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PRIVATIZAÇÃO E ATIVIDADES DE PESQUISA & DESENVOLVIMENTO: O
CASO DA SIDERURGIA BRASILEIRA*
O processo de privatização é por natureza polêmico. A
controvérsia deve-se, em grande medida, ao caráter ideológico que
reveste o tema. Muitos se mostram favoráveis ou contrários à
privatização de empresas ou setores mais pela sua posição política,
do que em função de razões econômicas strictu sensu. Mais ainda, a
privatização acaba assumindo uma conotação passional. As posições
são quase sempre extremadas: de um lado, exageram as virtudes do
processo (idealizando a privatização como uma panacéia), de outro,
superestimam as conseqüências desastrosas do mesmo (tomando a
privatização como sinônimo de descalabro financeiro e de
dilapidação do patrimônio público). Nesta última direção, um dos
receios quanto aos impactos de uma nova gestão privada era a
eventual desarticulação do incipiente esforço de pesquisa promovido
pela siderurgia brasileira.
Uma segunda característica do processo de privatização é a sua
complexidade. É um tema fecundo, que vem sendo analisado dos mais
diferentes prismas. Mas, grosso modo, pode-se segmentar a
literatura em três vertentes: a) economia política da privatização,
destacando a discussão ideológica sobre o tema e os obstáculos
políticos a serem vencidos pelos programas de privatização; b) a
macroeconomia da privatização, enfatizando a contribuição para o
ajuste fiscal e para a redução dos encargos financeiros sobre a
dívida pública; c) a microeconomia da privatização, discutindo os
impactos sobre a eficiência da empresas, a concentração de mercados
e a competitividade de ramos industriais.
Este trabalho inscreve-se na linha da microeconomia da
privatização. O seu objetivo é analisar a situação das atividades
de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) antes e após a
privatização de quatro das principais usinas siderúrgicas
brasileiras, ocorridas no período 1991-93. A idéia central é tentar
inferir se foram promovidas grandes mudanças na estruturação das
atividades de pesquisa, e se estas foram relacionadas à nova gestão
privada ou a outros fatores, tais como o acirramento da
concorrência no mercado internacional do aço.
O artigo está dividido em três seções, sendo que a primeira
apresenta a situação das atividades de pesquisa na siderurgia
brasileira no início da década de 90. Esta pode ser resumida em
três fatores: baixa intensidade de pesquisa, gastos muito
direcionados para o pagamento de pessoal e encargos sociais e a
tendência do aumento de gastos com pesquisa de produtos. A segunda
relata as mudanças verificadas após a privatização nas atividades
de pesquisas promovidas pela siderurgia brasileira. Especial
atenção é concedida à análise de indicadores de capacitação
tecnológica das quatro empresas conjuntamente, para o período
1993-95, utilizando-se uma tabulação especial da base de dados da
Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas
Industriais (ANPEI). A terceira sumariza as principais conclusões
do texto. 1. A Situação da Pesquisa na Siderurgia Brasileira no
Início dos Anos 901.
A primeira usina siderúrgica brasileira a implantar atividades
de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) foi a Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), em novembro de 1957. Mas foi somente na
segunda metade da década de 70, que se verificou um grande impulso
no esforço de desenvolvimento tecnológico interno, acompanhando o
substancial incremento da produção. Os esforços de implantação
daquelas atividades na siderurgia brasileira foram muito
diferenciados, mas três traços caracterizavam a situação da
pesquisa na * Os autores agradecem a Associação Nacional de
Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais
(ANPEI), pela utilização de seu Banco de Dados. 1 Esta seção
baseia-se em grande medida em PAULA (1992, p. 112-127).
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indústria no início da década de 90: a) a intensidade de
pesquisa era inferior à verificada em outros parques siderúrgicos;
b) o modelo de P&D da siderurgia era intensivo em gastos com
recursos humanos; c) a pesquisa de produtos estava, cada vez mais,
aumentando sua importância relativa, comparativamente às outras
atividades de pesquisa. 1.1. A Baixa Intensidade de Pesquisa da
Siderurgia Brasileira
Esta subseção visa analisar a intensidade do esforço empreendido
pela siderurgia brasileira em atividades de pesquisa antes da
privatização. O avanço se processou de forma heterogênea no
interior do parque nacional: entre as cerca de 35 empresas
siderúrgicas que atuavam no país, apenas 8 haviam formalizado suas
atividades. Nestas últimas, verificavam-se dois estágios de
consolidação: o primeiro, menos sofisticado, contando apenas com
especialistas de desenvolvimento, muitas vezes dispersos no
interior da usina, sem laboratório próprio. O segundo,
correspondendo à existência de laboratórios de pesquisa,
formalmente institucionalizados nas empresas. Segundo tal
tipologia, Acesita, Aparecida, Piratini e Companhia Siderúrgica de
Tubarão (CST) estavam no primeiro estágio, enquanto Usiminas, CSN e
Villares já tinham atingido o segundo. A Cosipa, por sua vez,
ocupava uma posição intermediária.
Mesmo entre aquelas empresas que já possuíam centros de pesquisa
estruturados, apenas a Usiminas realizava gastos com P&D nos
moldes da indústria internacional. O Quadro 1 apresenta dois
índices de esforço de desenvolvimento tecnológico interno (gastos e
percentual de funcionários envolvidos em P&D) e um de resultado
(patentes) na siderurgia brasileira, no final da década de 80. Além
disso, mencionam-se a área dos laboratórios, o início das
atividades de pesquisa e a data de inauguração dos
laboratórios.
Quadro 1: Indicadores de Pesquisa & Desenvolvimento da
Siderurgia Brasileira, 1989-91
Usiminas CSN Cosipa CST Acesita Villares Piratini Gastos
P&D/Vendas (%) 0,60 0,30e 0,10 0,04 0,60p 0,26 - Efetivo
P&D/10.000 funcionários 280,3 139,4 41,7 1,7 35,7 - - Patentes
Depositadas no Brasil 286 194 117 28 6 - 5 Patentes Concedidas no
Brasil 94 43 29 2 2 - - Patentes Depositadas no Exterior 55 - - - -
- - Patentes Concedidas no Exterior 15 - - - - - - Data do Início
Atividades P&D 1967 1957 1982 1988 1976 1975 - Data da
Inauguração Laboratório 1971 1972 1988 - - - - Área do Laboratório
(mil m2) 11,0 2,8 0,8 - - 1,0 Fonte: Usiminas (1988), Lana Leal
(s/d), Caldeira F.º & Rocha F.º (1989), Mazzarella (1990), CSN
(1991), Furtado et alli (1992)
Obs.: p = planejado; e = estimado O planejamento do Centro de
Pesquisa na Usiminas começou em 1967, quando se
promoveram a seleção e o treinamento de seu núcleo básico,
constituído inicialmente por nove especialistas de nível superior,
sendo sete recém-formados. Em 1971, foram inaugurados os
laboratórios, quando o número de funcionários alcançava 85, sendo
31 pesquisadores. Em termos de pessoal lotado no Centro e das
principais atividades desempenhadas, PIMENTA (1988, p. 1024-5) faz
a seguinte periodização: a) Etapa I (1967-75), implantação das
atividades de pesquisa na empresa, circunscritas, em larga medida,
à avaliação de matérias-primas e produtos e à análise dos processos
industriais; b) Etapa II (1976-86), expansão do centro, sendo que,
no período 1974-79, o efetivo de pesquisadores duplicou, tendo-se
estabilizado desde então; e c) Etapa III (a partir de 1987), busca
de desenvolvimento de novos processos, novos produtos e novos
materiais. Neste último estágio, esperava-se que pesquisadores
realizassem cursos de doutorado em universidades brasileiras e de
pós-
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doutorado em estrangeiras. Em termos de recursos destinados à
pesquisa, desde a sua criação, a Diretoria da Usiminas decidiu que
0,5% do faturamento bruto seria destinado a suprir os gastos com
despesas operacionais (excluídos os recursos para investimentos).
Em 1979, esta meta foi elevada para 0,6%. A empresa cumpriu tal
determinação, sendo que no início da década de 80, estes recursos
atingiram o auge de 0,8% do faturamento bruto.
A trajetória da pesquisa na CSN foi bastante diferente em
relação à da Usiminas. As atividades formais de pesquisa começaram
em 1957, com a contratação do professor e pesquisador francês Jean
Papier, sendo que o grupo inicial contou com cerca de 80
funcionários. Entretanto, desde 1949, 15 pessoas ligadas ao
Departamento de Processos e Inspeção já desenvolviam pesquisas
informalmente. Em 1969, o contingente utilizado na pesquisa atingia
120 funcionários, incluindo profissionais da área de qualidade
industrial. Em 1972, quinze anos após o início das atividades
formais de pesquisa finalmente foram inaugurados os laboratórios.
Até 1975, ocorreu um crescimento acentuado do número de pessoal
alocado no Centro de Pesquisas, tendo este contingente se
estabilizado desde então.
No início da década de 80, houve grande incentivo à realização
de mestrado pelos pesquisadores da CSN, quando 15 deles obtiveram
este título no exterior (LEAL, 1989, p. 3). Quanto aos dispêndios
com custeio das pesquisas em relação ao faturamento, CSN (1991, p.
123) atesta que eles foram de 0,22% (1985), 0,32% (1986), 0,43%
(1987), 0,20% (1989) e 0,50% (1990). A média, portanto, se
aproximou do percentual indicado no Quadro 1: 0,30% do faturamento.
A mesma fonte ressalva que o aumento percentual verificado em 1990
refletiu mais a queda do faturamento do que propriamente o
crescimento dos gastos com P&D.
A atividade de pesquisa da Cosipa foi iniciada em 1975, com a
criação do Centro Tecnológico de Pesquisa Aplicada (CPTA), com
aproximadamente 20 técnicos recrutados internamente, mas os
laboratórios eram precários. Em 1978, o CPTA foi extinto pela nova
Diretoria, que possuía uma meta "quantitativista", visando diminuir
a defasagem então existente entre a capacidade nominal e a efetiva.
Adicionalmente, o referido centro não possuía objetivos bem
determinados e o pessoal alocado não dispunha de formação
específica em pesquisa. Com a extinção do CPTA, os técnicos foram
redistribuídos para a linha de produção.
Os esforços em P&D foram retomados pela Cosipa no início dos
anos 80. Buscou-se contratar profissionais especializados em
P&D, mesclando-os com pessoal de reconhecida capacidade do
quadro técnico da empresa. Este núcleo contou inicialmente com 5
engenheiros metalúrgicos (quatro com mestrado e um com doutorado) e
enfatizava as relações entre a empresa e a comunidade científica. O
pessoal alocado foi crescendo na proporção dos cursos de mestrado
realizados pelos engenheiros da empresa. Em dezembro de 1984, dois
anos após o início informal desta experiência, o Núcleo de
Pesquisas Tecnológicas foi oficializado pela Diretoria (GENTILE
& VENTURA, s/d, p. 2). Apesar da construção de prédio próprio
em 1988, vários equipamentos ainda encontram-se espalhados no
interior da usina. Deve-se enfatizar que das três grandes estatais
siderúrgicas, a Cosipa foi a que menos investiu, proporcionalmente,
em pesquisas.
A CST, embora fabrique um produto de baixo valor agregado
(placas, que são consideradas um semi-acabado), também constituiu
um Núcleo de Pesquisas. Segundo ANDRADE (1989, p. 21), um dos
fatores que contribuíram para a implantação do Núcleo foi a
indisponibilidade de fornecimento externo de tecnologia para a
fabricação de produtos. As atividades do referido Núcleo começaram
em maio de1988 e, em junho de 1990, constituiu-se uma gerência
formal na estrutura organizacional da empresa. No início da década
de 90, havia dez engenheiros lotados nesta gerência, recrutados
internamente. Pretendia-se elevar o número de pesquisadores para
29, mas em caso de ampliação da empresa, esperava-se que tal número
chegasse a 56.
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Também em 1990, face às dificuldades enfrentadas pela CST, as
atividades de P&D foram redefinidas e passaram a se apoiar no
conceito “Unidade Otimizada de Pesquisa”. Paralelamente, os gastos
com P&D em relação ao faturamento aumentaram de 0,01% (em
1988-89), para 0,03% (em 1990), chegando próximo a 0,04% (em 1993).
Dos gastos totais com pesquisa no período 1988-93, 65,7% foram
destinados ao desenvolvimento tecnológico na área de produtos
(MORANDI, 1996, p. 186-191).
A Acesita não possuía um centro de pesquisa formal, embora
contasse com uma Divisão de Metalurgia, que correspondia a um
Núcleo de Pesquisa. Esta divisão possuía cerca de 35 engenheiros
pós-graduados. Na verdade, a Acesita trabalhava com uma estrutura
dual, pois além desta equipe, que se encontrava dispersa na usina,
observava-se a aglutinação de alguns pesquisadores em laboratórios
do Centro de Estudos Tecnológicos de Minas Gerais (CETEC).
O início das atividades de pesquisa na Aços Villares data de
1975. A partir de 1987, o Centro de Pesquisa ampliou seu campo de
atuação, através da prestação de serviços à Vibasa, outra usina
siderúrgica do Grupo Villares (VILLARES, 1987, p. 708). Em 1987, a
equipe era composta de 14 pessoas, sendo oito de nível superior,
dos quais dois com mestrado. Setenta por cento dos gastos de
custeio referiam-se à despesa com pessoal. Os gastos percentuais
com P&D, em relação ao faturamento, na Villares foram de: 0,25
(1982); 0,21(1983); 0,14 (1984); 0,20 (1985) e 0,26 (1986). O
projeto de pesquisa mais conhecido é o de aço-ferramenta ao nióbio,
visando substituir o aço ao vanádio (mineral raro no país). Esta
pesquisa propiciou à Villares a obtenção de patentes em cinco
países.
O segmento de aço especial no Brasil, aliás, era pouco intensivo
em pesquisas, em relação ao de aço plano comum. A exceção era a
Eletrometal, uma pequena usina (40 mil toneladas anuais), cujo
faturamento anual era de US$ 100 milhões e que investia 7% do seu
faturamento em P&D. Em função de fabricar materiais
estratégicos (inclusive bélicos) e metais nobres, pouco se conhecia
sobre as pesquisas levadas a cabo por esta usina. Mas, certamente,
a Usiminas (produtora de aços comuns) era a empresa que mais
investia em pesquisas na siderurgia brasileira. Como o segmento de
aços especiais caracteriza-se por uma extensa variedade de
produtos, via de regra, somente obtida via pesquisa, a incipiência
de pesquisas neste segmento era muito mais grave do que nos
demais.
Outras usinas, como Mannesmann, Belgo-Mineira e Mendes Jr.
possuíam engenheiros com mestrado e até doutorado. A Mannesmann,
por exemplo, contava com 5 doutores e 2 mestres, conforme
MAZZARELLA (1990), mas isto não caracterizava a existência de
núcleos ou centros de pesquisa. Este mesmo autor, mediante consulta
a empresas, apresentou os seguintes gastos percentuais de pesquisas
em relação ao faturamento: Mannesmann (0,40%) e Mendes Jr. (0,30
%). A priori, estes dados parecem sobrestimar os gastos efetivos
com tal atividade.
Em termos de propriedade do capital, constata-se que o setor
estatal era o que mais direcionava recursos para P&D na
siderurgia brasileira2. As empresas privadas pouco realizam e as
estrangeiras dependiam das tecnologias geradas nas suas matrizes.
No caso siderúrgico, tal proposição se adequava à Mannesmann
(alemã) e à Belgo-Mineira (que conta com participação do grupo
ARBED, de Luxemburgo). A exceção era a Pains, empresa que era
controlada pelos grupos alemães Korf e Metallgesellshaft. Ela era a
empresa que mais investia em pesquisa no segmento de aços longos
comuns, sendo que segundo rumores no mercado, a
2 LANA LEAL (1987, p. 20-1) levanta alguns problemas das
atividades de P&D no setor estatal: a) a
dificuldades de importação de equipamentos para P&D, pelo
excesso de controle e morosidade da burocracia governamental; b) os
cortes horizontais nos orçamentos das estatais, sem diferenciação
de empresas; c) as dificuldades de treinamento no exterior, diante
da necessidade de aprovação ministerial; d) objetivos políticos em
detrimento dos empresariais.
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Pains gastava mais de 2% de faturamento com pesquisa. Ela chegou
inclusive a desenvolver um novo tipo de aciaria, denominado Energy
Optimizing Furnace (EOF).
Outra característica marcante da siderurgia brasileira foi a
incapacidade de promover pesquisas cooperativas. Mesmo quando
parcela preponderante da produção era de empresas controladas da
holding estatal Siderbrás, isto não se verificou. Na verdade, uma
das poucas tentativas de promover esta articulação foi anunciada em
janeiro de 1987, envolvendo CSN e Cosipa, mas acabou não se
concretizando. Em sintonia com esta tendência, constatava-se pouca
interação de universidades e institutos de pesquisa, de um lado, e
usinas siderúrgicas, de outro. A conjugação Cosipa/Instituto de
Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) era, todavia, a exceção a
esta falta de entrosamento, com destaque para o projeto tocha de
plasma (que também contou com recursos da Acesita).
Finalmente, segundo a Pesquisa de Campo do Estudo da
Competitividade da Indústria Brasileira verificava-se uma tendência
de elevação dos gastos relativos de Pesquisa & Desenvolvimento
(P&D) na siderurgia brasileira no início da década de 90: de
0,21% do faturamento (no período 1987-89) para 0,27% (em 1992) -
ver PAULA (1993, p. 95)3. Continua sendo pouco em comparação com a
média européia, que é de cerca de 0,6%. Em termos de pessoal, o
efetivo alocado em pesquisa correspondia a 0,90% do total. 1.2. Um
Modelo Intensivo em Gastos com Recursos Humanos
Outro aspecto a ser destacado em relação às atividades de
pesquisa na siderurgia brasileira era o alto percentual de gastos
com salários, no total de recursos destinados a esta atividade.
Cerca de 85 a 90% dos gastos em P&D no país eram relativos à
folha de pagamentos e aos encargos sociais. Esta situação era
insatisfatória, na medida em que os pesquisadores dispunham de
poucos recursos para seu melhor desempenho. As estatísticas
internacionais ratificam tal constatação (Tabela 1).
A análise da Tabela 1 revela, novamente, a baixa intensidade de
pesquisas na siderurgia brasileira no final dos anos 80. Os dois
melhores indicadores para esta constatação são os gastos
percentuais em P&D frente ao faturamento e a razão gastos de
P&D/tonelagem produzida. Os dispêndios relativos da siderurgia
brasileira eram significativamente inferiores aos praticados por
outros grandes produtores. Enquanto o valor estimado de gastos
líquidos com P&D/ faturamento era de 0,39%, para o Brasil
(representado por Usiminas, CSN e Cosipa), várias empresas ou
países ultrapassavam a 0,60%. Merecem destaque os índices da Nippon
Steel (quase 3%), Rautaruukki (0,93 %), Usinor-Sacilor (0,91%),
Vöest-Alpine (0,82 %), entre os países desenvolvidos, e POSCO e
China Steel (0,87 %), entre os países em desenvolvimento.
3 Um exemplo do aumento dos gastos de P&D em relação ao
faturamento ocorreu na Villares, cujos valores
atingiram 0,5% (em 1991), 0,54% (em 1992) e 0,41% (em 1993).
Nesta ocasião, o centro contava com 20 pesquisadores, sendo 6 com
doutorado e o restante com mestrado (GAZETA MERCANTIL, Relatório
“Incentivos Fiscais à Tecnologia”, 31.05.94: p. 6).
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Tabela 1: Intensidade de Pesquisa na Siderurgia Mundial, 1987
Gastos
Líquidos P&D/
Vendas (%)
Gastos Brutos P&D/ Total
Empregos P&D
Gastos Líquidos
P&D/ Produção Aço Bruto
(ton)
Número Total de
Empregos P&D
Percen-tual
Profis-sionais Qualifi-cados
Número Empregos
P&D/ Produção Bruta Aço (mil ton)
Número Empregos
P&D/ 10.000
Empregos
Argentina 0,13 0,76 18 76 45 23 21 BHP (Austrália) 0,67 1,35 101
489 42 75 147 Vöest-Alpine (Áustria) 0,82 1,68 153 315 30 80 159
Usiminas-CSN-Cosipa 0,39 0,89 48 495 30 55 97 Canadá 0,25 1,90 35
191 52 19 47 Rautaruukki (Finlândia) 0,93 1,18 118 170 35 55 97
Usinor-Sacilor (França) 0,91 2,40 153 1300 33 72 190 Alemanha* 0,61
3,41 165 2700 30 67 124 SAIL (Índia) 0,27 0,32 49 1072 34 150 44
Finsider (Itália) 0,43 2,26 73 604 56 48 108 Nippon Steel (Japão)
2,90 5,27 526 2547 43 100 398 POSCO (Coréia Sul) 0,87 2,29 83 354
50 37 186 Hoogovens (Holanda) 0,06 1,46 86 305 30 61 175 ISCOR
(África do Sul) 0,42 0,71 30 306 28 43 52 China Steel (Taiwan)+
0,87 2,22 118 191 60 53 202 British Steel (R. Unido) 0,55 1,20 94
1211 41 107 233 Estados Unidos 0,61 3,74 118 1455 50 32 121
Venezuela 0,39 1,62 47 87 53 29 49 Fonte: IISI (1987) Obs: * Dado
de 1985; + Dado de 1985-86
Os gastos de P&D em relação à tonelagem total demostram
grande correlação com o
indicador anterior. Novamente, a intensidade em pesquisa da
siderurgia brasileira era baixa, em comparação com outros
produtores. Enquanto aquele indicador para as três grandes então
estatais brasileiras era de 48, o da Nippon Steel chegava a 526.
Para a Alemanha, o valor era de 165 e para a Usinor-Sacilor de 153.
A China Steel apresentava um índice de 118, e a POSCO de 83. Merece
menção a melhor posição da siderurgia alemã, por este segundo
parâmetro, como reflexo do maior enobrecimento do seu mix, mesmo em
relação aos outros países desenvolvidos.
Não bastassem os poucos recursos direcionados para a pesquisa na
siderurgia brasileira, o modelo brasileiro possuía o agravante de
ser muito intensivo em dispêndios com recursos humanos, destinando
pouca verba para a aquisição de equipamentos e materiais, em termos
de comparação internacional. Esta conclusão deriva da análise da
segunda coluna do Tabela 1. Quanto menor o valor apresentado nesta
coluna, mais intensivos eram os gastos com pessoal. No Brasil, a
razão era de 0,89, enquanto que para a Nippon Steel atingia a 5,27,
nos EUA (3,74), na Alemanha (3,41), na Usinor-Sacilor de (2,40), na
POSCO (2,29) e na China Steel (2,22).
A comparação dos dados entre as siderurgias brasileira e
venezuelana ratifica a conclusão da alta intensidade de gastos com
recursos humanos no Brasil. Por um lado, os dois países
apresentavam indicadores de intensidade em gastos com pesquisa
praticamente iguais: a) os dados da primeira coluna, aliás, são
idênticos; b) o valor mostrado na terceira coluna é para o Brasil
(48) e a Venezuela (47). Mas, por outro lado, no que se refere à
intensidade com gastos com recursos humanos em relação à pesquisa,
o Brasil apresenta a razão de 0,89 e a Venezuela de 1,62.
Os outros indicadores apontados na Tabela 1 são relativos à
intensidade do número de pessoal de pesquisa, diferentemente da
segunda coluna, que aponta a intensidade de gastos com pessoal. De
um modo geral, por aqueles parâmetros, os esforços de P&D da
siderurgia brasileira não apresentavam grandes discrepâncias com
outros países. Deve-se enfatizar,
-
todavia, que em termos de percentual de pessoal qualificado
(pesquisadores/total de pessoal), o índice brasileiro era um dos
mais baixos4.
De fato, a capacitação do pessoal de pesquisa era baixa em
relação à média internacional (USIMINAS, 1988). Como mostra a
Tabela 2, cerca de 40% dos pesquisadores da indústria siderúrgica
brasileira possuíam mestrado e existiam apenas três com doutorado,
sendo que a maior parte do treinamento era realizado on the job. A
exceção à baixa capacitação formal dos pesquisadores, era a Divisão
de Metalurgia da Acesita, cujo passo inicial na carreira era a
realização de mestrado (geralmente, na Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG).
Tabela 2: Efetivo e Capacitação do Pessoal de P&D na
Siderurgia Brasileira, 1988-89
CSN Usiminas Cosipa CST Acesita Villares Aparecida Total Efetivo
223 367 61 15 32 14 15 % Curso Superior 22* 23 57 73 100 57 60 %
Mestrado 8** 7+ 34++ 13 100 14 s.d Fonte: Usiminas (1988), Lana
Leal (s/d), Leal (1989), Andrade (1989)
Obs:* inclui 8 graduados em programa de mestrado; ** inclui 1
doutor e 2 mestres em programa de doutoramento; + inclui 3 mestres
em programas de doutoramento; + inclui 2 doutores
Depreende-se da Tabela 2 também que o número de pesquisadores
era baixo,
chegando a aproximadamente 235. Estes profissionais eram
basicamente engenheiros e representavam cerca de 0,18% do efetivo
da siderurgia brasileira. Configurava-se uma situação
insatisfatória: poucos gastos com pesquisa que, por sua vez, eram
aplicados intensivamente em recursos humanos, mas estes não
apresentam uma grande qualificação formal. Assim, os dispêndios com
pesquisa circunscreveram, em larga medida, à formação de
pesquisadores, tentando reverter a baixa qualificação. 1.3. A
Crescente Importância da Pesquisa de Produtos
Com relação aos objetivos das pesquisas na siderurgia
brasileira, verifica-se a proeminência do melhoramento de processos
já instalados e do desenvolvimento de produtos, sendo incipiente
(ou nula) a atividade de P&D em novos processos. Os esforços de
P&D se restringiam a possibilitar a absorção de novas
tecnologias, promover o apoio às atividades de controle de
qualidade e produção e diagnosticar as reais necessidades
tecnológicas do setor. Em função da inexistência de uma estatística
nacional, que discrimine a importância relativa do tipo de pesquisa
levado a cabo na siderurgia, optou-se pela apresentação das
informações da Usiminas (maior orçamento de pesquisas do setor), no
período de 1982-90 (Tabela 3).
Tabela 3: Discriminação do Esforço de Pesquisa na Usiminas,
1982-90 (valores percentuais)
1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 Racionalização
Energia 7 5 4 3 3 7 6 7 8 4 Compare, por exemplo, a qualificação
formal dos pesquisadores da POSCO (Coréia do Sul) e Usiminas,
em
1989. O centro de pesquisa da primeira dispunha, neste ano, de
708 empregados, sendo 168 doutores. A Usiminas, por sua vez,
possuía 32 mestres, para um total de 339 funcionários.
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Insumos e Materiais 26 26 29 26 28 22 21 20 21 Melhoria
Qualidade Produtos 10 5 9 10 10 7 7 8 6 Desenvolvimento Novos
Produtos 17 25 25 24 20 19 29 29 27 Melhoria de Processos 23 22 19
23 24 29 20 20 24 Estudos de Métodos e Técnicas 9 9 7 7 10 10 12 8
9 Equipamentos e Instrumentos 8 8 7 7 5 6 5 8 5 Fonte: Usiminas
(1991)
Esta estatística da distribuição de custos do centro de pesquisa
da Usiminas é
extremamente relevante, dado à importância que este centro
possuía no contexto nacional. Estima-se que os gastos de pesquisa
desta empresa representavam aproximadamente 45% dos dispêndios
totais com pesquisa na siderurgia brasileira. O exame da Tabela 3
revela a crescente importância do desenvolvimento de novos
produtos, em detrimento da participação relativa dos estudos de
insumos e materiais. O fato do desenvolvimento de novos produtos
ganhar importância era um reflexo da necessidade de enobrecimento
do mix de produtos, que notavelmente era uma das grandes
deficiências do parque nacional.
ETRUSCO & CORTES (1990, p. 3-4) ainda revelam que a pesquisa
de produtos correspondia a 40% dos equipamentos instalados no
Centro de Pesquisas da Usiminas (em termos de valor) e a 24,5% da
área total. Contava ainda com 35,3% do total de pesquisadores, dos
quais 53,3% eram mestres, portanto, a titulação da área era maior
do que nas demais. Estas informações somente aquilatam a
importância da pesquisa de produtos na Usiminas. Embora não
apresente dados, CSN (1991, p. 123) assegura que os gastos com
desenvolvimento de produtos eram os mais relevantes para aquela
usina também. No período 1991-95, a CSN planejava dispender cerca
de 28% de seus recursos de pesquisa no desenvolvimento de novos
produtos (FURTADO et alli, 1992, p. 534). 2. As Atividades de
Pesquisa na Siderurgia Brasileira Pós-Privatização O objetivo desta
seção é analisar quais as principais alterações ocorridas nas
atividades de pesquisa nas siderúrgicas brasileiras
pós-privatização. Foram analisadas quatro experiências: Usiminas,
CSN, Cosipa e Acesita, pois estas no tempo de estatais eram as que
mais investiam em P&D. A primeira subseção resgata as
informações, a nível das empresas, disponíveis na literatura e em
pesquisa de campo anterior (PAULA, 1995), enquanto a segunda
discute os indicadores tecnológicos da base de dados da ANPEI,
também para estas quatro empresas. 2.1. Uma Abordagem por
Empresa
A finalidade desta subseção é relatar as principais alterações
promovidas nas atividades de pesquisa na siderurgia brasileira após
a privatização. O enfoque aqui relaciona-se às mudanças verificadas
em cada empresa individualmente, a saber: Usiminas, Acesita, CSN e
Cosipa.
A Usiminas foi a primeira grande empresa siderúrgica privatizada
no Brasil (outubro de 1991). Trata-se de uma usina integrada a
coque (Ipatinga-MG), produtora de aços planos comuns, com uma
capacidade instalada de 4,2 milhões de toneladas. A Usiminas
consistiu originalmente numa joint-venture entre capitais
brasileiros (60%) e japoneses (40%). A implantação da Usiminas foi
iniciada em 1958, tendo entrado em operação em 1962-63. A empresa
reestruturou profundamente suas atividades de pesquisa, após sua
privatização. De um lado, continuou investindo em pequena escala na
pesquisa básica, mas aumentou a interação com Universidades. De
outro, acentuou fortemente a pesquisa para desenvolvimento de
produtos e apoio aos clientes. Este redirecionamento com foco no
mercado consubstanciou
-
numa preocupação maior com a relação custo-benefício e o
cumprimento de prazos. A estrutura organizacional e o número de
empregados do centro de pesquisa foi enxugado: o número de
pesquisadores retrocedeu de 84 para 70 e o quadro funcional de 320
para 240 (PAULA, 1995, p. 181). Mas manteve-se a média de gastos
com custeio de pesquisas de 0,6% do faturamento (Tabela 4).
Tabela 4: Gastos com Pesquisa e Importação de Tecnologia:
Usiminas e CSN, 1991-95
(Gastos / Faturamento) Usiminas CSN Gastos com P&D Gastos
com P & D Gastos com Importação de
Tecnologia 1991 0,6 0,25 0,06 1992 0,7 0,23 0,30 1993 0,7 0,28
0,50 1994 0,6 0,32 1,04 1995 0,7 0,29 0,45 Fonte: Usiminas, Brito
(1997)
Adicionalmente, pelo fato de ter sido privatizada, a Usiminas
pôde recorrer a uma
linha da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). O projeto
de modernização dos laboratórios de pesquisa envolveu recursos da
ordem de US$ 10,35 milhões no período 1992-94, sendo US$ 7,24
milhões com recursos da FINEP. Além disso, a empresa teve seu
programa de modernização tecnológica aprovado pelo Ministério da
Ciência e Tecnologia. Ele prevê um investimento total de US$ 100,66
milhões, sendo que US$ 22,64 milhões referentes à renúncia fiscal
prevista na Lei 8.661/93 (GAZETA MERCANTIL, 31.01.95, p. 9). Do
total aplicado em capacitação tecnológica, a Usiminas dispende
cerca de 45% no desenvolvimento de produtos e 35% no aprimoramento
de processos.
A Acesita foi fundada em 1944, pela iniciativa privada, mas em
1950 devido ao agravamento da crise financeira do empreendimento, o
Banco do Brasil (estatal) tornou-se seu acionista majoritário. O
alto-forno a carvão vegetal foi inaugurado em 1949, mas a produção
de aço iniciou somente em 1951. Cinco anos mais tarde, a empresa
passou a produzir aços especiais. Às vésperas de sua privatização,
em outubro de 1992, a Acesita era uma usina integrada a carvão
vegetal, com uma capacidade instalada de 850 mil toneladas,
produzindo aços especiais (planos e longos).
Após a privatização, a Acesita resolveu converter seus
altos-fornos, deixando de operar com carvão vegetal, em favor do
carvão mineral (coque). Esta trajetória já vinha sendo implantada
por outra grande siderúrgica brasileira: a Belgo-Mineira. Na
verdade, face ao excesso de disponibilidade de madeira
reflorestada, a Acesita deve manter o menor de seus dois
altos-fornos operando com carvão vegetal, até a exaustão de suas
florestas. Devido à conversão tecnológica da empresa, a maior
projeto de pesquisa da empresa, buscando o maior aproveitamento dos
subprodutos da madeira através da carboquímica, foi desativado
(PAULA, 1995, p. 181).
A CSN, símbolo da participação estatal na indústria siderúrgica
brasileira, entrou em operação em 1946. Ela produz fundamentalmente
aços planos comuns, estando localizada em Volta Redonda-RJ. A usina
é integrada a coque e sua capacidade nominal é de 4,6 milhões de
toneladas. A CSN foi privatizada em abril de 1993, sendo que
historicamente dispendeu entre 0,25 e 0,30% do faturamento com
P&D. Após sua privatização em abril de 1993, os gastos
relativos mantiveram-se no mesmo patamar, embora tenha ocorrido um
aumento dos gastos absolutos, face ao crescimento real das
receitas. Apesar do crescimento do dispêndio total, os gastos como
pessoal ainda superam a 80% do total (BRITO, 1997, p. 113).
-
Em compensação, como se percebe na Tabela 4, os gastos com
importação de tecnologia aumentaram significativamente: em 1994,
eles foram 334% maior em relação a 1992, ano do período de
pré-privatização que aponta maior gasto (BRITO, 1997, p. 114). Além
do aumento abrupto com importação de tecnologia, esta autora
constata que antes da privatização estes gastos direcionavam, em
geral, à compra de tecnologia para reformas e reparos nos
equipamentos; a partir de 1993, os dispêndios passaram a ser
direcionados para a compra de novas tecnologias.
A Cosipa foi privatizada em agosto de 1993, sendo que a Usiminas
passou a exercer o papel de controlador da empresa, por ter
adquirido 49,7% das ações ordinárias. A Cosipa é uma usina
integrada a coque, produtora de aços planos comuns, com uma
capacidade instalada de 3,9 milhões de toneladas. Esta empresa foi
fundada em 1953, mas começou a operar apenas 10 anos depois em
Cubatão-SP. Na Cosipa, aumentaram-se substancialmente os recursos
para pesquisa após a privatização da empresa, com investimentos em
equipamentos previstos de US$ 5 milhões no período 1995-97.
Certamente a área de pesquisa passou a ter um status maior
pós-privatização, sendo que também se constatou uma alteração no
enfoque: o desenvolvimento de produtos passou a ser prioritário em
comparação ao de processos (PAULA, 1995, p. 180).
Ainda em relação à reestruturação das atividades de P&D da
Cosipa após a privatização, PORTO (1997, p. 530-1) constata a
diminuição do efetivo de pessoal lotado na área (de 48 para 42).
Paralelamente, o percentual do doutores em relação ao efetivo total
declinou de 6% para 2%, mantendo a participação dos mestres em
torno de 1/3. Por outro lado, esta autora aponta que as atividades
de “aceitação formal dos resultados do projeto pelo cliente”,
“administrar os conflitos do projeto”, “estimular a equipe na
administração das interfaces do projeto” e “estabelecer acordos com
unidades internas” aumentaram sensivelmente após a privatização.
Verificou-se, assim, um avanço na complexidade das atividades
desempenhadas. Finalmente, as cobranças dos relatórios tornaram-se
mais intensa e efetiva, exigindo maior adequação dos projetos à
estratégia tecnológica da empresa.
As siderúrgicas brasileiras após a sua privatização passaram a
contratar consultorias mais intensamente. A Usiminas contratou uma
empresa internacional, a Nippon Steel, para realizar um diagnóstico
da situação tecnológica da empresa. E uma consultoria de negócios
para aumentar a eficácia organizacional: a Booz-Allen. A Acesita
contratou a consultoria McKinsey para definir metas e a nova
estratégia da empresa. Adicionalmente, foi assinado em outubro de
1993, um contrato de transferência de assistência técnica com
Kawasaki Steel, com duração de 5 anos. A CSN, por sua vez,
contratou a Nippon Steel e a McKinsey.
2.2. Análise da Base de Dados da ANPEI
Respeitando-se a filosofia de sigilo das informações prestadas
pelas empresas participantes da Base de Dados ANPEI sobre
Indicadores Empresariais de Capacitação Tecnológica, os dados na
Tabela 5 referem-se ao grupo de empresas analisadas, quais sejam:
Usiminas, Acesita, CSN e Cosipa. Portanto, não estão demonstradas
informações individualizadas de cada empresa, como na subseção
anterior. Visando possibilitar uma análise das quatro siderúrgicas
em estudo em relação ao setor industrial brasileiro, estão
demonstrados na Tabela 5, também, os indicadores de inovação
tecnológica das empresas informantes da Base de Dados ANPEI
relativos aos anos 1993 (ANPEI, 1994) 1994 (ANPEI, 1995) e 1995
(ANPEI, 1996).
-
Tabela 5: Indicadores de Inovação Tecnológica das Siderúrgicas
Consideradas Comparativamente à Média das Empresas Informantes da
Base de Dados ANPEI, nos Anos Base 1993/1994/1995
INDICADORES MÉDIA DO GRUPO DE SIDERÚRGICAS ANALISADAS
MÉDIA DAS EMPRESAS INFORMANTES DA BASE DE
DADOS ANPEI 1993 1994 1995 1993 1994 1995
PERFIL DAS EMPRESAS No. de Empresas na Amostra 4 4 4 400 630 651
No. de Funcionários 10.506 10.075 9.477 1.979 1.456 857 Faturamento
Bruto (US$000) 1.386.023 1.586.130 1.744.538 210.912 152.281
147.562 Lucro Bruto (US$000) 346.505 417.152 285.943 52.728 40.049
21.311 Lucro Bruto/Faturamento Bruto (%) 0,25 0,26 0,16 0,25 0,26
0,14 INTENSIDADE DE P&D&E Desp. Em P&D&E 13.209.300
14.413.114 31.159.544 3.050.544 2.270.849 1.943.243 Desp.
P&D/Desp. P&D&E (%) 53,83 24,34 27,79 49,65 50,34 56,63
Desp. Serv. Tecn./Desp. P&D&E (%) 17,82 22,70 26,70 22,75
18,09 15,15 Desp. Aquis. Tecn./Desp. P&D&E (%) 10,58 32,44
23,09 9,12 12,61 11,24 Desp. Eng. N. Rot./Desp. P&D&E (%)
17,78 20,52 22,41 18,47 18,97 16,99 Desp. P&D&E/Fatur.
Bruto (%) 0,97 0,96 1,51 1,22 1,21 1,18 Invest. Capital para
P&D&E (US$000) 2.580 82.500 7.491 805 1.319 835 Invest.
Ativo Fixo/Inv. Cap. P&D&E (%) 100 94 17 81 87 64 Área
Total Construída para P&D (m2) 4.519 5.029 5.571 1.395 1.100
2.041 Pessoal Alocado P&D&E (func. full-time) 63 141 169 35
31 30 Pessoal em P&D&E/1000 func. 7 12 15 25 24 28 Pessoal
Técnico/Pessoal P&D&E (%) 100 80,81 80,36 87,06 75,52 87,91
Tecn. Nível Sup./Pessoal Técnico (%) 60,84 65,27 65,40 57,11 55,80
51,07 Doutores/Pessoal Téc. em P&D&E (%) 3,80 1,93 1,33
1,72 2,10 4,12 Desp. P&D&E/Pessoal P&D&E (US$)
122.604 140.310 221.738 75.436 89.760 96.964 IMPACTOS DE
P&D&E % Projetos Finalizados 29,00 59,67 79,00 61,88 58,04
58,48 Patentes Depositadas e/ou Obtidas (Brasil+Exterior)
8,57 4,98 6,85 0,85 0,69 0,82
Patentes Obtidas e/ou Depositadas/100 Pessoas P&D&E
7,00 2,00 4,00 2,00 2,00 2,00
Rec. Bruta Venda Tecnol. Terc. (US$) 30.563 5.129.333 10.275.000
945.881 129.130 554.523 Receita Novos Produtos/Fat. Bruto (%) 12,00
12,00 14,30 39,00 39,38 37,67 Economia Custos/Lucro Bruto (%) 2,14
1,85 6,68 5,06 4,06 4,16 Economia Custos/Despesas P&D&E (%)
não
informado 57,52 53,77 60,23 66,91 43,56
Fonte: ANPEI, Indicadores Empresariais de Capacitação
Tecnológica: Resultados da Base de Dados ANPEI, Relatórios nº .3, 4
e 5
SBRAGIA & KRUGLIANSKAS (1996, p. 135) esclarecem que a Base
de Dados
ANPEI não procura medir a capacitação tecnológica em si, por ser
um processo de aprendizagem permanente, mas sim os indicadores a
ela associados, tanto no nível de input , como de output. Para tal,
utiliza-se do acrônimo P&D&E (P&D stricto sensu mais
Serviços Tecnológicos, Aquisição Externa de Tecnologia e Engenharia
Não-Rotineira) por melhor representar o espaço empresarial
atualmente ocupado pelas atividades de inovação (OECD, 1992 e LINK,
1994, citados por SBRAGIA & KRUGLIANSKAS, 1996, p. 137).
-
A partir dos dados apresentados na Tabela 5 algumas reflexões
podem ser feitas a respeito das siderúrgicas analisadas.
Primeiramente, nota-se a redução do quadro de pessoal de 10.506 (em
1993) para 9.477 (em 1995), bem como a queda da relação Lucro
Bruto/Faturamento Bruto (0,25% em 1993; 0,26% em 1994; e 0,16% em
1995). Evidentemente, não são fenômenos exclusivos da atividade
siderúrgica, sendo também constatada uma evolução similar nos
valores médios da Base. Observa-se ainda a grande proximidade da
trajetória da lucratividade nos dois grupos (setorial e
nacional).
Por outro lado, houve um acréscimo acentuado no número de
funcionários alocados a P&D&E/1.000 funcionários nas
siderúrgicas analisadas, passando de 7 (em 1993) a 15 (em 1995).
Assim, apesar da grande preocupação das empresas brasileiras em
“enxugar” seus quadros de pessoal pós-privatização, verificou-se a
estratégia de retenção (e até ampliação) do pessoal ligado às
atividades de inovação tecnológica. O aumento das despesas de
pessoal de P&D&E foi 80,86% no período considerado, ao
passo que o incremento das despesas totais de P&D&E atingiu
135,89%. Isto ajudou a reverter (parcialmente) a alta intensidade
de gastos como pessoal nas atividades de pesquisa da siderurgia
brasileira.
Em contrapartida, reforçou-se a baixa qualificação formal dos
pesquisadores na siderurgia, em função da redução do percentual de
doutores alocados a P&D&E, que passou de 3,80% (em 1993)
para 1,93% e 1,33% em 1994 e 1995, respectivamente. Nota-se, ao
mesmo tempo, um aumento embora menos acentuado no número de
técnicos de nível superior alocados a estas atividades, tendo este
índice crescido de 60,84% (em 1993) para 65,40% em (1995). De certa
forma, percebe-se um upgrade do pessoal técnico para o pessoal de
nível superior.
O índice de Despesas em P&D&E/Faturamento Bruto
apresentou em 1993 e em 1994 valores em torno de 0,97%, abaixo do
valor médio das empresas informantes da Base de Dados ANPEI. Em
1995, este índice supera, em muito, a média nacional, atingindo o
valor de 1,51%. Por tratar-se de um valor consideravelmente alto,
pode-se inferir que as empresas siderúrgicas em estudo estejam
intensificando esforços em atividades de P&D&E, como forma
de alcançar (ou recuperar) uma maior competitividade no mercado
internacional.
A distribuição relativa dos gastos com P&D&E aponta para
algumas mudanças de postura na busca da capacitação tecnológica,
dada a grande redução em Despesas em P&D (estão incluídas aqui
despesas com Pesquisa Básica, Pesquisa Aplicada e Desenvolvimento
Experimental), que involuiu de 53,83% (em 1993) para 24,34% (em
1994) e 27,79% (em 1995). Entretanto, há um aumento em despesas com
Aquisição de Tecnologia e Engenharia Não-Rotineira. Estes números
indicam uma acentuação da tendência do setor em adquirir tecnologia
externa e uma maior concentração nas atividades de melhoria de
produto e/ou processo, respectivamente. Vale ressaltar que a
redução dos gastos relativos em P&D é uma tendência contrária à
média das empresas informantes da Base de Dados ANPEI, que vêm
apresentando aumento no mesmo período analisado (49,65% em 1993;
50,34% em 1994; e 56,63% em 1995).
Quanto aos valores de Investimentos de Capital (ativo fixo +
ativo intangível) para P&D&E apresentados, nota-se um
acentuado aumento no período 1994-93 (de US$ 2,.6 milhões a US$
82,5 milhões) e posterior decréscimo no período 1994-95
(apresentando um valor de US$ 7,5 milhões em 1995). Entende-se que
a redução registrada em 1995 possa ser explicada pelos altos
investimentos de capital registrados em 1994 e que, pela própria
natureza dos investimentos em questão, não necessariamente precisam
ser aumentados a cada ano.
Analisando-se os indicadores sobre impactos dos dispêndios em
P&D&E, percebe-se que apresentam uma melhoria tanto no
percentual de Projetos Finalizados (29,00% em 1993; 59,67% em 1994;
e 79,00% em 1995) como na Receita Bruta de Venda de Tecnologia a
Terceiros (passando de US$ 30,6 mil em 1993 a US$10,3 milhões em
1995). Entretanto, não
-
convém afirmar, tomando-se como referência apenas estes
indicadores, tratar-se das conseqüências do aumento da intensidade
de P&D&E ocorrido no período analisado. Sabe-se que os
investimentos em P&D&E apresentam um período de maturação
relativamente lento, pelas próprias características intrínsecas a
estas atividades e, portanto, estes impactos apresentados
possivelmente são resultado de esforços empreendidos em algum
período anterior. 3. Considerações Finais
A siderurgia brasileira, à exemplo de quase as outras a nível
mundial (com exceção da japonesa e da alemã), montou o seu parque
com tecnologias adquiridas externamente. Mesmo sendo um dos maiores
produtores mundiais, o país não conseguiu desenvolver um background
técnico capaz de desenvolver tecnologias de novos processos. O
volume de recursos necessários a tais atividades e o longo prazo de
maturação destes investimentos (de alto risco) são fatores
limitantes a tais inversões.
Deve-se, contudo, destacar que o país conseguiu absorver as
tecnologia de adaptação e otimização de processos produtivos
instalados (ou em instalação) e de desenvolvimento de produtos. Com
relação a este último tipo de pesquisa, ela foi se tornando cada
vez mais importante, exatamente pela inacessibilidade da compra de
tais desenvolvimentos, a nível mundial. Face ao estágio tecnológico
já atingido pela siderurgia brasileira, seria natural que se
privilegiasse os gastos com pesquisas de produtos e otimização de
processos desenvolvidos por terceiros. A busca de inovações de
processos, haja visto os enormes recursos requeridos, estão muito
longe do escopo das pesquisas na siderurgia brasileira.
O setor antes e após a privatização continuou realizando
predominantemente mudanças técnicas incrementais. Estas alterações
são de cunho adaptativo ou otimizador (FERRAZ, 1985). O primeiro
tipo refere-se à adequação da base técnica (usualmente importada)
para condições específicas e distintas daquelas que imperam na
economia geradora de tal tecnologia. As atividades otimizadoras,
por sua vez, visam maximizar o rendimento operacional de uma dada
tecnologia produtiva já incorporada na operação, não incorrendo em
alterações sensíveis nesta última. Não se realizam mudanças
técnicas inovadoras e, assim sendo, não se consegue realizar o
catch up, isto é, não se altera positivamente a atual posição
relativa na divisão internacional do trabalho (o que, não
necessariamente, significa um possível retrocesso).
Desta forma, é real e concreta a necessidade de recorrência à
compra de tecnologia externa, no momento da retomada dos
investimentos setoriais, como bem mostrou a experiência da CSN. Em
suma, a renovação tecnológica das usinas brasileiras continuou
sendo baseada em processos desenvolvidos no exterior. É importante,
porém, acrescentar que esta não é uma situação exclusiva da
siderurgia brasileira: o desenvolvimento tecnológico da indústria
siderúrgica encontra-se concentrado basicamente no Japão e
Alemanha, países que apresentam alta intensidade em gastos de
pesquisa. Deve-se notar que os esforços de P&D para adaptação e
otimização dos processos produtivos existentes capacitam o setor a
diagnosticar as reais necessidades tecnológicas e, desta forma,
selecionar e comprar novas tecnologias mais facilmente e a um custo
inferior.
De um modo geral, manteve-se o escopo das atividades de pesquisa
após a privatização das siderúrgicas brasileiras. Estas atividades
enquadram-se nas chamadas estratégias tecnológicas imitativa e
defensiva, conforme a clássica taxonomia de FREEMAN (1974). Não se
migrou para uma estratégia ofensiva. Apesar disto, é possível
salientar algumas mudanças nas diretrizes das atividades, que
passaram a estar mais atentas ao cumprimento de prazos e ao número
de projetos finalizados. Além disto, reverteu-se
-
parcialmente a intensidade dos gastos com pessoal, bem como
reforçou-se a preocupação com o desenvolvimento de produtos.
Infelizmente, a maior importância quantitativa da pesquisa ao
longo do período considerado não foi acompanhado pelo aumento da
qualificação formal dos pesquisadores. Para otimizar o aumento dos
gastos de P&D&E na siderurgia brasileira é premente que se
reverta esta tendência, até mesmo através da ampliação da
cooperação com Universidades e Centros de Pesquisa. Por fim, as
estratégias tecnológicas das empresas analisadas não estavam
relacionadas ao controle acionário (público ou privado), mas sim a
uma série de fatores estruturais e comportamentais quanto à
inserção da siderurgia brasileira na divisão internacional do
trabalho. Neste sentido, a privatização não possibilitou uma
ruptura frente à situação de baixa intensidade de pesquisa da
siderurgia brasileira; mas também - exceto a Acesita, que resolveu
modificar sua estrutura produtiva - não se desmantelou o incipiente
esforço de pesquisa.
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