Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento: interferência do suporte familiar e interesse pela maternidade 1 Carlos Alberto Dias 2 Marcela Otoni Pereira 3 Marileny Boechat Frauches Brandão 4 Marina Mendes Soares 5 Suely Maria Rodrigues 6 O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) preconiza estratégias de melhoria da qualidade da assistência à saúde da mulher visando reduzir as taxas de morbimortalidades materna e perinatal. Objetivando conduzir uma reflexão sobre importância do suporte familiar e interesse da gestante pela maternidade para cumprimento dos princípios e metas do PHPN, fez-se este estudo descritivo, transversal, quantiqualitativo. Entrevistou-se em domicílio 24 gestantes adultas, assistidas pelo PHPN, em Governador Valadares-MG, seguindo um Roteiro Estruturado de Entrevista, com questões agrupadas em caracterização da amostra, dados da assistência pré-natal, composição familiar, caracterização e suporte familiar. Aplicou-se ainda o Inventário de Percepção do Suporte Familiar. Para análise das informações utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo (Bardin). Embora reduzido, as gestantes consideram o suporte familiar positivo para alcance das metas propostas pelo PHPN. Palavras-chave: Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, suporte familiar, gestante, pré-natal 1 Este artigo é um recorte da pesquisa “Contribuição de gestores, profissionais de saúde, gestantes e suas famílias no processo de adesão e atendimento aos princípios/normas previstas pelo programa de humanização no pré-natal e nascimento (PHPN) no município de Governador Valadares”, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Processo APQ 02524-14; Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). 2 Doutor em Psicologia, professor do Curso de Turismo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. 3 Mestre em Gestão Integrada do Território, Psicóloga Clínica. 4 Doutora em Odontopediatria, professora do curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) 5 Mestre em Gestão Integrada do Território, professora da Faculdade Mantenense dos Vales Gerais. 6 Doutora em Saúde Coletiva, professora do curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce.
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Programa de Humanização no Pré-natal e … A amostra contou com gestantes cadastradas no SISPRENATAL que estivessem na 30º semana de gestação e que fossem atendidas em cada ESF
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Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento: interferência do suporte familiar e
interesse pela maternidade1
Carlos Alberto Dias2
Marcela Otoni Pereira3
Marileny Boechat Frauches Brandão4
Marina Mendes Soares5
Suely Maria Rodrigues6
O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) preconiza estratégias de
melhoria da qualidade da assistência à saúde da mulher visando reduzir as taxas de
morbimortalidades materna e perinatal. Objetivando conduzir uma reflexão sobre importância do
suporte familiar e interesse da gestante pela maternidade para cumprimento dos princípios e
metas do PHPN, fez-se este estudo descritivo, transversal, quantiqualitativo. Entrevistou-se em
domicílio 24 gestantes adultas, assistidas pelo PHPN, em Governador Valadares-MG, seguindo
um Roteiro Estruturado de Entrevista, com questões agrupadas em caracterização da amostra,
dados da assistência pré-natal, composição familiar, caracterização e suporte familiar. Aplicou-se
ainda o Inventário de Percepção do Suporte Familiar. Para análise das informações utilizou-se a
técnica de Análise de Conteúdo (Bardin). Embora reduzido, as gestantes consideram o suporte
familiar positivo para alcance das metas propostas pelo PHPN.
Palavras-chave: Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, suporte familiar,
gestante, pré-natal
1 Este artigo é um recorte da pesquisa “Contribuição de gestores, profissionais de saúde, gestantes e suas famílias no
processo de adesão e atendimento aos princípios/normas previstas pelo programa de humanização no pré-natal e
nascimento (PHPN) no município de Governador Valadares”, apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Processo APQ 02524-14; Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri (UFVJM); Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE).
2 Doutor em Psicologia, professor do Curso de Turismo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri.
3 Mestre em Gestão Integrada do Território, Psicóloga Clínica.
4 Doutora em Odontopediatria, professora do curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Gestão
Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE)
5 Mestre em Gestão Integrada do Território, professora da Faculdade Mantenense dos Vales Gerais.
6 Doutora em Saúde Coletiva, professora do curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Gestão
Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce.
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INTRODUÇÃO
O Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN), instituído pelo Ministério da
Saúde, Portaria/GM nº 569, de 01/06/2000 preconiza estratégias de melhoria da qualidade da
assistência à saúde da mulher visando reduzir as taxas de morbimortalidades materna e perinatal.
Toda gestante deve ser atendida com qualidade e dignidade na gestação, parto e puerpério
devendo a assistência ser realizada de forma humanizada e segura, conforme condições
estabelecidas pelo conhecimento médico. Se por um lado o sucesso do Programa está vinculado
ao cumprimento das normas e princípios por ele estabelecidos, por outro se pode questionar até
que ponto o suporte familiar e o interesse da própria gestante pela maternidade impactam sobre o
alcance das metas pretendidas.
Neste contexto, há que se debruçar sobre dois elementos fundamentais deste processo, a saber: a
família e a própria gestante.
A família é considerada um lugar de unidade que cuida dos seus membros, responsável pelo
atendimento de necessidades básicas e formação dos referenciais de vida (SILVA, SILVA,
2009). Na atualidade, ela se baseia na afetividade, interligando os sujeitos desprezando, dessa
maneira, o liame da cosanguinidade/parentalidade, sendo necessário apenas que a relação seja
pautada pelo amor, amizade e companheirismo (COSTA, 2012).
Uma das mais abrangentes definições de família foi criada por Petzold (1996, p.39), chamada de
definição ecopsicológica. Segundo esse autor família “é um grupo social especial, caracterizado
por relações íntimas e intergeracionais entre seus membros”. A partir desta definição pode-se
trabalhar com os inúmeros tipos que começam aparecer na sociedade.
A partir da metade do século XX, algumas importantes transformações começam a aparecer no
cenário familiar. Muitos tipos não são relativamente novos, mas a partir deste período começam
a se multiplicar. A família contemporânea se diferencia daquela que privilegiava a eternidade
dos vínculos matrimoniais e a marca da ancestralidade. Hoje se prestigia o afeto acima de tudo, o
que permite a complexidade dos laços familiares (COSTA, 2012).
Para mostrar algumas configurações de família, presentes na atualidade, utilizou-se o estudo de
Caniço et al. (2011), classificadas de acordo com a estrutura e dinâmica global. Este trabalho
classifica as famílias em diversas configurações, contudo para melhor compreensão foi
selecionado as modalidades em que estão representadas as participantes deste estudo.
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Independentemente do tipo de família, o apoio familiar à gestante é fundamental para uma boa
gestação, parto e puerpério. Isto porque no período gestacional são observadas alterações no
corpo da mulher sendo elas: física, mecânica, hormonal e psíquica. Dentre as fisiológicas estão
as modificações sistêmicas relacionadas as mamas, abdome, glândulas endócrinas, sistema
cardiovascular, sistema respiratório, peso corporal, trato gastrointestinal, metabolismo de
carboidratos, sistema musculoesquelético e pele (RESENDE, MONTENEGRO, 2013).
Por se tratarem de alterações significativas sob o ponto de vista físico com impactos sobre suas
emoções é fundamental que a gestante receba afeto, carinho, cuidados e proteção das pessoas
que fazem parte de seu cotidiano. As transformações fisiológicas ocorridas nos três primeiros
meses de gestação fazem com que nos dois últimos trimestres se tornem cada vez mais evidentes
as alterações psicológicas. O segundo é considerado o mais estável emocionalmente em função
dos movimentos fetais, apesar de importantes alterações no desejo e no desempenho sexual. No
Tipo Caracterização Exemplo
Nuclear ou SimplesUma só união entre adultos e um só nível de
descendênciaPai, mãe, filho(s)
Alargada ou extensa
Co-habitam descendentes e/ou colaterais por
consangüinidade ou não, para além de progenitor(es)
e/ou filho(s)
Avós morando com netos, tios,
primos, cunhados
Reconstruída,
combinada ou
recombinada
Nova união conjugal, com existência ou não de
descendentes de relações anteriores, de um ou dos dois
membros
Homem separado casado com outra
mulher separada que possui um filho
da outra relação
HomossexualUnião conjugal entre duas pessoas do mesmo sexo,
independente do restante da estrutura
Dois homens casados ou duas
mulheres morando juntas
MonoparentalProgenitor que co-habita com o(s) seu(s) descendentes,
não tendo relação conjugal de co-habitação permanente
Viúva com filhos ou homem separado
com filhos
Dança a doisDuas pessoas com relações ou não de consangüinidade
e inexistência de relação conjugalDuas irmãs, dois primos, avó e neto
De co-habitaçãoHomem e/ou mulher que vivem na mesma habitação, com
inexistência de laços familiares ou relação conjugalUniversitários, imigrantes
ConsangüíneaExiste uma relação conjugal consangüínea,
independente do restante da estruturaCasal de primos
AcordeãoUm dos cônjuges se ausenta por períodos prolongados
ou frequentes
Família com um migrante para o
exterior ou de militares em missão
Múltipla ou dois em
um
Um elemento integra duas ou mais famílias, constituindo
agregados diferentes, eventualmente com descendentes
em ambos
Homem com duas esposas que moram
em casas diferentes
Fonte: Caniço et al., 2011
Quadro 1: Caracterização dos tipos de configurações familiares
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terceiro, na medida em que se aproxima do parto e da rotina da vida após a chegada do bebê,
aumenta o nível de ansiedade (SIMAS, 2013; RODRIGUES, 2013).
A situação envolvendo gestação e parto, com especial ênfase na relação da gestante com sua
família, é determinante para o desenvolvimento do bebê. Esse contexto interfere no processo de
amamentação, cuidados com a criança e na vida da própria gestante. Contextos favoráveis
fortalecem vínculos familiares, condições básicas para o desenvolvimento saudável do ser
humano (BRASIL, 2005).
A forma como a mulher e sua gravidez são recebidas pela estrutura familiar e o apoio e
orientação fornecidos à gestante são fundamentais para o relacionamento mãe-filho. Soma-se a
isto as atitudes do parceiro em relação à gestante que muito interfere em sua aceitação ou
rejeição da gravidez. A literatura considera que a qualidade da ajuda recebida após a alta
hospitalar é fator crucial para que a mãe consiga produzir leite de forma satisfatória
(MALDONADO, NAHOUM, DICKSTEIN, 1990).
Marin et al. (2009) tem apontado para a importância de pessoas de apoio durante a gestação,
puerpério e parto, como forma de ajudar a mulher a lidar com os sentimentos provocados pelas
intensas variações vividas neste período. O suporte eficiente, independentemente do tipo de
família, permite que a mulher se adapte às mudanças geradas pela maternidade e se sinta mais
confiante e confortável. Isto porque famílias que dão apoio aos seus integrantes são flexíveis às
modificações no seu funcionamento e propiciam condições para superação de crises ou doenças
ao facilitar a adesão ao acompanhamento do pré-natal (GABARDO, JUNGES, SELLI, 2009).
Neste contexto, o presente estudo tem por objetivo conduzir uma reflexão sobre a importância do
suporte familiar e do interesse da gestante pela maternidade no cumprimento dos princípios e
metas do PHPN.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo observacional, descritivo, transversal que utilizou uma abordagem
qualiquantitativa realizado no município de Governador Valadares-MG.
O universo deste estudo foi constituído pelas gestantes usuárias dos serviços prestados na
Estratégia de Saúde da Família, cadastradas no SISPRENATAL, a partir de Julho de 2013, uma
vez que a coleta se iniciou em Janeiro de 2014 (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE
GOVERNADOR VALADARES, 2013).
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A amostra contou com gestantes cadastradas no SISPRENATAL que estivessem na 30º semana
de gestação e que fossem atendidas em cada ESF da zona urbana participante do estudo. Na
constituição da amostra foram consideradas as 36 ESF’s da zona urbana do município estudado,
uma vez que todas se encontram aderidas ao PHPN.
Para definição do tamanho da amostra, a cidade foi dividida em quatro setores – Norte, Sul,
Leste, Oeste. A partir, dessa divisão foi realizado um sorteio aleatório, definindo para cada setor
uma ESF. Em cada ESF selecionada foram entrevistadas 06 gestantes fazendo com que na
amostra final fossem consideradas 24 participantes, com idade igual ou superior a 18 anos.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Rio Doce
- (CEP UNIVALE) sob o parecer CEP/UNIVALE 441.089 – 14/10/2013. Todos os participantes
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.
A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista domiciliar, guiada por um Roteiro
Estruturado de Entrevista e registrada eletronicamente a partir do consentimento das gestantes, e
da aplicação do Inventário de Percepção do Suporte Familiar (IPSF).
A análise qualiquantitativa das respostas fornecidas pelas entrevistadas ao IPSF é realizada
conforme determinação dos autores deste instrumento padronizado, sendo vedada sua divulgação
ao público leigo por determinação do Conselho Federal de Psicologia. Já para a análise das
respostas dadas às questões contidas no Roteiro foi utilizada a técnica de “Análise de Conteúdo”,
proposta por Bardin (2011). Esta técnica é um processo sistemático de avaliação de mensagens,
que objetiva a descrição do conteúdo e inferências de conhecimentos sobre a produção e
recepção dessas mensagens, seguindo os seguintes passos:
1. Os discursos coletados foram, inicialmente, transcritos mantendo-se a forma original de
expressão dos respondentes;
2. Pré-análise, na qual se foi realizada uma leitura flutuante, a partir da qual emergiram
impressões e orientações, de forma a identificar as grandes categorias discursivas abordadas
pelos respondentes;
3. Leituras exaustivas dos conteúdos, para a organização e sistematização dos conteúdos,
permitindo o agrupamento dos mesmos em grandes categorias;
4. Análises dos conteúdos das falas dos sujeitos, que foram reunidas por categorias,
identificando unidades de significados, estabelecendo subcategorias e procedendo-se aos
agrupamentos finais;
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5. Análise e interpretação dos dados por subcategorias, possibilitando a descrição dos
resultados e significados dos conteúdos que consolidam o tema.
As informações presentes nessas entrevistas foram agrupadas em categorias relativas a cada
item, e as falas analisadas dentro de cada tema. Os textos não sofreram correções linguísticas,
preservando o caráter espontâneo dos discursos.
Essas são pontos de partida para a análise, sejam elas verbais, figurativas, gestuais ou
diretamente provocadas, e expressam um significado ou um sentido para os sujeitos respondentes
(FRANCO, 2007).
Visando preservar a identidade das entrevistadas, foram numerados, aleatoriamente, sem ligação
desses números com identificação das equipes. Estes foram identificadas G (Gestante), seguidas
por ordem numérica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dentre os temas abordados com as gestantes durante as entrevistas serão apresentados aqueles
relativos a 1) significado de família, 2) composição e relacionamento familiar, 3) aceitação da
gestação e, 4) suporte familiar.
A partir da análise dos discursos referentes aos três primeiros temas e respectivas questões
inseridas na entrevista surgiram diversas categorias. A categorização permitiu reunir um número
de informações por meio de uma esquematização e assim correlacionar classes de
acontecimentos para ordená-los. A categorização representa a passagem dos dados brutos a
dados organizados. Já os resultados referentes ao suporte familiar, aqui apresentados, referem-se
à análise das respostas fornecidas pelas gestantes ao Inventário de Percepção do Suporte
Familiar.
TEMA 1: Significado de família
Este tema aborda a percepção do termo família e sua definição a partir de vivências da gestante.
Entender este significado se torna importante, pois na atualidade existem inúmeras formas,
configurações e determinações sobre família.
Para Martins e Szymanski (2004) não é fácil conceituar o termo família. Segundo Salomé,
Espósito, Moraes (2007) este não é um conceito unívoco, existem várias formas de caracterizá-
la. No estudo desenvolvido por Fukui (1981), fica explicito que família é um conjunto de
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relações interpessoais que estão interligadas e determinadas pelas ações temporais, territoriais,
sociais e históricas.
O significado de família depende de inúmeras variáveis ambientais, sociais, econômicas,
culturais, políticas ou religiosas em que está inserida e da forma como as relações pessoais se
estabelecem dentro desta, assim é difícil encontrar um enunciado integrador (OSORIO, 2002).
Categoria 1: Tudo
Nesta categoria a família foi definida como Tudo. Este conceito apresentou dois significados:
Sentimentos – sensações afetivas positivas desencadeadas por meio da relação com um
semelhante; e Tipo de configuração familiar - retrata a quantidade e lugar dos indivíduos dentro
do grupo. Possivelmente a definição de família como Tudo para este grupo esteja relacionada à
importância desta instituição para si e para a sociedade.