Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 8, JAN/JUN 2010 Princípios fundamentais do processo penal brasileiro 1 Reinaldo Daniel Moreira 2 . Aline Nazário Teixeira, Catarine Santini, Dalton Rodrigues de Paula Júnior, Eduardo de Toledo Diogo, Elcio Alfredo Knupfer, Jéssica Laynne Antunes Vieira, Paula de Almeida Oliveira, Suziane de Fátima da Conceição Azevedo 3 . Sumário: 1. Introdução – 2. Princípio da duração razoável do processo penal – 3. A garantia fundamental ao silêncio e à não auto-incriminação – 4. O princípio da publicidade – 5. Acerca de uma pretensa ―verdade real‖ – 6. Princípio da inadmissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito – 7. A identidade física do juiz – 8. Conclusão – 9. Referências. Resumo: O presente artigo analisa alguns dos princípios fundamentais do Direito Processual Penal brasileiro. Palavras-chave: Princípios – Garantias Fundamentais – Direito Processual Penal. Abstract: This article analyzes some of the fundamental principles of the Criminal Procedural Law in Brazil. 1 O presente artigo é resultado das leituras, pesquisas e debates promovidos no âmbito do grupo de estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009 do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery, sob a coordenação do professor Reinaldo Daniel Moreira. 2 Professor de Direito Processual Penal, Prática Jurídica Penal e Direito Penal na Faculdade Metodista Granbery, de Juiz de Fora (MG). Professor de Direito Processual Penal nos cursos de especialização em Ciências Penais e Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Direito Público pela UERJ. Advogado. 3 Alunos do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery e integrantes do grupo de estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009.
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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery
http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377
Curso de Direito - N. 8, JAN/JUN 2010
Princípios fundamentais do processo penal brasileiro1
Reinaldo Daniel Moreira2.
Aline Nazário Teixeira,
Catarine Santini,
Dalton Rodrigues de Paula Júnior,
Eduardo de Toledo Diogo,
Elcio Alfredo Knupfer,
Jéssica Laynne Antunes Vieira,
Paula de Almeida Oliveira,
Suziane de Fátima da Conceição Azevedo3.
Sumário: 1. Introdução – 2. Princípio da duração razoável do processo penal – 3. A
garantia fundamental ao silêncio e à não auto-incriminação – 4. O princípio da
publicidade – 5. Acerca de uma pretensa ―verdade real‖ – 6. Princípio da
inadmissibilidade processual das provas obtidas por meio ilícito – 7. A identidade física
do juiz – 8. Conclusão – 9. Referências.
Resumo: O presente artigo analisa alguns dos princípios fundamentais do Direito
Abstract: This article analyzes some of the fundamental principles of the Criminal
Procedural Law in Brazil.
1 O presente artigo é resultado das leituras, pesquisas e debates promovidos no âmbito do grupo de
estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009 do curso de
graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery, sob a coordenação do professor Reinaldo Daniel
Moreira. 2 Professor de Direito Processual Penal, Prática Jurídica Penal e Direito Penal na Faculdade Metodista
Granbery, de Juiz de Fora (MG). Professor de Direito Processual Penal nos cursos de especialização em
Ciências Penais e Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Mestre em Direito Público pela UERJ. Advogado. 3 Alunos do curso de graduação em Direito da Faculdade Metodista Granbery e integrantes do grupo de
estudos ―Tópicos de Processo Penal Constitucional‖, no segundo semestre letivo de 2009.
2
Keywords: Principles – Fundamental Garantees – Criminal Procedural Law.
1. Introdução
Princípio, segundo entendimento corrente em doutrina, ―é, por definição,
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele‖4. Noticia Paulo
Bonavides que ―a idéia de princípio, segundo Luís-Diez Picazo, deriva da linguagem da
geometria, ‗onde designa as verdades primeiras‘. Logo acrescenta o mesmo jurista que
exatamente por isso são ‗princípios‘, ou seja, ‗porque estão ao princípio‘, sendo ‗as
premissas de todo um sistema que se desenvolve [...]‘‖5. Seriam, enfim, as verdades
fundamentais de um sistema jurídico6.
Nesta mesma linha, são as considerações de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,
quando, ao se reportar aos princípios do processo penal, afirma que ―a par de se poder
pensar em princípio (do latim, principium) como sendo início, origem, causa, gênese,
aqui é conveniente pensá-lo(s) como motivo conceitual sobre o(s) qual(ais) funda-se a
teoria geral do processo penal, podendo estar positivado (na lei) ou não [...]‖7.
4 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 747- 748. 5 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 255-256.
6 TOVO, Paulo Cláudio. Introdução à principiologia do processo penal brasileiro. In ______ (org.).
Estudos de direito processual penal. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1995, p. 12. 7 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito processual penal
brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 30, n. 30, p.
163-198, 1998, p. 163. Ao discorrer acerca da importância dos princípios, afirma o autor: ―O papel dos
princípios, portanto, transcende a mera análise que se acostumou fazer nas Faculdades, pressupondo-se
um conhecimento que se não tem, de regra; e a categoria acaba solta, desgarrada, com uma característica
assaz interessante: os operadores do direito sabem da sua importância, mas, não raro, não têm preciso o
seu sentido, o que dificulta sobremaneira o manejo. O problema maior, neste passo, é seu efeito alienante,
altamente perigoso quando em jogo estão valores fundamentais como a vida, só para ter-se um exemplo.
Por conta disso é que se mostra feliz a assertiva lançada por Jorge de Figueiredo Dias: ‗são estes
<<princípios gerais do processo penal>> que dão sentido à multidão das normas, orientação ao legislador
e permitem à dogmática não apenas <<explicar>>, mas verdadeiramente compreender os problemas do
direito processual e caminhar com segurança ao encontro da sua solução‘‖ (COUTINHO, Jacinto Nelson
de Miranda. Op. cit., p. 165). E, ainda destacando a importância dos princípios, ressalta Celso Antônio
Bandeira de Mello que: ―Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A
desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas o todo o
sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso
porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada‖.
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 747- 748).
3
O presente trabalho tem por objetivo analisar alguns dos princípios estruturantes
do processo penal brasileiro8.
2. Princípio da duração razoável do processo penal
Disposto no inciso LXXVIII do artigo 5.º da Constituição Federal9, a
duração razoável do processo foi alçada, expressamente, à condição de direito
fundamental em nosso ordenamento jurídico a partir de 8 de dezembro de 2004, com o
advento da Emenda Constitucional n. 45. Anteriormente a essa data, porém, já havia
quem defendesse a existência desse direito em nosso sistema jurídico, seja extraindo-o
de outras garantias fundamentais, como a do devido processo legal (art. 5.º, LIV), da
efetiva tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV), da ampla defesa e do contraditório (art. 5º,
LV), seja entendendo que os artigos 7º, 5 e 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)10
já previam explicitamente tal garantia, e,
uma vez que o Brasil tornou-se signatário do mencionado pacto internacional (Decreto
n.º 678/92), e ainda por força do disposto no artigo 5.º, § 2.º da Constituição, haveria de
dar-lhe cumprimento.
A noção de duração razoável do processo conduz, inevitavelmente, à análise
do tempo e seus reflexos no direito. Embora a afirmação pareça óbvia, a ideia de tempo
a que se refere em Direito não deve ser reduzida àquela que consagra o tempo objetivo,
ou seja, concebe-o como algo absoluto e universal11
. Conforme pondera Aury Lopes Jr.
8 Não constitui objeto do presente trabalho discorrer acerca da distinção entre princípios e regras. Para
uma análise detida do assunto: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos
princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 9 Dispõe o referido artigo da Constituição da República:
Art. 5º (...)
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo
e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 10
Transcrevemos os referidos dispositivos da CADH:
Art. 7º Direito à Liberdade Pessoal
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou de outra
autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem o direito a ser julgada dentro de um prazo
razoável ou ser posta em liberdade, sem que se prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada
a garantias que assegurem o seu cumprimento em juízo.
Art. 8º Garantias Judiciais
1. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por
um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações
de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Vide a respeito: RANGEL, Paulo.
Direito Processual Penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 42. 11
De acordo com esse enfoque, pautado no paradigma newtoniano, 1 (uma) hora, por exemplo,
corresponderia à mesma quantidade de tempo, seja aqui no Brasil, lá na Austrália ou na Rússia, pouco
4
após analisar a proposta da Teoria da Relatividade de Einstein, ―a percepção do tempo é
completamente distinta para cada um de nós‖ 12
. Ou seja, partindo-se de um novo
paradigma, segundo o qual tudo é relativo13
, o doutrinador defende que ao lado de um
tempo objetivo, deve estar essa nova concepção: a do tempo subjetivo.
No âmbito do Direito Penal, é certo que a pena aplicada a determinado
indivíduo traduz-se no tempo de cerceamento de liberdade que o condenado ficará
sujeito por ter desrespeitado a norma que tipifica uma conduta. Sem se adentrar no
mérito da ineficácia das funções atribuídas à pena na realidade de nosso país, poder-se-
ia dizer, em outras palavras, que a pena representa o tempo de sofrimento a que o
acusado haverá de ser submetido. O caráter negativo dessa sanção de natureza penal não
é novidade. Contudo, não se pode perder de vista que, antes da aplicação de qualquer
pena, o acusado também é submetido a um processo. E, se é cediço que o processo
penal é o instrumento hábil para aferir a culpa ou não do imputado, igualmente vem
crescendo um consenso acerca do reconhecimento de que tal procedimento também é
uma pena, às vezes, mais grave do que o cerceamento de liberdade. Pode-se dizer da
existência de verdadeiras ―penas processuais‖14
. Dessa forma, quanto maior a demora
para que o acusado tenha uma solução sobre a situação de incerteza em que se encontra,
maior será sua angústia na espera desse resultado.
Portanto, pode-se afirmar que no curso da persecução penal o indivíduo
condenado será duplamente punido, seja através da instauração de um processo para
apuração do fato criminoso, seja no momento em que, caso seja efetivamente
condenado, venha a cumprir uma pena, com o trânsito em julgado da sentença.
É, pois, nessa realidade que se insere a garantia da duração razoável do
processo. Dúvidas não há acerca de sua positivação no direito pátrio. Entretanto, no que
se refere à sua aplicabilidade, esse direito fundamental merece maior atenção por parte
importando o local onde nos referimos, pois o tempo é, como dito, absoluto e universal, considerado igual
para todos em todos os lugares. 12
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1. 4. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 140. 13
Por fim, para compreender a verdadeira pena processual que encerra a demora indevida, recordemos de
Einstein, na clássica explicação que deu sobre Relatividade à sua empregada: ―quando um homem se
senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto.
Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente — e esse minuto lhe parecerá mais
comprido que uma hora. Isso é relatividade‖. Esse é o tempo no processo penal: tempo sentado na chapa
quente do fogão (LOPES JR., Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo
razoável no processo penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.13, n.152, p. 4-5, jul. 2005). 14
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 98 e s.
5
dos juristas e aplicadores do direito. A celeridade processual sempre foi algo almejado.
A partir do momento em que se dirige ao Judiciário, é de convir que se deseja, o mais
breve possível, obter daquele órgão a resposta pretendida. Imagine-se, então, no caso de
um indivíduo a quem está sendo imputada a autoria de um crime. A situação de
incerteza em que se encontra poderá vir a ser mais penosa do que a efetiva condenação,
se houver. Quantos são os processos que se prolongam no tempo, sem que ao menos
seja proferida a sentença de primeiro grau? Quantos são os acusados presos
cautelarmente, que aguardam ansiosamente a solução do caso penal?
Se o processo penal constitui o meio eleito para a consecução do direito
material, instrumento de que as partes não podem se abdicar, o mínimo exigível é que
ele pendure por um tempo razoável, sem dilações indevidas. Nesse contexto, as
garantias de acesso à justiça e à celeridade processual deveriam caminhar juntas.
Destarte, se a resposta para as perguntas anteriormente formuladas é imprecisa, dado o
elevado número de processos e de presidiários que se aglutinam por todo o país, incerta
não poderia ser a resposta para a solução desse gravíssimo problema. No entanto, essa é
a realidade da questão.
Como bem salienta a doutrina, não existe em nosso sistema jurídico
qualquer disciplina acerca do que venha a ser considerado ―prazo razoável para a
duração de um processo‖ – o que se convencionou chamar de ―doutrina do não-
prazo‖15
. Não há dispositivo que determine a duração máxima de um processo; nem
mesmo, regra geral, que fixe um tempo máximo para a permanência da prisão cautelar,
como é o caso da preventiva; não há, sequer, a previsão de sanções a serem aplicadas no
caso de descumprimento do preceito constitucional que versa sobre a garantia da
duração razoável do processo. Em outras palavras, vive-se num campo de imensa
incerteza, pois os termos utilizados comportam imensa carga de significação, haja vista
se enquadrarem na categoria de cláusulas genéricas, de conteúdos indeterminados, dada
a ausência de parâmetros para se aferir a razoável duração de um processo.
É claro que a previsão constitucional do direito fundamental à duração
razoável do processo não soluciona, sozinha, o problema da ―(de)mora jurisdicional‖16
.
15
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 112. 16
Trata-se de uma espécie de neologismo criado por Aury Lopes Jr. Nas palavras do autor, significa que
―Cunhamos a expressão ―(de)mora jurisdicional‖, porque ela nos remete a próprio conceito (em sentido
amplo) de ―mora‖, na medida em que existe uma injustificada procrastinação do dever de adimplemento
da obrigação de prestação jurisdicional.‖ LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade
constitucional. v. 1, p. 147.
6
Mas, em contrapartida, já é um mecanismo para contornar a ausência de um referencial,
assim como reflete positivamente na aplicação dessa garantia, que, até a consagração
expressa na Constituição, era raramente invocada pela jurisprudência, embora
reconhecida sua existência e relevância.
Na ausência de parâmetros mais sólidos em nosso ordenamento jurídico,
resta procurar apoio no direito estrangeiro para a análise deste direito fundamental.
Sobre a garantia em discussão, pode-se buscar auxílio nas decisões do Tribunal Europeu
de Direitos Humanos, da Corte Americana de Direitos Humanos e no Código de
Processo Penal Paraguaio17
. Após se reportar a algumas dessas decisões e das soluções
aplicadas no direito alienígena, Aury Lopes Jr. aponta as medidas de caráter
compensatório, processual e sancionatório, que poderiam ser adotadas pelo Brasil
enquanto um paliativo contra a ineficácia do direito fundamental à duração razoável do
processo.
Todavia, em primeiro lugar, deve-se ter em consideração que a garantia de
duração razoável do processo não foi apenas elevada à condição de norma
constitucional; mais do que isso, trata-se de um direito fundamental, e, como tal, possui
aplicabilidade imediata, conforme preceitua a própria Constituição da República, em
seu artigo 5.º, §1.º. Logo, como aponta a doutrina, não basta a mera alegação de excesso
de trabalho para suprimir tal garantia do indivíduo. Esse argumento é ilegítimo. De
outro lado, o aumento no número de juízes, de promotores, de defensores e de auxiliares
de justiça, se mostrará completamente ineficaz, caso não se combata a maximização do
Direito Penal. A respeito desse ponto, Aury Lopes Jr. pondera que:
É interessante o infindável ciclo que se estabelece: o Estado se afasta
completamente da esfera social, explode a violência urbana. Para
remediar, tratamento penal para a pobreza. Diante da banalização do
Direito Penal, maiores serão a ineficiência do aparelho repressor e a
própria demora judicial (em relação a todos os crimes, mas
especialmente os mais graves, que demandam maior dose de tempo,
diante de sua complexidade). Entulham-se as varas penais e evidencia-
se a letargia da Justiça Penal. Nada funciona. A violência continua e
sua percepção amplia-se, diante da impunidade que campeia. Que
fazer? Subministrar doses maiores de Direito Penal. E o ciclo se
repete18
.
17
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 169-179.
Nessas páginas, o autor expõe algumas dessas decisões. 18
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 186.
7
Em segundo lugar, torna-se imprescindível que se apresente as variáveis que
vem sendo invocadas pela jurisprudência como o critério para a aferição do que venha a
ser um prazo razoável para julgamento de um processo. Para tanto, recorre-se
novamente às palavras de Aury Lopes Jr.:
[...] A discussão evoluiu e, atualmente, trabalha com as seguintes
variáveis: a) complexidade do caso; b) a atividade processual do
interessado (que obviamente não poderá se beneficiar de sua própria
torpeza); c) a conduta das autoridades judiciárias (como um todo,
abrangendo polícia, MP, juiz). A eles, acrescente-se o princípio da
razoabilidade19
.
Após essas ressalvas, cabe analisar sucintamente as sanções para o
descumprimento do aludido preceito constitucional. Dessa forma, se uma pessoa é
submetida a um processo com dilações indevidas, que culminaram na violação do
direito à duração razoável do processo, poder-se-ia adotar, de acordo com o que foi
desenvolvido por Aury Lopes Jr.20
, as soluções a seguir expostas.
Na esfera cível, poder-se-ia buscar uma indenização por perdas e danos
contra o Estado21
, cujo valor atribuído pelo juiz como sendo justo haveria de ser, no
mínimo, duplicado, haja vista o indivíduo lesado ter que se submeter a um novo
processo (agora na esfera cível) para alcançar a indenização devida. Na esfera penal,
poder-se-ia aplicar a atenuação da pena ao final aplicada ao condenado22
, com base na
atenuante genérica do artigo 66 do Código Penal; defende o autor, ainda, a possibilidade
de concessão do perdão judicial, nos casos em que há previsão legal, pois o sofrimento
com a dilação excessiva do processo já atingiu o réu tão gravemente que a aplicação de
uma pena pode tornar-se desnecessária, além da possibilidade de detração, se o
indivíduo vier a ser preso cautelarmente. Na dimensão processual23
, preconiza que o
19
LOPES JR., Aury. A (de)mora jurisdicional e o direito de ser julgado em um prazo razoável no
processo penal, p. 4-5. 20
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 179-84. Nesse
trecho de sua obra, o mencionado autor dedica espaço para esboçar as referidas sanções de caráter
compensatório, sancionatório e processual. 21
Sobre a condenação do Estado Brasileiro nessa sanção, ver o seguinte julgado no Superior Tribunal de
Justiça: REsp 802435. 22
Já houve reconhecimento dessa medida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para tanto,
conferir o julgamento da apelação nº 70007100902. Relator: Luiz Gonzaga da Silva Moura, 17/12/2003. 23
O julgamento da Apelação 70019476498, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, elucida a
aplicação de outra sanção de natureza processual denominada resolução ficta, prevista no artigo 142 do
Código de Processo Penal Paraguaio.
8
ideal seria a decretação da extinção do processo em função da demora excessiva24
, mas
ainda haveria de se falar em arquivamento do feito, vedada a promoção de nova
denúncia pelo mesmo fato; a declaração de nulidade de todos os atos praticados após o
marco de duração devida do processo. Haveria, ainda, de se falar na punição pessoal
daquele que, negligentemente, procrastinou o processo, seja por meio de sanções
administrativas, civis e, até mesmo, penais.
Por fim, no entendimento do autor, pode-se afirmar que o direito de ser
julgado num tempo razoável, sem dilações indevidas, deve ser reconhecido não somente
aos acusados que se encontram presos cautelarmente, mas também aos soltos, que se
encontram numa situação de indefinição, aguardando o resultado do julgamento de seu
caso, pois o processo penal, por si só, já é uma pena. E este direito deve ser estendido,
inclusive, aos indivíduos que já foram condenados penalmente, o que é possível diante
da própria redação do dispositivo constitucional que faz alusão à expressão ―no âmbito
judicial e administrativo‖, posto que a demora na concessão dos direitos a que fazem jus
os condenados em execução de pena resulta tanto num ―passivo social‖ quanto num
―passivo financeiro‖. No primeiro caso, porque o tempo a que uma pessoa é submetida
ao cárcere é algo estigmatizante, seja para ela, seja para sua família, seja, até mesmo,
para a coletividade; no segundo caso, porque é sabido que a manutenção de um
presidiário no regime fechado acarreta enormes gastos de capital estatal25
.
Assim sendo, pode-se afirmar que a garantia da duração razoável do
processo precisa, urgentemente, ser efetivada em nosso ordenamento jurídico. Mas, para
que essa eficácia venha a ser atribuída ao artigo 5.º, inciso LXXVIII da Constituição
Federal, é preciso promover bem mais que as soluções apontadas nesse texto (até
porque elas se mostram quase que completamente ineficazes, no caso de o acusado vir a
ser absolvido, após um longo período de espera); é necessário, ainda, que se estabeleça
um ponto de equilíbrio entre a ―(de)mora jurisdicional e o atropelo das garantias
fundamentais‖26
. Não se pode cogitar a celeridade processual como um fim a ser
24
No julgamento do processo 2006.038.004747-1, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, reconheceu a
violação da norma insculpida no artigo 5º, inciso LXXVIII da CRFB e aplicou a referida sanção,
declarando a extinção do processo sem resolução do mérito, por ausência de interesse de agir por parte do
Estado. 25
Sobre o assunto consultar o seguinte artigo: SILVA, Marcos Rondon. A garantia da duração razoável
do processo no âmbito da execução penal: o regular gerenciamento do processo executivo como forma de
amenizar o passivo social causado pelo excesso na execução. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n.
195, p. 17, fev. 2009. 26
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 184-188. Nessa
obra, nas referidas páginas, o autor dedica um tópico para abordar esse tema.
9
alcançado e, na consecução desse fim, promover-se a violação de outras garantias
fundamentais do imputado. É primordial que se estabeleça o equilíbrio. Como assevera
Paulo Rangel: ―Prestação jurisdicional tardia, não é justiça, mas prestação jurisdicional
imediata, açodada, é risco à democracia. Deve, portanto, ser razoável, proporcional ao
caso concreto objeto de apreciação‖27
.
Portanto, pode-se concluir com as palavras de Aury Lopes Jr.:
Em suma, um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro é o
direito de ser julgado em um prazo razoável, num processo sem
dilações indevidas, mas também sem atropelos. Não estamos aqui
buscando soluções ou definições cartesianas em torno de tão
complexa temática, senão dando um primeiro e importante passo em
direção a solução de um grave problema, e isso passa pelo necessário
reconhecimento desse ―jovem direito fundamental‖28
.
3. A garantia fundamental ao silêncio e à não autoincriminação
A garantia fundamental à não autoincriminação, nemo tenetur se detegere29
ou
nemo tenetur se ipsum accusare30
, ou privilege against self-incrimination do Direito
anglo-americano, surgiu na Idade Média, mas somente a partir do século XVIII
começou realmente a ganhar força31
. Desse princípio pode-se extrair a ideia de que o
indivíduo, no curso da persecução, não está obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Tal premissa não encontra previsão expressa, nestes exatos termos, em nenhuma norma
interna. Contudo, é uma decorrência do artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal, que
dispõe: ―o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer
calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e do advogado‖; ou seja, tal
garantia encontra-se implícita na previsão do direito ao silêncio. Todavia, o Pacto de
São José da Costa Rica, documento internacional do qual o Brasil é signatário, em seu
artigo 8º, número 2, alínea ―g‖, garante expressamente que toda pessoa tem direito de
não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.
27
RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 45. 28
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 1, p. 188. 29
―Em vernáculo: ninguém pode ser obrigado a se descobrir, a se pôr a descoberto, a se desvendar, a se
pôr a nu (sinteticamente: ninguém tem que se acusar)‖ (FEITOZA, Denílson. Direito processual penal:
teoria, crítica e práxis. 6. ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 144). 30
―Em vernáculo: ninguém pode ser obrigado a acusar-se a si mesmo [...]‖ (FEITOZA, Denílson. Op. cit,
p. 144). 31
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
332.
10
O nemo tenetur se detegere visa a proteger a dignidade da pessoa humana, sua
integridade física e mental, sua capacidade de autodeterminação, o direito de não ser
obrigado a depor contra si32
. Da forma como o direito de não se autoincriminar foi
descrito em nossa Constituição no artigo 5º, LXIII, uma leitura apressada poderia
conduzir à conclusão de que tem como destinatário apenas a pessoa presa e se limita ao
direito de permanecer calado. Contudo, o entendimento da doutrina majoritária é o de
que qualquer pessoa a quem esteja sendo imputado ou em vias de ser imputado um
ilícito penal tem o seu direito preservado de não contribuir para a formação de sua
culpa, esteja ele preso ou não33
.
Como desdobramento deste princípio na legislação infraconstitucional, pode ser
mencionada a previsão constante do artigo 186, parágrafo único, do Código de Processo
Penal, com a redação conferida pela Lei 10.792/2003, ao vedar expressamente que o
silêncio possa ser valorado em desfavor do acusado. E, mais recentemente, com o
advento da Lei 11.689/2008, com a nova redação do art. 457 do Código de Processo
Penal, que prevê a possibilidade de realização de sessão do tribunal do júri
independentemente da presença do acusado devidamente intimado, facultando-lhe
analisar a conveniência de se fazer presente no julgamento34
.
Tal garantia é consagrada em diversos ordenamentos. Questões instigantes nesta
matéria envolvem as chamadas intervenções corporais, tais como coleta de sangue,
testes de DNA, fornecimento de padrões gráficos e testes de alcoolemia. Segundo
noticia Aury Lopes Jr., na Alemanha o § 81, ―a‖, do StPO (Código de Processo Penal
Alemão), ao tratar de intervenções corporais, prevê que a extração de sangue poderá ser
determinada pelo juiz ou pelo Ministério Público, em caso de urgência, sempre que tal
medida seja de importância para o processo, realizada de acordo com um meio em
conformidade com as regras do saber médico, e que não exista perigo para a saúde do
imputado35
. A garantia de não autoincriminação, na Alemanha, é relativizada, sendo
permitida até mesmo a coação direta para se levar a cabo a intervenção caso o afetado se
recuse a contribuir com a medida. Portugal disciplina de forma genérica o assunto,
prescrevendo seu Código de Processo Penal, nos artigos 171 e 172, ser possível a
realização de exames contra a vontade do indivíduo por decisão da autoridade judicial
32
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 336. 33
LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. 01, p. 206. 34
A respeito: RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 571 e s. 35
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 247. E ainda: GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 118-119.
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competente. Na Itália, os artigos 244 e 245 do Código de Processo Penal genericamente
dispõem que a intervenção corporal deve ser determinada por uma decisão judicial
motivada, podendo ser realizada por médico, assegurando-se ao imputado a faculdade
de ser assistido por uma pessoa de sua confiança, com respeito à sua dignidade e, na
medida do possível, ao seu pudor na inspeção. Na França e na Espanha, busca-se a
―colaboração‖ do imputado, sob a ameaça de ser processado pelo delito de
desobediência, em caso de recusa de submissão à intervenção corporal36
.
Deve-se ressaltar, todavia, que uma das diferenças dos citados países para o
Brasil é que neles existem normas expressas que dispõem sobre a relativização da
garantia da não autoincriminação no que toca às intervenções corporais. Não há uma
norma que discipline de maneira detida a matéria no direito brasileiro, regulando a
forma e os casos de admissão da intervenção corporal37
. Ademais, como adverte
Eugênio Pacelli, ―no Brasil, as intervenções corporais previstas em lei são pouquíssimas
e, não bastasse, nem sequer vêm sendo admitidas pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, sempre fundamentada no princípio constitucional da não
autoincriminação‖38
.
Para Aury Lopes Jr., sendo a recusa de contribuir para a produção probatória um
direito do imputado, ela não pode gerar uma presunção contra o mesmo39
, e nem mesmo
gerar sua responsabilização penal por desobediência40
. No entendimento de Eugênio
Pacelli de Oliveira, ―a única alternativa que se abre ao Estado, uma vez admitida a
validade de suas disposições interventivas na pessoa do acusado, é a valoração desta
recusa, por ocasião da formação do convencimento do juiz‖41
. Denílson Feitoza, embora
entenda que a recusa de produzir prova contra si mesmo não pode acarretar uma
presunção de culpabilidade, ressalta: ―não estamos convencidos de que o princípio em
tela tenha um caráter absoluto no direito brasileiro. O tema ainda está demandando
36
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 248. 37
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 247 e 249. 38
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 337. 39
―O direito à prova não vai ao ponto de conferir a uma das partes no processo prerrogativas sobre o
próprio corpo e a liberdade de escolha da outra [...] no âmbito criminal, diante da presunção de inocência,
não se pode constranger o acusado ao fornecimento dessas provas, nem de sua negativa inferir a
veracidade do fato‖ (GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Op. cit., p. 119). 40
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade
constitucional, p. 243-244. 41
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 341.
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estudos mais aprofundados, que, certamente, terão de enfrentar critérios como a
gravidade do fato delituoso e o princípio da proporcionalidade‖42
.
A questão é por demais complexa. Já dizia Beccaria, nos idos de 1764, que ―uma
contradição entre as leis e os sentimentos naturais do homem nasce dos juramentos que
se exigem do réu, para que seja um homem veraz, quando seu maior interesse é mentir;
como se o homem pudesse jurar, com sinceridade, contribuir para a própria destruição;
como se a religião não se calasse, na maioria dos homens, quando fala o interesse‖43
.
A garantia fundamental à não autoincriminação vem sendo muito invocada no
Brasil, sobretudo de uns tempos para cá, em situações envolvendo condutores de
veículo automotor diante das consequências da ingestão de bebidas alcoólicas com a
edição da chamada ―Lei Seca‖ (Lei 11.705/2008). Tal diploma alterou a redação do
artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que tipifica o crime de embriaguez ao
volante, tornando mais rígido o tratamento penal dispensado aos motoristas flagrados
excedendo o limite de álcool por litro de sangue. Todavia, para se aferir o teor de álcool
no sangue, é necessária a contribuição do indivíduo, por submissão ao exame do
etilômetro (bafômetro), ou realizando-se um exame de sangue. Percebe-se, pela redação
da lei, que se proíbe praticamente o consumo de álcool, questão que suscita
controvérsias e que gera polêmica, ao se considerar, dentre outros aspectos, que a
tolerância a determinada quantidade de álcool no organismo varia de pessoa para
pessoa44
.
Todavia, uma análise recente que incrementou ainda mais o debate sobre o tema
foi um parecer da Advocacia Geral da União, acerca da legalidade do uso do
etilômetro45
. Aludido parecer parte da premissa de que, embora o Pacto de São José da
Costa Rica expresse em seu artigo 8º o princípio da não autoincriminação, esse mesmo
diploma internacional, em seu artigo 32, imporia limitações ao exercício deste direito
em prol da segurança de todos, que está acima da proteção dos direitos dos indivíduos,
devendo-se ponderar os interesses em conflito, a fim de se estabelecer uma ordem de
prevalência entre os mesmos.
42
FEITOZA, Denílson. Op. cit, p. 145. 43
BECCARIA, apud OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Op. cit., p. 332. 44
Segundo Ronaldo Laranjeira, ―apesar de existirem pessoas mais tolerantes ao álcool, infelizmente, não
dá para fazer uma lei baseada no metabolismo individual de cada um, o importante a ser preservada é a
segurança coletiva‖ (LARANJEIRA, Ronaldo. O bafômetro e a ―lei seca‖. Boletim IBCCRIM, São Paulo,
ano 16, n. 189, p. 17, ago. 2008). 45
Aludido parecer pode ser acessado em: <http://s.conjur.com.br/dl/parecer-agu-etilometro.pdf>. Acesso
em: 14/09/2009.
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Assim sendo, como a Lei 11.705/2008 tem por pretensão a redução de acidentes
de trânsito causados por motoristas embriagados, ela objetiva garantir a integridade
física, a segurança e a vida de todos que utilizam o espaço público frente ao grupo
especial dos condutores, validando, assim, a utilização do etilômetro em casos de
suspeita de embriaguez. E, assim, reconhece aludido parecer a possibilidade de prisão
daquele que se recuse a submeter-se ao teste. Todavia, diante da controvérsia que
envolve a questão, segundo noticiado pelos veículos de comunicação, a Polícia
Rodoviária Federal decidiu contrariar o parecer, evitando a prisão do motorista46
.
4. O princípio da publicidade
O princípio da publicidade tem sua importância em trazer transparência e
legitimidade ao processo penal, permitindo aos cidadãos a fiscalização da justiça, de
forma a garantir um julgamento, na medida do possível, justo e sem arbitrariedades47
.
Tal princípio está intimamente ligado a outros, garantidos inclusive
constitucionalmente, como o devido processo legal, o contraditório, a verdade
processual e a imparcialidade do juiz. Sem publicidade, é difícil se aferir se todas estas,
entre outras garantias, estão sendo respeitadas.
Devido à sua relevância, o princípio da publicidade está resguardado, por mais
de uma vez, na Constituição brasileira. Preveem os artigos 5.º, LX e 93, IX, da
Constituição Federal, respectivamente:
Art. 5.º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem.
Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação.
46
COUTINHO, Felipe. Polícia Rodoviária ignora parecer da AGU. Disponível na internet em: