UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA ANTEPROJETO PARA SELEÇÃO DE DOUTORADO A Profecia Sociotecnica: Politicas de inteligência para o controle e monitoramento de desastres ambientais. Marize Schons Porto Alegre 2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
ANTEPROJETO PARA SELEÇÃO DE DOUTORADO
A Profecia Sociotecnica: Politicas de inteligência para o controle e monitoramento de
desastres ambientais.
Marize Schons
Porto Alegre
2015
Marize Schons
A Profecia Sociotecnica: Politicas de inteligência para o controle e monitoramento
de desastres ambientais.
Anteprojeto de Pesquisa apresentado para a
seleção do curso de Doutorado no Programa
de Pós-Graduação em Sociologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre
2015
LISTA DE ABREVIATURAS
ABIN Agência Brasileira de Inteligência
ANA Agência Nacional de Águas
CEMADEN Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais
CENAD Centro Nacional de Gerenciamento de Risco e Desastres
CENSIPAN Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia
COMPDEC Coordenadorias Municipais de Defesa e Proteção Civil
CPTEC/INPE Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
INMET Instituto Nacional de Meteorologia
PNPDEC Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
SEDEC Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil
A Profecia Sociotecnica: Politicas de inteligência para o controle e monitoramento
de desastres ambientais.
Marize Schons
INTRODUÇÃO
Os riscos são “variáveis projetadas” através de um sistema de confiança em
peritos especializados em verificar, prever, medir, estimar e informar possibilidades de
desastres (BECK, GIDDENS E LASH. 1991). A sociedade pós-disciplinar
(RABINOW, 1984) acomoda uma série de transformações de tecnologias sociais e
gerenciamento administrativo quanto à prevenção de desastres através de uma
abordagem instrumentalizada da natureza e dos indivíduos por especialistas. Os riscos
são assim, tema dos avanços científicos e tecnológicos organizados como redes de
inteligibilidade complexas, atentos às formas de enfrentamento, superação e prevenção
de crises.
Anualmente, cerca de 30% de seus municípios decretam situação de emergência
ou Estado de Calamidade Pública (VALENCIO, 2010). De acordo com a Estratégia
Internacional de Redução de Desastres (UNDP; ISDR, 2004 apud INPE, 2009) o risco
pode ser definido como a probabilidade de perdas esperadas, resultantes da interação
entre as ameaças/perigos e as vulnerabilidades.
Dessa forma, a partir da emergência recente no investimento em políticas de
inteligência através do Ministério da Integração Nacional para o monitoramento e
mapeamento de áreas de risco, a pesquisa pretende refletir as controvérsias e
articulações das práticas políticas e científicas atentas ao tema da “prevenção de
desastres” através de artefatos científicos, juridicos e administrativos.
TEMA
Define-se inteligência (ligado a noção de estratégia) como um “conjunto das
ações coordenadas de busca, tratamento e distribuição para uso da informação util para
os atores econômicos” (Decreto nº 4.376, de 2002). Não obstante, como uma “atividade
de obtenção e análise de dados e informações, e de produção e difusão de
6
conhecimento, dentro e fora do território nacional, relativos a fatos e situação de
imadiata ou potencial influência sobre o processo decisório da ação governamental, a
salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado” (RODRIGUES-JÚNIOR, 2011:2)
Nos anos de 2011 e 2012, um grande fluxo de investimento foi desencadeado
pelo Governo Federal a fim de promover a criação de um sistema de dados sobre
desastres no Brasil para contribuir na gestão dos riscos e na resposta desses eventos.1
Para tanto, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, instituída por
meio da edição da Lei nº 12.608/2012 garantiu a responsabilidade do governo federal
para capacitar as instituições competentes, neste caso, a Secretaria Nacional de Proteção
e Defesa Civil (SEDEC) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a fim de
monitorar processos geofísicos e seus fatores condicionantes.
Essa política, prevista no Plano Plurianual (2012 - 2015), denominado Plano
Mais Brasil2, a partir da agenda ligada à política de infraestrutura através do programa
de “Planejamento Urbano, Habitação, Saneamento e Usos do Solo” estabeleceu: a) a
expansão dos mapeamentos geológico-geotécnico que priorize os municipios afetados
por desastre3 (inundações, enxurradas e deslizamentos) a fim de orientar a ocupação do
solo; b) a promoção da prevenção de desastres nos municípios suscetíveis; c) o
monitoramento das ocupações urbanas; d) a promoção de uma política preventiva nos
orgãos integrantes do Sistema Nacional de Defesa Civil em todos os níveis federativos,
e e) a estruturação de um sistema de suporte para decisões e alerta de desastres naturais.
1 Segundo documentos oficiais do Congresso CONSAD de gestão pública realizado em Brasília em 2013,
as motivações para esses investimentos no monitoramento e prevenção de desastre pode ser atríbuida a
desastres de grande magnitude e de grande impacto social que ocorreram em anos anteriores. Três desses
grandes eventos merecem menção: enxurradas na região do Vale do Itajaí, em 2008; enxurradas em
Alagoas e Pernambuco, em 2010; e enxurradas e movimentos de massa na Região errana do Rio de
Janeiro, em 2011. (Citado nas referências bibliográficas ao final do projeto) 2 Disponível em: http://ppamaisbrasil.planejamento.gov.br/sitioPPA/. Data de acesso: 23/09/2015
3 . A Secretaria Nacional de Defesa Civil (SEDEC), diferencia os desastres de acordo com a evolução
(agudo e crônico), a intensidade (acidentes, médio porte e muito grande porte) e aorigem (natural,
humana e misto). Os desastres de origem natural podem ser siderais (meteoros e corpos celestes),
relacionados à geodinâmica terrestre (eólica, temperaturas extremas, precipitação hídricas, sismológica,
vulcanológica, erosão do solo) e relacionados com desequilíbrios na biocenose (pragas animais e
vegetais); os desastres humanos podem ser de natureza tecnológica (indústria, transportes, construção
civil, incêndios, produtos perigosos, demográficos, energético e de outros recursos), de natureza social
(ecossistema urbano e rural, convulsões sociais e conflitos bélicos) e de natureza biológica (doenças
transmitidas por vetores biológicos, pela água e/ou alimentos, por inalação, pelo sangue ou secreções
orgânicas e por outros mecanismos); os desastres mistos representam a combinação de mais de uma
Concomitantemente a isso, e em conjunto com o lançamento do Plano Nacional
da Gestão de Riscos e Respostas a Desastres, nasce o CENAD (Centro Nacional de
Gerenciamento de Risco e Desastres), que fora criado em 2005, porém reinaugurado em
agosto de 2012, como instituição responsável no gerenciamento da prevenção e resposta
de crises, subordinado ao Ministério da Integração Nacional, através da SEDEC.
Atuando paralelamente, o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de
Desastres Naturais (CEMADEN), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, o
CENAD, subordinado ao Ministério da Integração, trabalha 24 horas por dia, de modo a
promover o intercâmbio constante de dados de eventos severos e seu risco de
ocorrência, bem como de informações de cenários de desastres, obtendo-os junto às
Coordenadorias Municipais de Defesa e Proteção Civil (COMPDECs) a possibilidade
de alertas articulados produzidos no CEMADEN.
Ainda, para um melhor desenvolvimento de seus objetivos e diretrizes, o Plano
Nacional de Defesa Civil contempla a expansão da rede de observação nacional, com a
instalação de radares, pluviômetros, estações fluviométricas, sensores de deslizamento,
estações agrometeorológicas e sensores de umidade do solo, possuindo relações formais
com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o Centro de Previsão de Tempo
e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE), o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e
o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAN).
A partir dessas medidas, ocorre também a consolidação (ainda em andamento)
do Sistema Integrado de Informações Sobre Desastres (S2iD). Um espaço virtual que
integra os diferentes produtos de pesquisa criados através do projeto de Mapeamento de
Riscos no país. Um projeto que contempla 821 municípios prioritários com orçamento
inicial (para a primeira fase) de R$ 8.104.565,68.
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O Mapeamento de Risco engloba o Mapeamento das Susceptibilidades (ação
que ficou a cargo do Serviço Geológico Brasileiro – CPRM) e o Mapeamento das
Vulnerabilidades (ação de responsabilidade da SEDEC), sendo articulado com a
Agência Nacional de Águas – ANA, contribuindo com o mapeamento de inundações
por meio de sua ação de mapeamento de risco de inundações graduais.
O mapeamento refere-se na identificação das áreas de risco, assim como oferece
modelos cartográficos que indicam níveis de vulnerabilidade social e suscetibilidade
ambiental, configurando-se, portanto, em um instrumento técnico georreferenciado
(baseado em parâmetros territoriais e temporais) construído a partir de indicadores
previamente estabelecidos, delimitando geograficamente os riscos e fornecendo mapas
temáticos para contemplar a formação de bancos de dados (com informações históricas,
situacionais e probabilistica sobre esses eventos).
Os mapas produzidos são artefatos que orientam a atuação de peritos e a
formação das agendas políticas de grande escala. Contribuem, portanto, no
aperfeiçoamento da legislação de segurança, pareceres em laudos ambientais,
programas pedagógicos, fluxo de capital para outros níveis federativos, investimento de
infraestrutura de contenção e barragens e assim por diante. Essas práticas e instrumentos
não se baseiam apenas no caráter preventivo, mas também delimitam modelos de ação,
resposta e recuperação da situação de desastre.
9
O sistema de informação integrado (S2iD) reúne a diversidade de dados
produzidos, tendo como prerrogativa a estruturação de um sistema ágil de alerta e
resposta para atendimentos aos acidentes, dispondo de informações para contextos
locais qualificando uma tentativa de transparência na gestão de recursos por meio da
informatização desses processos através da plataforma virtual.
Esse sistema de informação integrado ligado à SEDEC é a plataforma virtual
mediadora dos registros de “Reconhecimento Federal de Situação de Emergência e
Estado de Calamidade Pública”, ferramenta legal exclusiva do Ministério da Integração,
para dispor de recursos financeiros aos municípios em situação de emergência e
calamidade que, posterior à criação do S2iD, ocorre através da plataforma, sendo o
instrumento intermediário acionado pelo municipio (ou estado) para o reconhecimento
federal da situação de desastre.
Com isso, as práticas para avaliação, identificação, prevenção e controle dos
riscos são importantes janelas para a análise de questões que envolvem a criação de uma
agenda prioritária, os fluxos orçamentários mediante a identificação e reconhecimento
da vulnerabilidade regional, os caminhos das informações produzidas por peritos, o
modelo de tomada de ação, as controvérsias científicas e a diversidade teórico-
metodológica sobre essas pesquisas, as transformações nos protocolos de segurança, a
busca (nem sempre eficaz) por acomodação dos fenômenos ambientais através ciência e
as atividades do Estado que visam a integração e o bem-estar.
Esse amplo sistema técnico de informação, portanto, expõem ações de
comprometimento com o futuro, surgindo como uma pauta política emergente que
geram disputas dentro de um quadro de poder e que redirecionam os modos de governo
e os modelos de compromisso4.
Por essas razões, os mapas produzidos são representações de grande potência
sobre a natureza; e a política pública georeferenciada apresenta uma dinâmica
interdisciplinar e intersetorial que transforma a estrutura institucional, os modelos
4 Art. 2o É dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios adotar as medidas
necessárias à redução dos riscos de desastre. Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012.
10
tecnológicos e as normativas quanto a ocupação do solo5, articulando diversos atores
como cientistas, políticos, servidores públicos, civis, tecnologias, softwares,
computadores, satélites e assim por diante, configurando-se como uma demanda social
explícita e que desenvolve novos ordenamentos para a gestão territorial, regimes
organizacionais e visibilidade institucional.
As políticas de inteligência e seus artefatos configuram modelos de ação,
protocolos, diretrizes que estabelecem os riscos a serem estimados, gerenciados,
avaliados, monitorados e comunicados. Dessa forma, a incerteza pode ser compreendida
em termos de conhecimento e controle (BORRAZ, 2008).
Essa pesquisa, portanto, se trata de uma proposta de estudo sobre como os
processos de comunicação, monitoramento e mapeamento de desastres transformam o
debate ambiental e as ações de governaça no que se refere o controle e prevenção dos
impactos negativos, segurança, bem estar e integridade, tendo como objeto e universo a
produção de conhecimento científico centralizados em ambientes administrativos
estatais orientadas para a gestão dos riscos.
REFERENCIAL TEÓRICO
Segundo a discussão clássica sobre o tema, o crescente processo de
modernização reflexiva desencadeia a percepção dos riscos (GIDDENS, 1991) que tem
se colocado como uma das mais importantes questões contemporâneas. As narrativas
científicas são instrumentos cognitivos, e o ritual científico – medição, amostragem
estatísticas, disputas de validade – são importantíssimas para esse processo de
reconhecimento social do risco.
Desastres são experiências limites na vida social. Segundo Beck, os riscos não
obedecem a uma segregação de classe6, mas são como uma "guilhotina de
5 Utiliza-se como exemplo de tais normativas quanto à ocupação do solo, o §3º, do art. 12, da Lei
6.766/79, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências:
Art. 12. O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura Municipal, ou
pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a fixação das diretrizes a que aludem os
arts. 6º e 7º desta Lei, salvo a exceção prevista no artigo seguinte (...)
§ 3o É vedada a aprovação de projeto de loteamento e desmembramento em áreas de risco definidas
como não edificáveis, no plano diretor ou em legislação dele derivada. 6 A sociedade de risco tem uma nova forma. Ao dizer que a produção e distribuição social dos riscos
é democrática, não quer dizer que essa produção e distribuição seja universal e
homogênea. Entretanto, o risco não obedece imediatamente uma lógica de distribuição de riqueza. (113)
11
consternação generalizada" (BECK, 2010:7). A modernidade e a lógica industrial
trazem a dimensão de um homem individualizado e racional; da separação total da
natureza e da cultura, da ideia de controle da natureza através da ciência e da razão.
Entretanto, Beck propõe uma outra modernidade emergente, uma modernidade
reflexiva, pela qual as consequências do sistema industrial colocam em cheque as
principais estruturas ideológicas, imaginárias, simbólicas e materiais do modo de
produção industrial.
Tendo em vista que “a história da conscientização e do reconhecimento social
dos riscos, coincide com a história da desmistificação das ciências” (BECK, 2010:72);
os riscos não são apenas consequências do modo de produção industrial, mas na
objetivação narrativa produzidas pela reflexividade científica. A crise da autoridade
científica pode parecer contraproducente no cenário de crise, mas também expõe os
limites da ciência, coloca em reflexão os discursos entre o saber e o poder que pretende
dominar a natureza, mas que se vê, nesse contexto, amputado pela contradição da crise
civilizacional do risco (BECK, 2010).
A “mudança global” e a ideia de uma natureza em constante transformação têm
justificado a intervenção do poder público e o estabelecimento de hierarquias,
prioridades e compromissos políticos, baseados em uma ação contemplada
simbolicamente pelo caráter de urgência pública, emergência e calamidade. Uma gestão
que não é só do risco e do desastre, mas também da incerteza e da segurança. Deste
modo, a informação produzida pelo emergente sistema técnico de informação é
carregada pelos simbolos do perigo e do seguro.
Mary Douglas (1982) afirma que existe uma disputa dos peritos para definir
quais os riscos devem ser considerados e aqueles que podem ser ignorados pela
população. Se há um conhecimento sobre quais os riscos que exigem maior atenção,
este conhecimento não atinge um consenso, seja entre a comunidade política, seja entre
a comunidade cientifica, seja entre a população.
de certa forma, sua amplitude extrapola classe e estratos sociais e fronteiras nacionais. Entretanto não
nega, de maneira nenhuma, as desigualdades marcantes da sociedade industrial e pós-industrial. E essa
dimensão é tanto de desigualdade de recursos, quanto da desigualdade de informação (com a
reflexão sobre o poder da ciência e o controle político a partir de dados produzidos sobre a
natureza, assunto abordado na segunda e na terceira parte do livro "Sociedade de Risco".
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A divisão da sociedade entre leigos e peritos (GIDDENS, 1991) através da
responsabilidade da ciência em definir o que é risco, produz uma politização da natureza
(ALONSO; COSTA, 2002), desvinculando o conceito de responsabilidade da
“prudência” e assumindo a forma de uma abordagem preventiva proporcionada pelo
O risco é uma questão pública e a sua percepção provoca uma crise nas bases
tradicionais e positivistas da ciência. Essas definições contribuem para a visão
construcionista que estuda como a ciência se relaciona com as escolhas politicas,
convertendo os problemas sociais em questões públicas (HANNIGAN, 1997)
Segundo Veena Das (2004) essas crises são como uma janela para entender os
processos políticos e sociais que não seriam visíveis. São fenômenos multidimensionais
e processuais. Através de suas práticas cotidianas, diversos atores portadores de
diferentes valores, interesses e recursos participam da produção social desses eventos
através do protagonismo da ciência e do Estado.
Contrariando alguns pontos, Bruno Latour (1994) entende que a divisão da
tarefa tradicional de gestão da natureza por cientistas e gestão da sociedade pelos
políticos, tem se tornado cada vez mais incapaz de dar conta da proliferação dos
“híbridos”.
Dessa forma, misturando “reações químicas” e “reações políticas” (LATOUR,
1994:7) é possível entender o conceito de ciência não fundada sobre idéias, mas sim
sobre uma prática (LATOUR, 1994:30) e que produz híbridos e se estabelece através de
controvérsias e disputas. Ainda que cientistas continuem a serem os principais atores da
politica de Ciência e Tecnologia, eles tiveram que dividir palco com servidores públicos
(policy-makers) e com politicos na definição de prioridades (VELHO, 2011).
Entretanto, são diversas as questões que delineiam os produtos das políticas
públicas de inteligência como o status do problema na agenda política local e nacional,
o perfil dos peritos, a participação da sociedade civil afetada, os marcos jurídicos, os
documentos e assim por diante. Portanto, o monitoramento das dinâmicas do “natural”
expõe articulações emergentes que envolvem humanos e não humanos.
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O tratamento simétrico da diversidade de atores humanos e não humanos na rede
sociotécnica expõem o protagonismo do artefato tecnológico e a estreita relação entre
cientistas, servidores, agendas politicas, agendas de pesquisa, agências de fomento,
equipamentos de laboratório, conceitos, pluviômetros, mapas, computadores, juristas e
políticos.
O ambiente não se coloca apenas como uma realidade social a ser investigada,
mas como uma abordagem que pressiona mudanças epistemológicas e teóricas nas
ciências sociais (ALMEIDA, PREMEBIDA, 2014:16) através de variações ontológicas
na noção de natureza e cultura, bem como no foco de atração de alianças e disputas em
constante elaboração entre os atores sociais (ALMEIDA, PREMEBIDA, 2014:17)
evidenciando que a relação entre sociedade e a natureza demonstram novos caminhos de
análise.
Outro ponto importante a ser tratado na pesquisa é a referência ao conceito de
tecnonatureza, ou seja, quando a natureza se transforma em um complexo objeto técnico
(ROQUEPLO, 1983:18), criando uma relação específica entre sociedade-natureza e se
configurando como articuladora de conflitos ambientais através de sua politização. Os
serviços de inteligência criam uma nova demanda de organização setorial, de atores do
mundo politico, administrativo, científico e civil.
A tecnociência politizada (como uma resposta politica à problemas ambientais
na sociedade e suas expectativas) serve como uma ferramenta estratégica, através dos
artefatos científicos, para decisões, obras estruturais e prioridades financeiras, expondo,
assim, um processo decisório baseado na expectativa de eficiência de atores subpoliticos
(como técnicos, servidores e cientistas) que tomam decisões em um mundo de fronteiras
indeterminadas (LATOUR, 1994). Nesse sentido, o CENAD caracteriza-se como uma
esfera subpolítica e híbrida em expansão como uma instância de poder que é política,
administrativa e científica.
A ciência do bem estar da sociedade (VELHO, 2011) que garante através da
informação ser o articulador, regulador, facilitador e mediador entre os mais variados
atores e instituições, cria especialistas do bem-estar e se refere a um modelo de ciência
que pretende atingir objetivos socialmente definidos.
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Logo, a projeção da natureza (ou a profecia) é um processo de politização
(BORRAZ, 2014) e de emergência de peritos especializados, visto que a convocação
dos especialistas7 evoca o protagonismo da linguagem científica, dos seus artefatos,
dados e de um plano de comunicação da informação. Entretanto, esse sistema produz
níveis de responsabilização8; incertezas sociais e politicas, disputas de poder criando,
assim uma região discursiva controversa, mesmo que a prática científica tenha como
preferência em formular uma linguagem que busca a univsersalidade geralmente por
meio de formalização matemática, obtida através de avaliações quantitativa estatísticas
(LUZ, SABINO, MATTOS, 2013:239) tendo como objetivo contribuir para a
governabilidade ambiental global (ULLOA, 2011).
As “culturas de auditoria”9 e sua relação com a “governança global” expõe os
indivíduos a uma série de indicadores que pretendem demonstrar de forma científica e
imparcial a eficiência ou ineficiência da gestão pública. E a pesquisa pretende entender
o uso e os processos de criação destes mecanismos e o modo como eles afetam a
distribuição de poder.
As auditorias, ou nesse caso, o mapeamento e o monitoramento dos riscos,
seriam uma forma específica de governança global que se dá através da informação e
que se pretende imparcial e científica. Além disso, o uso dos indicadores por “agentes
de governo” é uma importante fonte para que os governantes adquiram sua autoridade.
7 No dia 28 de junho de 2012, o CENAD ampliou seu quadro de funcionários com especialistas por meio
de um concurso específico para atuação no Centro. O intuito foi reunir, em um só lugar, profissionais de
diferentes segmentos para proporcionar condições adequadas de segurança à população em áreas de risco,
complementando as iniciativas dos governos estaduais e municipais durante momentos de crise. Entre as
especialidades do corpo técnico estão: Analistas em Defesa Civil, Analistas de Sistemas, Engenheiros,
Geólogos, Meteorologistas, Químicos, Assistentes Sociais e Estatísticos. Disponível em:
http://www.mi.gov.br/web/guest/defesa-civil/cenad/apresentacao. Acesso: 19/09/2015 8 A responsabilização e a sua dimensão, tanto para os atores públicos quanto os privados dependerão da
análise específica do caso. 9 DAVIS, Kevin E; KINGSBURY, Benedict e MERRY, Sally E. “Indicators as a Technology of Global
Governance”. In: Law & Society Review. Volume 46, número 1, 2012 KIPNIS, Andrew B. “Audit
Cultures. Neoliberal governmentality, socialist legacy, or technologies of governing?”. In: American
Ethnologist. Vol. 35, n. 2, 2008.
MERRY, Sally E. “Measuring the World: indicators, human rights and global governance. In: Current
Anthropology. Vol. 52 (3), abril de 2011.
STRATHERN, Marilyn (Ed.). Audit cultures: anthropological studies in accountability, ethics, and the