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O Partido Democrtico de So Paulo: adeses e aliciamento de
eleitores (1926-1934)
Maria Ligia Coelho Prado Departamento de Histria - FFLCH/USP
O Partido Democrtico de So Paulo (1926-1934) tem sido
interpre-tado por muitos historiadores e cientistas sociais como o
partido represen-tante dos interesses das classes mdias. Em nossa
pesquisa sobre o P.D. (1) procuramos demonstrar que o partido
respondeu fundamentalmente a inte-resses muito definidos da classe
dominante. Isto no significa afirmar, evidentemente, que o partido
estivesse composto apenas ou majoritariamente por membros da classe
dominante. Estes concentravam-se no Diretrio Central do partido,
rgo decisrio a respeito de suas diretrizes bsicas.
indubitvel que as classes mdias responderam proposta
poltico-ideolgica da agremiao com sua adeso em nmero significativo;
por outro lado, assistiu-se, ainda, entrada de um pequeno
contingente de membros das classes populares.
Trabalhos recentes preocupados em identificar os interesses
sociais re-presentados no nvel do partido, utilizaram-se,
principalmente, para respon-der a essa questo, de um mtodo
puramente estatstico, atravs da quanti-ficao das profisses contidas
na lista das 600 assinaturas das adeses ao manifesto inicial do
P.D.. Maria Cecilia Forjaz (2) chegou a trabalhar com uma
amostragem dentre as cinqenta mil primeiras adeses ao partido. Em
nosso trabalho, entendemos no ser rigorosamente conclusivo este
tipo de
Este artigo uma adaptao de uma parte do primeiro captulo de
minha tese de doutoramento A Democracia Ilustrada. So Paulo
1926-1934, apresentada ao Departamento de Histria da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, em
setembro de 1982.
Forjaz, Maria Ceclia Spina, Tenentismo e Aliana Liberal
(1927-1930). So Paulo, Livraria Editora Polis Ltda., 1978.
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procedimento estatstico, ainda que, irrecusavelmente, contribua
para for-necer valiosos elementos para encaminhar uma resposta para
o problema da relao partidos polticos/classes sociais. Parece-nos
fundamental cercar esses dados com outras anlises que dem conta,
por exemplo, da questo da democracia interna da agremiao, das
relaes que se estabeleceram entre o Diretrio Central e os Diretrios
Municipais, das propostas de suas diversas Comisses Tcnicas, das
proposies aos Congressos e, mais ainda, da insero do partido nas
lutas polticas, sociais e ideolgicas e suas res-postas
conjuntura.
Neste artigo, entretanto, deter-nos-emos, apenas, na anlise de
algumas formas pelas quais se deu a adeso ao P.D., por parte de
alguns setores sociais. Comecemos pelas classes mdias.
O partido no teria condies de subsistir apenas pela vontade de
seus fundadores e pelas primeiras manifestaes de solidariedade ao
mani-festo. Precisava crescer. Para tanto, tornava-se imprescindvel
que oferecesse uma plataforma de idias e aes que despertasse o
interesse dos descon-tentes para que entrassem e batalhassem pelas
causas da agremiao.
Assim, foram enviados grupos de oradores incumbidos de fazer
pro-paganda do novo partido pelo interior e tambm na capital; de
fato atingiu-se o nmero de 20.000 adeses em trs meses (3). Em fins
de 1926, chegou-se perto de 50.000 nomes (4).
Todavia, permanece uma indagao: por que teriam certos indivduos
mdicos, farmacuticos, comerciantes, funcionrios pblicos entrado
para o partido de oposio? Por que o partido surgia como nico canal
possvel de participao poltica a grupos descontentes com a situao?
Ou por que havia nesse discurso democratizante alguns apelos que se
adequa-vam s aspiraes desses grupos? Para responder a esse
problemas apresen-tamos algumas das circunstncias em que se deu o
apoio ao Partido De-mocrtico.
Tomando como documentos bsicos a correspondncia existente entre
os Diretrios Municipais (D.M.) e o Diretrio Central (D.C.), temos
alguns elementos para responder a essa questo.
Por exemplo, um grupo de cidados de Cravinhos, em carta de 13 de
maio de 1926, ao manifestar sua solidariedade aos fundadores do
partido,
O signatrio punha seu nome numa lista que era depois publicada
nos jornais paulistas; mas isto no o qualificava como eleitor
democrtico, mas sim como simples simpatizante.
Cf. Ata do III Congresso de 03/12/1927. Arquivo do Instituto
Histrico e Geogrfico de So Paulo (A.I.H.G.S.P.), Livro de atas n. 6
do Arquivo do Partido Democrtico (A.P.D.).
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afirmava que "estavam dispostos a todos os sacrifcios para
salvarem o Brasil dos dias tenebrosos que talvez lhe estejam
reservados, dispostos a introduzir em nosso pas a verdadeira
Democracia, dando um golpe de morte nas oligarquias de to
perniciosos efeitos" (5).
Esta oposio entre democracia e oligarquia surgia como uma
constante nas declaraes dos que entravam para o partido; ao lado
dessa dicotomia, aparecia tambm a idia de que a democracia era
capaz de "salvar" o pas.
Continuavam os mesmos missivistas indicando que o partido
dominan-te no consultava os interesses do "povo". Este era invocado
como aquele que dava legitimidade ao partido. Acreditando que o
Partido Democrtico viria remodelar nossos costumes polticos
afirmavam: "Certos de que o povo, nesta hora adiantada da Histria e
da Civilizao, no pode ficar por mais tempo indiferente aos negcios
pblicos, no marasmo em que se encontra, afastado dos problemas mais
palpitantes que agitam a nossa Ptria, e que como soberano que ,
deve ser cioso de sua liberdade, fazendo ouvir a sua voz, resolvem
ingressar nas fileiras desse Partido, como sendo o in-trprete das
aspiraes democrticas prometendo-lhe o seu franco e incon-dicional
apoio e sua inteira solidariedade" (6).
Os "novos democrticos" outorgavam seu incondicional apoio ao
par-tido, na medida em que este seria capaz de trazer finalmente ao
Brasil a "verdadeira" democracia, de combater todos os males
polticos produtos da oligarquia e, mais que tudo, de fazer com que
o "povo" confiante fizesse valer sua fora e se integrasse no
partido tradutor das suas aspiraes.
Outros se faziam ouvir atravs de cartas, afirmando que
"entusiasma-dos com a patritica idia de formao do 'Partido
Democrtico', aplaudi-mo-lo ardorosamente. S assim os vendilhes do
templo sero corrigidos, s assim a Repblica poder ser
republicanizada!" (7).
O que, na verdade, significava republicanizar a Repblica? Pura
ret-rica? Talvez, mas, novamente a nfase aqui estava na moralizao
dos costumes que parece ser a frmula pronta para se atingir os
"ideais" repu-blicanos. A Repblica havia sido desvirtuada e, ao
Partido Democrtico, cabia a misso de recoloc-la no caminho da
virtude.
De Birigui explicava o democrtico porque queria entrar para o
partido e qual o seu significado: "(. .) Confiante, ainda, em dias
mais promis-sores estremecida Ptria, pelo alevantamento da
dignidade e do Carter Nacional, pela energia inquebrantvel e
envergadura cvica dos seus filhos,
(5, Carta de Cravinhos de 13/05/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Cravinhos de 13/05/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Botucatu de 28/03/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D.
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cujo exemplo alviareiro e nobre acaba de demonstrar um pugilo de
patr-cios que, deixando a placidez das posies vantajosas,
facilmente conse-guidas no pactuar com os desmandos dos potentados
hodiernos, levantam unssonos e destemidos a bandeira de combate aos
costumes despticos daqueles que at hoje s tem faltado s promessas
de bem servir a Ptria que lhes serviu de bero "(8).
O autor da carta salientava a "coragem" dos fundadores do
partido que, segundo ele, poderiam compactuar com o poder e assim
auferir grandes regalias, mas que preferiram outro caminho: difcil,
mas muito mais digno.
As manifestaes de adeso ao partido se sucediam, com
justificativas prximas s j apresentadas. O cidado de Conceio de
Monte Alegre, afirmando que "tambm neste recanto sertanejo h
brasileiros", aderia ao partido pois ainda sonhava com "a libertao
de nossa Ptria espesinhada pela politicalha"; terminava a carta com
a saudo "Liberdade e Frater-nidade" (9).
Este outro se confessa favorvel a um "partido que se organiza
para pugnar pela elevao moral, industrial, comercial e financeira
da ptria brasileira" (10). Aquele declarava ter a honra de "fazer
parte e defender a sua bandeira smbolo perfeito do progresso e
glria do nosso futuro" e que acreditava que o Partido Democrtico
lutaria "em favor e pela pro-teo da liberdade dos eleitores
Brasileiros" (11). Havia ainda quem pen-sasse que "esse partido
trabalhar para que cessem os excessos do poder executivo,
livrando-nos do amordaamento da imprensa por uma lei vexa-tria e
que aberra todos os princpios de liberdade; do espantalho do estado
de stio permanente que tanto nos vexa e deprime; de uma reviso
constitucional em um perodo to inoportuno e anormal" (12).
Essas cartas, tomadas como exemplo, entre outras, eram a
expresso de um descontentamento real com a situao poltica, por
parte de setores No eram tratados tambm problemas referentes a
questes econmicas e das classes mdias. Expressavam uma nsia
reformista clara, com uma nfase particular nas questes polticas e
morais. No se encontraram re-ferncias nessas cartas situao social
dos trabalhadores urbanos e rurais. s suas ligaes com o capital
estrangeiro. Esses temas no tocavam de perto certos setores das
classes mdias. As constantes invocaes a con-ceitos como democracia
e liberdade indicavam que o iderio liberal burgus
Carta de Birigui de 07/04/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Conceio de Monte Alegre de 13/05/1926.
A.I.H.G.S.P., pacote
33 do A.P.D. Carta de Bauru de 30/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote
33 do A.P.D. Carta de Bragana de 28/08/1926. A.I.H.G.S.P., pacote
33 do A.P.D. Carta de Cravinhos de 13/05/1926. A.I.H.G.S.P., pacote
33 do A.P.D.
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estava presente em seu universo. A reafirmao dos valores
republicanos democrticos mostravam que a confiana no regime
permanecia intocada fora fortemente interiorizada por esses
segmentos das classes mdias.
Todavia o "povo", tantas vezes citado, se constitua numa vaga
enti-dade, que no tomava corpo, que no se transformava no operrio,
no trabalhador braal ou no humilde funcionrio pblico.
Em suma, afirmamos que estes setores das classes mdias
ingressavam espontaneamente nas fileiras da agremiao, por se
constituir esta no nico canal poltico de participao; ao lado disso,
o iderio democrtico-burgus ainda que no fosse um discurso inovador
ressurgia como bandeira reformista e moralizadora. Esses cidados
acreditavam que a nica resposta aos problemas do Brasil era a
democracia, ideal demirgico, que tudo redi-miria e tudo faria
florescer.
Havia, ainda, outra forma mais eficaz, em verdade, de
arregimentao poltica que se dava travs dos "coronis". A tcnica do
voto de "cabresto"
da arregimentao arbitrria, praticados pelo Partido Republicano
Pau-lista se constituram num dos pontos mais criticados pelos
oposicionistas democrticos. Pareciam-lhes as mais srdidas; todavia
o P.D. fez uso cons-tante dessas prticas. J, desde o incio, podemos
tomar exemplos de figuras atuantes no partido, como Paulo de Moraes
Barros ou Antnio Carlos de Abreu Sodr que se manifestavam a
respeito. Moraes Barros, depois de declarar numa carta sua alegria
com o apoio em Jaguari de "um elemento de primeira ordem",
fazendeiro rico e inteligente, disposto a trabalhar nas eleies,
afirmava que em Mogi-Mirim a situao era de expectativa, pois as
duas faces locais do P.R.P. estavam em desavena. Dessa luta local,
poderia ocorrer o rompimento de uma delas com a Comisso Diretora do
P.R.P. e, a partir da, Moraes Barros acreditava na possibilidade da
adeso ao P.D., da faco desprestigiada pelos altos escales do
partido da situa-o: "se for a do Chico Venncio, tanto melhor,
porque poder nos render uns 1.000 votos a mais" (13).
Numa outra carta de Cafelndia, o missivista solicitava aos
membros do Diretrio Central do partido "a interveno de V. Excias.
junto ao nosso ilustre e prestigioso correligionrio Dr. Paulo de
Moraes Barros, no sentido de ser facilitada pelos srs.
administradores das fazendas (de propriedade da famlia)
`Chantebled', 'Cambar', 'Conde Queirolo' e 'Santa Maria' todas
deste municpio, a ao dos nossos emissrios encarregados da
qualificao dos cidados alistveis ali residentes" (14).
Abreu Sodr tambm indicava a possvel formao de um Diretrio
Municipal em Itatinga, a partir de uma luta interna do Partido
Republicano
Carta de Mogi-Mirim de 21/01/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Cafelndia de 06/12/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D.
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Paulista; os que se tinham desentendido com o "chefe" local
passariam para o Partido Democrtico. E, mais adiante, dizia:
"Quanto aos diretrios do Bofete e Anhembi entendo que ser de mais
vantagens aguardarmos as vsperas de um pleito. uma caboclada
atrasada e deve ser colhida no `sufragante' se no arrepia carreira"
(15).
Esses exemplos indicam de forma lmpida uma segunda frmula de
arregimentao de eleitores, isto , a arregimentao dos colonos atravs
de seus patres. Na carta de Cafelndia, est entendido que a
"facilitao" de trabalho dos emissrios do Partido Democrtico
significava que aque-les que trabalhavam sob as ordens dos Moraes
Barros s poderiam votar em um partido, o partido de seus patres. No
se pensava em politizar esses trabalhadores, em apresentar-lhes a
bandeira do partido; com essa "caboclada" s pegando no
"sufragante", como dizia Abreu Sodr. Assim, a perspectiva de
membros representativos do partido era a de que a arre-gimentao se
devia fazer a qualquer preo ou custo. No era fundamental que ao
formar-se um diretrio ou conseguir-se eleitores, tivessem que se
valer de recentes ex-perrepistas. Uma luta poltica local envolvendo
quase sempre interesses pessoais poderia ser a "causa justa" da
entrada de novos correligionrios no recm-criado partido, que se
pretendia uma "agremia-o de idias", regeneradora dos velhos e
criticveis costumes perrepistas.
No momento das urnas, tudo era permitido, at mesmo o voto de
ca-bresto, ainda que o partido afirmasse lutar essencialmente
contra ele. Assim, ao lado daqueles que entravam para o Partido
Democrtico crendo numa renovao poltica, votavam pelo Partido
Democrtico os mesmos colonos, os mesmos trabalhadores, os mesmos
seguidores de "coronis", com uma diferena: votavam na oposio.
Outros exemplos podem constatar a mesma realidade; como a do
fa-zendeiro de Botucatu que ps disposio do partido "o meu fraco
voto e de mais alguns amigos meus colonos" (16). Leia-se onde est
"amigos meus colonos", empregados meus colonos.
Os lderes do partido se preocuparam, em especial, com a adeso,
no interior, de fazendeiros importantes, porque assim tinham
garantido um nmero razovel de seguidores. Um "coronel" nunca vinha
sozinho, da a insistncia, por exemplo, em Brotas de se "conseguir
que o Cel. Joo Mo-desto faa parte da comisso do partido"; os demais
democrticos pen-savam em ir em comisso fazenda do Coronel e
"dizer-lhe ser ele em caso de recusa, o responsvel pela no
organizao do partido" (17).
Este tambm parece-nos um caso exemplar: o Diretrio Central
do
Carta de Botucatu de 17/12/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Botucatu de 09/04/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Brotas de 24/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D.
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Partido Democrtico escrevia ao Coronel Lus Gonzaga da Costa
Barros, de Ibitinga, em 1928, solicitando que ele continuasse na
presidncia do Dire-trio, ainda que mudasse de cidade, j que "os
membros daquele diretrio renunciaram aos cargos que ocupam, por no
se acharem devidamente preparados para a continuao da campanha, em
face do seu afastamento do diretrio" (18). Mais uma vez, tornava-se
evidente o significativo papel que os "coronis" desempenharam por
todo o interior na formao dos ncleos do Partido Democrtico e na
arregimentao dos eleitores.
O
Entravam para o partido, tambm, muitos imigrantes. As listas com
os nomes dos membros dos diretrios estavam repletas de sobrenomes
es-trangeiros, especialmente italianos. H exemplos diversos de
estrangeiros que escreviam ao Diretrio Central pedindo, por
exemplo, que "V.S. me guie pelo melhor modo possvel para poder
conseguir a minha qualificao que eu quero ser eleitor Democrtico",
pois dizia que nunca pudera con-seguir a qualificao pois "eu sou
natural da Itlia e j resido no Brasil h 41 anos e eu no conheo
outra Ptria a no ser esta e tambm tenho seis filhos que amanh sero
seis Democrticos" (19). Ou, ainda, de um grupo "de colonos,
comerciantes e industriais letos que ainda residam numa localidade
obscura (Nova Odessa), interessam-se vivamente pelos interesses
nacionais, que consideram como prprios sendo duma ptria que
adota-ram". Solicitavam sua naturalizao e sua entrada para o
Partido Demo-crtico que julgavam ser um partido que "tem por fim
obstar a continuao dos desmandos, das arbitrariedades e dos
desmazelos da administrao" e confessavam-se solidrios a "todo e
qualquer ideal de reforma administra-tiva, que se assente sobre os
princpios da moral, da justia e da verdadeira democracia" (20).
Abreu Sodr, quando escrevia sobre a formao do diretrio de
Ita-tinga, afirmava: "J recebemos a adeso de dois timos elementos:
um filho e outro genro dos dois maiores capitalistas da terra e
homens de real prestgio. .. e que so Mrio Prestes Villas Boas,
genro de Fortunato Gea-nonni, e Rezieri di Piero, filho de Pedro di
Piero" (21).
Outro correspondente de Sertozinho se rejubilava com a conversa
com "Antnio Matheus Benelli, brasileiro e fazendeiro em nosso
municpio,
Carta de So Paulo para Ibitinga de 25/08/1928. A.I.H.G.S.P.,
pacote 52 do A.P.D.
Carta de Mirassol de 19/08/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. Carta de Nova Odessa de 10/12/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33
do A.P.D. Carta de Botucatu de 29/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33
do A.P.D.
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que muito simptico nossa causa, dispe de regular prestgio, muito
especialmente na colnia italiana por ser descendente dela"
(22).
Houve um episdio n acidade de Tiet envolvendo um filho de
imi-grantes, membro do Partido Democrtico, que merece ser lembrado.
Lus Giovanetti do diretrio local do partido foi preso em sua
cidade, no dia 13 de fevereiro de 1930 e enviado paar a cadeia do
Cambuci, onde permane-ceu por nove dias incomunicvel, sem que
ningum soubesse ao certo de seu paradeiro.
O fato teve muita repercusso, recebendo o Partido Republicano
Pau-lista e o governo acerbas crticas por parte dos oposicionistas
em geral. Em Tiet, os democrticos manifestaram-se seguidamente
contra o arbtrio policial; o jornal local, O Democrata, num artigo
assinado por Octvio da Costa Carvalho inquiria: "Como poder a
colnia italiana, ferida em seus brios por esse inominvel atentado,
votar com o Partido Republicano Paulista, cujos chefes s conhecem a
fora, desprezando o direito, usando da violncia para torcer os
caracteres, utilizando-se de uma autoridade es-quecida de seus
deveres para oprimir homens que pertencem ao seu seio, e que nenhum
crime cometeram?" (23).
Parece claro que da parte dos imigrantes, ou filhos de
imigrantes, houve adeses ao partido e da parte da cpula do Partido
Democrtico, simpatia por qualquer possvel eleitor, independente de
sua origem. Obvia-mente, isto no significava que fossem todos,
Diretrio Central e Diretrios Municipais simpticos irrestritamente
aos estrangeiros. O preconceito se manifestava de forma variada;
muitas vezes, o xenofobismo era oportunista, como na citao mais uma
vez de Abreu Sodr: "vamos aproveitar a cir-cunstncia do chefe (do
Partido Republicano Paulista) ser um italiano indesejvel e breve
assentaremos um diretrio s direitas" (24). Ou ainda de um
missivista de Buri, que no aceitou o convite para fazer parte do
Diretrio Provisrio da cidade, porque ele estava sendo organizado
por es-trangeiros que enviaram sua casa uma comisso de trs
elementos: um italiano, um srio e um polaco. O autor da carta
estava indeciso, pois para ele "o estrangeiro, ainda que seja
naturalizado e resida em nosso pas h muitos anos, sempre
estrangeiro" (25); assim, um diretrio organizado por "estrangeiros"
no seria, na sua perspectiva, a melhor frmula para o assentamento
do Partido Democrtico na sua localidade.
Carta de Sertozinho de 20/02/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. O Democrata, de Tiet, de 20/02/1930; ver tambm Dirio
Nacional de
23/02/1930 e O ESP de 23/02/1930. Carta de Botucatu de
21/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do A.P.D. Carta de Buri de
10/08/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do A.P.D.
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Mas poderia esse xenofobismo ser entendido como uma
caracterstica marcante do Partido Democrtico, em oposio ao
cosmopolitismo do Par-tido Republicano Paulista, como quer um
historiador do perodo? (26).
Na nossa perspectiva, o xenofobismo impregnava o universo
ideolgico da classe dominante, independentemente de correntes
partidrias. O estran-geiro estava identificado ao imigrante que
vinha para o Brasil na condio de trabalhador rural ou operrio
urbano. O lugar, pois, de classe dominada, de subordinao aos
imperativos da classe proprietria, transformava o imigrante, na
tica dominante, num ser subalterno e inferior. O estigma de
estrangeiro passava a caracterizar o imigrante, acusado de no
possuir "es-prito cvico", nem sentimentos nacionais.
Outro ponto bsico a ser apontado consiste na ntima ligao entre
estrangeiro de forma particular o italiano e o espanhol e o
socialismo e o anarquismo, considerados, na ideologia dominante,
como "idias estra-nhas" ao "carter nacional". Idias estas que
viriam destruir a "harmonia" da famlia brasileira, jogar os pobres
contra os ricos e "implantar" entre ns a luta de classes. Em
conseqncia, o estrangeiro imigrante, ocupan-do o lugar de classe
dominada, transmutava-se em contestador das estru-turas vigentes,
tendo que suportar os ardores xenfobos da classe domi-nante. O
imigrante tinha, assim, duas faces: a primeira, como mo-de-obra
inferior e subalterna mas necessria ao trabalho e, a outra, como
inimigo perigoso, pronto a quebrar os padres sociais em vigor.
As manifestaes xenfobas por parte dos democrticos, apreendidas
no nvel do discurso, devem ser compreendidas como mais um elemento
da luta poltica. Uma denncia contra o Partido Republicano Paulista
en-volvendo nomes estrangeiros, utilizava o xenofobismo como ataque
poltico ao inimigo situacionista; o anti-estrangeirismo era
manipulado, assim, poli-ticamente, pelos membros do Partido
Democrtico.
As ligaes polticas entre o Partido Republicano Paulista e os
imi-grantes se efetuavam atravs de presses, ameaas ou mesmo da
coopta-o; o Partido Republicano Paulista transformava o voto de seu
empregado estrangeiro em voto de "cabresto". Na tica do partido
oposicionista, o imigrante estava moldado ao situacionismo e
afinado com suas prticas condenveis. A atuao poltica do imigrante
despontava desqualificada-mente como anti-cvica e, mesmo,
anti-nacional. Evidentemente, nestes argu-mentos, no se levava em
conta a prpria situao do trabalhador recm-chegado ao Brasil,
inteiramente merc de seu novo patro, muitas vezes, ainda afeito s
prticas escravistas, em especial no incio da imigrao.
(26) Cf. Fausto, Boris, A Revoluo de 1930. Historiograf ia e
Histria. So Paulo, Brasiliense, 1970, pp. 33-34.
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Portanto, o imigrante no era bem visto, de modo particular pela
oposio, pois aparecia como sujeito de duas situaes opostas
indesejadas: ora punha em risco as estruturas vigentes, lutando por
sua derrubada, ora sucumbia inteiramente vontade imperiosa do
perrepismo. O Partido De-mocrtico colocava-se exatamente como
alternativa intermediria: reformar-se, sem alteraes substantivas, a
ordem burguesa.
Tambm entre os perrepistas podem ser captadas manifestaes
ideo-lgicas em que o estrangeiro despontava negativamente. Renato
Jardim, em seu libelo contra o Partido Democrtico, assumia posio
contrria com relao ao partido, identificando os estrangeiros com os
democrticos. Ainda desta vez, a crtica ao adversrio poltico passava
pelo estrangeiro que era visto como o outro, com a negao do
brasileiro perrepista. Dito de outra maneira, a xenofobia
perpassava a crtica poltica feita contra o partido inimigo. Nas
suas verberaes contra os democrticos acusados de pra-ticarem
arbitrariedades policiais vitimando os perrepistas dizia Jardim:
"Aqui encarcerado e maltratado um pobre diabo para que diga onde se
oculta o Major Lus Fonseca... No interior do Estado, um srio,
banqueiro do 'bicho', chefe agora democrtico, recolhe ao xadrez, em
comum com criminosos, o chefe poltico local, distinto e humanitrio
clnico". Em outra passagem, o autor afirmava: "Em raros municpios
tinha o partido demo-crtico qualquer organizao. Onde esta falhava
um descontente qualquer, freqentemente, um perseguido da polcia, no
raro um 'bicheiro', brasi-leiro, italiano, ou turco, e dele
fazia-se a autoridade da terra" (27).
A nosso ver, a xenofobia estava disseminada no universo da
classe dominante; uma incidncia mais marcada desse trao, nos
discursos dos lderes democrticos, deve ser atribuda utilizao da
xenofobia como arma ideolgica e poltica no combate ao Partido
Republicano Paulista. O "cosmopolitismo" imputado ao Partido
Republicano Paulista (pelos histo-riadores) deve ser visto como a
capacidade poltica que o partido demons-trava de absorver e
manipular o voto imigrante.
Assim, vale ressaltar que a adeso ao Partido Democrtico de
eleitores estrangeiros naturalizados, ou com inteno de
naturalizar-se foi significa-tiva. O Diretrio Central no obstou o
reconhecimento da direo dos Diretrios Municipais por serem
compostos por homens com sobrenomes estrangeiros. O interesse
destes, pelo partido, especialmente no interior, foi bastante
pondervel.
Em suma, procuramos demonstrar que houve apoio efetivo ao
Partido Democrtico por parte de membros das classes mdias
brasileiras, natos ou imigrantes; alm disso, no interior, os
colonos ou assalariados depen-
(27) Jardim, Renato, A aventura de outubro e a invaso de So
Paulo. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira. s/d., p. 170.
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dentes de fazendeiros participaram da cena poltica, ao lado da
oposio, mas sem o esclarecimento poltico devido. Seus votos foram
to "encabres-tados" quanto os votos do to criticado Partido
Republicano Paulista.
Por outro lado, muitas so as cartas tambm daqueles que se
consi-deravam solidrios com o Partido Democrtico, irmanados na
mesma causa, mas que declinavam da possibilidade de fazer parte do
diretrio, ou de se filiar ao partido, por motivos de provveis
futuras perseguies. Entre ou-tros, citemos o exemplo daquele que
escrevia ao Diretrio Central pedindo "a incluso do sr. Gensio
Guimares, fazendeiro. .. em lugar de Orpheu Gianazzi, comerciante,
por quanto tem pouco prestgio poltico e receia ver exonerada sua
exma. esposa do cargo de professora do grupo escolar local e, assim
acha-se arrependido de ter consentido a insero do seu nome na chapa
eleita" (28). Ou de outro cidado que era "democrata fervoroso, mas
a sua situao de negociante impede-o de por em prtica os seus
ideais" (29). Tambm o do farmacutico de Ariranha que tinha a "mxima
satisfao em vos informar o quanto me simptica a causa do Partido
Democrtico", mas que no podia participar do diretrio, nem mesmo do
partido, porque receava que "minha sra. venha sofrer remoes e
perse-guies injustas pelos seus superiores" (30). Estes eram
alguns, entre muitos exemplos, das dificuldades enfrentadas pelo
partido para conseguir se firmar como tal, e de fazer oposio ao
sistema poltico vigente.
Ao lado desses democratas "de corao", mas temerosos de uma ao
poltica coerente com suas convices, reportemo-nos a outros casos
rela-tados ao Diretrio Central, especficos nas suas circunstncias
particulares, mas que apresentavam como denominador comum convices
no muito bem firmadas. Apresentemos aqui o episdio de um membro do
Diretrio Municipal de Tanabi, que depois de se embebedar e ser
salvo da priso pelo prefeito perrepista, conhecido pelas suas
perseguies aos democr-ticos locais, aderia no dia seguinte ao
Partido Republicano Paulista com banda de msica e estourar de
foguetes (31). Ainda, a missiva do presi-dente da Comisso Provisria
do Partido Democrtico de Mogi das Cruzes que, em 1926, lamentava a
dificuldade de arregimentao na cidade porque "temos contra ns aqui,
as obras da Repartio de gua no Rio Claro, ... que tem prejudicado o
nosso trabalho. Elementos que contvamos, bandea-ram-se para o
situacionismo a troca de empreitadas nas referidas obras' (32).
Carta de Bebedouro de 23/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Redeno de 23/12/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D Carta de Ariranha de 03/12/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33 do
A.P.D. Carta de Tanabi de 13/02/1928. A.I.H.G.S.P., pacote 38 do
A.P.D. Carta de Mogi das Cruzes de 02/11/1926. A.I.H.G.S.P., pacote
33 do
A.P.D.
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H inmeros testemunhos daqueles que tentavam organizar o diretrio
do Partido Democrtico, sem xito. Por exemplo, em Nazareth, o
missivista aflito declarava "que no h meio de eu organizar as
pessoas para o Dire-trio, s pude obter 3 pessoas" (33). Em Piedade,
o correligionrio afir-mava que "infelizmente e muito nos magoa esta
confisso, .. . estamos numa situao precria; os nossos companheiros
so poucos, embora inque-brantveis e fiis ao nosso ideal e no
dispomos de elementos pecunirios para lutar" (34). H uma carta de
Santo Amaro em que o autor lamentava, em 2 de maro de 1928, que a
"posio do Partido Democrtico, aqui, era precarssima (desde outubro
de 1927) devido ao fato de todos os polticos, todas as pessoas que
de qualquer forma pudessem influir no nimo dos eleitores,
acompanharem, por um motivo ou por outro, a faco pene-pista".
Continuava a carta, declarando que o Partido Democrtico tinha
atrado simpatizantes sua plataforma, mas que eram todas pessoas
inex-pressivas, que no atuavam em favor do partido; outros estavam
dispostos a fazer alguma coisa" com a condio de obter imediatamente
um rendoso emprego". Lembrando que "nenhum dos membros tem tradio
poltica na terra" ele assim justificava as dificuldades enfrentadas
pelo partido para se organizar e manter (35). Em Mogi-Guau, o
correligionrio escrevia no Diretrio Central que a cidade
"inflamou-se pela adeso de seu eleitorado independente", mas
terminava dizendo que esperava "o bom acolhimento do nosso diminuto
nmero de aderentes" (36). Em Altinpolis, tambm o missivista avisava
"que no acanhamos em apresentar limitadssimo n-mero de aderentes e
de votos" (37).
Em suma, o partido enfrentou extremas dificuldades para se
organizar e se manter nas diversas cidades do interior. Onde havia
homens fortes, isto , ricos fazendeiros ou outros elementos
influentes que com sua pre-sena marcavam o diretrio e congregavam
em torno de si, espontnea ou obrigatoriamente em bom nmero de leais
seguidores, o partido conseguiu alguns bons resultados. No entanto,
onde o partido devia se organizar, crescer e se manter s custas de
membros das classes mdias, houve extraor-dinrios obstculos para se
implantar e consolidar a agremiao.
Outro importante argumento empregado pelos democrticos para
mos-trar seus percalos na luta pela sua organizao consistia na
proclamada "inconscincia" poltica do "povo". Setores das classes
mdias advogavam que a propapanga dos "ideais" do partido era o meio
mais eficaz para an-gariar adeses; mas, ao mesmo tempo, tambm
ressaltavam a pequena eficcia dessa propaganda, pois no acreditavam
que o "povo" estivesse
Carta de Nazareth de 15/10/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. Carta de Piedade de 16/08/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. Carta de Santo Amaro de 02/03/1928. A.I.H.G.S.P., pacote 38
do A.P.D. Carta de Mogi-Guau de 28/04/1926. A.I.H.G.S.P., pacote 33
do A.P.D. Carta de Altinpolis de 07/12/1926. A.I.H.G.S.P., pacote
33 do A.P.D.
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altura para compreend-la, absorv-la e segui-la. Assim, o
missivista de Piedade afirmava que, ainda que o Partido Democrtico
estivesse fazendo "uma campanha formidvel contra os desmandos das
administraes p-blicas, criticando severamente os homens do
governismo e a sua m orien-tao", "o perrepismo local se faz ouvidos
de mercador. E o povo propria-mente dito, V.Sa. sabe o que ,
sugestionvel. . ." (38). Outro poltico de Redeno escrevia ao
Partido Democrtico pedindo providncias junto aos poderes
competentes para que se pusesse cobro s violncias e ao su-borno por
parte do Partido Republicano Paulista e solicitava uma caravana
democrtica para falar ao povo num domingo nico dia de folga "a este
povo que na maioria no l, e ouve as balelas dos politiqueiros
pro-fissionais" (39). Ainda um missivista aludia s dificuldades de
crescimento do Partido Democrtico pois vivia-se "num meio de
mentalidade fraca" (40). O democrtico de Piedade salientava que "o
nosso eleitorado com-posto de homens da roa e que no entende da
engrenagem poltica" (41). De Santo Amaro, um membro do Diretrio
criticava a situao poltica geral, e se referia "indolncia do meio"
(42) que dificultava o cresci-mento do Partido Democrtico; afirmava
numa outra carta, com relao aos demais membros do diretrio, que
"eles tm bastante egosmo, desejo de se mostrar e medo, muito medo
de nada ganhar, de sofrer algum pre-juzo, alguma represlia e falta
de coragem, imensa falta de coragem para enfrentar os adversrios
polticos. Mas, sobretudo, falta-lhes uma ntida compreenso da grande
necessidade para a nao de transformar os mto-dos polticos em vigor"
(43).
Uma carta de um padre de Marlia, tendo como tema principal uma
desavena com um poltico local, faz observao preciosa sobre a
atitude do Partido Democrtico com relao ao "povo". Declarava ele
que discor-
Carta de Piedade de 16/08/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. Carta de Redeno de 23/12/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do
A.P.D. Carta de Marlia de 29/01/1931. A.I.H.G.S.P., pacote 42 do
A.P.D. Carta de Piedade de 20/02/1928. A.I.H.G.S.P., pacote 38 do
A.P.D.
Outro cidado de Piedade declarava que os lderes do Partido
Republicano Paulista da localidade "implantaram o costume de nos
dias de eleio ir buscar e levar os eleitores para votar, alm da
compra de votos que praticam abertamente; para os homens do P.R.P.
tudo fcil, gastam o dinheiro pblico, que a nossa contribuio. Este
precedente de conduzir eleitores verdadeiramente desastroso para ns
oposi-cionistas, pois h muitos deles que vem votar somente pelo
simples prazer de vir e voltar de automvel e afinal pintar o sete
no viveiro..." (viveiro era o lugar em que ficavam aqueles que
vinham da fazenda votar). Note-se a perspectiva do missivista com
relao ao "povo", no seu despreparo e ingenuidade, mas tambm na
lamentao de que o automvel era "perrepista" e no "democrtico".
Carta de Piedade de 16/08/29. A.I.H.G.S.P., pacote 39 do A.P.D.
Carta de Santo Amaro de 03/12/1928. A.I.H.G.S.P., pacot e38 do
A.P.D. Carta de Santo Amaro de 08/08/1929. A.I.H.G.S.P., pacote 39
do A.P.D.
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dava da orientao do chefe local do Partido Democrtico pois
acreditava que "o bom poltico no pode nem deve prescindir do povo,
principalmente numa poltica democrtica e liberal. .. Mas o povo se
leva com um fio de linha. A questo de jeito e manha! O povo a
eterna criana!" Conti-nuava dizendo que o "Dr. Carlos" seria o nico
capaz de liderar a poltica em Marlia, mas que primeiro ele teria
que "conquistar a confiana do povo" (44). Ainda que sua viso seja
paternalista, o sacerdote mostrou a desvinculao do lder democrtico
com o "povo" em geral.
Um congressista do interior, no II Congresso do Partido
Democrtico (maio de 1927), ao defender a idia de que o partido no
devia participar das eleies para a presidncia do Estado, discorria
sobre o "atraso do eleitor do interior" indicando as dificuldades
da luta para a obteno de votos. Para justificar essa situao de
"atraso" aludia Histria do Brasil como explicao para a passividade
do "povo": ".. . no sou culpado da inexistncia de lutas na formao
dos costumes polticos brasileiros. . .". Mais adiante afirmava o
congressista: "Os srs. falam na cultura do Brasil, falam no grau de
civilizao e no adiantamento da razo do eleitor bra-sileiro, mas se
esquecem de que ele no ainda bastante elevado para que ele
compreenda que os ideais do Partido Democrtico esto acima dos
in-teresses polticos. Perante o atraso do eleitorado do interior,
esses ideais ainda no conseguem sobrepor aos interesses da poltica"
(45).
Este discurso, alm de identificar uma diferena entre a Capital e
o interior, apresentava uma oposio entre interesses polticos e
ideais de-mocrticos. Portanto, a a poltica se igualava ao que havia
de mais "atra-sado" no pas; a poltica era praticada pelos inimigos,
pelos perrepistas. Os democrticos, que estavam do lado da razo, da
cultura e da civilizao, propugnavam por ideais. Mas como despertar
esse "povo" e fazer com que ele compreendesse os "ideais"
democrticos? Era o mesmo congressista que respondia, indicando que
havia duas correntes no partido: "Trata-se de uma questo de mtodo.
Uns querem o mtodo da interveno para educar o eleitor, outros
querem formar a conscincia cvica paulatinamente; querem reafirmar a
conscincia cvica e esta deve nascer desde a escola".
A pendncia no caso restringia-se a uma divergncia de opinies
entre participar das eleies que o democrtico chamava de interveno e
abster-se do pleito. As duas vertentes estariam embasadas, ainda
segundo ele, nessas duas vises de como "educar" o "povo" . De toda
forma, a posio por ele advogada da no participao nas eleies se
estri-bava, na verdade, no despreparo poltico do "povo" para
determinadas
Carta de Marlia de 13/10/1928. A.I.H.G.S.P., pacote 38 do A.P.D.
Ata do II Congresso de 06/05/1927. A.I.H.G.S.P., Livro de atas n.
6
do A.P.D.
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aes e na crena da misso pedaggica dos membros do Partido
Democr-tico (46).
Em suma, o discurso liberal do Partido Democrtico invoca o
"povo" como legitimador de sua ao; no entanto, sua prtica poltica
estava sem-pre distanciada do "povo", que entrava na cena poltica
no como sujeito, mas como objeto manipulado pelos interesses dos
demais grupos. A histria brasileira d seu testemunho de que nos
momentos cruciais, quando se busca alguma reforma ou se luta pelo
poder, o "povo" invocado como o nico capaz de legitimar a ao
poltica. No entanto, as classes populares so afastadas de uma
participao poltica efetiva e de decises importan-tes, por aqueles
que invocam seu despreparo e sua imaturidade poltica. A
incongruncia do discurso liberal a desponta no movimento
contradi-trio de chamamento participao e, ao mesmo tempo, de sua
recusa.
(46) Esta posio parece ter sido uma constante no pensamento e ao
pol-ticos brasileiros; este argumento foi muitas vezes utilizado de
forma conservadora para justificar os processos no democrticos. As
frmulas "o povo no est prepa-rado", "o povo no est amadurecido" so
bastante conhecidas. Grupos do Partido Democrtico no deixaram tambm
de utiliz-las para alcanarem seus objetivos,