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A
DOSSI
* A autora agradece os comentrios de Soraya Maria Vargas Cortes
e Odaci Luiz Coradini a uma primeira verso destetrabalho. Esse
artigo, em verso em Ingls, integrar um livro editado por
Christopher Abel e Colin M. Lewis, cujos comen-trios a autora
agradece.
** Professora titular do Departamento de Sociologia, Instituto
de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal do RioGrande
do Sul, Brasil. [email protected].
1 De acordo com os dados dos censos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (IBGE), a taxa de fecundidade, no Brasil,que
era de cerca de seis filhos por mulher nos anos 50, nos anos
1970/75 era de 4,7, baixando para 2,7 no perodo 1990/95.Para as
reas rurais do pas, onde as taxas de fecundidade so geralmente
superiores s das reas urbanas, no perodo de 1980/85, o maior ndice
registrava-se no Norte, com uma taxa de 6,8 filhos, enquanto o
menor ndice ocorria no Sul, com 3,6. Entre1985 e 1990, as taxas
nessas regies eram de respectivamente 6,0 e 3,1 (Teixeira et al,
1994). No Rio Grande do Sul, de acordocom clculos feitos por
tcnicos do Ncleo de Sistematizao de Indicadores da Fundao de
Economia e Estatstica (FEE), doGoverno do Estado do Rio Grande do
Sul, baseados em diversos censos do IBGE, a taxa de fecundidade
rural, em 1970, era de5,62 filhos por mulher com idade entre 15 e
44 anos; de 3,78 em 1980; de 2,78 em 1990 e de 2,62 em 1995.
2 Deere e Len (2000, p.20), citando Valds e Gomriz (1995,
p.115), indicam que, na Amrica Latina, em 1950 a esperanamdia de
vida para a mulher era de 53,5 anos e em 1990 era de 71,4. Para o
homem o aumento foi menos pronunciado, de50,2 anos em 1950 para
66,2 anos em 1990, de maneira que a brecha de gnero a favor da
mulher se ampliou. Assim comoessas taxas variam entre os pases da
Amrica Latina, elas variam entre regies e Estados brasileiros,
sendo mais elevadas nasregies Sul e Sudeste quando comparadas com
as regies Norte e Nordeste (de acordo com os Indicadores
Demogrficos doIBGE, 2000, no Sul do Brasil, em 1990, a esperana de
vida ao nascer era de 72,71 anos para as mulheres e de 65,0 anos
paraos homens; no Nordeste, no mesmo ano, a expectativa de vida
para os homens era de respectivamente 67,74 e 60,84 anos).
Previdncia social rural e gneroPrevidncia social rural e
gnero**ANITANITA BRUMERA BRUMER**
Introduo
s transformaes do sistema de previdncia social brasilei-ro, nas
ltimas dcadas, ocorreram num contexto de rpi-das e importantes
mudanas, registradas tanto no prpriopas como em todo o mundo, na
economia, na poltica enos campos social e demogrfico. Como mostram
Olivei-
ra et alii (1997, p.1), entre os aspectos que tm implicaes
diretas para aprevidncia social no Brasil esto a rpida queda da
fecundidade1 e oaumento da expectativa de vida (que provocou um
acelerado envelheci-mento da estrutura da populao)2, afetando o
perodo de gozo (e recebi-mento de benefcios) da aposentadoria.
Paralelamente, as transformaesocorridas na economia mudaram as
formas de insero profissional (crian-do categorias novas e
ampliando o nmero dos prestadores de serviosautnomos, de empregados
informais e de desempregados) e alteraramos valores dos salrios e
dos servios, com efeitos sobre o volume de recei-tas e despesas da
previdncia social.
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As diferenas nos sistemas de previdncia social de diferentes
pasespodem ser explicadas por fatores tanto polticos como
financeiros. Devidoa esses fatores, o sistema previdencirio
brasileiro que enfatiza uma re-forma paramtrica no sistema
contributivo (pay-as-you-go), melhorandosua eficincia e eqidade -,
de acordo com Kay (2001), difere das refor-mas iniciadas em pases
tais como Chile (em 1981), Colmbia, Peru, Ar-gentina, Uruguai,
Mxico, Bolvia e El Salvador (nos anos 90). Esses pasesestiveram na
vanguarda da reforma da previdncia social global, ao intro-duzir
contas de investimentos individuais privados para complementar
ousubstituir os sistemas de tipo contributivo regidos pelo Estado
3.
O interesse deste trabalho pela previdncia social rural
justifica-sepor trs motivos principais: 1) a incluso dos
trabalhadores rurais - comdestaque para os trabalhadores familiares
- foi tardia em relao a outrascategorias de trabalhadores; 2) no
decorrer da histria da previdncia soci-al brasileira, houve
momentos em que a concesso de benefcios aos tra-balhadores rurais
resultou da ao estatal, ao passo que, em outros mo-mentos foi
evidente a mobilizao dos interessados visando a melhoria
debenefcios j concedidos e a conquista de novos benefcios; 3) como
aprevidncia social rural deficitria, uma vez que o valor total das
contri-buies inferior ao montante de benefcios, parece haver uma
certa dis-tribuio de rendas do setor urbano para o rural.
O modelo de previdncia social adotado no Brasil para o setor
urba-no, cujos trabalhadores de um modo geral tm empregos
assalariados for-mais e rendimentos regulares, no pode ser aplicado
ao setor rural, noqual os trabalhadores no contam com rendimentos
regulares (muitos vi-vem da produo para o autoconsumo, no auferindo
nenhum rendimen-to monetrio) nem se classificam de modo geral como
assalariados. Almdisso, dentro da dinmica de desenvolvimento
econmico do Pas, nasltimas dcadas, o setor rural subordinado ao
urbano, cabendo-lhe fi-
3 Kay (2001) justifica as diferenas entre as reformas
introduzidas no sistema de previdncia social no Brasil e as
iniciadas emoutros pases latino-americanos destacando, por um lado,
que as contas particulares foram amplamente rejeitadas tantopelos
partidrios como pelos opositores ao Presidente Cardoso quando ele
primeiramente discutiu o assunto em 1994, emcontraste com seus
vizinhos, onde a privatizao recebeu apoio poltico; por outro lado,
no lado financeiro, alguns formuladoresde polticas argumentaram que
uma reforma no estilo chileno que atenuaria o sistema contributivo
no seria financeiramen-te factvel no Brasil devido aos custos de
uma brusca transio (Kay, 2001, p.3).
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nanciar investimentos, com transferncia de recursos do setor
agrrio aoindustrial, o que faz com que deixe uma vasta extenso de
agricultoresfamiliares excludos (Schwarzer, 2000, p.74). Resulta
disso que a capaci-dade contributiva do setor rural para a
previdncia social muito baixa,tornando praticamente impossvel o
equilbrio entre contribuies e bene-fcios. De acordo com Schwarzer
(2000, p.74), como indicado pela expe-rincia internacional, h
necessidade das estruturas proverem financiamentoalternativo ou
complementar contribuio baseada na renda, de modo acriar uma
cobertura universal.
Apesar dessas dificuldades, nos ltimos 30 anos, uma srie de
leisavanaram no sentido da cobertura social dos trabalhadores
rurais, sejameles assalariados ou autnomos, aproximando-os, em
termos de direitossociais, dos trabalhadores urbanos. Esses avanos
foram to substanciaisque Schwarzer indica que
parece possvel afirmar que o subsistema rural da Previ-dncia
social brasileira , entre os casos conhecidos empases em
desenvolvimento, um programa social excep-cional quanto ao
significativo grau de cobertura, altapreciso do targeting (...) e,
como resultante do anterior,parece formar um programa que [tem] uma
efetividadeindita no combate pobreza no meio rural
brasileiro(Schwarzer, 2000, p.72).
Se a incluso dos trabalhadores rurais foi tardia em relao a
outras cate-gorias profissionais, a incluso das mulheres rurais
trabalhadoras ocorreu aindamais tarde, principalmente porque, para
poder receber os benefcios da previ-dncia social deviam, antes de
mais nada, ser reconhecidas como trabalhado-ras rurais. Esse
reconhecimento, por sua vez, era de difcil comprovao, ten-do em
vista que grande parte do trabalho feito por elas invisvel,
sendogeralmente declarado como ajuda s tarefas executadas pelos
homens e,com freqncia, restrito s atividades domsticas, mesmo que
essas incluamatividades vinculadas produo. Assim, no incio
consideradas como de-
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pendentes, seja dos pais ou dos maridos, passam paulatinamente a
seremvistas como autnomas, portadoras de direitos individuais, o
que lhes permi-te serem incorporadas como beneficirias da
previdncia social.
O objetivo central deste trabalho apresentar a evoluo do
sistemade previdncia social rural no Brasil, com destaque para os
avanos obtidospelas mulheres trabalhadoras rurais. Ao fazer isto,
torna-se importante exa-minar os antecedentes desses avanos, com
nfase principalmente em seucarter de doao (por parte do Estado) ou
de conquista (por parte dostrabalhadores). Pretende-se ainda
analisar os efeitos sociais da previdnciarural para seus
beneficirios, focalizando na regio Sul do pas, e considerarseus
rumos possveis na atual conjuntura da sociedade brasileira.
Evoluo da previdncia rural no Brasil
A previdncia social consiste num seguro social, constitudo por
um pro-grama de pagamentos, em dinheiro e/ou servios
feitos/prestados ao indiv-duo ou a seus dependentes, como compensao
parcial/total da perda decapacidade laborativa, geralmente mediante
um vnculo contributivo (Olivei-ra et alii, 1997, p.4). Juntamente
com as polticas e aes que visam ao aten-dimento sade da populao e
assistncia social dirigida aos necessitados,a previdncia social
integra o conjunto de polticas e aes que formam aseguridade social
de um determinado pas. O modo como isso feito depen-de da histria
institucional do pas e, em cada caso, da conjuntura e do jogo
deforas entre os diversos grupos de poder que compem a
sociedade.
A primeira lei referente ao seguro previdencirio, prevendo a
criaode Caixas de aposentadorias e penses nas empresas ferrovirias
existen-tes na poca, data de 1923 (Lei Eloy Chaves). A vinculao ao
sistema erainstitucional: cada empresa possua uma Caixa destinada a
amparar seusempregados na inatividade. Outra caracterstica era a
forma de adminis-trao, partilhada por empregadores e empregados e
sem a participaodo Estado.
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A partir da dcada de 1930, a vinculao previdncia social, com
acobertura de aposentadorias e penses, comeou a ser feita por
categoria profis-sional, vindo a envolver quase a totalidade dos
trabalhadores assalariados urba-nos e grande parte dos autnomos
(Oliveira et alii, 1997, p.7). A administraodos Institutos de
aposentadorias e penses, desde este perodo, passou a sercomandada
pelo Estado, que escolhe e nomeia seus presidentes, alm de defi-nir
o formato organizacional de todo o sistema de seguridade social, e
a decidiro valor das contribuies dos indivduos (montante a ser
poupado) e onde apli-car os recursos extrados da sociedade
(Oliveira et alii, 1997, p.1-12).
De acordo com Santos (1979, p.33), ao introduzir as primeiras
leisreferentes proteo social dos trabalhadores, a preocupao central
dogoverno estava no esforo de acumulao, procurando, por um lado,
conci-liar uma poltica de acumulao que no exacerbasse as iniqidades
sociaisa ponto de torn-las ameaadoras e, por outro, estabelecer uma
polticavoltada para o ideal da equidade que no comprometesse, e se
possvelajudasse, o esforo de acumulao. Como resultado, nas polticas
sociaisgovernamentais das dcadas de 30, 40 e 50 foram includos
quase todos ostrabalhadores urbanos e a maioria dos trabalhadores
autnomos, mas algu-mas categorias profissionais ficaram fora da
cobertura: entre estes estavamos trabalhadores rurais, as
empregadas domsticas e os profissionais autno-mos. A excluso dos
trabalhadores rurais devia-se ao conformismo rural, atmeados da
segunda metade da dcada de 50 4, e a das outras
categoriasprofissionais explicava-se pela dificuldade de organizao
das demandas deprofissionais caracterizados pela fragmentao e
disperso.
Na dcada de 1960, foram tomadas as primeiras iniciativas para
es-tender a cobertura previdenciria aos trabalhadores rurais. A
primeira des-sas iniciativas, o Estatuto do Trabalhador Rural, de 2
de maro de 1963,regulamentou os sindicatos rurais, instituiu a
obrigatoriedade do pagamentodo salrio mnimo aos trabalhadores
rurais5 e criou o Fundo de Assistncia
4 Devido, em grande parte, ausncia de movimentos sociais
organizados.
5 Price chama a ateno para o fato de que, com a aplicao do
Estatuto do Trabalhador Rural e graas aos esforos dasassociaes de
trabalhadores rurais, estendeu-se o pagamento do salrio mnimo aos
trabalhadores assalariados, o que tevepelo menos trs efeitos: 1)
desenvolvimento comercial em reas onde havia grande nmero de
trabalhadores rurais assala-riados (como em Pernambuco, por
exemplo), pois os trabalhadores aumentaram o consumo de produtos
que antes lheseram inacessveis; 2) dispensa de trabalhadores rurais
de muitas plantaes, pois havia proprietrios que
administravamineficientemente suas fazendas e no podiam enfrentar o
pagamento do salrio mnimo; 3) aumento do preo dos produtosagrcolas
e transformao de muitos estabelecimentos agrcolas em fazendas de
criao de gado, que requerem menor forade trabalho (Price, 1964,
p.71-4).
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e Previdncia do Trabalhador Rural - FAPTR, posteriormente, em
1969,denominado FUNRURAL)6. Na prtica, a cobertura previdenciria
aos tra-balhadores rurais no se concretizou, pois os recursos
(financeiros e admi-nistrativos) necessrios sua efetivao no foram
previstos na legislao.
Medidas relativas organizao dos trabalhadores rurais
foramadotadas em vrias leis, na dcada de 60, viabilizando
posteriormente aassociao entre os sindicatos de trabalhadores
rurais e a previdncia soci-al rural. Entre aquelas estavam a
Portaria 395, de 17 de julho de 1965, queestabelece o processo de
fundao, organizao e reconhecimento dossindicatos e o que significa,
para fins de sindicalizao, Empregador Rurale Trabalhador Rural; o
Decreto-lei 276, de 1967, que transfere para ocomprador a obrigao
de recolher a contribuio de 1% sobre os produ-tos rurais e
restringe o plano de benefcios, preconizado no Estatuto
doTrabalhador Rural, prestao de assistncia mdico-hospitalar aos
traba-lhadores rurais) e o Decreto-lei 789, de 27 de agosto de
1969, que redefine,para fins de sindicalizao, o significado de
Empregador Rural e Trabalha-dor Rural, introduzindo o mdulo rural
como elemento diferenciador, res-tringindo a existncia de um nico
sindicato, em cada municpio, pararepresentar a mesma categoria
profissional7. Essa legislao viabilizou aregulamentao dos
sindicatos rurais, dando impulso organizao sindi-cal de
trabalhadores rurais e de produtores/empregadores rurais no
pas.
Em 1966, os diferentes institutos encarregados da previdncia
socialforam unificados (com exceo do IPASE, o instituto que
prestava benefci-os e servios ao funcionalismo pblico federal),
criando-se o Instituto Na-cional de Previdncia Social (INPS). A
administrao do novo instituto pas-sou a ser feita pelos funcionrios
estatais, sendo excludos dos conselhosadministrativos os
representantes dos trabalhadores.
Em 1971, foi lanado o Programa de Assistncia Rural
(PRORURAL),ligado ao FUNRURAL, que previa benefcios de
aposentadoria e o aumentodos servios de sade at ento concedidos aos
trabalhadores rurais. Entre
6 Em 1969, quando a FAPTR passa a denominar-se FUNRURAL,
promove-se um novo programa em benefcio dos trabalha-dores rurais,
a assistncia odontolgica, por meio de convnios com os sindicatos
rurais da categoria patronal e de trabalha-dores, fornecendo ao
sindicato o gabinete odontolgico e lhe concedendo um subsdio
mensal, destinado manuteno epagamento do dentista (CNBB-CEP, 1976,
p.81).7 Ver Brumer, 1971.
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outras medidas, o PRORURAL previa a aposentadoria por velhice e
por invalidezpara trabalhadores rurais maiores de 70 anos de idade,
no valor de salriomnimo; penso, equivalente a 70% da aposentadoria,
e auxlio funeral, paradependentes do beneficirio; servios de sade,
incluindo assistncia mdico-cirrgico-hospitalar e tratamento
odontolgico; servio social em geral. Asmulheres s seriam
beneficiadas diretamente caso fossem chefes de famlia(algo muito
raro no Sul do Brasil) ou assalariadas rurais. A efetividade do
pro-grama estava garantida, uma vez que a legislao que o criou
tambm previua forma de obteno de recursos para sua implementao.
De acordo com Santos (1979, p.115), o PRORURAL distinguia-se
dosistema previdencirio urbano em pelo menos trs aspectos: 1) seu
finan-ciamento era feito atravs de um imposto sobre a comercializao
dosprodutos rurais e, em parte, por tributao incidente sobre as
empresasurbanas, em lugar de uma concepo contratual; 2) os
trabalhadores ruraisno faziam nenhuma contribuio direta para o
fundo; 3) no existia umaestratificao ocupacional entre os
trabalhadores rurais.
Durante a dcada de 70, a cobertura previdenciria foi
estendidaainda s categorias profissionais que haviam sido
marginalizadas nos pla-nos anteriores. Entre as medidas deste
perodo estavam: a incluso dosempregados domsticos (1972), a
regulamentao da inscrio de traba-lhadores autnomos em carter
compulsrio (1973), a instituio do am-paro previdencirio aos maiores
de 70 anos de idade e aos invlidos nosegurados (1974) e a extenso
dos benefcios de previdncia e assistnciasocial aos empregadores
rurais e seus dependentes (1976). Em sntese, aprevidncia passou a
abranger a totalidade das pessoas que exerciam ativi-dades
remuneradas no pas (Oliveira et alii, 1997, p.8), assim como
seusdependentes, embora tenham continuado sem cobertura os
trabalhadoresinformais, aqueles com trabalhos instveis, os
desempregados e os traba-lhadores em ocupaes no regulamentadas por
lei.
Wanderley Guilherme dos Santos (1979, p.75) utiliza a
expressocidadania regulada para sintetizar a poltica
econmico-social vigente noBrasil entre as dcadas de 30 e 80. Com
esta expresso, ele entende
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o conceito de cidadania cujas razes encontram-se, noem um cdigo
de valores polticos, mas em um sistema deestratificao ocupacional,
e que, ademais, tal sistema deestratificao ocupacional definido por
norma legal. Emoutras palavras, so cidados todos aqueles membros
dacomunidade que se encontram localizados em qualqueruma das
ocupaes reconhecidas e definidas em lei.
Como indica Coradini (1989, p.62-3), a principal caracterstica
das mu-danas poltico-institucionais ocorridas neste perodo a
unificao ou centra-lizao administrativa dos organismos pblicos ou
paraoficiais que atuam emassistncia social. Entre as novas medidas,
esto a criao do Ministrio dePrevidncia e Assistncia Social (MPAS),
em 1974, com o objetivo de centra-lizar as polticas previdencirias;
a criao do Sistema Nacional de PrevidnciaSocial (SINPAS) e do
Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS), em 1977,provocando
a extino do FUNRURAL e do IPASE (instituto de previdnciadirigido
aos funcionrios pblicos). O INPS foi redefinido, passando a deter
omonoplio da concesso dos benefcios pecunirios e reabilitao
profissio-nal, resguardando na nova regulamentao as respectivas
prerrogativas e privi-lgios das diferentes categorias de
contribuintes (Coradini, 1989, p.63).
A Constituio de 1988, complementada pelas Leis 8.212 (Plano
deCusteio) e 8.213 (Planos de Benefcios), de 1991, passou a prever
o acessouniversal de idosos e invlidos de ambos os sexos do setor
rural previ-dncia social, em regime especial, desde que comprovem a
situao deprodutor, parceiro, meeiro e o arrendatrio rurais, o
garimpeiro e o pesca-dor artesanal, bem como respectivos cnjuges
que exeram suas ativida-des em regime de economia familiar, sem
empregados permanentes (Cons-tituio Federal, 1988, art. 195, 8).
Neste sentido,
os riscos cobertos pela previdncia, bem como os valoresmnimos e
mximos dos benefcios concedidos, passama ser iguais para todos os
contribuintes do sistema, desa-parecendo assim as desigualdades
decorrentes do planoanterior, que discriminava a populao urbana da
rural(Oliveira et alii, 1997, p.10).
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De acordo com as modificaes introduzidas, as mulheres
traba-lhadoras rurais passaram a ter direito aposentadoria por
idade, a partirdos 55 anos, independentemente de o cnjuge j ser
beneficirio ouno, ou receberem penso por falecimento do cnjuge. Os
homens tam-bm tiveram uma extenso de benefcios, com a reduo da
idade, paraconcesso de aposentadoria por velhice, de 65 anos para
60 anos, epassaram a ter direito penso em caso de morte da esposa
segurada.Outra modificao de impacto sobre a populao rural,
implementada apartir de janeiro de 1996, foi a criao do amparo
assistencial, no valorde um salrio mnimo, a idosos com 67 anos ou
mais e pessoas portado-ras de deficincia fsica, sem necessidade de
contribuio prvia (Delga-do e Schwarzer, 2000, p.197-8).
A legislao de 1988 continua o processo iniciado com a criao
doPRORURAL, em 1971, de adoo da noo de cidadania em termos am-plos
(contrapondo-se idia de cidadania regulada, expresso propostapor
Santos, 1979), atravs da qual todos tm direitos,
independentementede contribuio. Neste sentido, pode-se falar em
seguridade social e noapenas em previdncia social.
Em maro de 1990, o Ministrio da Previdncia e Assistncia
Social(MPAS) foi extinto e suas funes divididas entre o Ministrio
da Assistn-cia Social e Sade e o Ministrio do Trabalho e Previdncia
Social (MTPS).O MTPS inclua, como um rgo auxiliar, o Instituto
Nacional de SeguridadeSocial (INSS), que tomou o lugar do INPS e do
IAPAS. Em novembro de1992, foi feita uma nova reforma
administrativa, dividindo o MTPS emdois, o Ministrio do Trabalho e
o Ministrio da Previdncia Social. Esteltimo incorporou o INSS.
A legislao aprovada em 1988, alm da aposentadoria, previa a
con-cesso do salrio-maternidade s mulheres trabalhadoras rurais,
mas esteitem foi vetado pelo Presidente Collor por ocasio da
regulamentao da
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legislao previdenciria em 1990. Posteriormente, graas s
pressesexercidas pelos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais
junto aosparlamentares, seu direito ao salrio-maternidade foi
aprovado em agostode 1993 e regulamentado um ano depois. Atravs
deste benefcio, quan-do tm um filho(a), as mulheres trabalhadoras
rurais passam a receber umbenefcio equivalente a um salrio-mnimo
mensal, durante quatro meses(120 dias), benefcio que, na Constituio
de 1988, foi estendido de trspara quatro meses para as
trabalhadoras urbanas.
Quando comparada com o sistema previdencirio urbano, a
previdn-cia rural mantm algumas especificidades. Em primeiro lugar,
em vez dacontribuio sobre os salrios ou rendas recebidos, vlida
para os contribu-intes do setor urbano, a forma de contribuio do
trabalhador rural que jera praticada anteriormente foi mantida,
consistindo numa percentagem sobreo valor da produo comercializada
(2,2%), e seu recolhimento fica sob aresponsabilidade do comprador.
Em segundo lugar, a idade-limite da apo-sentadoria para os
trabalhadores rurais baixou, passando de 65 a 60 anospara os homens
e definida em 55 anos para as mulheres, ao passo que foifixada em
respectivamente 65 e 60 anos para os trabalhadores urbanos.
Emterceiro lugar, diferentemente do setor urbano, os trabalhadores
rurais aut-nomos no necessitam garantir um perodo mnimo de
contribuio8, bas-tando comprovar tempo de atividade semelhante dos
trabalhadores urba-nos, o que pode ser feito por documentao
comprobatria do uso da terra(ttulo de propriedade, contrato de
parceria ou arrendamento, etc.), notasde venda da produo rural
(blocos de notas do produtor rural) ou declara-o expedida pelo
sindicato rural e homologada pelo INSS. Outro aspectoque beneficiou
os trabalhadores rurais, neste caso aproximando-os dos
tra-balhadores urbanos, foi o valor mnimo do benefcio,
anteriormente de salrio mnimo, e que passou a ser de um salrio
mnimo, em muitos casos
8 Como indicamos anteriormente (Brumer, 2000), antes da
promulgao da Constituio de 1988 e de sua regulamentaopela Lei de
Custeio da Previdncia n. 8.212, de 1991, pela Lei 8.213, do mesmo
ano, e por outras leis que se seguiram ato final de 1992, a maioria
das mulheres rurais nunca tinha contribudo diretamente para o
sistema previdencirio nacional.De acordo com Delgado (1997), o
pblico beneficirio da previdncia rural caracteriza-se
majoritariamente como setorinformal, ou seja, so trabalhadores sem
contrato formal de trabalho e no so contribuintes regulares do
sistema.
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duplicando ou at mesmo triplicando (no caso do acmulo de
aposentado-ria com penso por falecimento de cnjuge) o valor dos
benefcios recebidosantes de 1988 (Schwarzer, 2000, p.77).
Tabela 1. Distribuio de benefcios da previdncia rural no Brasil,
entre 1991 e 1998
Fonte: Anurio Estatstico da Previdncia Social 1991 a 1998 (Apud
Delgado eCardoso Jr., 2000, p.3)
Na tabela 1, pode-se verificar o impacto da reforma
previdenciriarural na dcada de 90. Em primeiro lugar, constata-se
que, entre 1991 e1998, praticamente dobrou o nmero de beneficirios
por idade da previ-dncia rural, com os principais incrementos sendo
verificados entre 1991e 1992 e entre 1992 e 1993, quando a nova
legislao comeou a seraplicada, e era bastante significativo o nmero
de potenciais beneficiriosque esperavam a implementao da lei9. No
final da dcada de 90, a
AnosValor dos benefciosmensais pagos (em
US$ Mil)
Nmero totalde benefcios
(mantidos)
Nmero debenefcios por
idade
Valor unitrio dosbenefcios rurais (em
US$)
1991 180,0 4.080,4 2.240,5 44,1
1992 234,4 4.976,9 2.912,8 47,1
1993 403,8 6.001,0 3.855,9 67,3
1994 526,8 6.359,2 4.176,2 82,8
1995 637,8 6.332,2 4.126,8 100,7
1996 705,2 6.474,4 4.102,2 108,9
1997 725,3 6.672,3 4.140,2 108,7
1998 749,8 6.913,1 4.305,3 108,5
9 De acordo com Bonato (1996), apud Silva (2000, p.109), em
1993, cerca de 55% das mulheres tinham mais de 60 anosde idade
quando tiveram acesso ao benefcio da aposentadoria por idade; em
1994, 48% das trabalhadoras rurais tinhammais de 60 anos quando se
aposentaram.
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61SOCIOLOGIAS
comparao entre a populao de idosos do Pas e a populao de
apo-sentados por idade revelou uma taxa de cobertura
bastanteelevada10 (Delgado, 1997; Delgado e Cardoso Jr., 2000,
p.21). Em segun-do lugar, no caso do nmero total de benefcios, que
inclui as aposentado-rias por idade e invalidez, bem como as penses
pelo falecimento do cn-juge, o incremento maior deu-se entre 1991 e
1992. Em terceiro lugar, ovalor unitrio dos benefcios tambm
aumentou consideravelmente, pas-sando de US$ 44,1 em 1991 para US$
108,5 em 1998, embora atualmen-te ele provavelmente se situe em
torno de US$ 80,00, devido desvalori-zao da moeda brasileira
ocorrida no incio de 1999. Finalmente, no quediz respeito aos
gastos globais com os benefcios da previdncia rural, hou-ve um
aumento importante, superior a quatro vezes o valor gasto em
1991,chegando a US$ 750 milhes mensais e a aproximadamente US$ 10
bi-lhes anuais em 1998.
Apesar dos avanos adquiridos pelos trabalhadores rurais no
sistemade previdncia social no Brasil, a distribuio dos benefcios,
comparativa-mente a outros grupos de indivduos, bastante desigual:
em agosto de2001, a mdia de benefcios do trabalhador urbano era de
US$148, en-quanto a mdia de benefcios do trabalhador rural era de
US$73; no mes-mo perodo, a mdia dos benefcios dos funcionrios
pblicos era deUS$768 para os funcionrios civis, US$ 1.158 para os
militares, US$ 2.082para os funcionrios do Legislativo e US$ 2.547
para os funcionrios doLegislativo (Matijascic, 2001).
Adicionalmente, como indicam Oliveira etalii (1997, p.34), a
desigualdade na distribuio dos benefcios da previ-dncia social
tambm evidenciada pelo fato de que os pobres subsidiamos ricos: os
pobres geralmente comeam a trabalhar muito jovens e ospoucos que
conseguem aposentar-se por tempo de servio (em contraste
10 Na pesquisa realizada em 1998, verificou-se que a taxa de
excluso de idosos de 7,1%, sendo quase trs vezes maiorentre as
mulheres, quando comparadas com os homens. A taxa geral de excluso
entre os invlidos, no entanto, chega a42,5%, na qual tambm se
repete uma incidncia maior de mulheres excludas do que homens
(Delgado e Cardoso Jr.,2000, p.24). Entre as dificuldades apontadas
pelas pessoas potencialmente aptas, mas excludas da previdncia
rural estoas relativas comprovao documental da idade, invalidez e
exerccio da atividade rural na fase adulta (Delgado e CardosoJr.,
2000, p.25).
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62 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n 7, jan/jun 2002, p.
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com a aposentadoria por idade) esto entre os que tm expectativas
devida mais baixas. O critrio de considerar o valor mdio das
contribuiesnum determinado perodo tambm discrimina os pobres, tendo
em vistaque eles raramente apresentam melhorias em seus salrios
durante suavida ativa, enquanto os que recebem salrios mdios e
altos geralmenteapresentam progressos durante sua vida ativa e tm
suas aposentadoriascalculadas com base nos melhores anos de
remunerao.
Quando se considera a distribuio de renda no Brasil, a situaono
melhor. Hoffmann (2001) indica que, de acordo com a
PesquisaNacional por Amostra de Domiclios (PNAD) de 1998, nas reas
rurais,10% dos mais ricos detm 47,2% da renda total. O fato que
existampoucos com muito e muitos com muito pouco (Hoffmann, 2001)
podeajudar a explicar o paradoxo de que o aumento no nmero de
beneficiriosda previdncia social capaz de reduzir a pobreza rural,
mas - especial-mente porque os benefcios so muito baixos - tem
provavelmente umimpacto pequeno na distribuio de renda da populao
brasileira11.
O papel do Estado e da sociedade civil na evoluo daprevidncia
social rural
No Brasil, o sistema de seguridade social experimentou
considervelevoluo, desde sua fase embrionria at nossos dias, ora
como fruto deconquistas polticas no contexto democrtico, ora como
fruto da aopaternalista e autoritria do Estado (Oliveira et alii,
1997, p.6).
Alguns analistas tentaram explicar por que a extenso dos
benefciosda previdncia social aos trabalhadores rurais foi to
tardia em relao aostrabalhadores urbanos e porque isso ocorreu
principalmente durante o
11 Hoffmann (2001b) explica os limites da desigualdade de renda
afirmando que claro que um pequeno aumento narenda de uma pessoa
pobre diminui a desigualdade da distribuio da renda, e um aumento
na renda de um rico faz comque essa desigualdade aumente. Fixado o
valor desse pequeno aumento na renda de uma pessoa, seu efeito
sobre adesigualdade uma funo crescente do valor prvio dessa renda.
Iniciando com uma pessoa pobre e considerando,alternativamente,
rendas cada vez maiores, h um ponto em que o efeito sobre a
desigualdade muda de sinal, passando denegativo a positivo. Em
resumo, se a renda dos pobres aumenta, mas a renda dos ricos
aumenta tambm, a distribuio derenda pode no ser alterada ou
aumentar a desigualdade entre ricos e pobres.
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regime militar, autoritrio e conservador (Malloy, 1976; Malloy e
Parodi,1993; Schwarzer, 2000). Sintetizando os argumentos,
Schwarzer (2000, p.74)indica que o atraso na extenso dos benefcios
aos trabalhadores rurais podeser explicado pelo baixo poder de
vocalizao poltica de seus prprios inte-resses, apesar de a populao
rural constituir a maioria da populao brasi-leira at pelo menos os
anos 70. Por outro lado, Schwarzer (2000, p.75),apoiando-se em
estudos anteriores (Malloy e Parodi, 1993), formaliza a
jus-tificativa para a atuao do regime militar com base em cinco
argumentos:1) a tecnocracia previdenciria identificava-se com o
mainstream da poca,orientado por princpios da OIT, que propunha a
universalizao da cober-tura; 2) procurava-se evitar as tenses
sociais, tendo em vista a poltica demodernizao que caracterizou os
anos 50 e 60, envolvendo um alto graude excluso social, devido
expanso da grande produo; 3) havia interes-se na cooptao dos
sindicatos rurais; 4) tentava-se evitar a intensificao damigrao
rural-urbana; 5) graas doutrina de segurana nacional,
visava-seintegrar o setor rural ao projeto de desenvolvimento
nacional, mantendo apaz social, com a criao de justia social.
Embora os argumentos justificativos da atuao do regime militar
naquesto da previdncia rural sejam convincentes, preciso considerar
tam-bm outros aspectos. Em primeiro lugar, a extenso de benefcios
aos tra-balhadores rurais no ocorreu apenas durante o regime
militar, pois a cri-ao do Fundo de Assistncia e Previdncia ao
Trabalhador Rural data de1963, durante o governo populista de Joo
Goulart, sendo, portanto, ante-rior ao golpe militar de 31 de maro
de 1964; do mesmo modo, a con-quista de benefcios, na legislao de
198812, ocorreu aps o trmino doregime militar. Neste sentido, sem
ser exclusiva do perodo da ditaduramilitar, mas importante neste, a
legislao social um instrumento atravsdo qual o Estado tenta
eliminar o confronto direto entre o capital e o traba-
12 No final da dcada de 80 e incio da de 90, vrios pases da
Amrica Latina tambm aprovaram leis que beneficiaram asmulheres
rurais, como resultado da concomitncia de dois fatores: de um lado
o amadurecimento dos movimentos demulheres e, de outro, a implantao
de governos neoliberais. Ver, por exemplo, os avanos obtidos pelas
mulheres emdireo propriedade da terra, em vrios pases da Amrica
Latina, em Deere e Len (2000).
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Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n 7, jan/jun 2002, p.
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lho, atravs da centralizao das decises referentes
modernizaotecnolgica e ao domnio do capital em todos os setores
produtivos (Brumer,1985, p.216). Em segundo lugar, a partir de
meados da dcada de 50, noperodo que antecedeu ao golpe militar, a
agitao social no campo brasi-leiro foi intensa, centrada
principalmente na luta pela terra, salientando-sea organizao das
Ligas Camponesas, no Nordeste, e a ocorrncia de di-versos conflitos
pela posse da terra. Como resultado, parece existir umacerta relao
entre lutas sociais e concesso de benefcios, embora a an-lise feita
por Rogrigues (1968) indique que os reflexos do movimento sin-dical
sobre a evoluo legislativa do trabalho no foram imediatos,
nemficaram isentos das influncias extra-legais decorrentes dos
acontecimen-tos poltico-sociais (Rodrigues, 1968, p.4-5). Em
decorrncia, como indicaHoutzager (1998), as elites governantes
precisavam encarar a questo decomo modernizar um setor arcaico
amplamente percebido como fator deimpecilho ao desenvolvimento e
que representava um potencial parasurgimento do radicalismo agrrio.
Durante o regime militar, a ao sindi-cal e a luta pela terra foram
rigorosamente reprimidas, o que pode sugerirque a aprovao do
PRORURAL em 1971 tenha sido mais uma concessopor parte do Estado do
que uma conquista dos trabalhadores, chamando aateno, como fizeram
Malloy, Parodi (1993) e Schwarzer (2000), para ospossveis
interesses dos militares que comandavam o pas13. Os argumen-tos
desses pesquisadores se consolidam com o reconhecimento de que
aquesto da previdncia social era secundria no meio rural, naquele
per-odo. Por outro lado, preciso considerar que, at a dcada de 60,
emboraa sindicalizao rural no fosse expressamente proibida, e
apesar de in-centivada por lderes dos movimentos sociais (como
Julio, 1962), pratica-mente no ocorria por falta de regulamentao
especial14, o que dificulta-
13 preciso reconhecer que, em alguns aspectos, a legislao
promulgada durante o regime militar fez retroceder naquesto de
benefcios j concedidos aos trabalhadores rurais, tal como a previso
de 3% da renda tributria da Unio, aserem destinados reforma agrria,
previstos no artigo 28 do Estatuto da Terra, de 30 de novembro de
1964 (cuja prepara-o anterior ao golpe militar, mas cuja discusso e
aprovao foram feitas pelo Congresso durante a fase inicial do
regimemilitar, mais favorvel aos interesses dos trabalhadores),
suprimidos na legislao de fevereiro de 1968.14 Julio, lder das
Ligas Camponesas formadas no perodo 1960-4, dizia que o sindicato
rural o guia que mostra aosassalariados rurais o caminho da
liberdade, indicando que o fraco sucesso organizacional da classe
trabalhadora deve-se a:1) a dificuldade de aplicao das normas
legais referentes aos assalariados rurais pela inexistncia de
Cmaras de Concilia-o em muitos distritos judicirios do interior; 2)
pela falta de recursos financeiros para a luta, devido aos baixos
salriosrecebidos pelos trabalhadores; 3) pela instabilidade do
trabalho assalariado, devido ao excesso da oferta de trabalho e
aocarter peridico da produo (Julio, 1962, p.50-8; p.69-80).
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65SOCIOLOGIAS
va a organizao dos trabalhadores e a manifestao de seus
interesses declasse. Alm disso, as leis que se seguiram (Estatuto
do Trabalhador Rural eEstatuto da Terra) so em grande parte
originrias das antigas reivindica-es do perodo populista (Coradini
e Belato, 1981, p.162) ou, como diz oassessor da Confederao
Nacional de Trabalhadores na Agricultura -CONTAG (Gorenstein, 1981,
p.237), essas conquistas no foram frutodas ddivas do Governo da
poca, mas foram fruto de lutas, das mobiliza-es freqentes dos
trabalhadores em vrios estados do Pas.
O lanamento do PRORURAL (1971) deixou claro que a distribuioda
terra seria um segundo passo, uma etapa posterior a toda
regulamenta-o de assistncia ao trabalhador (parte do discurso do
Presidente Mdici,por ocasio do lanamento do PRORURAL, in CNBB-CEP,
1976, p.102).
Examinando os avanos da previdncia social no estado do Rio
Grandedo Sul, Coradini (1989, p.329-30) mostra que a reivindicao da
extenso dosbenefcios da previdncia social aos assalariados rurais e
trabalhadores aut-nomos j estava presente no 1 Congresso de
Trabalhadores Rurais, realizadopela antiga Frente Agrria Gacha
(FAG), em 1962. A mesma reivindicao,com pequenas diferenas em nfase
e em questes especficas, esteve pre-sente em todos os encontros e
congressos de trabalhadores rurais que se segui-ram. Devido, por um
lado, situao poltica geral, que fixava os limites tantoda atuao
quanto do discurso sindical, e, por outro lado, influncia da
alaconservadora da Igreja Catlica sobre o sindicalismo rural
(Coradini, 1989,p.331), durante toda a dcada de 60 e at meados da
dcada de 70, asdemandas dos trabalhadores rurais tinham um tom de
reivindicao, no sen-tido de pedido ao governo (e no no sentido de
direitos).
Na maior parte da documentao [a questo da previ-dncia social]
aparece como um problema administrati-vo, no sentido de informaes e
gesto da apropriaodos benefcios atravs dos sindicatos pelos
segurados,bem como exigncias por parte dos sindicatos quanto
scondies dos associados usufrurem dos mesmos(Coradini, 1989,
p.330).
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Mais adiante, em meados da dcada de 70, a forma de exposio
dasreivindicaes e o prprio tom se modifica e j aparecem exigncias
quan-to ao comportamento que os demais agentes sociais envolvidos
deveria adotar(Coradini, 1989, p.331-2). Finalmente, no Rio Grande
do Sul, a questo dasade e previdncia social rural, enquanto lutas e
manifestaes pblicasmais generalizadas, passou a ser um tema por
volta de 1976, intensificando-se particularmente a partir de
1979/80 (Coradini, 1989, p.334).
Com o lanamento do PRORURAL, em 1971, e sua
posteriorimplementao, ficou evidente o interesse do Estado em
cooptar os sindicatosde trabalhadores rurais, atravs de convnios
estabelecidos com eles para aadministrao da assistncia mdica, com
vistas legitimao de uma deter-minada estrutura social estratificada
e contraditria (Coradini, 1996, p.185).Como resultado, esses
sindicatos transformaram-se em agncias de prestaode servio antes de
entidades representativas de interesses de classe (Delgadoe
Schwarzer, 2000, p.190; Schmitt, 1996) e se tornaram dependentes
dosorganismos governamentais (Coradini,1989, p.59). Ao mesmo tempo,
o inte-resse dos sindicatos em torno da assistncia aos
trabalhadores rurais tinha difi-culdade de legitimar-se no discurso
sindical que se pretendia mais classista(Coradini, 1996, p.184),
contribuindo para o estabelecimento de divises narepresentao
sindical, como evidenciado pelo surgimento de sindicatos
detrabalhadores rurais de oposio aos sindicatos vinculados s
federaes esta-duais de trabalhadores rurais, embora mesmo esses
sindicatos se encontremfortemente referenciados ao modelo de
prestao de servios (Schmitt, 1996);e do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), de orientaoleninista, que adentrou o vcuo
poltico aberto pela reduzida nfase da CUTna organizao dos
produtores sem terra (Fox, 1996, p.21).
Desde o final da dcada de 70, quando comea a abertura polticado
governo militar, foi intensa a mobilizao dos trabalhadores rurais
comvistas ao atendimento sade e ao acesso a ou ampliao dos
benefciosda previdncia social. Inicialmente, a preocupao das
organizaes sindi-cais centrava-se na aplicao da legislao no tocante
gratuidade da pres-
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67SOCIOLOGIAS
tao de servios mdico-hospitalares - pela inexistncia de centros
pbli-cos de sade na maioria dos municpios do interior e pela
tentativa de osmdicos atenderem gratuitamente apenas os pacientes
considerados comoindigentes (Coradini, 1996, p.180) - e no aumento
do valor da aposenta-doria rural (considerada uma humilhao para os
trabalhadores rurais),trazendo, como bandeira de luta, o slogan no
somos meio homem parareceber meio salrio mnimo (Coradini, 1989,
p.280). J no incio da dca-da de 80, a incluso na pauta das
reivindicaes da extenso da aposenta-doria s mulheres trabalhadoras
rurais e a mobilizao das prprias mulhe-res foram vistas como uma
estratgia poltica (Brumer, 1990; 1993). Essamobilizao, que incluiu
encontros com milhares de participantes e cara-vanas a Braslia,
para pressionar os parlamentares que deveriam discutir eaprovar a
nova legislao, foi intensa e constituiu um fator importante
naaprovao das leis includas na Constituio de 1988 (Brumer,
1993;Stephen, 1996, 1997; Teixeira et alii, 1994).
Nas origens da mobilizao das mulheres trabalhadoras rurais est
omovimento de mulheres, que comeou a desenvolver-se no pas no
finalda dcada de 70, primeiramente como um movimento nacional de
lutapara o retorno da democracia no pas e, em segundo lugar, como
ummovimento de luta pelos direitos das mulheres e pela eliminao de
suadiscriminao. Como indica Barsted (1994, p.40), entre suas
conquistasaps o retorno da democracia est a criao do Conselho
Nacional dosDireitos da Mulher (CNDM) em 1985, durante o governo do
presidenteSarney que teve um papel muito importante nos debates que
antecede-ram a reforma constitucional de 1988, devido sua abordagem
progressis-ta da questo de gnero. Tambm foi importante a mobilizao
das prpri-as mulheres trabalhadoras rurais, principalmente no Sul
do pas, a partir doincio da dcada de 80, com o objetivo primeiro de
obteno de direitosreferentes previdncia social, tais como
aposentadoria e salrio-materni-dade, mas, medida que o movimento
avanava, esses direitos subordi-navam-se ao reconhecimento de sua
condio profissional de trabalhado-ras rurais.
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O enquadramento das mulheres como beneficirias da
previdnciasocial rural era dificultado pela
incompatibilizao da organizao do trabalho familiarrelativamente
ao enquadramento individual da regula-mentao. Todo o raciocnio e
argumentao, tanto daslideranas como dos trabalhadores rurais, seja
homemou mulher, pautado no carter familiar einterdependente do
trabalho, ao passo que a legislaoenquadra o indivduo trabalhador,
chefe da famlia, etc.e seus dependentes (Coradini, 1989,
p.280).
A partir do Governo Collor (1990), o pas adota claramente uma
pers-pectiva neoliberal, que se traduz, no que diz respeito
previdncia social,na viso dos direitos sociais cada vez mais como
problema e menos comoobrigao; chegam a ser apresentados como ameaa
democracia, comoobstculo ao saneamento das finanas pblicas, agentes
do processo infla-cionrio, pura expresso de interesses corporativos
(Nogueira, 2000). Asconquistas sociais da legislao de 1988 passam a
ser responsabilizadas pe-los excessos que estariam a turvar a
racionalidade do Estado e a prolongarinjustias (Nogueira, 2000). No
que se refere previdncia rural, so fre-qentes as notcias divulgadas
na imprensa sobre seu carter deficitrio.
O perodo 1995-1996 pode ser chamado de represamento de
be-nefcios da previdncia rural, pois, devido a alteraes nos
procedimentosat ento praticados pelo INSS, com vistas a conter
fraudes que se verifica-vam nas concesses15, ocorreu um
significativo incremento no nmero desolicitaes de aposentadorias
indeferidas. Como indica Silva (2000, p.110),at esta data, o
principal documento utilizado para o(a) trabalhador(a) ru-ral
requerer a aposentadoria era a declarao do sindicato, que era a
se-guir homologada pela Promotoria Pblica do Municpio atravs de
um
15 Algumas fontes de fraudes so: 1) vendas de produtos agrcolas
sem nota, implicando a reduo do montante decontribuio dos
produtores; 2) incluso, nas notas de venda, de membros da famlia
que no exercem atividades produti-vas na unidade de produo
familiar; 3) falsificao de documentos comprobatrios de atividade
rural; 4) escamoteamentode atividades no-rurais remuneradas.
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procedimento bastante simples. As novas exigncias do INSS
passaram aincluir a apresentao de documentos comprobatrios para
atestar os anostrabalhados, entre os quais estavam o Cadastro de
Propriedade do Imvelno INCRA, o Contrato de Arrendamento e o Bloco
de Notas de venda daproduo, os quais raramente so emitidos em nome
das mulheres cnju-ges. Silva (2000, p.111) relata que, em meados de
1996, aps uma sriede presses sindicais e negociaes com o INSS/MPAS,
as trabalhadoraspuderam novamente requerer a aposentadoria com a
apresentao dedocumentos em nome do companheiro, desde que
comprovassem o vn-culo familiar. Elas tambm podiam comprovar a
atividade no perodo emque eram solteiras, atravs da documentao em
nome do pai, mas com anova reforma da previdncia rural ocorrida em
dezembro de 1998, tor-nou-se necessrio comprovar sua afiliao ao
sindicato, de forma inde-pendente, durante pelo menos nove anos,
perodo que aumentado acada ano. Alm disso, a nova lei extinguiu a
possibilidade de somar otempo de trabalho urbano, com carteira de
trabalho assinada, com o tem-po de trabalho rural, para fins de
aposentadoria rural. Com esta medida, ogoverno pretende manter sob
controle o crescimento das despesas com aprevidncia rural, tendo em
vista que a populao rural brasileira foi signi-ficativamente
diminuda, tanto em termos relativos como em termos abso-lutos16, em
grande parte como conseqncia das migraes ocorridas nopas nas ltimas
quatro dcadas.
Ressalte-se que, desde meados dos anos 80, os sindicatos de
traba-lhadores rurais no Rio Grande do Sul que assumiram a defesa
dos direi-tos relativos previdncia social como uma de suas metas
centrais - tmorientado seus associados no sentido de registrar
notas de venda da produ-o tanto no nome do homem como no nome da
mulher, assim como node seus filhos, o que passvel de aceitao,
pelos homens, principalmen-te pelo fato de no resultar em despesas
adicionais (Brumer, 2000).
16 De fato, a populao rural brasileira era constituda por 35,5
milhes de pessoas em 1960, representando 54,9% dapopulao brasileira
total, enquanto que, em 1998, a populao rural totalizava 35,2
milhes de pessoas, representando21,7% da populao total (IBGE, 1998,
2000).
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Alguns resultados da implantao da previdncia social ruralno Sul
do Brasil
Uma das caractersticas principais da agricultura da regio Sul
doBrasil ser constituda fundamentalmente por pequenas unidades
familia-res de produo, independentes das grandes exploraes
agropecurias(neste sentido, diferindo fundamentalmente da situao da
agricultura emoutras regies do pas). Essas unidades produtivas esto
inseridas no mer-cado, tanto nacional como internacional, e sofrem
os efeitos das polticasdirigidas ao setor. Ao mesmo tempo, como so
fundadas no trabalho fami-liar, enfrentam as crises econmicas de
forma distinta das grandes empre-sas do setor e, como esto
inseridas no mercado, sua dinmica difere dasunidades familiares
baseadas principalmente na auto-subsistncia, predo-minantes na
regio Nordeste17.
Nas duas ltimas dcadas, a agricultura brasileira enfrentou
muitasmudanas. Durante a primeira metade da dcada de 80, a poltica
agrcolacaracterizou-se pela falta de crdito e pela retirada dos
subsdios agrcolas,com efeitos principalmente sobre os mdios e
grandes produtores e sobreos cultivos destinados exportao. Os
produtores menos afetados foramos que produziam cultivos para o
mercado interno, devido existncia deuma poltica de preos mnimos. Na
segunda metade da dcada, novaspolticas agrcolas levaram
desregulamentao do setor, o que foi agrava-do pela abertura
comercial com o exterior, com o favorecimento das im-portaes de
produtos agrcolas, muitos dos quais recebem subsdios noexterior. A
adoo do Plano Real, em julho de 1994, que resultou na con-teno dos
enormes ndices de inflao que vigoravam no pas durantevrias dcadas,
teve como efeito o aumento da capacidade de consumoda populao, com
resultados positivos para os produtores de cultivos des-tinados ao
mercado interno. No entanto vrios problemas decorrentes daabertura
s importaes e da falta de recursos pblicos para o financia-
17 Esta uma das explicaes para os ndices mais elevados de
pobreza no Nordeste, quando comparada com outrasregies do pas.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n 7, jan/jun 2002, p.
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71SOCIOLOGIAS
mento da produo permaneceram, com impactos sobre a rea
cultivadae sobre a renda da atividade agrcola, que sofreu uma reduo
de cerca de40% em comparao com os resultados da primeira metade da
dcada de80 (Graziano da Silva, Balsadi, Del Grossi, 1997,
p.50).
Em vista das condies econmicas que afetam os produtores rurais,o
acesso aos benefcios da previdncia social tm impactos
considerveissobre suas condies de reproduo, o que pode ser
constatado em pes-quisas recentes.
Vrios pesquisadores analisaram os resultados de uma pesquisa
do-miciliar, realizada pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA)
no segundosemestre de 1998, em parceria com o Instituto Paranaense
de Desenvolvi-mento Econmico e Social (Ipardes) e o Departamento de
EstudosSocioeconmicos Rurais (Deser), envolvendo uma amostra de
3000 domi-clios com indivduos beneficirios da previdncia rural nos
trs Estados doSul do Brasil18 - Paran, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul. O objetivo dapesquisa era avaliar as condies de vida e
reproduo econmica dasfamlias beneficirias da previdncia rural na
regio Sul do Brasil. Comoindicam os dados coletados na pesquisa, os
pagamentos previdenciriosso de longe a principal fonte de renda nos
domiclios do Nordeste e pra-ticamente a metade da renda domiciliar
em 90% dos domiclios pesquisadosdo Sul (Delgado e Cardoso Jr.,
2000, p.12).
A anlise dos dados da pesquisa demonstra o enorme impacto
destapoltica, que permite manter, no Sul do Pas, 85% das famlias
beneficirias deno mnimo um benefcio da previdncia rural acima da
linha da pobreza base-ada em salrio mnimo mensal per capita
(equivalente a cerca de US$ 60por ocasio da pesquisa de campo, em
1998), enquanto entre as famlias queno recebem nenhum benefcio, a
proporo das que se situam acima dalinha de pobreza de apenas 60%
(Delgado e Cardoso Jr., 2000, p.33). Adiferena positiva em favor
dos beneficirios da previdncia rural deve-se emgrande parte aos
seguintes aspectos: a) os beneficirios da previdncia ten-
18 Uma outra amostra com 3000 informantes foi utilizada para
pesquisar o efeito da previdncia rural no Nordeste. Osdados
coletados na pesquisa esto disponveis no site: www.ipea.gov.br.
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dem a receber mais de um benefcio por domiclio (numa mdia de
1,78benefcios por domiclio) 19; b) os domiclios com beneficirios da
previdnciarural esto associados a estabelecimentos produtivos, em
geral agropecurios;c) o tamanho mdio das famlias no difere muito
entre os beneficirios e osno-beneficirios da previdncia rural; d)
nos domiclios em que ocorre orecebimento de pelo menos um benefcio
da previdncia rural habitam pes-soas ocupadas no mercado de
trabalho (Delgado e Cardoso Jr., 2000, p.34).Este ltimo aspecto
merece um comentrio especial, pois diferentemente doque ocorre em
outros pases, no Brasil, raramente o aposentado pela previ-dncia
social deixa de trabalhar, em grande parte porque o valor do
benefciode um modo geral insuficiente para atender a todas suas
necessidades. Valeressaltar, porm, que a manuteno do trabalho aps a
aposentadoria aparen-temente ocorre mais entre os homens do que
entre as mulheres, pois Silva(2000, p.126) mostra que, no Sul do
Brasil, enquanto 48,1% dos homensbeneficirios declararam-se sem
ocupao, isso ocorreu com 74,5% das mu-lheres beneficirias. A
explicao para esta diferena provavelmente est nainvisibilidade do
trabalho feminino, pois as mulheres envolvem-se principal-mente em
atividades no mbito domstico, que, apesar de inclurem inme-ras
tarefas destinadas produo de bens de consumo para os prprios
mem-bros da famlia, no so vistas como trabalho.
Considerando ainda o impacto redistributivo do sistema de
previdnciarural, outro aspecto que merece destaque o fato de que o
benefcioprevidencirio to mais importante na conformao da renda
domiciliar quan-to menores as faixas de rendimentos considerados
(Delgado e Cardoso Jr, 2000,p.25)20. Alm disso, Sugamosto e
Doustdar (2000, p.149) salientam que
19 Como indicam Sugamosto e Doustdar (2000), o beneficirio poder
receber mais de um benefcio previdencirio deprestao continuada.
Entretanto, somente possvel a combinao de benefcios concedidos por
Aposentadoria por Idadecom Penso por Morte ou Aposentadoria por
Invalidez com Penso por Morte. No possvel combinar a
Aposentadoriapor Idade com Aposentadoria por Invalidez, tampouco a
Renda Mensal Vitalcia com qualquer outro tipo de benefcio. fcil
entender as combinaes de benefcios possveis, tendo em vista que
tanto a Aposentadoria por Idade como a Aposen-tadoria por Invalidez
so direitos do(a) trabalhador(a) ativo, sendo autoexclusivas por
natureza, ao passo que a Penso porMorte um direito de herana, ao
cnjuge sobrevivente.
20 Como indicamos acima, apesar da melhoria de renda da populao
beneficiada, o impacto sobre a distribuio de rendano evidente. De
qualquer forma, o simples fato de um nmero significativo de
trabalhadores e trabalhadoras rurais teremacesso ao benefcio
significa que sua situao (assim como a distribuio de renda) seria
pior sem ele.
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uma das principais funes desempenhadas por esse se-guro social
diz respeito sua contribuio para a repro-duo econmica e social das
unidades familiares, umavez que 63,5% dos beneficirios so chefes do
domiclioe que a renda oriunda de benefcios previdencirios naregio
Sul representa 41,6% da renda familiar mdia.
Uma das caractersticas dos beneficirios da previdncia rural na
re-gio Sul do Brasil que 63,2% so do sexo feminino e 36,8% do sexo
mas-culino (Delgado e Cardoso Jr, 2000, p.18). As principais
explicaes para opredomnio das mulheres como beneficirias da
previdncia rural so: 1) aidade mnima para ingresso no sistema, para
as mulheres, inferior doshomens em cinco anos (respectivamente 55 e
60 anos); 2) como em geraltm maior longevidade, alm de beneficirias
por direito da aposentadoriapor idade, as mulheres ainda tendem a
herdar mais que os homens os direi-tos da penso por morte do cnjuge
(Delgado e Cardoso Jr., 2000, p.19).
Entre as mulheres beneficirias da previdncia rural, na regio
Sul,66% recebem o benefcio aposentadoria por idade (Sugamosto e
Doustdar,2000: p.142) e majoritariamente tm 55 anos ou mais (apenas
8,4% dasmulheres beneficirias tm menos de 55 anos de idade)
(Delgado e Car-doso Jr., 2000, p.20). Com relao ao estado civil,
52,8% das mulheresbeneficirias da previdncia rural so vivas (situao
em que superam oshomens), 39,8% so casadas, 4,2% so solteiras e
3,1% so separadas(Sugamosto e Doustdar, 2000, p.142).
Deve-se destacar ainda que, entre os produtores familiares
beneficiadoscom a previdncia rural, quase todos utilizam parte da
renda do benefcio ematividades relacionadas com a agropecuria,
evidenciando-se a importnciaassumida pelo seguro agropecurio no
financiamento da agricultura familiar,estabelecendo-se, dessa
forma, como um seguro agrcola (Sugamosto eDoustdar, 2000). Alm
disso, como salientam Delgado e Cardoso Jr (1999),ocorre a
revalorizao de pessoas idosas que, aps o recebimento do
seguroprevidencirio, passam da condio de dependentes para a de
provedores, oque inclui amparo e emprstimos e doaes a membros da
famlia e vizinhos.
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Observaes da autora no interior do Rio Grande do Sul indicam
ain-da que o salrio-maternidade, recebido durante quatro meses
pelas mulhe-res que tiveram filhos, tambm utilizado na reproduo da
famlia; dife-rentemente das trabalhadoras assalariadas urbanas, que
deixam de exercersuas atividades profissionais neste perodo,
dedicando-se apenas s tarefasdomsticas e ao cuidado do beb, as
trabalhadoras rurais continuam a exer-cer suas atividades
habituais, sem utilizar o dinheiro, por exemplo, parapagar algum
para substitu-las em suas atividades agrcolas ou domsticas.
preciso salientar o valor simblico do recebimento do benefcio
pelasmulheres. De pessoas que nunca haviam recebido remunerao pelos
tra-balhos realizados (Silva, 2000, p.102), elas passam a ter uma
conta e umcarto bancrio em seus prprios nomes, recebendo seus
benefcios regulare diretamente. O fato de receber o dinheiro da
aposentadoria, da penso eda licena-maternidade diretamente em seus
nomes permite que elas pr-prias decidam como gast-lo, o que aumenta
seu poder pessoal. Por isso, depessoas que, na terceira idade,
passavam condio de dependentes doscompanheiros, filhos ou de outros
parentes ainda em idade ativa, elas setornam provedoras e
administradoras de um dos poucos recursos existentesna unidade
familiar de produo com entrada regular, ms a ms.
Por outro lado, algumas pesquisas realizadas no interior do Rio
Grandedo Sul (Brumer, 2000) tm revelado que homens e mulheres
utilizam odinheiro de maneira diferente, da um efeito adicional do
acesso das mulhe-res rurais previdncia social. Diferentemente dos
homens, as mulheresraramente utilizam o dinheiro que recebem
diretamente em gastos pesso-ais, mas, antes de mais nada, procuram
garantir o sustento e melhorar aqualidade de vida de suas famlias.
Neste sentido, o benefcio da aposenta-doria rural das mulheres
proporciona a garantia de sua prpria reproduo ea de suas famlias,
enquanto apenas parte embora provavelmente a maiorparte dos
benefcios recebidos pelos homens atua nesta direo.
Outro valor simblico do acesso das mulheres previdncia
socialrural como beneficirias diretas a percepo de que foram
partcipes dasconquistas, o que aumenta a conscincia sobre seus
direitos. No entanto
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preciso dizer que nem as mobilizaes das quais tm participado,
nem aconquista de direitos sociais, nem o aumento da percepo de
direitos deum modo geral, leva essas mulheres a questionar as
relaes de gnero nocotidiano de suas relaes pessoais.
Questes para reflexo
Como indicam Delgado e Cardoso Jr (2000, p.16),
o papel dos movimentos sociais e sindicais que levaram conquista
de direitos mnimos no mbito da poltica soci-al e agrria e,
principalmente, sua manuteno no difcilembate da atual conjuntura a
novidade mais significati-va da dcada de 90 no pas, cujos primeiros
frutos pude-ram ser conhecidos e colhidos.
Assim, uma primeira questo diz respeito aos rumos da
previdnciasocial na atual conjuntura da sociedade brasileira. Por
um lado, observa-sea tentativa do governo de amenizar o quadro
deficitrio da previdnciasocial, incluindo a previdncia social
rural. De outro lado, as medidas eco-nmicas implementadas na ltima
dcada, incluindo a retirada dos subs-dios agrcolas, tm empobrecido
a populao rural brasileira, o que trans-forma o acesso aos
benefcios da previdncia social em seguro-agrcola eseguro-reproduo,
condies indispensveis para sua manuteno no meiorural, que
provavelmente age no sentido de represar de modo relativo oxodo
rural. Ao mesmo tempo, devido sua importncia para a reprodu-o dos
beneficirios e percepo desses benefcios como conquista eno como
doao, a tendncia de os trabalhadores lutarem por suamanuteno e se
manifestarem publicamente contra tentativas de alteraras regras ou
retirar direitos j conquistados. Deste modo, possvel pre-ver que,
do lado do Governo, continuaro as tentativas de controlar oacesso
de beneficirios potenciais, atravs de novas exigncias quanto
comprovao de tempo de servio e aumento do tempo necessrio para
a
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aposentadoria, evitar fraudes e aumentar o valor das
contribuies; dolado dos trabalhadores rurais, a nfase principal
dever ser no atendimen-to sade, que, embora tenha melhorado a
partir da descentralizao dosservios atravs do Sistema nico de Sade
(SUS), ainda muito precriono meio rural.
Outra questo se refere atuao dos sindicatos rurais. Tendo
emvista seu comprometimento com a administrao da previdncia
socialrural, fundando-se nela sua principal legitimao junto aos
agricultores,dificilmente pode-se prever que iro abrir mo de sua
vinculaoinstitucional e cooptao para adotarem aes reivindicativas
que pos-sam ser consideradas ilegais. Assim, pouco provvel que se
tornem maiscombativos do que so atualmente. No entanto, como
veculos da admi-nistrao da previdncia social rural, certamente
assumiro a vanguardadas lutas para a manuteno de direitos j
adquiridos e da ampliao econquista de novos direitos relativos
seguridade social dos trabalhadoresrurais autnomos.
Finalmente importante destacar que, para os que continuam
exclu-dos da previdncia social rural tais como as mulheres dos
trabalhadoresrurais assalariados e os que exercem atividade no meio
rural de formainformal (isto , sem registro em carteira de
trabalho, como assalariado, ousem registro de venda da produo em
seu prprio nome e no de seusdependentes) -, no h soluo a curto
prazo. Com base na legislaoexistente, o nico encaminhamento possvel
o registro profissional ou oacesso a programas de assistncia social
(programa de renda mnima oudistribuio de cestas bsicas). Ao mesmo
tempo, como indica Matijascic(2001), mesmo que as mulheres possam
aposentar-se cinco anos antesque os homens e tenham expectativa de
vida maior, pouco provvel queo governo tente mudar sua situao
relativamente favorvel, devido smaiores dificuldades que enfrentam
no mercado de trabalho.
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Resumo
O trabalho apresenta uma anlise das principais transformaes da
previ-dncia social rural no Brasil, que culminaram com a incluso
das mulheres traba-lhadoras rurais como beneficirias (direito
aposentadoria por idade e salrio-maternidade) na legislao aprovada
pelo Congresso Nacional em 1988. Paralela-mente, faz-se um exame do
papel do Estado e da sociedade civil na evoluo dalegislao relativa
previdncia social rural, procurando-se evidenciar seu carterde doao
por parte do Estado ou da conquista polos prprios
trabalhadores(as).Finalmente, so examinados alguns impactos da
implantao da previdncia soci-al rural no Sul do Brasil,
ressaltando-se seu papel na diminuio da pobreza rurale da
desigualdade na distribuio da renda, assim como sua importncia
materiale simblica na mudana de relaes de gnero no meio rural.
Palavras-chave: gnero, mulher rural, previdncia social
rural.