE VENTURI, SCOTT BROWN & ASSOCIATES: QUADROS
VIVOS(Stanislaus von Moos)
•WALTER BENJAMIN, , Paris. Segunda versão do texto, iniciada por Walter
Benjamin em 1936 e publicada em 1955: A OBRA DE ARTE NA ERA DA SUA
REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA. ___________: Pièces Sur L‟art.,
___________. 103/104 p
176
Apêndice
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Relatos orais:
1) Sr Orvelino Melina, 84 anos
“Moro desde 1960, naquela época não tinha nem calçamento,
somente na Rua Paraguai. Quando chovia descia aquele barro vermelho, era
terrível. Jardim América quase não tinha casa nenhuma, era na parte baixa o
começo e algumas poucas na parte de cima. O resto era tudo mato. Inclusive
eu morei ali em cima, perto do colégio Passionista, mas nem tinha ele depois
que começou. O colégio no início tinha convênio com o outro colégio Afonso
Schwab, depois eles separaram e foi “láaa..." pra aquele canto. Minhas duas
filhas estudaram lá, no Passionista. A obra social (LBA) foi construído do lado
tinha diversos cursos...tudo quanto é profissão você aprendia ali, hoje ta lá
abandonado estragando tudo. Tinha curso de manicure, padeiro, carpinteiro,
doces e salgados..tinha muito curso mas acabou tudo, era muito bom. Hoje
ali é federal e tem uma parte que eles arquivo morto do INSS. Parece que
eles estavam querendo pegar pra fazer uma creche, não sei se conseguiram.
Foi construído na época do governador Francisco Lacerda de Aguiar(..o
Chiquinho), eu acho que foi mais ou menos do ano de 1965, han tem uma
quadra de esporte lá atrás muito boa, os meninos jogavam vôlei ali. Agora
aquele madeira toda deve estar estragando..antes tudo era de madeira..as
janelas. A igreja de Jardim América não é no lugar onde é agora não, era na
rua Venezuela...eram quatro lotes. (silêncio). Lá em cima na obra social uma
vez levaram meninos de rua pra lá, mas começaram a roubar..isso foi na
mesma época em que padres também ficaram um tempo ocupando o prédio
da obra social..por que lá era seminário..formar seminaristas . Naquela época
Jardim América era o centro de Cariacica...Vasco da Gama não existia, Bela
Aurora também não, Itaquari também não. (silêncio) Eu tinha mercearia lá e
todo mundo ia pra lá...Vera Cruz
179
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Também não existia e por isso minha mercearia tinha muito movimento.
Tive comércio de 1960-1984 e depois disso aposentei. Só que em 1970
minha mercearia pegou fogo, perdi tudo!! O ladrão entrou acendeu vela
e deixou lá e tudo pegou fogo. Fiquei pulando de ponto em ponto
depois Viola me cedeu um ponto e comecei a vida novamente ali, na rua
Paraguai. Depois de frente tinha um lote e vendi o telefone, porque
naquela época telefone valia muito dinheiro e juntei de uma herança e
comprei o lote da frente. Depois pra construir vendi minha casa lá de
cima e construi ali. .
Jardim América no começo as primeiras ruas foram a Canadá e a
México..não tinha mais rua nenhuma nem calçamento..chovia era uma
tristeza...todo aquele barro entrava dentro das casas...todo vez que
chovia...as casas eram mais baixa e a rua uma pouco mais alta ai já viu.
Ali era tudo mangue..então qualquer chuva fazia isso. Hoje ta
diferente..chove enche um pouco e logo baixa a água.
A Ferro e aço tinha uma chaminé de tijolo era pequeno..agora tomou até
a parte do outro lado. Aquilo lá já passou por uma porção de
dono...agora é Arcelor Mittal. Na minha casa a fumaça de lá não
incomodava...o vento norte não jogava lá pra casa só em Bela Aurora...
O valão da Av. América foi um erro...muito mal feita...quando era aberta
era melhor. Fizeram uma galeria mas começou a entupir e fizeram
aqueles buracos que estão até hoje lá. Já vi carro ali dentro do
buraco...a chuva tapou e caiu ali..muito mal feito aquilo...quando chove
Itaquari e Alto laje que é tudo Morro vi água tudo pra Jardim América
que é mais baixo...
Han ali onde é o Banestes era uma rua..onde é o EPA era a rua Uruguai
que hoje nem existe mais...era aberto e era bom...agora ta muito
fechado..nossa saia lá no asfalto..era uma beleza...tinha até valão...ai
fecharam e tamparam o valão...antiga rua Uruguai..ai você vê hoje
ninguém mais sabe que existiu.
180
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Hoje o comércio interno é todo ali...tem coisa boa..padaria boa..ficou com ali
tudo junto.
Na Rua do Extrabom era fraco o comércio..hoje tá bom..muito forte. Antes só
em Jardim América tinha banco..Banestes foi o primeiro..depois veio Banco
do Brasil...Bradesco...a Telemar já fica em Itaquari...porque do asfalto pra lá
já pertence em Itaquari. Todas as ruas de Jardim América estão
asfaltadas..enfim ta tudo bom, acabou aquela lama.
Lá do outro lado tinha o cinema Hollywood..lá em baixo também na antiga rua
Columbia..o cinema era do “Careta”.....ai o cinema diminui e acabou.....A
prefeitura não olha muito por estreitas de acesso...os ônibus só não passam
nos dias de sábado por causa da feira...a feira na Av. Brasil. A feira até
passou pra outras ruas: Rua Chile e América mas não deu certo e voltou pra
Av. Brasil.
A igreja católica em 1958 mais ou menos , eu ainda estava em Vitória, eles
estavam construindo e veio uma chuva e vento muito forte e derrubou
tudo...e tiveram que construir tudo outra vez....eu fui da comunidade ali por
40 anos..os padres me deram liberdade trabalho e fazia tudo..ficava
responsável pelas reformas que tinha que fazer...por muita coisa...passava
pela minha mão...eu parei com tudo depois que tive o glaucoma...os médicos
não descobriam um tratamento adequado...mas há muito tempo faço o
tratamento..tento...desde que morava em Afonso Cláudio..mas meu nervo
ótico foi ficando enfraquecido...(silêncio)...fui até para Belo Horizonte mas
não conseguiram um tratamento...naquela época não existia quase ninguém
que sabia esse tratamento...
..eu tinha fotos da minha mercearia na época que pegou fogo..meu amigo
fotógrafo na época José Falcão tirou..mas pegaram pra expor no colégio
Integração e nunca mais me devolveram..nem me deram satisfação.
Eu ganhei um título de cidadão Cariaciquense...tem mais gente que conhece
sobre Jardim América..mas é isso que eu lembro..o José Oswaldo Zucoloto
também sabe...o que você precisar..espero ter contribuído um pouco.
181
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
2) Gabriel Ramos, morou por 15 anos
Todo ano , acho que dezembro, acontece encontro de moradores e ex
moradores..engraçado que hoje eu vejo o lugar com outros olhos...as
construções antigas..
Hoje eu moro na Praia da Costa mas não tenho afetividade por lá como
eu tenho por Jardim América..lá eu morei em dois lugares..uma casa foi
meio que um período de transição até minha casa ficar pronta..mas foi
até bastante tempo..uns 2 anos.
Mas aqui era tudo paralepípedo..nem dá pra acreditar que tudo isso tá
asfaltado...
Meus pais são pessoas legais pra você conversar..moraram muito
tempo..acho até que eles se conheceram, acho que desde os 14 anos
de idade dele... Lá..minha vó era muito da igreja..seria uma boa pessoa
pra conversar Tb..ela foi bem antiga, todo mundo conhecia foi um baque
muito forte ela sair de lá..
Eu ia muito pra rua brincar, com algumas limitações..fora a praça não
tinha outro lugar certo pra brincar..era um pouco perigoso...uma vez
roubaram o carro do meu pai..pularam o muro..outra vez entraram na
casa com minha vó..foram algumas dessas coisas que motivaram a
nossa saída de lá...minhas tias e meus padrinhos também moram
lá..por aqui (mostra no mapa...estava com mapa em mãos)..eu estudei
no colégio integração...na verdade nem era integração o nome (aponta
no mapa o local)...na época com 11 e 12 anos eu tava bem ligado no
futebol..ia jogar da desportiva..acho que em 1997..desportiva tava perto
de ir pra primeira divisão..as pessoas fechavam as ruas...tem um tio
meu que tem uma loja bem próxima da BR é legal essa visão do
comércio também...o pessoal da comunidade católica pode fornecer
muita coisa interessante também...
182
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
3) Augusto Gomes, Rede cidadã
Minha história com Jardim América é desde muito pequeno..eu vinha todo
mês receber aqui no Banestes..só aqui tinha banco.
Eu lembro de uma passagem muito legal..era véspera de natal e minha mãe
vinha comprar meu presente de natal..na loja aqui na rua México..lembro
muito quando tinha 5 anos em 1982...e eu sei que passa o tempo e as
pessoas não abandonam..o comércio é focado aqui pro bairro não é como
Campo Grande por exemplo, de grandes lojas de marcas famosas. Aqui é
por exemplo comércio da “dona Maria” que usa o caderninho e vende
fiado..acho o comércio muito familiar...a própria padaria daqui é de irmãos..o
ambiente é muito familiar..já o comércio da BR é diferente La perto da praça
Hugo viola já tem o comércio grande..com os galpões...tinha até a faculdade
lá..e assim pra mim falta aqui infraestrutura nas ruas..choveu aqui
acabou!...lá naquele valão na rua América ali enche... aqui na rua Espírito
Santo já teve tempo de esperar a água baixar pra ir embora...aconteceu de
ficar 40 minutos pra atravessar a rua por que fui almoçar e quando voltei
estava cheio..estou aqui desde 2008...a gente ficava na desportiva ai
estamos aqui desde 2009....aqui é bem servido de serviços...tem
restaurantes aqui...
Agora lá em cima na parte alta do bairro tem gente com dinheiro..não passa
ônibus mas quem mora lá tem seu meio de transporte..só tem o São Conrado
(a linha de ônibus) que passa de hora em hora mas pra quem mora ali acho
que não é problema...é um lugar bem legal...tenho uma conhecida que mora
aqui há um tempo bom...de frente pra BR..é bom falar com ela...na feira de
negócios de Cariacica tinha um jornal dali que comentava sobre a história do
bairro seria interessante isso também.
183
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
4) Darci Pereira Pinto, comerciante, barbeiro há 50 anos ali, 72
anos
Pra começar logo que cheguei aqui em Jardim América foi uma data
marcante..um marco: houve um desastre aéreo onde morreram 39
pessoas e sobreviveram 39..foi lá na região de Laranjeiras... Serra mas
havia muita gente daqui envolvida. Isso foi em 9 maio de 1962. ..aqui
minha filha tinha uma lagoa lá em cima..aqui mesmo na rua espírito
santo tinha uma vala..e no fim ali onde tem o bar do Pazzolini tinha
lagoa. Na época o prefeito tirou foto daqui quando eles estavam
melhorando essa via..eu tava perto dele ali..ali em cima tinha um
taboal..aquele mato que fazia de espuma do colchão, sabe qual
é?!...tinha uma plantação disso aqui pra cima...aqui também teve o
primeiro conjunto habitacional da AMÉRICA LATINA.
E a casa mais antiga daqui é do fundador...aquela grande de
esquina..manteve o mesmo formato...e hj tem um tratado pra aquela
casa não poder ser modificada..pode vender mas quem comprar não
pode modificar..
A igreja mais antiga é a Batista..mas antiga até mesmo que a
católica..antes a igreja católica era na rua Venezuela depois que foi lá
pra cima....poucas ruas foram modificadas, digo mudaram de
nome....agora eu tenho em mente em me candidatar pra vereador por
que Jardim América está abandonado..queria fazer mais por esse lugar
que é portal de vitória..mas não queria me basear somente no meu
gostar daqui eu gostaria de investir e argumentar baseado em dados
técnicos...por exemplo penso numa urbanização da a Av. América mas
não só paliativo pra ficar bonito mas pra resolver essa situação que
enche nas chuvas. Penso também na rua Bolívia- rua da biquinha-
poderia aterrar pra fazer conjuntos habitacionais..bem bacana,
184
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
bem estruturado inclusive pra suportar o escoamento das águas..por que as
coisas que fizeram aqui sempre foi em benefício da política, não consultavam
o que realmente o que a população queria..só tiraram os nossos bens..como
o INSS, Coletoria Estadual, Banco Nacional, cartório, correios..ficou quase 40
anos sem correio aqui...por questões políticas eles levaram tudo pra Campo
Grande..a população sofreu com esses perdas..com essas falta de
investimento...lá em cima perto da Biquinha é uma área mais
isolada..perigosa..poderiam olhar mais por nós....tiraram a LBA
também...meu irmão mesmo fez radiotécnica lá e hoje está tranquilo , teve
emprego..tiraram isso da gente sabe. Houve sempre um represália com
relação aos políticos de Cariacica com relação aos Viola. Não queriam deixar
eles cresceram..e a população acabou sofrendo com isso...eles são pessoas
que no que precisarem eles estão pra ajudar..a política de Cariacica muitas
vezes deixou de lado Jardim América..hoje menos..mas durante a história
sofremos por isso. Sabemos quem um valão na BR 262 que cabe um
caminhão de tão grande...vimos na época que eles estavam em obras
reestruturando a via e que ela está a não mais de 150 metros do valão da Av.
América..mas ai pergunto: por que não fazem nada?..por que não investem
nessa obra de infraestrutura para acabar com esse monte de água...pois
desce água de Itaquari, alto laje..e cai aqui nesse valão de Jardim América,
pois é mais baixo..aqui é mais baixo..mas pra argumentar com mais
autoridade eu ia investir numa comissão técnica...
Mesmo se for dinheiro do meu próprio bolso.. Aqui é tão baixo que aquelas
casas do conjunto habitacional eu lembro que tinha uma escada de acesso,
tinha uma varanda..ficava mais ou menos 1,5 acima da rua..hoje se você ver
tem casa mais baixa que a rua..tudo aterro durante os anos..aquele casa dos
viola na esquina era bem alta muito alta...hoje só está há 60 cm da rua no
máximo.. Mas todo esse abandono dói na gente sabe...a Rua América por
exemplo pertence aos 3 poderes: federal, estadual e municipal...porque ela é
fortemente impactada por tudo que acontece na BR...esses 3 poderes
deveriam estar em harmonia..mas não.
185
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
5) Terezinha de Jesus Lyra Poltronieri, 58 anos, professora( há 35
anos moradora)
Em 1976 foi quando viemos pra cá...eu morava em Bandeirantes..lá não
era nada. Quando casei vim..meu esposo sempre quis vir pra cá pois
ele tinha se formado em engenharia e o sonho dele era trabalhar na
Ferro e Aço. Ai você percebe..estamos no “quintal” da empresa..na
verdade eu queria ir para vila velha, mas ele achava mais perto pelo
serviço. Eu sei que aqui tudo é muito perto, você vai para Vitória em
pouco tempo..
Menina cheguei até participar de movimento comunitário..sinto que as
pessoas conhecidas foram embora...aqui na minha rua mesmo a
maioria das casas estão alugadas, acho que perdeu o convívio social.
Meus filhos até chegaram a freqüentar a pracinha, hoje, não tenho mais
coragem de levar minhas netas pra lá..
Em 1971 eu ia para encontro de jovens no Vale da Esperança, eu ainda
namorava com Dante, meu esposo..época da ditadura..você sabe era
tudo vigiado, não podia ter esses grupos formados, mas ia para estar
perto do Dante, era inocente nessas coisas de ditadura..ele que
comentava por que estudava na UFES mas a gente do grupo estava por
fora, não tinha por aqui nem televisão nem energia.....pois é mas eu
morava lá no casarão, onde hoje é bandeirantes, mas que na época era
conhecido como rio marinho..inclusive eu nadava no rio..é inacreditável
ver a situação que está hoje..
Agora Jardim América já foi considerado área nobre, tinha um comércio
bom, muitas lojas..depois tudo foi se fechando..a violência está grande,
principalmente na rua da biquinha. Na igreja mesmo eu só vou de carro
agora. Até os Violas, os fundadores do bairro, não moram mais
aqui...eles tem casa vem ver, vem de vez em quando..mas não moram.
Parece que de uns 2 anos pra cá tem melhorado o comércio.
186
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Eu estudei no Cerqueira Lima- fiz primário, depois fui para onde é o
Passionista, na época não era Passionista, era GEJA (Ginásio Estadual de
Jardim América), onde fiz os dois últimos anos de magistério...tinha prova e
tudo pra entrar..igual escola técnica.
Você sabe que acho a vinda do terminal ruim..vem muita gente estranha,
ficou acessível demais.
Agora uma coisa legal de se falar é a Associação amor e vida. Ela começou
pois víamos muitas crianças aqui na rua, não crianças abandonas..crianças
com família. Com a associação as crianças que estavam nas ruas voltaram
para a escola, até por que hoje estão mais em cima quanto essa evasão
escolar. O projeto é mantido pelo FIA (financiamento infância e adolescência)
e existe aqui há mais de 10 anos.
..nossa tinha tanta coisa aqui que se foi, por exemplo, cheguei a levar meus
filhos na clinica da ferro e aço. Lá atendiam os funcionários e beneficiados da
empresa..era aqui pertinho e tinha tudo:dentista, pediatra etc...
Em 1989/1990 a Cia fechou , privatizou..o bairro foi abandonado junto.
Apesar que lá em cima é um lugar melhor, as casas são melhores, as
pessoas cuidam melhor das suas casas..lá em cima tem o chamado “Casa
de acolhida”, onde era o colégio CEIF. Lá recebem crianças e adolescente
que por alguma razão foram abusadas..os moradores não queriam..quem
quer esses problemas sociais por perto..é triste.
Hoje o movimento comunitário está parado..que é o presidente é o dono do
bar ali da esquina..uma pena pois antigamente era muito forte mas as
pessoas foram embora...lembro que fazíamos festa na praça com o
movimento comunitário...era ótimo.
Agora eu te falo, já passei sufoco com água entrando na minha casa...de
início morava na rua Canadá mas um dia logo que mudei veio uma chuva
forte e vi a água invadindo minha casa..nossa era tudo novinho, sabe?!
187
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Recém casada..estava com meu filho pequeno que desespero..e eu não
tinha telefone naquela época..ainda bem que minha cunhadas vieram
me ajudar..pra você ter noção da água eu vi o bujão de gás boiando lá
de casa...depois não passou muito tempo e teve outra chuva, aí não
agüentei e coloquei minha coisas em cima do caminhão do meu pai e
disse com Dante que ali não ficaria mais..ai mudamos para uma rua
acima da rua Paraguai mas a rua estava desmoronando..depois viemos
para cá. Aqui ouço o barulho da Arcelor Mittal pois é colado, você
nota...tem essa mata da empresa..essa cortina verde que na verdade
pouco adianta para a poeira...mas vira e mexe vem macaquinhos da
mata e passam pelo muro..
6) Lolita Rossi, 68 anos, ( há 36 anos moradora)
Posso começar falando da atual situação do bairro?!..Bem deixa muito a
desejar..ai você olha ai a rua [Dona Lolita tem um circuito de TV que
registra o movimento da rua –Espírito Santo- em frente da casa
dela)..muita sujeira.o que você vê é lixo, buraco..uma rua larga dessas..
Acho que o bairro precisa de conhecimento público...Ali na subida igreja
tinha o LBA, tinha tudo, cursos..antigamente era datilografia
né..manicure, costura..agora o prédio está li abandonado, ponto de
droga..pessoal estranho sai da Rua da Biquinha e vai ali..poderia
aproveitar para tudo: creche, escola...
O valão é um problema...quando chove aquele barro lá de cima desce e
o valão não suporta..
Estou aqui há 36 anos e lembro que aqui era mais social, mais família...
188
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Ai um bairro bem localizado, em 5 minutos estamos na rodoviária...dá acesso
à Campo Grande, Vila Velha e Vitória...Também sei daqueles galpões de café
perto ali da Desportiva, há tempo também abandonados...quando cheguei
aqui as lojas eram poucas...eu gosto muito daqui, gosto mesmo não penso
em sair daqui, o que incomoda ainda é o valão..ali na rua Chile é horrivel:
sem limpeza, sem drenagem...
Interessante é o que minha sogra-dona Teresa- contava..dizia que tudo isso
era água..quando foi ganhar meu marido na Pro Matre ela saiu do rio marinho
e percorreu tudo isso de barco até lá...isso em 4 de novembro de 1942.
Gosto mesmo é da comunidade, a paróquia é um dos fortes motivos de não
querer sair daqui...inclusive sei do começo..a igreja não era lá em cima..era
na nossa casa, é nossa..lá na rua Venezuela..casa de Pedra...a gente tinha
fotos...
7) Cesar Viola, 53 anos, Neto do fundador do bairro Hugo Viola
Mas me diga no que eu posso ajudar?!...Do que trata seu trabalho?...Bem se
sua tese se baseia nos depoimentos, ninguém melhor que eu para te dar
informações sobre Jardim América e sabe por quê? Por que tenho provas
...inclusive tenho cartas e agradecimentos de pessoas...meu avô tinha muito
respeito e credibilidade (Cesar nesse momento foi retirando os documentos
que havia separado para mostrar)..minha mãe não se cansava de colher
depoimentos..olha estes escritos atrás de panfletos...qualquer papel uma
forma de comprovar a postura de meu avô, como as pessoas o via..olha esse
de Carlos Lindemberg( papel timbrado a rede gazeta e escrito com letras
cursivas do próprio Carlos Lindemberg)...olha vou te falar que Carlos
Lindemberg não atendia qualquer um não...ele estava ainda na A
Gazeta...meu avô ficava lá até os jornais serem impressos cedo..a amizade
deles era grande.
189
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Olha esse depoimento de Solon Borges...tem esse esboço biográfico
que começamos a fazer...há tempo temos a pretensão de fazer um
livro..temos esses documentos.
Han tudo começa em 1920 ele veio da Itália mas se naturalizou
brasileiro..na verdade ele nem gostava que dissessem que era
italiano...ele só voltou pra Itália pra casar..veio casado claro! Não era de
bom tom ele com objetivos grandes aqui ser solteiro..trabalhou como
marceneiro na Oficina em Vitória...ele fez moveis pra muita gente, toda
a elite da época..trabalho basicamente artesanal e de qualidade, você
vê essa cadeira (ele aponta a cadeira no canto) ele fez e está ai linda e
intacta até hoje.
Mas meu avô queria mais..e ele era topógrafo também...em conversas
com o Engenheiro Picot, especializado em estrutura buscava o objetivo
de planejar um bairro...com parte do dinheiro da venda da marcenaria e
com visão empreendedora arrendou toda essa terra...até o outro lado
era dele..divisa com Porto de Santana..mas ai a CVRD veio invadiu
parte das terras..ixi minha filha isso foi briga na justiça que
rendeu...tivemos até alguma indenização mas não o equivalente, não o
justo, pouco! Mas como brigar com uma Vale do Rio Doce?!..han é
muito grande..que nem aquela história de Carajás..luta com índios..han
muito índio na luta foi exterminado.
O que Hugo Viola fez aqui foi muito a frente do tempo dele em 1936,
num governo repressor que nem de Getúlio..porque há quem
goste..mas o cara era autoritário...meu avô foi ousado mas não deixava
de fazer as coisas que ele achava correto..os ideais..ai você vê com a
fundação da Cia de Melhoramentos de Vitória construiu a princípio 100
casas ali nas ruas México e Canadá e venda sem juros e correção
monetária..ele fez!
190
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Até a visão de trazer Ferro e Aço pra cá..por que a principio o terreno da
Ferro e Aço fazia parte do bairro..tinha traçado...ruas mas ele cedeu para
inserção da siderúrgica..para crescimento do local.
Mas não só na época de Getúlio com autoritarismo e corrupção
tremenda..hoje vimos ai essa pouca vergonha..aqui em Cariacica também ,
que política tivemos?..só roubo, pouca vergonha..o atual governo
também...povo sem educação...lugar não cresce...vergonha...ai vejo
estudantes indo pras ruas manifestar por 10 centavos na passagem, mas não
vejo manifestar da mesma forma contra essa pouca vergonha da
corrupção...tá alguma coisa errada, não tá não?!
Hugo Viola foi preso 4 vezes, preso político..porque ele era a
frente...argumentava..fazia...corrias atrás e pra ditadura gente assim não era
bom..da última vez q foi preso os policiais que o conheciam diziam que
estavam com vergonha de ter que fazer aqui, prendê-lo, mas porque?!
..porque sabia da sua índole...hoje não vejo mais gente assim..é raro.
Muita gente não sabe também mas como topógrafo traçou o aeroporto Eurico
Sales, em Vitória e fez também cidade de Goiás.
Esse traçado aqui de Jardim América ele se baseou vila operária européia.
Quando ele morou no Rio de Janeiro..trabalhava ali onde aqueles prédios
caíram, perto da Av. Rio Branco..ali ele conseguiu não sei como um projeto, e
foi a partir dele que traçou Jardim América...vamos lá em cima que vou te
mostrar a planta original (Cesar me conduziu até segundo pavimento da casa
onde havia grande atelier. A planta já estava reservada, aberta no chão-*ver
foto)
)..pode notar essa planta é original de 1937...todo o bairro já estava
planejado, repare bem...a planta está amarelada..quero muito restaurar
isso..ela foi desenhada em um tecido especial ..olha.. praça do bairro, a área
da antiga Ferro e Aço..tudo já estava desenhado...tudo era traçado por ruas e
projeto de casas, e, em sua maioria populares)..
191
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Gabriela, quero muito organizar tudo isso e montar o livro ...com essa
correria vou adiando..muitas vezes não temos apoio e guardo
reservo...tem material lá no escritório...sou artista plástico, você
sabe?!...sou presidente do sindicato aqui do Estado (Presidente do
Sindicato dos Artistas Plásticos)...por isso muitas vezes me revolta
como somos tratados...a cultura desse lugar..principalmente
Cariacica...tiraram tudo daqui de Jardim América: cartório, correio,
cursos...
E o rio? Você sabe né? O Rio Marinho foi desviado e traçado artificial foi
feito pelos índios na época dos jesuítas..e olha a ideologia, quando meu
avô tomava conta ele pagava pra drenar o rio...depois o povo fez essa
galeria qualquer achando que ia conter a água..não dá jeito, por isso
alaga...Sem falar que aqui é um vale né..em volta tudo morro: Itaquari
por exemplo.
Hoje eu tomo conta da Hugolândia , mas é muita burocracia, muita
gente errada dificuldade na prefeitura para legalizar a documentação pra
esse povo..e já ouvi falar q eles querem fazer parque na parte
alta...nossa era tudo organizado em projeto..tinha até os postes de
luz...chegamos a colocar e incrivelmente a prefeitura tirou..um absurdo.
Jardim América teve seu auge mais ou menos em 1970 e foi
abandonada...mas acredito muito que daqui 20 anos ele retomará o
desenvolvimento..aqui é muito perto do centro, lugar estratégico..eu
acredito...e mais pra frente quando ficar mais velho volto a morar aqui
192
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
8)Sidirlene, 52 anos, Ex-moradora e ex-liderança comunitária
Me diz uma coisa..você ta pegando que aspecto?...a paixão por jardim
América você percebeu isso?o bairrismo...a gente que morou tem muita
relação com o bairro mesmo..na nossa época o nosso bairro nos bastava a
gente tinha de tudo..e tudo era muito próximo, a gente tinha o supermercado
melhor, a gente tinha o cinema, a gente tinha as domingueiras, a gente tinha
os bailes da LBA, a gente tinha os encontros da juventude, o pessoal da
igreja...a comunidade em peso era voltada para a igreja, entende?!..e
passaram padres muito evoluídos por lá também..e o que fica de bacana na
memória da gente e exatamente isso...eu sempre digo assim a gente constrói
...o bairro nos bastava, e hoje parece que a gente nunca encontra
nada..ficamos naquela busca sabe?!...essa sensação é a que sempre sou
tomada por ela...vou ao shopping pra comprar “não sei o quê”...andei, andei,
andei me enchi e fui embora..lá você se precisasse ia na lojinha do Kill, ou na
tenda no senhor Alaor pra comprar, ou lá na dona Mirtes...tudo dentro da
nossa realidade, a gente achava tudo ali!...todo mundo se conhecia..as
escolas eram de qualidade..as 2 escolas públicas, apesar da gente sempre
ter tido a presença da escola particular Passionista que ali tinha onde as
pessoas de condição melhor estudavam, por que o bairro também, digo, veja
bem o que acontece com Jardim América, na sua formação ele é um bairro
de classe média, vem sendo o diferencial do município que hoje não é assim
mais, claro. Temos Campo Grande, por exemplo que tem outra visão,
né?!..mas então até mesmo do ponto de vista intelectual..eu já cheguei a
falar isso com você por telefone...
Por que a forma como o bairro foi construído, consolidado o primeiro conjunto
habitacional foi lá, e, foi pra atender a demanda, eu acho, da Cofavi..bem não
sei se você tem essa informação.
193
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Foram feitas as casinhas para abrigar os operários; então ali já começa,
você não traz, não vai consolidar o bairro sem algo que não o sustente,
quer dizer: você já está trazendo ali trabalhadores, que já tem habitação
então é um bairro que já vem por si só se consolidar, você concorda?!
Enão o perfil dessas famílias que foram se formando, por serem
operários ali, ela tinha relação com a Belgo Mineira (então Cofavi)
vieram muitos de fora também, visto diversos profissionais de Minas,
esse intercâmbio foi criando esse interlace, eu diria. ..aquele divisão ali
[do terreno da Cofavi] era contestado na justiça se ali era divisa com as
terras dele [Hugo Viola]..ixi ali você tem Vasco da Gama que é Cariacica
ainda mas ta batendo na porta de Vila Velha juntamente com Nova
América, segue e vai para o Vale [bairro Vale da Esperança] então de
fundo ali ela se instala mas não se trna briga na justiça assim como foi
com as terras que a antiga CVRD se instalou porque não eram de
Jardim América mesmo, digo que a porta da Cofavi só foi ter abertura
por Jardim América bem depois a entrada era pelo bairro Nova América
e eu te digo isso assim por conhecimento de causa...E ouvimos por
muitas e muitas vezes a gente participando do movimento popular,
todas as vezes que sentamos com a empresa pra falarmos sobre a
poluição, esse bairros adjacentes na nossa luta e por muitas vezes
tivemos entraves sérios por conta disso e eles diziam:”nós chegamos
aqui para construir o bairro”...e aqui não era um bairro, aqui era uma
fazenda...então assim: a família Viola ela não entra nessa disputa ai,
pois, eu entendo hoje que aquela área não era deles, eles não tinha
demarcação de proprietário naquela época...eles tinham da Vale, até
mesmo eles ganharam, não sei se você ficou sabendo...eles até
estavam recorrendo ainda uma outra parte..a família toda ficou bem por
conta da indenização recebida o avô fez a fortuna e os filhos viveram
bem..
194
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Bem, isso foi a vale, agora a cofavi, inclusive chequei isso pra te falar , eu
tinha duvida se era história com a Vale ou Ferro e Aço, mas vi que foi com a
Ferro e Aço, ai você vê eles “startam” um bairro com o mínimo a
movimentação, o trabalho, as casas ..diferente de, por exemplo, Padre
Gabriel, aquilo lá foi invasão.é o controponto que eu quero dizer...Jardim
América nasce dessa forma. Claro que, somado a isso, tinha a venda dos
lotes e foi onde meu pai veio para Jardim América em 1950..um dos
primeiros moradores..a primeira moradora de Jardim América foi D.
Patrocínia, que mora na rua Chile..ali no encontro com a rua Venezuela na
esquina..ela está viva e mora lá até hoje..se perguntar lá todo mundo vai ser
quem é dona Patrocínia.lá pertinho da antiga igreja católica que depois foi pra
pra cima e virou “Santa Maria Gorete”.
Minha histórica com o bairro é o que eu to te falando..tem a coisa do lúdico,
todo mundo se conhecia, todo mundo conhecia de quem eram as famílias. Ali
se formaram famílias muito importantes, por que muitos vinham do interior
para dar estudo aos filhos, ai tinham que se instalar na periferia, né?!.... Um
bairro que tinha uma estrutura muito boa, com comércio e tal, próximo do
centro...bairro é mais próximo de vitória que muitos bairros do município de
Vitória...tirando o transito ..pois naquela época só tinha as “cinco pontes”..eu
mesmo em 1979, quando entrei na UFES, a gente ia literalmente a pé por
que o ônibus a gente pegava na Vila Rubim..pegava quando dava um em
Jardim América e outro na vila Rubim...não tinha transcol não tinha nada e
fazíamos assim “baldiando” né?!...Então a gente gastava muito pouco, por
que era tudo muito pertinho...assim como é São Torquato pra Vitória, quer
dizer um bairro de Vila Velha pra Vitória...nessa ótica que eu to falando
..proximo da capital. Sem contar que Jardim América também sempre foi o
Celeiro..se você perguntar assim: “Quem não é de Jardim América levanta o
dedo”..porque se não é, é filho de alguém que foi, que é neto de alguém que
teve por lá...alguém passou por Jardim América.
195
118
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
. Isso é fantástico..vê só tava conversando com o prefeito da Serra , Sérgio
Vidigal, ai disse “eu lembro de você, eu lembro de você” ai ele “ eu fui amigo
do seu irmão, eu morei na rua Espírito Santo-Jardim América, você não
lembra de mim?!”...ele era muito amigo de Suely que morava lá também..ai
ela separou e dessa amizade com Sérgio um tempo depois namoraram e
casaram e estão ai até hoje. O prefeito de Vitória, João Coser, registro
mesmo-histórico...veio do interior, chega e vai para casa de uma tia em
Jardim América, na Av. América ele fica lá até se acertar e tal..você
entendeu? Jardim América tinha essa referência, muito imigrante: Itaguaçu,
Itarana...Eu nem te contei a história da minha mãe, ela é mineira de Muriaé
ai a família muda para Itueta...quando meus pais se casaram vieram pra
Jardim América, pois meu pai mexia com madeira e moveis e lá havia maior
marcenaria da família Maia e então meu pai vai trabalhar com eles por isso
que se instalam lá...Lá teve um cinema e quem arendava o espaço desse
cinema, quem patrocinava eram os donos do supermercado Schneider , já
ouviu falar?...aconteciam nos finais de semana, mas a coisa foi tão
volumosa, fez tanto sucesso, filas e mais filas..pessoas pelo chão que daí
nasceu a história de construir o cine Hollywood. Naquela parte de lá..por
que não sei se você sabe onde é a Caixa Econômica na rodovia ainda é
Jardim América. A dona da loja Kill, os avôs dela moravam do lado do
cinema novo...então como tava te falando o Schneider detinha esse poder,
estava no meio da juventude isso em 1977/1978 e hoje é diretor geral da
ACAPS [associação capixaba de supermercados] ele é um dos que
participam da festa que acontece anualmente que nesse foi adiado pra
março...mas era isso.. Nessa época tinha os bailes, as domingueiras
também que funcionavam no cinema, como as cadeiras eram soltas, eles
tiravam...e quando o cinema passou pro outro lado, o novo, os bailes
passaram a acontecer na LBA...nossa inclusive era muito boa a
escola..havia diversos cursos, eu mesmo fiz diversos cursos lá i na época
do Collor eles acabaram com a legiões de assistência no Brasil todo...
196
___________________________________________________Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância
Acaba a missa , e depois todos iam pra lá pro baile, até as 23:00 h todo
domingo, virava ponto de encontro. Nós já fizemos a feira, não sei se você já
ouviu falar da feira também..feira comunitária...ela foi tomando proporções
muito grandes e na época a gente fez uma parceria com a color som e assim
foi a te passamos a não ter controle, eram 3 dias de festa por ano mas era
muito pesado buscar estrutura para aquela festa:palco, som,
shows...chegamos a levar Zé Geraldo, olha que celebridade (risos)...o
movimento comunitário retoma em 1990..antes era um cara chamado
Gutemberg que tomava conta até que decidimos reunir e votar..uma loucura,
mas ganhamos de “carroçada”..participei no período de 1994 mais ou
menos..o mandato era de 4 em 4 anos..
Agora eu acho que o bairro está muito descaracterizado, as pessoas mudam,
não vendem, ai alugam, ai o bairro vai perdendo a referência...vai
descaracterizando muito...vejo uma tristeza, o trafego ali..
Como está tudo diferente..o que a gente vivia, o que eu vivi?..na minha casa
limpar a casa correspondia a varrer a rua também..quer dizer cuidar do
espaço público..sabe aquela coisa de família que vem do interior, ordeira ,
religiosa...a concepção mudou com relação a sua cidade, do seu bairro...na
escola a inversão do papeis , quem educa?...eu mesmo ia pra escola pra
aprender português e matemática mas hoje a escola ensina religião e tudo
mais...isso é a família que deveria fazer....dar educação!....e isso vai num
ciclo, vemos ai essa violência, violência esta que me fez sair de lá..fui
assaltada várias vezes...nossa casa era referência, era bonita e bem
projetada...mas não tínhamos paz..por que lá nós éramos UM..não mais um..
197
Jardim América: Reflexões sobre a proximidade e a distância ___________________________________________________
Tem coisa a fazer...como o esgoto e assim o rio marinho assoreado..e
Jardim América é abaixo do nível do mar..as obras de draga é
caríssimo!...Muito de abandono é reflexo do governo de Cariacica, anos e
anos de abandono...o Helder fez um mandato interessante..., Cariacica ter
outra cara assim como a Serra tem hoje......lembro de tudo que eu passei
no bairro ...dos espaços das domingueiras..faziam jovens congregações e
laços de amizade. Cultura é a memória, ter registro histórico do bairro...eu
torço por isso e sabe, tenho orgulho de falar que sou de Jardim América,
pois é diferente de falar ser de Cariacica..não sei se você me entende mas
tem peso.
9) Altair Tagarro Leal , 88 anos, Moradora
Tinha aqui bambuzal e cafezal lá pra cima[...] Eu tinha uma casinha lá no
canto [ ano de 1940], mas ela era muito ruim, então meu marido
desmanchou a detrás pra fazer outra...mesmo assim eu olhava para essa
aqui [Dona Altair aponta na foto as casas do conjunto de Hugo Viola] e
ficava apaixonada, pensava “Não posso comprar uma casa daquela”.
Depois Sr. Anísio Soto ele tinha esse terreno aqui, ai a gente comprou esse
terreno aqui do Sr Anísio Soto e vendemos aquela casa de lá para outra
pessoa..era na rua Piauí ..e aqui era uma lagoa..meu marido aterrou. É
essa casinha aqui da frente, mas ela já foi reformada, inclusive tem um
retrato dela....Comprava antigamente no supermercados Schneider ,antes
era ele..[a neta de Dona Altair, “Luizinha”, completa dizendo sobre os bailes
de carnaval que aconteciam no clube desportiva, depois de muito dançar
chegava na casa de vovó escalando aqui pela varanda]...
198