IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 Produção econômica e comércio da capitania de Sergipe d'El Rei com a Bahia na segunda metade do século XVIII Wanderlei de Oliveira Menezes 1 Os estudos acerca da história econômica do período colonial sergipano são sumários e redundantes. A historiografia local é unânime em apontar que após a conquista do território (1590) as culturas de subsistência e a criação de gado foram decisivas para a ocupação da capitania, através da concessão de sesmarias. 2 Paulatinamente, os moradores foram se estabelecendo em todo território. Em Sergipe Colonial I, Maria Thétis Nunes estudou a produção econômica da capitania de Sergipe das primeiras atividades econômicas (pau-brasil e gado) às culturas destinadas à subsistência (farinha de mandioca, principalmente) e exportação (fumo, cana e algodão). Ela entendia que a economia local era estruturada em decorrência da demanda da política econômica metropolitana e do mercado europeu. Contudo, um reexame se faz necessário sobre a produção econômica da capitania de Sergipe. Inicialmente um importante centro abastecedor de gado para os engenhos do recôncavo baiano, a capitania diversificou sua produção e teve um papel relevante na pauta de exportação do açúcar para o mercado europeu durante a segunda metade do século XVIII. Contudo, se faz necessário entender a complexidade econômica desse período ainda pouco estudado da história de Sergipe e dimensionar os outros produtos que se destacaram no comércio com a Bahia, principal centro consumidor da produção de sergipana. 1 Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe. Contato: [email protected]2 Vide: NUNES, Maria Thétis. Sergipe Colonial I. Aracaju: UFS; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989; FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe, 1575-1855. Rio de Janeiro: Typ. Perseverança, 1891; FRANCO, Emmanuel. A Colonização da Capitania de Sergipe D'El-Rei. Aracaju: J. Andrade, 1999.
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Produção econômica e comércio da capitania de Sergipe d'El Rei com a ... · Os estudos acerca da história econômica do período colonial sergipano são sumários e redundantes.
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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
Produção econômica e comércio da capitania de Sergipe d'El Rei com
a Bahia na segunda metade do século XVIII
Wanderlei de Oliveira Menezes1
Os estudos acerca da história econômica do período colonial sergipano são
sumários e redundantes. A historiografia local é unânime em apontar que após a
conquista do território (1590) as culturas de subsistência e a criação de gado foram
decisivas para a ocupação da capitania, através da concessão de sesmarias.2
Paulatinamente, os moradores foram se estabelecendo em todo território. Em Sergipe
Colonial I, Maria Thétis Nunes estudou a produção econômica da capitania de Sergipe
das primeiras atividades econômicas (pau-brasil e gado) às culturas destinadas à
subsistência (farinha de mandioca, principalmente) e exportação (fumo, cana e
algodão). Ela entendia que a economia local era estruturada em decorrência da demanda
da política econômica metropolitana e do mercado europeu.
Contudo, um reexame se faz necessário sobre a produção econômica da
capitania de Sergipe. Inicialmente um importante centro abastecedor de gado para os
engenhos do recôncavo baiano, a capitania diversificou sua produção e teve um papel
relevante na pauta de exportação do açúcar para o mercado europeu durante a segunda
metade do século XVIII. Contudo, se faz necessário entender a complexidade
econômica desse período ainda pouco estudado da história de Sergipe e dimensionar os
outros produtos que se destacaram no comércio com a Bahia, principal centro
consumidor da produção de sergipana.
1 Mestrando em História pela Universidade Federal de Sergipe. Contato:
[email protected] 2 Vide: NUNES, Maria Thétis. Sergipe Colonial I. Aracaju: UFS; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1989; FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe, 1575-1855. Rio de Janeiro: Typ. Perseverança, 1891;
FRANCO, Emmanuel. A Colonização da Capitania de Sergipe D'El-Rei. Aracaju: J. Andrade, 1999.
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associou o surgimento de Sergipe d’El Rei à necessidade de expansão da criação de
gado para novas áreas em direção ao Rio São Francisco. Sergipe era assim “um
apêndice econômico dos engenhos de açúcar do Recôncavo”. 8 A capitania se destacava
como espaço destinado à criação de gado, pois “pela abundância de gado que produz e
dos muitos povoadores que a este respeito ali se juntaram, foi Vossa Majestade servido
de a nomear Capitania a parte, confirmando os juízes e vereadores, vigários e
coadjutor”.9
A capitania de Sergipe tinha funções de ordem estratégica e econômica no
contexto das possessões do império português na América: garantir a comunicação entre
os dois mais importantes polos da parte setentrional da América Portuguesa (Bahia-
Pernambuco) e supri-los com mantimentos.
Para Evaldo Cabral de Mello, a fundação da Capitania de Sergipe assegurava as
comunicações marítimas e terrestres entre Pernambuco e a Bahia em viagens que
despendia menos de três dias, e com a possibilidade de parada na cidade de São
Cristóvão, principal núcleo populacional da Capitania.10 A preocupação com o acesso
entre a Bahia e as demais Capitanias da parte setentrional da América Portuguesa,
especialmente Pernambuco, motivou, em 1601, o governo a debelar os quilombos que
estavam se formando com as fugas de muitos escravos dos engenhos do recôncavo, na
área próxima ao rio Itapicuru, fronteira entre as Capitanias de Sergipe e a da Bahia, sob
a incumbência de Felipe Camarão. 11
8 SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o tribunal superior da Bahia e seus
desembargadores, 1609-1751. São Paulo: Companhia das letras, 2011. P. 105. 9 MORENO, Diogo de Campos. Capitania de Sergipe del Rei. In: Livro que dá razão do Estado do
Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1968. P. 49. [edição fac-similar]. 10 MELLO, Evaldo Cabral de. Um imenso Portugal: história e historiografia.São Paulo: Topbooks, 2005.
P. 189 11 GOMES, Flávio dos Santos. A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos
no Brasil (séculos XVII-XIX). São Paulo: UNESP, 2005. P. 396.
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“pois que até hoje dela vínhamos tirando todo gado necessário”. 22 O plano dele era
“mandar fortificar essa praça para que no caso de um tratado de paz, possamos incluir
essa capitania na jurisdição desta região [de Pernambuco]”.23
No século XVIII, Sergipe vivenciava um florescente crescimento da produção
dos principais gêneros de exportação da América Portuguesa (cana-de-açúcar, fumo e
algodão). O cronista Sebastião da Rocha Pita (1730) nos oferece informações sobre esse
momento histórico. 24 Ele deu especial destaque a região do Cotinguiba onde, “no seu
recôncavo, e no de suas vilas se contam vinte e cinco Engenhos, de donde se sai todos
os anos bom número de caixas para a Bahia, de perfeito açúcar em qualidade, e
benefício”.25 O relato de Rocha Pitta remetia a uma situação financeiramente
promissora não apenas do Cotinguiba, mas de toda a capitania de Sergipe, pois havia:
Mais de oito mil vizinhos, que possuem cabedais, e tem muitas
lavouras, sendo para todos o terreno tão dilatado, e fecundo, que faz
férteis as suas Povoações, e a seus habitadores ricos, e abundantes.
São pródigos os seus campos de criação de gado, na produção das
sementeiras, e do tabaco. Deste gênero, da courama, e do açúcar, lhe
resulta muito comércio, e ainda fora mais franco, a não serem as duas
barras tão estreitas, que não dão transito, mais que a pequenas
sumacas 26
22 GOUVÊA, Fernando da Cruz. Maurício de Nassau e o Brasil Holandês: correspondência com os
Estados Gerais. Recife: UFPE, 1998. P. 110. 23 Idem. 24 PITTA, Sebastião da Rocha. Historia da America Portugueza: desde o ano de mil e quinhentos do seu
descobrimento, até o de mil e setecentos e vinte e quatro. Lisboa: Officina de Joseph Antonio da Sylva.
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como resultado diminuir a população e a produção agrícola e
aumentar as dificuldades de fiscalização às jazidas [...] Simplesmente
porque para o comércio do Reino relevava dispor dos produtos
agrícolas coloniais com curso nos mercados internacionais – caso do
açúcar, do tabaco, do algodão ou do cacau.32
A América Portuguesa e as outras possessões ultramarinas do império passariam
a vivenciar um período fecundo caracterizado por importantes reformas administrativas
e reorganização das atividades produtivas. Como afirmou Teixeira Soares, a partir de
1750, o Brasil entrava numa fase de diversificação econômica bastante curiosa,
indicadora de crescimento e enriquecimento. Pombal estimulou o afluxo de produtos
brasileiros para os mercados do Reino. A intensificação do comércio entre as duas
margens do Atlântico serviria para minimizar os prejuízos com o desvantajoso comércio
com a Inglaterra.33
Essa fase próspera para a produção agrícola foi incrementada pela conjuntura
econômica internacional favorável, marcada pela crise da produção açucareira nas
Antilhas e aumento da utilização do açúcar provocado pela ampliação mundial do
consumo do chá, cacau e café. Os dados sugerem que houve aumento do volume das
exportações do açúcar. O volume das exportações portuguesas do açúcar brasileiro
cresceu 3,6% entre 1776 e mais de 14,3% até 1789.34
O aprimoramento das estratégias de exploração colonial continuava a ser “um
ponto essencial das ideias mercantilistas e fator de constituição das riquezas
32 MAGALHÃES, Joaquim Romero. Sebastião José de Carvalho e Melo e a economia do Brasil. In:
Labirintos Brasileiros. São Paulo: Alameda, 2011. P. 188-189. 33 SOARES, Álvaro Teixeira. O Marquês de Pombal. Brasília: UNB, 1983. P. 171-172. 34 Economia e política na explicação da independência do Brasil. In: MALERBA, Jurandir.
Independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, p.55.
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e comércio.37 A ideia de Pombal era voltar a ter o domínio do comércio e gerar fundos
para a Fazenda Real.
O comércio de exportação recebeu especial atenção da administração pombalina
no Brasil. A criação de companhias de comércio no Grão-Pará e Pernambuco demonstra
as suas propostas econômicas para a América Portuguesa. As Mesas – ou Casa – de
Inspeção foram instituídas para dotar de confiança os produtos brasileiros, por meio da
eliminação de informações falsas e exageros na classificação, embarque e
financiamento do produto, fornecendo características e peso nem sempre condizentes
com os produtos que se queria embarcar. A intenção do governo metropolitano era
garantir a qualidade dos produtos coloniais e assegurar de forma mais efetiva o controle
sobre a arrecadação tributária relacionada a este produto. Essas medidas significaram a
adoção de uma atitude difícil e impopular porque atacava diretamente as habituais
práticas de falsificações e irregularidades na classificação e no encaixotamento do
produto e geraram intensas reclamações entre os produtores de açúcar, pois as mesas de
inspeção eram responsáveis pelo exame de qualidade e estabelecimento dos preços
“justos” às mercadorias. A manifestação contra essa situação não foi exclusiva dos
produtores baianos, pois os produtores das capitanias de Pernambuco e do Rio de
Janeiro também escreveram ao Conselho Ultramarino e ao Governador-geral solicitando
providências para alterar esse controle, além dos colonos que dirigiam suas queixas
diretamente ao rei.38
Em 1753, os colonos de Sergipe, através de petições e representações,
protestaram contra a fixação desses preços que já vinha determinado pela Coroa, através
37 KIRSCHNER, Tereza Cristina. A administração portuguesa no espaço atlântico: a Mesa da Inspeção da
Bahia (1751-1808). In: Biblioteca Digital Camões. Disponível em: http://www.institutocamoes.pt/cvc/
index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=76&Itemid=69. Acesso em: 05 nov. 2013. 38 SCHWARTZ, Stuart, op. cit.; FERLINI, Vera Lúcia do Amaral. Terra, Trabalho e Poder. O mundo
dos engenhos no Nordeste Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1988.
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de seus agentes fiscalizadores. Na representaçãos dos donos de engenho da Bahia e
Sergipe, quixavam-se da carestia dos escravos e dos baixos preços fixados para o
açúcar.39 Os produtores de Sergipe alegaram ainda que “o custo de registro de caixas os
deixava ainda mais pobres”.40As reclamações não surtiram efeito. Segundo Kenneth
Maxwell, as Mesas de Inspeção eram simples paliativo que não atingiam as raízes, pois
as dificuldades enfrentadas pelos grupos mercantis e agrícolas provinham do domínio
dos comerciantes estrangeiros.41
As atribuições da Mesa de Inspeção e o desenvolvimento das atividades
produtivas e comerciais exigiam um excessivo controle de qualidade e fiscalização que
provocou também o aumento das práticas ilícitas como o descaminho e o contrabando.
Assim, percebemos duas formas de descaminho, uma protagonizada pelos lavradores
que venderam o açúcar a preços maiores, sem passar pela Mesa de Inspeção de
Pernambuco e a outra de descaminho efetuado pelo funcionário da coroa que informava
a apreensão do açúcar, porém declarando uma quantidade menor, provavelmente se
apossando do restante das caixas.
Intrigante também foram as remessas de caixas de açúcar devolvidas pela Junta
do Comércio que exigiu providências da Mesa de Inspeção. Era comum a mistura de
diferentes qualidades de açúcar, contudo produtores da capitania de Sergipe misturaram
terra ao açúcar e:
[pela] primeira vez que se viu praticada em caixas de açúcar,
sendo além disto para notar que ambas as referidas caixas de açúcar,
39 CARTA do vice-rei e governador-geral do Estado do Brasil, conde de Atouguia, Luís Pedro Peregrino
de Carvalho de Meneses e Ataíde ao rei D. José, em resposta à provisão real, dando seu parecer acerca
das representações dos donos de engenho da Bahia e Sergipe, que apresentam queixas da carestia dos
escravos e da produção do açucar em 29 de maio de 1753. AHU. CU. BR/BA. Cx. 115, D. 8985. 40 Representação da câmara de Sergipe à Coroa em 30 de abril de 1753. APEB. Maço 132. Documento
avulso. 41 MAXWELL, Kenneth. A Devassa da Devassa: Inconfidência Mineira, Brasil e Portugal, 1750-1808.
porcos, aves, pedra de fogo e de amolar e couros de veados, como os principais
produtos exportados para o porto de Salvador, escoadas pelos quatro principais portos
de Sergipe: Rio Real, Cotinguiba, Sergipe d’El Rei e Rio de São Francisco. 48
44 VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador, rainha destronada? (1763-1823). História (São Paulo)
v.30, n.1, p.174-188, jan/jun 2011. 45 BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII, Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
46 INVENTÁRIO dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha do Ultramar -
AMU. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro. Vol. XXXII (1914), p. 504. 47 VILHENA, L. S. A Bahia no Século XVIII. Salvador: Itapuã, 1969. P. 56. 48 Descrição geográfica da capitania de Sergipe d’El Rei em 1802. Biblioteca Nacional. Seção de
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Uma característica importante dos engenhos de Sergipe era as dimensões
reduzidas. A esmagadora maioria era de pequeno e médio porte quando comparados aos
da Bahia e de Pernambuco. Assim,
Em sua quase totalidade, foram pequenos e médios engenhos de
Sergipe colonial, como comprova o baixo número de escravos que
possuíam, e o que dizem os testamentos da época [...]. Não existiam
na capitania de Sergipe grandes potentados, donos de imensos
canaviais como em outras capitanias do Nordeste.52
O fumo era outro produto importante para a economia local. Antonil mencionou
que Sergipe era área produtora de fumo nos sertões da Capitania da Bahia. Segundo ele,
as áreas margeadas pelos rios Cotinguiba, Sergipe, Real e São Francisco estavam entre
os principais centros de lavra de tabaco que era enviado ao porto de Salvador em
grandes remessas. 53 Mas nada que se compare à produção do Recôncavo (Cachoeira,
Santo Amaro da Pitanga, Maragogipe e Sergipe do Conde). Esse cronista do limiar do
século XVIII noticia que o tabaco produzido em Sergipe era recolhido em seus portos
em casas destinadas para isso, e depois era conduzido em sumacas e lanchas a Salvador
enrolado e encourado ou para ser beneficiado.54
No século XVIII, a produção desse gênero agrícola se destacou na pauta das
exportações brasileiras provocada pelas Guerras de Independência das Treze Colônias.
Os lavradores no Brasil começaram a substituir as roças de alimento para cultivar o
tabaco. Para controlar o seu comércio, foi criada, pela Coroa, a Junta do Comércio do
52 SOBRINHO, Josué Modesto Passos. Reordenamento do trabalho escravo. Trabalho escravo e trabalho
livre no Nordeste açucareiro. Sergipe. 1850-1930. Aracaju: Funcaju, 2000. P. 26 53 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. São Paulo: Edusp,
2007. P. 199-201 e 333. 54 Ibid, p. 334; NARDI, Jean Baptiste. O fumo brasileiro no período colonial: lavoura, comércio e
administração. São Paulo: Brasiliense, 1996. P. 41.
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Tabaco que, além dessa função, cuidava para separar o tabaco de melhor qualidade para
o envio a Portugal, reexportando o produto de qualidade inferior para a África.
A produção fumageira em Sergipe pode ter sido estimulada tanto para suprir o
consumo local, preparados em rolos e vendidos a retalho nas feiras quanto vinculado ao
tráfico de escravos, pois o fumo era moeda de negociação.
O algodão estava entre os produtos de exportação da capitania. Há menções a
essa cultura desde os primórdios da capitania, contudo apenas com a guerra de
independência das treze colônias inglesas (futuramente Estados Unidos) é que o produto
começou a ganhar destaque na pauta de exportação. O processo de desenvolvimento da
indústria têxtil na segunda metade do século XVIII e a demanda gerada com a
diminuição do principal produtor (colônias do sul do atual Estados Unidos) levou
Portugal a incrementar a produção. Em 1779, a câmara de São Cristóvão recebia ordens
da metrópole para convocar a população e incentivá-la ao plantio de algodão.55 Essa
cultura não requeria grandes investimentos financeiros e era facilmente associada a
outras culturas, como feijão.56
Relacionada ao consumo interno, a farinha era outro importante produto
exportado para a Bahia e consumido internamente. A mandioca era, depois do açúcar, o
produto mais importante do comércio entre Sergipe e Bahia. Produzida, principalmente
nos rios Piauí e Vaza-barris, o “pão da terra” fazia parte da dieta alimentar e era
indistintamente consumida por todas as classes sociais. Sergipe e o Recôncavo (Nazaré)
e Ilhéus eram os principais centros abastecedores da Bahia e de Pernambuco. Para se ter
uma ideia da dependência da produção da mandioca de Sergipe, na década de 1780, a
América Portuguesa foi assolada por rigorosas secas ou o excesso de chuvas e o preço
da farinha chegou a níveis elevadíssimos. A escassez gerava revoltas populares. As
55 NUNES, Maria Thétis. Sergipe Colonial I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p.74. 56 FONTES, Milton de Araujo; BRAVO, Maria Auxiliadora Fonseca. O algodão em Sergipe, apogeu e
crise: relato histórico (1590-1975). Aracaju: SEGRASE, 1984. P. 19-30.
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autoridades impuseram a obrigatoriedade dos engenhos produzirem uma determinada
quantidade de farinha para cada escravo. B. J. Berickman mostra as penúrias sofridas
pela população do Rio Grande do Norte (Capitania de Pernambuco) pela falta da farinha
que era exportada de Sergipe.57
A vila de Santa Luzia era a mais importante área destinada ao cultivo na
comarca de Sergipe. Os oficiais da câmara da vila de Santa Luzia receberam o bando
(ordem) expedida pelo Conde de Valença de 14 de abril de 1781, onde obrigava os
lavradores do termo a plantarem 500 covas de mandioca por escravo e aos senhores de
engenhos e lavradores de cana a plantarem também mandioca “para sustentação de sua
casa e família”. A determinação atingia também aos “lavradores de mandioca que se
passaram para canas” que deveriam retornar ao cultivo anterior. No mesmo documento,
os vereadores informam que todos os lavradores seguiram fielmente as ordens
expedidas e a causa da pouca produção de mandioca se deve a fatores naturais, pois
“estas terras por serem antigas e estarem todos os matos desaninhados e as terras
cansadas”58
Em 1785, atendendo às ordens do governador da Bahia, era feitos mapas
detalhados sobre todos os engenhos da capitania. O motivo do levantamento sobre o
plantio da mandioca, aplicado também a outras áreas de lavouras de abastecimento da
Bahia, revela a necessidade e a tentativa dos representantes do governo metropolitano
de controlar a produção de um importante gênero de suporte à lavoura canavieira, a
partir do conhecimento minucioso de quem plantava, como plantava o gênero e a
quantidade estimada que se poderia contar para as próximas safras.
57 BERICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo,
1780-1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. P. 146-147. 58 Carta dos oficiais da câmara da Vila Real de Santa Luzia sobre a plantação de mandioca em 30 de
novembro de 1781. Seção de Arquivo Colonial. Correspondência recebida pelo Governo da Bahia da
Câmara da Vila de Santa Luzia do Rio Real (1781-1802). APEB. Maço 201, Vol. 08. Doc. 01.
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general e Governador da Bahia.60 Para fiscalizar os desvios na exportação de farinha, o
Governador da Bahia deu ordem ao juiz ordinário da Vila de Santa Luzia Antônio
Ferreira Dutra para notificar todos os mestres de embarcações que costumavam
transportar farinha para o porto de Salvador que eles “sigam suas viagens endireitura
[sic] para lá, levando guias do número de alqueires, o preço por que as compraram e por
conta de quem vão as cargas” 61, ou seja, que fossem diretamente para o destino sem
pararem ou desviarem da rota. A quantidade de farinha recebida no porto deveria ser
correspondente ao que foi declarado no momento da exportação nos livros da Câmara
que depois seriam conferidos. Acreditava o Marquês de Valença que eram nesses
desvios de rota que a farinha era vendida por altos preços e a população de Salvador e
subúrbios prejudicada com essa atitude, pois apenas o que sobrava ficava na Capital da
capitania da Bahia.
Poucos dias depois, o mesmo juiz ordinário expôs ao Marquês de Valença o
inconveniente de se cumprir a citada ordem, pois impedia que as embarcações com
farinha saíssem dos portos da Vila de Santa Luzia caso não tivessem como destino a
cidade de Salvador, especialmente a Capitania de Pernambuco. A reação dos produtores
locais de farinha afrontava as determinações do governador, por
Não quererem os lavradores embarcar as tais farinhas para essa
cidade [Salvador] por sua conta nem venderem aos donos das sumacas
pelo preço lhes é conveniente a livrar os fretes por estarem vendendo
na terra a razão de 500 reis e ao povo da Comarca [de Sergipe] ainda
60 Carta dos oficiais da câmara da Vila Real de Santa Luzia sobre a fiscalização da mandioca em 07 de
dezembro de 1792. Seção de Arquivo Colonial. Correspondência recebida pelo Governo da Bahia da
Câmara da Vila de Santa Luzia do Rio Real (1781-1802). APEB. Maço 201, Vol. 08. Doc. 02. 61 Carta Juiz Ordinário da Vila Real de Santa Luzia sobre cumprimento da ordem do Governador da
Bahia acerca da fiscalização das lanchas e sumacas que transportam farinha para Salvador em 23 de maio
de 1785. Seção de Arquivo Colonial. Correspondência recebida pelo Governo da Bahia do Juízo
Ordinário da Vila de Santa Luzia do Rio Real (1785-1788). APEB. Maço 201, Vol. 09. Doc. 01.
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por melhor preço em razão da muita necessidade e falta que há de
semelhante mantimento por causa do rigoroso inverno que tudo
destruiu de sorte que ameaça para o futuro grande fome.62
Para acentuar mais a situação, o juiz ordinário informou que os “povos
moradores da Cidade de Sergipe e Cotinguiba determinaram fretarem uma sumaca deste
porto para conduzirem as farinhas que tem comprado neste continente, por ser mais
dificultoso a conduzirem por terra”.63
A necessidade que se tinha de farinha era enorme. A carta do Marquês de
Valença ao juiz ordinário da Vila de Santa Luzia Joaquim José Braque enfatizava que
era para “carregar a maior sumaca de farinhas que houvesse nesta Vila Real de Santa
Luzia e a fizesse remeter sem perda de um só instante para essa Cidade da Bahia com as
guias necessárias declarando os alqueires que levar e o custo de cada um alqueire”.64
Além de farinha ia na embarcação milho e açúcar. O maior obstáculo para que a ordem
fosse rapidamente cumprida eram as condições náuticas.
Na barra deste Rio Real acham duas sumacas desta ribeira, uma
de Manoel José Batalha [e] outra de Manoel José Dionísio, as quais há
mais de 30 dias estão prontas e carregadas dos ifeitos [produtos]
sobreditos, cujas esperam para sair a mesma monção, pois só com
ventos nordestes e lestes por remédio bordejando muito poderão sair e
62 Carta Juiz Ordinário da Vila Real de Santa Luzia sobre a dificuldade de cumprir a ordem do
Governador da Bahia acerca do transporte de farinha para Salvador em 14 de setembro de 1785. Seção de
Arquivo Colonial. Correspondência recebida pelo Governo da Bahia do Juízo Ordinário da Vila de Santa
Luzia do Rio Real (1785-1788). APEB. Maço 201, Vol. 09. Doc. 02. 63 Idem. 64 APEB. Carta Juiz Ordinário da Vila Real de Santa Luzia sobre a remessa de farinha para Salvador, em
22 de maio de 1788. Seção de Arquivo Colonial. Correspondência recebida pelo Governo da Bahia do
Juízo Ordinário da Vila de Santa Luzia do Rio Real (1785-1788). Maço 201, Vol. 09. Doc. 05.