PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO Uma boa intervenção terapêutica é aquela que tem os princípios básicos
bem estabelecidos e devidamente respeitados. Por exemplo, quando uma droga é prescrita, devemos respeitar as características farmacológicas do fármaco, o seu mecanismo de ação na fisiologia do paciente, as restrições fisiológicas do próprio paciente, entre tantos outros. No caso do treinamento físico, esse conceito não é diferente. É necessário respeitar os princípios básicos do treinamento físico para que sua intervenção terapêutica seja a melhor possível. Vale a pena lembrar que o papel terapêutico da atividade física é essencial para todos os seus praticantes, desde os exercitantes aos atletas profissionais.
Nessa aula vamos abordar os 9 Princípios Básicos do Treinamento Físico, que são eles:
1. Individualidade 2. Especificidade 3. Continuidade 4. Reversibilidade 5. Interdependência Volume/Intensidade 6. Variabilidade 7. Adaptação 8. Sobrecarga 9. Supercompensação
Tais Princípios estão interligados e são interdependentes, mas isso vai
ficar mais fácil de entender conforme você for aprendendo cada um deles. 1. Individualidade
Por mais que pareça óbvio, é preciso lembrar que cada indivíduo é único
e diferente de todos os outros (Fig.1). O primeiro Princípio é exatamente sobre isso. Nem todos os indivíduos respondem de maneira semelhante ao mesmo estímulo de treinamento. Ou seja, Indivíduos diferentes respondem e se adaptam de forma diferente para um mesmo exercício.
Por isso, quando um grupo relativamente homogêneo inicia um esquema de treinamento, não se pode esperar que cada pessoa alcance o mesmo estado de aptidão ou de desempenho nos exercícios. Faz parte desse conceito, por exemplo, o nível de aptidão física do indivíduo antes de se iniciar uma rotina de treinamento, que certamente será diferente dos demais presentes em um mesmo grupo.
Fig. 1 – Fatores que influenciam e compõem o indivíduo.
O treinamento deve ser planejado individualmente e respeitando a
aceitação individual e as necessidades de cada atleta. As respostas de uma mesma carga de trabalho podem provocar diferentes adaptações em dois indivíduos aparentemente semelhantes. Por esse motivo que os benefícios máximos do treinamento ocorrem quando os programas de exercícios concentram-se nas necessidades individuais e nas capacidades dos participantes. 2. Especificidade
O princípio da Especificidade exige que as atividades aplicadas devem suprir a demanda da modalidade treinada. Mas o que isso significa?
Podemos utilizar o seguinte exemplo: de nada adianta treinar um corredor de 100m com distancias percorridas por maratonistas, pois mesmo sendo o mesmo gesto motor (corrida) as demandas são totalmente diferentes, um preconiza a velocidade e a outra resistência.
O exercício específico desencadeia adaptações específicas destinadas a promover efeitos específicos do treinamento que produzam melhoras
específicas no desempenho. É com ele que temos as adaptações nas funções metabólicas e fisiológicas que dependem da intensidade, da duração, da frequência e da modalidade do estímulo imposto.
Como curiosidade, existem algumas evidências que sugerem até mesmo especificidade temporal na resposta ao treinamento, de modo que os indicadores de aprimoramento do treinamento alcançam um valor máximo quando medidos na hora do dia em que o treinamento costuma ser realizado regularmente.
Gráfico 1 – Resposta em percentuais de melhora.
No Gráfico 1 acima, temos uma resposta em percentuais de melhora de um indivíduo que realiza tanto um teste de corrida em esteira ergométrica quanto um teste de natação estática antes de iniciar um treinamento de natação, aonde eles nadavam 1 hora por dia, 3 dias por semana por 10 semanas. Nele podemos observar que se fosse realizado apenas o teste de corrida em esteira ergométrica após o período de treinamento, não perceberíamos grandes melhoras no desempenho do indivíduo. Por outro lado, quando realizamos um teste de natação estática, notamos uma nítida melhora no seu desempenho.
A Especificidade não diz respeito somente a modalidade treinada, mas também é referente ao tipo de musculatura utilizada. No caso de exercícios aeróbicos específicos, ocorrem alterações locais como o aumento da microcirculação, uma distribuição mais efetiva do débito cardíaco ou uma combinação de ambos os mecanismos.
O importante é entender que seja qual for o mecanismo, essas
adaptações ocorrem somente nos músculos treinados especificamente e tornam-se evidentes somente no exercício que ativa essa musculatura
3. Continuidade
Esse Princípio é bem fácil de entender, até porque vemos isso na nossa rotina a todo momento. Lembra daquela aula de geografia que você teve no ensino médio? Não né? Sem rever esse assunto, você acaba não se lembrado ou não dominando mais esse conteúdo. Quando transferimos isso para valências físicas, o mesmo acontece. Esse é o Princípio da Continuidade. Nele, percebemos que os benefícios obtidos se perdem se o treinamento for interrompido ou reduzido muito abruptamente.
Para evitar isso, todos os programas de treinamento devem incluir um programa de manutenção. Esse programa de manutenção se resume a manter uma intensidade e um volume reduzidos (como veremos no capítulo de Periodização), mas sempre mantendo algum grau de estímulo ao indivíduo.
Lembre-se: a adaptação é continua.
4. Reversibilidade
Também conhecida popularmente como “Destreinamento”. Esse Princípio se refere a perda das adaptações do treinamento que podem ocorrer a curto e longo prazo. Ou seja, as adaptações metabólicas e fisiológicas são perdidas se não houver continuidade no treinamento.
Ao reler o Princípio da Continuidade, pareceu meio redundante, não? Mas é exatamente isso. Lembre-se de que esses Princípios Básicos são integrados e se correlacionam diretamente.
Tabela 1 – Períodos sem treinamento e reversão apresentada
Variável % perda em 2 semanas % perda em >3 semanas
VO2 máx 8% 18%
Débito Cardíaco 8% 10%
Frequência Cardíaca 4% 13% Tabela 2 – Percentual de perda de alguma variáveis dependendo do tempo sem
treinamento É por causa da Reversibilidade que os principais clubes esportivos
precisam ter uma atenção especial para o período após o final de temporada de modalidade. Caso o atleta não mantenha um treinamento de manutenção, no início da próxima temporada ele terá que recuperar a maioria das adaptações que ele conquistou durante o ano de treinamento. Mesmo os atletas altamente treinados, os efeitos benéficos de muitos anos de treinamento físico prévio continuam sendo transitórios e reversíveis.
Estímulos Fases
Fracos Não há resposta
Médios Excitação
Fortes Adaptação
Muito Fortes Exaustão Tabela 3 – Intensidade de Estímulos para casa fase da resposta metabólica
5. Interdependência Volume/Intensidade
Você em algum momento deve ter frequentado a academia, ou praticado algum esporte. Você já reparou que quando o seu personal te passava uma série de treinamento, quando ele colocava um peso maior, reduzia o número de repetições ou vice-versa? Ou quando você está praticando alguma atividade, como correr, se aumentar a sua velocidade muito, não consegue manter essa mesma velocidade por muito tempo? Então você já foi apresentado à esse Princípio.
Nele, temos o Volume e a Intensidade de treinamento inversamente
proporcionais. É como se tivéssemos uma balança, aonde quanto maior o volume, mais leve deve ser a intensidade e vice-versa.
Fig. 2 – Relação Volume / Intensidade
Fig. 3 – Componentes do Volume e da Intensidade. (FC = Frequência Cardíaca)
6. Variabilidade
A Variabilidade é necessária para garantir sempre um estímulo diferente para o indivíduo. É planejar diferentes rotinas de treinos com os mesmos objetivos.
Fig. 4 – Maneiras diversas de se aplicar a Variabilidade
7. Adaptação
Toda exercício físico tem uma faixa ótima para ser executado. Ou seja, Há um limiar mínimo para a produção de benefício (gerar Adaptação), assim como um limiar máximo que pode causar danos ao indivíduo caso seja for ultrapassado.
Nos exercícios aeróbicos, por exemplo, podemos dizer a grosso modo que o limiar mínimo para adaptação é de 50% do VO2 máx do indivíduo, enquanto o limiar máximo é de 80% do seu VO2 máx, tendo com uma faixa ótima entre 50 a 85% do VO2 máx , como é mostrado na Fig.5.
Fig. 5- Faixa ótima de intensidade para exercícios aeróbicos.
Ao contrário das respostas à um exercício físico, que são agudas e referentes à um exercício, a adaptação ocorre de maneira crônica, como resposta à um treinamento de longo prazo.
Resposta Adaptação
Aguda Crônica
Exercício Treinamento de longo prazo
Tabela 4 – Resposta x Adaptação
8. Sobrecarga
Como acabamos de ver, para que ocorra adaptação é necessário que o estímulo aplicado ultrapasse uma determinada intensidade para que provoquem a quebra do equilíbrio do organismo e gera a Adaptação. O Princípio da Sobrecarga se refere exatamente à essa intensidade mínima que precisa ser superada para gerar Adaptação.
A aplicação regular de uma sobrecarga na forma de um exercício específico aprimora a função fisiológica para induzir uma resposta ao treinamento. Ou seja, o exercício realizado com intensidades acima dos níveis normais estimula adaptações altamente específicas, para que o corpo possa funcionar com maior eficiência.
Para conseguir a sobrecarga apropriada é necessário manipular a relação
de Volume/Intensidade. A sobrecarga individualizada e progressiva aplica-se aos atletas, às pessoas sedentárias e ate mesmo aos cardiopatas.
É importante ter em mente que as respostas e adaptações são proporcionais a magnitude de seus estímulos, porém sempre deve-se atentar a redução de rendimento quando a sobrecarga é muito elevada.
9. Supercompensação
A Supercompensação ocorre após um treinamento físico, sendo amplificada quando há uma continuidade do treinamento. É o principal objetivo do treinamento físico: aumento do rendimento físico.
A Supercompensação pode ser traduzida como a melhora nítida após uma sessão de treinamento físico, de maneira que caso o estímulo não se mantenha de maneira constante, as adaptações que geraram a Supercompensação serão revertidas.
Na Fig.6, podemos perceber a Supercompensação referente à uma sessão de treinamento físico, enquanto na Fig.7 podemos perceber como esse Princípio ocorre no decorrer de um período mais longo de treinamento físico.
Fig. 6 – Mecanismo da Supercompensão após uma sessão de exercício.
Fig. 7 – Supercompensação como resultado de treinamento físico contínuo A periodização foi elaborada no final dos anos 1990 por Matveev. Ela
compreende na divisão da temporada de treino, com períodos particulares de tempo, contendo objetivos e conteúdo bem determinados. A Periodização, em essência, reduz o volume de treinamento progressivamente e aumenta a intensidade a medida que a duração do programa progride para maximizar os aumentos das valências da aptidão física obtidos no treinamento.
Fig. 8 – Relação Volume/Intensidade durante a temporada. (a) Início de temporada. (b)
Fim de temporada.
PERIODIZAÇÃO
A divisão da temporada é feito em Macrociclo, que contém Mesociclos, que abrange Microciclos, que é formado por dias de treino.
Fig. 9 – Divisão do treinamento físico dentro da Periodização
Na tabela 5, colocamos a duração média de cada um dos ciclos contidos no treinamento físico.
Ciclo Duração
Macrociclo 6 meses a 1 ano
Mesociclo 1 a 3 meses
Microciclo 2 a 7 dias
Treino Diário
Tabela 5 – Duração média dos ciclos do treinamento.
1. Macrociclo
Ao fracionar o Macrociclo em componentes menores, há uma maior
facilidade em manipular os componentes do treinamento para garantir que o objetivo será alcançado sem sobrecarregar o indivíduo. Os componentes que podem ser alterados são: séries, sessões, exercícios, repetições e duração das sessões (ou seja, Volume); e carga, frequência cardíaca, velocidade e intervalo de descanso (que compõem a Intensidade); e ainda os períodos de repouso dentro de cada ciclo.
Fig. 10 – Componentes que são manipulados dentro do fracionamento do Macrociclo
2. Mesociclo
O Mesociclo costuma ser divido em fases diferentes, onde cada fase manipula o Volume e a Intensidade para atingir objetivos específicos da cada fase. Existem diversos modelos de divisão de Mesociclo, mas na Tabela 6 incluímos um dos modelos mais utilizados.
Fase Objetivo Volume Intensidade
Preparação Desenvolvimento moderado da força Alto Baixa
1ª Transição Desenvolvimento da força Moderado Moderado
Competição Auge da competição. Desenvolvimento seletivo da força Baixo Alta
2ª Transição Recuperação ativa. Atividades recreativas, podem incorporar outras modalidades. Baixo Baixa
Tabela 6 – Fases do Mesociclo
Dentro da abordagem que escolhemos para essa apostila, as fases descritas na Tabela 6 são coerentes com o que podemos pensar sobre preparação e treinamento físico em relação a cronologia dos eventos. Na Fase de Preparação, há uma pouca exigência do indivíduo e uma preocupação em garantir o início do ganho das valências da aptidão física, principalmente a força e potência muscular. Vale lembre que na Fase de Preparação, normalmente ele está voltando de um período de muita exigência física (normalmente é devido à uma competição) ou de baixíssima exigência física, como retorno de lesões ou período entre temporadas.
Na Fase da 1ª Transição, o foco do treinamento continua em aprimorar
as valências da aptidão física, mas o volume e a intensidade já tendem a estar equiparadas. É a fase que precede o início da Fase de Competição.
A Fase de Competição corresponde ao momento que o indivíduo está no auge da sua performance dentro desse Mesociclo. É a única fase do Mesociclo que o indivíduo é submetido à altas intensidades de treinamento.
A Fase da 2ª Transição é a última do Mesociclo. Nela buscamos uma recuperação ativa, reduzindo a demanda física para evitar sobrecarga e o risco de lesões. A partir dessa fase, já prepararmos o início de um novo Mesociclo.
Pensando na relação cronológica das temporadas e a necessidade de picos de performance do indivíduo, é importante ter em mente que um indivíduo não tem condições fisiológicas para ter o máximo de performance a todo momento. A Tabela 7 ilustra a média do número de picos de performance em diversas características durante o ano.
Característica Nº Picos/ano Nº Picos/temporada
Capacidade aeróbica 1 1
Força Dinâmica 2 2
Velocidade 1 a 4 Variável
Força Explosiva 1 a 3 Variável
Alta complexidade técnica Coordenação motora acurada
Renovação do objetivo da especialização 1 a 3 3
Tabela 7 – Número de picos de cada característica por ano e temporada
Você pode estar pensando “ Agora fiquei confuso. Na tabela mostra que todas as características tem um limite de pico de performance por ano, mas você falou que a fase de competição é quando o indivíduo está no auge da sua performance”. Calma! É isso mesmo. A Fase de Competição é quando o atleta atinge o auge da performance dentro do Mesociclo em si. Toda programação do treinamento físico através da periodização visa atingir o máximo de picos de performance possível, tendo em mente o seu limite anual. Normalmente o treinamento é planejado para que esses picos coincidam com as principais competições e demandas do indivíduo, de modo que cada Mesociclo eleva o nível de performance do Mesociclo seguinte, seguindo o princípio da Supercompensação.
3. Microciclo
Por mais que o Microciclo seja um dos menores períodos dentro da Periodização, ele também é composto por fases que auxiliam o incremento no nível do treinamento do indivíduo.
Normalmente as fases do Microciclo utilizam uma intensidade relativa (sempre respeitando a Interdependência Volume/Intensidade), visando objetivos específicos dentro do nível do treinamento, conforme descrito na Tabela 8 abaixo.
Fase Intensidade Relativa Objetivos no Nível de treinamento
Choque Muito Forte Aumentar
Condicionante (Pré-competitivo) Forte Aumentar/estabilizar
Estabilizador / Incorporação Média Manutenção
Regenerativo Fraca Aceleração da recuperação
Controle Avaliação Física Avaliar efeitos do treinamento Tabela 8 – Fases do Microciclo
Depois de descrever alguns dos pontos principais dentro da Periodização do treinamento físico, incluímos a Figura 11 para ilustrar e te ajudar a compreender a progressão da Técnica, Intensidade e Volume de acordo com os Mesociclos dentro de um Macrociclo ideal.
Fig. 11 – Componentes em um Macrociclo de acordo com os Mesociclos
Para Montar um Treinamento...
..é essencial ter alguns conceitos bem incorporados e bem estabelecidos, como por exemplo: A) CONHECER 1. Princípios do treinamento 2. Características da modalidade/prova 3. Perfil do atleta/equipe 4. Resultados dos testes físicos e treinamentos realizados na temporada anterior B) DEFINIR 1. Capacidades físicas gerais e específicas 2. Grau de importância de cada capacidade 3. Modelo de periodização 4. Tempo destinado para cada período do modelo 5. tempo para cada fase C) ENTENDER Calendário esportivo e priorizar as principais competições
D) SELECIONAR Testes que deverão ser aplicados durante os períodos da periodização 5 Erros Comuns ao Montar um Treinamento
1. Recuperação é negligenciada 2. Depois de uma pausa no treino (doença/lesão), o volume do treino é
aumentado muito rapidamente 3. Demandas sobre os indivíduos (atletas) são aumentadas muito
rapidamente 4. Alto volume de treinamento máximo ou submáximo (alta intensidade) 5. Má definição de objetivo
5 Erros Comuns (Atletas)
1. Tempo excessivo em aspectos técnicos/mentais, sem recuperação adequada
2. Número excessivo de competições – alterações frequentes da rotina diária e tempo insuficiente de treinamento
3. Volume de treino muito alto para atletas de endurance 4. Viés de metodologia de treinamento 5. Falta de confiança no técnico por má definição de objetivo
Referências Bibliográficas
1. MCARDLE, William D.; KATCH, Frank I.; KATCH, Victor L. Fisiologia do exercício: nutrição, energia e desempenho humano. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017
2. MCARDLE, William D.; KATCH, Frank I.; KATCH, Victor L. Nutrição para o esporte e exercício. 4ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016
3. Diretrizes do ACS, para os testes de esforço e a sua prescrição / American College of Sports Medicine – 9ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014
4. Heyward,Vivian H. Avaliação Física e Prescrição de Exercício - Técnicas Avançadas - 6ª Ed. 2013