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PPOOLLTTIICCAASS MMAACCRROOEECCOONNMMIICCAASS::
MMAANNUUAALL DDIIDDTTIICCOO
Editores
Antnio Mrcio Buainain (Instituto de Economia da Unicamp)
Fernando Rello (Faculdade de Economia, Universidade Autnoma do
Mxico)
Este documento uma traduo livre, revisada e ampliada, do
documento FAO, Polticas Agrcolas e Polticas Macroeconmicas en
Amrica Latina, Estudio FAO de Desarrollo Econmico y Social 108,
Roma, 1992
Campinas, dezembro de 1998
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Manual de Macroeconomia 1
LLIIOO 11
1 Conceitos Bsicos da Macroeconomia: as identidades
macroeconmicas
1.1 - Conceitos bsicos: ajuste, estabilizao e crescimento
As decises dos agentes econmicos dependem, em grande medida, do
contexto macroeconmico no qual esto inseridos. Embora extremamente
complexo, pode-se dizer que tal contexto definido por um pequeno
nmero de variveis chamadas variveis macroeconmicas. Enquanto as
variveis setoriais se referem e influenciam diretamente cada setor
da economia, as variveis macro condicionam e influenciam o
funcionamento do conjunto da economia.
A crise da dvida externa do incio dos anos 80 e as mudanas que
se seguiram reduziram consideravelmente o raio de manobra para a
formulao das polticas econmicas dos pases em desenvolvimento, mas
no a sua importncia. Pode-se dizer que as polticas macroeconmicas
definem e condicionam fortemente o contexto macro que, por sua vez,
afeta e orienta as decises dos agentes econmicos. Decises
cotidianas como contrair ou expandir os investimentos, produzir
para o mercado domstico ou externo, adotar tecnologia intensiva em
capital ou modeobra, cultivar soja ou mandioca etc., so
profundamente influenciadas pelas polticas e contexto
macroeconmico.
A macroeconomia matria complexa, cujo estudo requer o uso de
modelos que representem, de forma simplificada, a realidade e que
permitam analisar a dinmica econmica, o comportamento dos agentes,
os efeitos das polticas sobre algumas variveis ou o conjunto da
economia, assim como realizar projees e desenhar cenrios para o
futuro. Os modelos microeconmicos representam o comportamento dos
agentes individuais que buscam maximizar seus objetivos sob
determinadas restries. Por exemplo: qual o melhor nvel de produo
para uma firma dada sua disponibilidade de recursos, os preos dos
insumos e
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Manual de Macroeconomia 2
o preo final do produto? J os modelos macroeconmicos consideram
o conjunto da economia e analisam seu comportamento agregado. Por
exemplo: qual a taxa de crescimento sustentvel da economia, qual o
nvel de investimento necessrio para manter estvel o nvel de
emprego, quais so as restries externas ao crescimento da economia,
quais as conseqncias de um dficit da balana comercial sobre o nvel
de emprego e renda e assim por diante.
Quadro 1: Setores da Economia
Para facilitar a agregao de informaes e o trabalho analtico, as
atividades econmicas so organizadas por tipos de atividade. Segundo
metodologia proposta pelas Naes Unidas, a Contabilidade Nacional no
Brasil divide a economia em trs grandes setores: primrio, secundrio
e tercirio.
Setor Primrio inclui a pecuria (culturas permanentes e
temporrias, horticultura, floricultura, produo animal e derivados,
piscicultura, extrao vegetal, pesca e indstria rural);
Setor Secundrio inclui a indstria extrativa mineral, a indstria
de transformao, a indstria de construo e os servios industriais de
utilidade pblica;
Setor Tercirio inclui prestao de servios em geral, comrcio,
intermedirios financeiros, transportes e comunicaes, governo,
autnomos.
Fonte: Castro e Lessa (1985).
Pode-se afirmar que a macroeconomia analisa as condies que
explicam a dinmica de trs grandes variveis: o crescimento da
economia, o nvel geral de preos e o nvel de emprego. O grande
desafio da macroeconomia identificar, para fins de poltica, as
condies que permitem alcanar, simultaneamente, crescimento econmico
com estabilidade de preos, plena utilizao dos recursos da sociedade
e uso sustentvel dos recursos externos.
A dimenso temporal importante na anlise macroeconmica, que na
maioria dos casos trabalha com o horizonte de curto e de longo
prazo. O corte temporal fundamental, pois as aes, objetivos e
resultados da poltica
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Manual de Macroeconomia 3
econmica diferem consideravelmente quando se passa do curto para
o longo prazo.1 Ainda que seja impossvel separar os nexos de causa
e efeito entre objetivos e aes de curto e longo prazos, comum
considerar a estabilidade de preos e a solvncia externa como tpicos
objetivos de curto prazo da poltica macroeconmica, ao passo que o
crescimento sustentvel, o pleno emprego e a eqidade como objetivos
de longo prazo que requerem uma poltica de desenvolvimento ampla e
um programa de reformas estruturais da economia e da sociedade.
Quadro 2: O que Macroeconomia?
A resposta e soluo aos problemas econmicos esto intimamente
ligadas organizao da atividade econmica. Nas economias mercantis
capitalistas, os recursos produtivos necessrios para garantir a
sobrevivncia e reproduo da sociedade encontram-se atomizados,
dispersos em mos de milhes de agentes econmicos, empresas e
famlias, que tomam suas decises de como utiliz-los de maneira
autnoma e independente, de acordo com seus interesses particulares
e balizados apenas pelas regras sociais. Os interesses privados so
mltiplos, mas, na prtica, os agentes so racionais e buscam utilizar
seus recursos da maneira mais eficiente possvel, maximizando os
benefcios advindos da propriedade e utilizao dos recursos escassos.
A Microeconomia estuda precisamente como os agentes econmicos tomam
suas decises de produzir, vender, consumir, investir, poupar,
buscando sempre otimizar a utilizao dos recursos produtivos. A
Macroeconomia o estudo do comportamento agregado de uma economia.
Partindo dos processos microeconmicos, a macroeconomia tenta
compreender e analisar as principais tendncias da economia, assim
como outros fenmenos econmicos que ultrapassam a esfera do agente
individual, tais como a inflao, as crises econmicas, os ciclos de
negcios, o desemprego, o nvel do produto bruto de uma economia.
Fonte: Sachs e Larrain (1997).
Embora dificilmente seja possvel alcanar os objetivos de longo
prazo sem pelo menos equacionar os problemas de
1 O corte temporal extrado da microeconomia. No curto prazo, a
capacidade de
produo total da economia dada e os agentes podem reduzir ou
ampliar o volume de produo, dentro destes limites, utilizando mais
ou menos fatores variveis. No longo prazo, os agentes podem ampliar
ou reduzir a capacidade de produo por meio de novos investimentos
ou do fechamento de plantas existentes.
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Manual de Macroeconomia 4
curto prazo, preciso reconhecer que a soluo destes no resolve,
por si s, os desafios de longo prazo. O mais recomendvel procurar
respostas para os desequilbrios imediatos que, tanto quanto
possvel, sejam compatveis com os objetivos de longo prazo evitando,
assim, a postura bastante freqente entre os economistas de separar
os problemas ditos macroeconmicos estabilidade de preos, solvncia
externa, balano fiscal etc. dos problemas de desenvolvimento.
A anlise macroeconmica enfrenta o desafio de propor medidas que
respondam, simultaneamente, aos objetivos de curto e longo prazo.
Isto significa compatibilizar a estabilidade de preos e a restrio
externa com uma taxa de crescimento econmico sustentvel, pleno
emprego e eqidade social.
Quadro 3: Polticas Macroeconmicas
Poltica Objetivo Restrio Prazo
Estabilizao dos
preos e ajuste
estrutural
Estabilidade de
preos e solvncia
externa
Balana de
pagamentos e nvel
de atividade
econmica
Curto
Ajuste estrutural Crescimento
sustentado
Equidade na
distribuio Longo
As polticas macroeconmicas jogam um papel central neste
processo. De um lado, trata-se de controlar a oferta e demanda
agregadas para evitar a acelerao da inflao e uma presso
insustentvel sobre as contas externas, e, ao mesmo tempo, assegurar
o atendimento das necessidades bsicas da populao. De outro lado,
trata-se de conduzir a economia em uma trajetria de desenvolvimento
sustentvel seja do ponto de vista econmico seja do ponto de vista
social. A poltica econmica atua por meio dos sinais macroeconmicos,
em particular dos chamados preos macro juros, cmbio, salrios , e
deve produzir um ambiente que incentive os agentes a tomarem
decises compatveis com os objetivos de desenvolvimento, como
investir em determinados setores geradores de emprego, utilizar
eficientemente os recursos escassos etc.
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Manual de Macroeconomia 5
1.2 - As identidades macroeconmicas e os equilbrios econmicos em
uma economia aberta
A fim de melhor identificar os problemas macroeconmicos e a
relao entre os objetivos e os problemas de curto e longo prazos,
bastante til introduzir um conjunto de identidade representando as
situaes de equilbrio macroeconmico. Pode-se dizer que um sistema
est em equilbrio quando no est em um processo dinmico endgeno, ou
seja, quando no internas que o faam mover-se..., quando no h mais
foras internas que ainda estejam ajustando-o a foras exgenas
(Otaviano, s/d, 1998, BIBLIOGRAFIA (VAL)). Essas identidades esto
integradas pelos principais agregados ou variveis macroeconmicas,
tais como consumo, investimento, poupana, exportao, importao,
tributos etc., e pelos preos macroeconmicos. So quatro contas ou
identidades:
1 - Contas nacionais de produto e renda;
2 - Balano de pagamentos;
3 - Oramento do setor pblico;
4 - Contas monetrias.
As identidades ou contas macroeconmicas representam, de maneira
simplificada e agregada, o sistema econmico em sua totalidade, e
permitem analisar algumas questes bsicas da macroeconomia. Tambm
permitem definir os grandes equilbrios macroeconmicos, embora tais
identidades pouco ou nada esclaream sobre como atingir ou manter
estes equilbrios. Nas prximas sees estas contas sero detalhadas; em
seguida sero discutidos alguns temas centrais da anlise
macroeconmica (o problema da absoro e da poupana interna e
externa). Adiante, sero estudados os equilbrios macroeconmicos.
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Manual de Macroeconomia 6
Quadro 4: Variveis Fluxo e Estoque
Varivel fluxo uma quantidade medida por unidade de tempo. Por
exemplo: consumo mensal de energia eltrica, salrio, receita,
exportaes e importaes, o dficit oramentrio do governo.
Varivel estoque uma quantidade medida em um determinado ponto no
tempo. Por exemplo: a quantidade de capital de uma economia, a
dvida do governo, o patrimnio de uma empresa ou famlia. O estoque
uma fotografia e o fluxo um filme
Fonte: Sachs e Larrain (1997).
1.2.1 - Produto Interno Bruto e Renda Nacional
O Produto Interno Bruto (PIB) e a Renda Nacional (RN) so duas
variveis muito importantes que representam o total de riqueza e de
renda produzida, em um perodo de tempo, por uma economia. Por causa
da diversidade de bens e servios produzidos, estas variveis
agregadas no podem ser medidas em termos fsicos, pois seria
impossvel somar laranjas, mas, avies, soja, carros, educao e assim
por diante. Estas variveis so, portanto, expressas em termos
monetrios.
Produto Interno Bruto (PIB) o valor total do fluxo de produo
atual de bens e servios finais obtido dentro do territrio nacional
durante determinado perodo de tempo.
Produo atual significa que no se leva em conta a revenda de
itens produzidos no perodo anterior.
Bem final significa que o valor das matrias-primas e bens
intermedirios utilizados como insumos e componentes para a produo
de outros bens no so contabilizados.
Fluxo de produo significa a produo durante um perodo de tempo
definido, em geral um trimestre ou um ano.
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Manual de Macroeconomia 7
Quadro 5: Mtodos de Clculo do PIB
No se confunde o PIB com o valor bruto da produo, o qual inclui
o valor total das mercadorias e bens produzidos em uma economia,
considerando os insumos e componentes utilizados por toda a cadeia
produtiva, desde o setor primrio at o tercirio. O valor de um po,
por exemplo, inclui o valor da farinha, que inclui ainda o valor do
trigo utilizado para sua preparao; o valor do trigo transformado
inclui o valor do trigo semente, do combustvel e das peas de
reposio dos tratores. Assim, o valor bruto da produo do po inclui
vrias vezes o valor do mesmo produto, dando origem ao problema da
dupla contagem. Naturalmente, o valor total da produo superestima a
riqueza de um pas, pois contabiliza vrias vezes o mesmo produtor.
Assim, tanto conceitualmente como contabilmente necessrio eliminar
a dupla contagem e considerar como produto apenas o valor
efetivamente produzido e gerado durante um perodo de tempo, ou
seja, o valor adicionado. Para encontrar o valor adicionado basta
suprimir do valor bruto de produo o valor dos bens intermedirios.
Ficaro apenas os valores dos produtos e servios finais, que
correspondem precisamente ao valor adicionado. Este mtodo baseia-se
no clculo dos valores adicionados aos bens e servios produzidos nos
diversos estgios de sua elaborao.
No processo de gerao do produto tambm gerada a renda: os
empresrios adquirem matrias-primas, componentes, mquinas etc., e
contratam mo-de-obra, alugam imveis, tomam dinheiro emprestado.
Fazem isto visando um lucro, que seria a remunerao de seu prprio
capital e esforo. Estes pagamentos geram um fluxo monetrio que
circula na economia. A renda refere-se apenas aos pagamentos dos
chamados fatores de produo (salrios, aluguis, juros, lucro,
impostos indiretos), e corresponde ao valor adicionado ou produto.
Assim, a renda pode ser calculada somando-se todos os salrios,
juros, lucros e aluguis pagos na economia em determinado
perodo.
Outra maneira de medir o produto pelo lado da utilizao ou
dispndio. Em uma economia fechada, sem exportao e importao, a renda
pode ser utilizada ou para gastos de consumo, ou para poupana ou
para novos investimentos; j os bens e servios que compem o produto
podem apenas serem consumidos (arroz, carro de passeio etc.) e ou
utilizados em investimentos (tratores, edifcios, mquinas etc.). Ou
seja, em uma economia fechada o produto pode ser estimado a partir
dos dois elementos que compem o dispndio: consumo e
investimento.
Fonte: Sachs e Larrain (1997).
Como se mencionou no Quadro 5, o PIB pode ser medido por meio
dos componentes da demanda final: consumo do setor privado (C),
consumo do governo (G) e investimentos (I); em economias abertas,
como o caso hoje, parte do produto
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Manual de Macroeconomia 8
vendida para outros pases do mundo, da a necessidade de
considerar tambm as exportaes (X). Como uma parcela da demanda
final domstica atendida por bens e servios produzidos no resto do
mundo, necessrio contabilizar as importaes (M). Ou seja:
Demanda Final (DF) = Consumo Privado (C) + Consumo do Governo
(G) + Investimento (I) + Exportaes (X) Importaes (M)
Sendo o PIB o conjunto de bens e servios finais produzidos na
economia durante um perodo, pode-se dizer que corresponde oferta
agregada da economia. Como, por construo, os componentes da demanda
final so iguais ao produto final, tem-se que a oferta agregada
(PIB) igual demanda final (DF).
Eq. 1: MXIGCPIB
Consumo (C) est associado idia de destruio. Do ponto de vista
econmico, consumo significa o ato de aquisio do produto final pelo
consumidor (famlias, empresas e governo), cujos efeitos econmicos
se extinguem neste ato. Considera-se ainda que o consumo o usufruto
de determinados tipos de bens e servios, pblicos ou privados,
coletivos ou no.
Investimento (I) ou formao de capital, corresponde ao fluxo de
recursos destinado ao acrscimo ou renovao do estoque de capital da
economia. Divide-se em INVESTIMENTO DE REPOSIO e INVESTIMENTO
LQUIDO. O investimento de reposio substitui os equipamentos, peas,
infra-estrutura que se desgastaram ou depreciaram; investimento
lquido a parcela dos gastos que produz uma ampliao efetiva do
estoque de capital.
Exportaes (X) e Importaes (M) de mercadorias. As exportaes e
importaes de mercadorias referem-se s vendas e compras
internacionais de produtos tangveis ou visveis, elaborados pelos
setores primrio e secundrio.
Existe uma distino relevante entre o PIB e o Produto Nacional
Bruto (PNB). O PIB inclui apenas a riqueza produzida
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Manual de Macroeconomia 9
por residentes no pas, independente da nacionalidade. J o PNB
contabiliza pagamentos e receitas de servios de fatores (salrios,
juros e outros pagamentos ou receitas associados ao uso de fatores
produtivos) decorrentes de transaes realizadas entre residentes e
no residentes. Assim, se um brasileiro que trabalha no exterior
envia dinheiro para o pas, esta quantia ser contabilizada no PNB,
mas no o ser no pib, j que no foi riqueza produzida em territrio
nacional. De outro lado, os pagamentos de juros feitos aos bancos
estrangeiros so contabilizados com sinal negativo no PNB, pois
riqueza produzida internamente, mas que no fica no pas.
Essas transferncias de renda a ttulo de pagamento entre os pases
so contabilizadas por uma varivel chamada Pagamento Lquido de
Fatores (PLF). Um saldo positivo na conta de Pagamento de Fatores
(PLF positivo) significa que a economia recebeu mais recursos do
exterior a este ttulo do que pagou, e vice-versa.
Produto Nacional Bruto (PNB) o valor total da renda que os
residentes recebem num determinado perodo de tempo. Se a economia
fechada, PIB e PNB so iguais, mas nas economias abertas as duas
variveis so diferentes, pois o pas recebe renda produzida no
exterior assim como transfere para o resto do mundo parte da renda
gerada internamente.
O Produto Nacional Bruto representado pela seguinte equao:
Eq. 2: PLFMXICPLFPIBPNB
Alm dos pagamentos e das receitas vinculadas utilizao de fatores
de produo, existe outro importante fluxo de recursos transferidos
entre pases e que no esto associados a fatores produtivos e nem
geram contrapartida econmica. So as chamadas Transferncias
Unilaterais (TUN), em geral doaes realizadas por governos, pelo
setor privado ou pelos Organismos Internacionais, como ONU, UNICEF,
FAO e organizaes no-governamentais (ONGs). Saldo positivo da conta
Transferncias Unilaterais significa que as doaes vindas do exterior
superaram as doaes feitas pelo pas, resultando
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Manual de Macroeconomia 10
em entrada lquida de recursos. Somando as transferncias
unilaterais ao PNB, obtm-se a Renda Nacional Bruta (Y).
Eq. 3: TUNPLFPIBY
Eq. 4: PLFTUNMXIGCY
1.2.2 - Conta do Balano de Pagamentos
As economias nacionais no podem subsistir sem manter relaes
econmicas, financeiras, polticas e culturais com o exterior.
impossvel pensar em auto-suficincia plena no mundo moderno, de tal
modo que, em maior ou menor magnitude, as economias nacionais
dependero sempre do exterior, seja para o aprovisionamento de
algumas matrias-primas, mquinas, recursos financeiros etc., seja
para vender parte de seu produto no absorvida pelo mercado
domstico.
As relaes com o exterior so to importantes a ponto de se falar
em restrio externa e da necessidade de compatibilizar o crescimento
da economia com estas restries. Por exemplo: uma economia pode
dispor de grande potencial de recursos domsticos para crescer, cuja
utilizao requer a importao de mquinas do exterior. Se o pas no
dispe de reservas de riqueza aceitas pelo resto do mundo, seja
dlar, ouro ou outro ativo, e no possui crdito internacional, no
poder importar as mquinas necessrias para explorar suas riquezas.
Dependendo do caso, poder tentar fabricar o equipamento, o que, de
toda forma, levar mais tempo e atrasar o crescimento econmico. Este
um clssico exemplo de como a restrio externa pode efetivamente
restringir o desenvolvimento nacional. Uma das tarefas centrais da
poltica econmica precisamente criar um ambiente propcio ao
crescimento, levando em conta as restries internas e externas, e
utilizando seus instrumentos no apenas para harmonizar ambas
restries, mas, sobretudo para super-las.
A Conta do Balano de Pagamentos registra todas as transaes
econmicas e financeiras entre o pas e o resto do mundo em um certo
perodo. Como se trata de um balano
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Manual de Macroeconomia 11
contbil, seu resultado deve fechar, o que significa que a soma
dos crditos e dbitos ser sempre nula.
O Balano de Pagamentos est organizado em duas grandes contas: a
conta corrente e a conta de capitais. A conta corrente inclui o
fluxo de exportaes e importaes de mercadorias e servios no
financeiros, tais como transportes, seguros, turismo, servios de
consultoria internacional, bancrios etc.; alm disso, inclui tambm o
movimento de recursos associados ao pagamento de fatores de produo
(tambm dito servios de fatores), tais como a remessa de lucros, o
pagamento de royalties etc. e as chamadas transferncias unilaterais
de rendimentos. A conta de capitais registra os movimentos de
capitais de curto e longo prazo, de risco e de emprstimo, entre o
pas e o resto do mundo.
fcil compreender o Balano de Pagamentos e suas contas. No lado
do crdito esto todas as entradas de recursos do exterior, e do lado
do dbito so lanadas todas as sadas de recursos para o exterior.
O Quadro 6 resume as principais equaes do Balano de Pagamentos
(BP) e a equao abaixo sintetiza o conjunto de transaes realizadas
entre o pas e o resto do mundo.
Eq. 5: RIntCkTUNPLFMXBP
onde,
(X - M): Exportaes e Importaes de mercadorias e servios no
financeiros;
PLF: Pagamento lquido de fatores, que inclui o pagamento
(recebimento) de juros e royalties, remessa (recebimento) de lucros
e outros pagamentos (recebimentos) associados ao uso de fatores
produtivos e rendas de capital;
TUN: Transferncias unilaterais de rendimentos para o setor
privado ou pblico, incluindo as remessas feitas por emigrantes e
imigrantes.
Ck: Conta de Capital, que inclui os fluxos de capital de curto e
longo prazo, as aplicaes financeiras, os
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Manual de Macroeconomia 12
investimentos diretos e os emprstimos aos setores pblico e
privado. A letra d representa mudanas na varivel stock.
RInt: Mudanas nas reservas internacionais que o pas mantm no
exterior.
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Manual de Macroeconomia 13
Quadro 6: Balano de Pagamentos
CRDITOS DBITOS
1. Exportao de Mercadorias 2. Importao de Mercadorias
3. Exportao de servios nofatores
Viagens Internacionais Transportes Internacionais Seguros
Diversos
4. Importao de servios nofatores
Viagens Internacionais Transportes Internacionais Seguros
Diversos
5. Entradas de Rendas de Capitais
Juros Lucros Dividendos Lucros reinvestidos
6. Pagamento de Rendas de Capitais
Juros Lucros Dividendos Lucros reinvestidos
7. Transferncias Unilaterais do Exterior Remessa de dinheiro
por
emigrantes Doaes Auxlio militar
8. Transferncias Unilaterais para o Exterior Remessa de dinheiro
por
emigrantes Doaes a outros pases Auxlio militar
9. Entrada de Capitais Investimentos e reinvestimentos
estrangeiros no pas Repatriao de capitais nacionais Emprstimos e
financiamentos
externos Amortizaes Crditos de curto prazo Outras operaes
financeiras
10. Sada de Capitais
Investimentos de firmas nacionais no estrangeiro
Repatriao de capitais estrangeiros
Amortizaes Emprstimos e financiamentos
ao exterior Crditos de curto prazo Outras operaes
financeiras
Balana Comercial =
.................................................................................................
(1 - 2)
Balana de Servios no fatores =
...........................................................................
(3 5)
Balana Comercial e de Servios no fatores =
....................................... (1 + 3) - (2 - 4)
Balano de Transaes em Conta Corrente = ................. (1 + 3
+ 5 +7) (2 + 4 + 6 + 8)
Balano de Capital =
..............................................................................................
(9 10)
Balano Global = conta corrente + conta de capital = variao de
reservas
internacionais (Rint)
11. Aumentos dos passivos ou reduo dos ativos oficiais (reservas
internacionais)
12. Reduo dos passivos ou aumentos dos ativos oficiais (reservas
internacionais)
Conta Corrente + Conta de Capital Variao de Reservas
Internacionais = 0
Para melhor analisar estas contas, pode-se tambm apresentar as
diversas operaes organizadas segundo sua
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Manual de Macroeconomia 14
natureza em balanos separados, tal como apresentado na Figura 1,
que reproduz a estrutura padro do Balano de Pagamentos definida
pelo Fundo Monetrio Internacional (FMI).
TRANSAES CORRENTES
Balana ComercialExportaes de MercadoriasImportaes de
Mercadorias
Balana de ServiosViagens InternacionaisTransportes (fretes e
outros)SegurosServios DiversosRendas de Capitais (juros, lucros e
dividendos,
lucros reinvestidos)
Transferncias Unilaterais (remessas de dinheiro por emigrantese
imigrantes, donativos, ajuda militar)
MOVIMENTO DE CAPITAIS
Investimentos Estrangeiros (lquidos de repatriao)
Investimentos de firmas locais no exterior (lquidos de
repatriao)
Reinvestimentos
Emprstimos e Financiamentos (mdio e longo prazos)
Amortizaes (mdio e longo prazos)
Capitais de Curto Prazo
Setor Privado nobancrio (crditos de fornecedores, emprstimos de
curto prazo)
Setor Bancrio
VARIAO DE RESERVAS OFICIAIS (crditos de curto prazo, operaescom
o FMI, ouro monetrio)
(I) Balana Comercial(II) Balana Comercial e de Servios
nodefatores(III) Balano de Transaes em Conta Corrente(IV) Balano
Bsico(V) Balano Global(VI) Balano de Compensaes Oficiais
(X - M)
RLE
- R
D3
B4 + B5 + B3
(I)
(II)
(III)
(IV)
(V)
(VI)
Figura 1: Balano de Pagamentos
Fonte: Gonalves, Prado, Canuto & Baumann, 1998.(VAL)
1.2.3 - A conta do Setor Pblico (Oramento do Governo)
1.2.3.1 - As receitas correntes do Governo
Os governos desempenham muitas funes econmicas, sociais,
polticas, militares etc. e para isso necessitam recursos. As duas
fontes bsicas de receita do governo so: (i) arrecadao tributria
(fontes fiscais), proveniente fundamentalmente dos impostos diretos
e indiretos, e (ii) outras
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Manual de Macroeconomia 15
fontes de receitas correntes, como arrendamentos, aluguis,
prestao de servios etc. Alm disso, os governos podem tambm obter
receitas de operaes produtivas.
Os Tributos Diretos englobam a parcela da arrecadao tributria
que atinge as propriedades e as rendas das unidades familiares e
das empresas. Tais impostos incidem sobre os fatores de produo
(imposto predial territorial urbano, imposto sobre propriedade da
terra, imposto sobre propriedade de veculo automotor) e/ou sobre as
remuneraes dos fatores de produo (salrios, lucros, aluguis e
juros).
Os Tributos Indiretos so valores que se adicionam ao custo final
dos bens e servios de tal maneira que o preo pago pelos
consumidores torna-se mais elevado do que os valores que cabem s
empresas. So tributos que oneram as transaes referentes produo,
circulao e utilizao de bens e servios.
As Outras Receitas Correntes do Governo incluem as receitas
decorrentes das propriedades imobilirias do governo, como aluguis,
arrendamento etc. e receitas provenientes de ativos mobilirios,
como juros e dividendos; incluem, ainda, receitas decorrentes da
prestao de servios.
1.2.3.2 - As despesas correntes do Governo
No exerccio de suas mltiplas funes, os governos geram um
importante fluxo de despesas ou gastos correntes, que podem ser
classificados em trs categorias: consumo do governo, subsdios e
transferncias.
O Consumo do Governo inclui as despesas com salrios, ordenados,
remuneraes do funcionalismo civil e militar, assim como de outros
prestadores de servios; tambm inclui despesas com fornecedores,
materiais de consumo e gastos com manuteno da mquina pblica.
Os Subsdios constituem pagamentos feitos pelo governo a algumas
empresas, pblicas ou privadas, a fim de reduzir o preo de mercado
dos bens e servios, ou cobrir dficit operacional, contrabalanar
situao adversa que poderia produzir efeitos sociais e econmicos
indesejveis ou,
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Manual de Macroeconomia 16
simplesmente, incentivar determinados setores produtivos, ou
certas atitudes sociais. O subsdio um imposto negativo
indireto.2
As transferncias so pagamentos unilaterais feitos pelo governo,
sem exigir qualquer contrapartida especfica por parte dos
beneficirios. Inclui a cobertura dos dficits dos institutos de
previdncia social (aposentadorias, penses, auxlio doena, gravidez
etc.), os gastos emergenciais com populaes flageladas etc.
A diferena entre as receitas e as despesas correntes dos
governos constitui a poupana do governo, que positiva se receita
> despesa, ou negativa se o governo tem um dficit, isto , se
despesa > receita. O governo pode utilizar a poupana positiva
para realizar investimentos pblicos, que representam adies ao
capital fixo do sistema, para reduzir sua dvida de longo prazo, ou
simplesmente para ampliar os gastos correntes no exerccio
seguinte.
1.2.3.3 - O oramento do Governo
O oramento do setor pblico consolidado deve contabilizar todas
as receitas (entradas) e todos os gastos (despesas) realizados pelo
setor pblico em todos os nveis (federal, estadual e municipal),
incluindo aqueles segmentos do setor pblico que operam de maneira
descentralizada, tais como as empresas estatais e o setor pblico
financeiro. Em geral, os governos usam oramentos separados, mas o
importante que sejam transparentes e que cada oramento seja
utilizado para facilitar o acompanhamento oramentrio e no para
mascarar os nmeros.
O oramento do setor pblico pode ser apresentado da seguinte
forma:
2 comum encontrar a expresso a custo de fator ou a preo de
mercado. A
diferena que a preo de mercado o valor contabilizado considera
todos os bens e servios aos preos vigentes no mercado, enquanto que
ao custo de fatores descontam-se os efeitos dos impostos indiretos
e dos subsdios sobre os preos, ou seja, subtrai-se o imposto
indireto e adiciona-se o subsdio.
-
Manual de Macroeconomia 17
Quadro 7: Oramento do Setor Pblico
ENTRADAS (Receitas)
SADAS (Pagamentos)
1. Receitas
1.1 Correntes 1.1.1 Impostos
diretos indiretos
1.2 De Capital
2. Doaes
3. Gastos
3.1 Correntes 3.1.1 Salrios, Bens e Servios 3.1.2 Juros 3.1.3
Subsdios e Transferncias
3.2 De capital 4. Emprstimos Lquidos
Dficit em Conta Corrente =
.........................................................................
(1.1) - (3.1)
Dficit Global =
............................................................................................
(1+2) - (3+4)
5. Financiamento do Dficit Global 5.1 Mudanas na dvida
interna
5.1.1 Dvida no bancria 5.1.2 Bancria
Banco Central Bancos Comerciais
5.2 Mudanas na dvida externa
Esse quadro pode ser traduzido na seguinte equao:
Eq. 6:
exteriorbanpblicoginddirgg dDdDdDTUNTTSTJIC cos
onde:
gC = Consumo do Setor Pblico;
gI = Investimento Bruto do Setor Pblico;
J = Juros pagos pelo Setor Pblico. Inclui pagamentos ao
setor
privado pblicodDi , setor monetrio cosbandDi e ao exterior
exteriordDi ;
ST = Subsdios e transferncias;
dirT = Impostos diretos;
indT = Impostos indiretos;
gTUN = Transferncias Unilaterais do governo;
-
Manual de Macroeconomia 18
pblicodD = Endividamento adicional do governo junto ao
pblico
(setor domstico no bancrio);
cosbandD = Endividamento adicional do governo junto aos
bancos
nacionais;
exteriordD = Endividamento adicional do governo junto ao
exterior
(dvida externa);
i = Taxas de juros pagas pelo setor pblico aos credores internos
e externos.
1.2.3.4 - Indicadores do Dficit Pblico
Existem vrios indicadores do dficit pblico, alguns mais usados
que os outros. Como as contas do setor pblico so muito complexas e
em geral pouco transparentes, nenhum dos indicadores perfeito. No
final das contas, as autoridades os utilizam segundo sua
convenincia. O importante saber o significado de cada um.
O mais utilizado o que indica as NECESSIDADES DE FINANCIAMENTO
DO SETOR PBLICO (NFSP), o qual representa o excesso de gasto total
do governo em relao s suas receitas. Assim como no possvel consumir
12 maas quando s se dispe de 10 unidades, tampouco possvel gastar
$12 quando s dispe de $10. No importa a natureza ou causa do
dficit. Em todos os casos o governo necessita financi-lo, seja
tomando recursos emprestado junto ao setor bancrio e ou sociedade,
vendendo patrimnio ou imprimindo moeda.
A NFSP uma medida muito abrangente do dficit global do setor
pblico, que considera todas as suas receitas correntes e de
capital, mesmo aquelas com o pagamento das dvidas que correspondem
a dficits passados e no presentes. No so computadas receitas
decorrentes de variao patrimonial (venda de propriedades e reduo
das reservas) nem gastos com amortizao da dvida, tratados parte. A
partir da Eq. 6, pode-se definir a NFSP como o saldo das receitas e
despesas totais do governo.
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Manual de Macroeconomia 19
Eq. 7: extermaban dDdDdDNFSP cos
Outro conceito utilizado o de dficit operacional, o qual ajusta
o dficit medido pelo conceito de NFSP inflao durante o perodo
considerado. Por exemplo, quando o governo paga juros de X%, uma
parcela correspondente apenas correo do valor monetrio inflao do
perodo. Independente da correo monetria, uma parcela dos juros
pagos apenas compensa os credores pela inflao do perodo, no sendo
juros reais. O conceito de dficit operacional leva em conta
precisamente o fato de que parte dos pagamentos de juros da dvida e
demais gastos do governo so decorrentes da inflao e, portanto, no
correspondem a um dficit novo, mas simplesmente a uma operao
monetria que se bem implica em pagamentos e, portanto em
necessidade de financiamento do setor pblico (e aqui a emisso
aparece como possibilidade), completamente distinta do restante das
NFSP. H um grande debate em torno desse conceito, j que muitos
autores entendem o importante que o governo tem que pagar tal
parcela, e que tal gasto no se distingue em nada dos demais. A
diferena entre os dois conceitos fica clara nos momentos em que a
inflao cai abruptamente, pois sem que haja qualquer modificao real
no oramento pblico, as NFSP caem proporcionalmente. Da a importncia
de medir o dficit utilizando o conceito de dficit operacional.
Os dois conceitos anteriores consideram os gastos decorrentes de
exerccios oramentrios passados, como os juros das dvidas.
importante conhecer a situao presente da execuo oramentria, pois
isto pode ter efeitos importantes sobre as decises de poltica
econmica. Por exemplo, analisando o dficit do governo, pode-se
chegar concluso de que quando se leva em conta somente os gastos e
receitas gerados no exerccio atual, o governo no tem dficit algum,
muito pelo contrrio, tem at mesmo um supervit. Quando so
considerados todos os gastos, vale dizer, alm dos gastos correntes
os pagamentos de dvidas, o supervit vira dficit. O conceito de
dficit (ou supervit) primrio registra o comportamento presente do
oramento pblico, excludos os pagamentos de dvidas que correspondem
a dficits gerados no passado.
-
Manual de Macroeconomia 20
0
20
40
60
80
100
120
140
160
NFSP DficitOperacional
Dficit Primrio
$
Efeito da Inflao
Pagto. De Juros ReaisInflao
Grfico 1: Indicadores de Dficit Pblico
1.2.4 - As contas monetrias
Em uma economia mercantil o conjunto de transaes econmicas feito
por meio da moeda, da a expresso economia monetria. A moeda
desempenha papis fundamentais para o funcionamento das economias
desde tempos remotos: utilizada como instrumento ou meio de troca,
como denominador comum de valor, como reserva de valor e como meio
de pagamento.
Tomada em sentido estrito, a moeda um ativo cuja principal
caracterstica a liquidez, que pode ser entendida como a capacidade
de converter-se, praticamente sem custo, em qualquer outro ativo de
valor equivalente, ou de cancelar passivos de igual magnitude. Em
sua origem, algumas mercadorias de grande aceitao pelas comunidades
foram utilizadas como moeda. Este papel foi desde cedo ocupado
pelos metais preciosos, os quais, alm do valor intrnseco e raridade
que lhes assegurava ampla aceitao, possuam algumas caractersticas
tais como a divisibilidade, a durabilidade, homogeneidade e a
facilidade para transportar que facilitavam as transaes comerciais.
Embora tanto as mercadorias utilizadas como moeda como os metais
preciosos tenham valor prprio, sua utilizao como moeda dependeu,
desde sua origem, da confiana, da o termo moeda fiduciria.
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Manual de Macroeconomia 21
Atualmente, alm da moeda manual moeda metlica e papel-moeda , um
conjunto de ativos financeiros monetrios e nomonetrios, portadores
de diferentes graus de liquidez, circulam pela economia,
desempenhando alguns dos papis da moeda. Estes ativos incluem os
cheques emitidos contra contas correntes, ordens de pagamento a
vista, notas e certificados de depsitos bancrios a prazo, ttulos de
poupana etc., os quais so classificados, para fins da contabilidade
monetria, segundo o grau de liquidez.
Os meios de pagamento (M1), de mais alta liquidez,
incluem as moedas metlicas, o papel-moeda e os depsitos a vista
operados por meio de cheque, ordem de pagamento ou outro meio
eletrnico. Embora o dinheiro como tal seja emitido apenas pela
autoridade monetria no caso brasileiro o Banco Central do Brasil ,
os bancos comerciais tambm criam moeda. Ao utilizar parte do
dinheiro mantido sob sua custdia em depsitos a vista e ou a prazo
para realizar operaes de crdito a terceiros, na prtica os bancos
multiplicam a quantidade de dinheiro disponvel na economia. O
correntista A que depositou $ 100 dispe em sua conta corrente deste
valor, ao passo que o correntista B que tomou um emprstimo de $ 50
tambm dispe em sua conta deste valor. O depsito inicial do
correntista A foi, portanto, multiplicado por meio do crdito.
A autoridade monetria tem como funo emitir e controlar o
dinheiro em circulao e estocado pela sociedade. No difcil entender,
mesmo intuitivamente, que essa uma tarefa complexa e delicada, j
que um excesso de dinheiro pode provocar sua desvalorizao, e uma
escassez pode dificultar o funcionamento normal da economia. Mais
adiante este tema ser tratado com mais detalhe. Pelo momento
interessa apresentar o balano monetrio a fim de ilustrar a
importncia da moeda na conformao do contexto macroeconmico e as
relaes entre o lado monetrio e as contas de produto e renda, balano
de pagamentos e oramento do setor pblico.
J se mencionou que os ativos monetrios incluem um conjunto de
ativos que podem ser classificados pela sua liquidez. A fim de
facilitar a compreenso da conta monetria, sero considerados apenas
os depsitos a vista e a prazo.
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Manual de Macroeconomia 22
A seguir, so apresentados os balanos das autoridades monetrias,
dos bancos comerciais e o balano monetrio consolidado, tambm
chamado agregado ou conta monetria do pas.
Quadro 8: Balano da Autoridade Monetria
ATIVOS PASSIVOS
1 - Reservas Internacionais Lquidas
6 - Papel-moeda em circulao (em poder do pblico e em caixa dos
bancos)
2 - Crdito ao governo 7 - Depsitos de bancos comerciais
3 - Crdito ao setor privado 8 - Depsitos do governo
4 - Crdito aos bancos 9 - Capital, reservas e o PLF outros
5 - Outros ativos
A autoridade monetria responsvel pela emisso de moedas. Logo, a
moeda em circulao na economia, que um ativo para seus detentores,
representa um passivo para a Autoridade Monetria. Parte do
papel-moeda emitido encontra-se em poder do pblico e no caixa do
sistema bancrio. Os bancos comerciais e agentes financeiros so
obrigados a manter depsitos junto ao Banco Central, tanto como
reservas tcnicas para dar segurana ao sistema como por outras razes
de poltica monetria. O Tesouro Nacional tambm costuma manter
depsitos junto ao Banco Central. Todos estes depsitos representam
um passivo para a Autoridade Monetria.3
Como em toda empresa, o capital e reservas tambm so inscritos
como passivo, embora pouco importante no caso da Autoridade
Monetria. Pode-se, desde j, indicar que o total de passivos do
Banco Central (excluindo seu capital e reservas) corresponde ao
conceito de base monetria, que representa o estoque de dinheiro
existente em determinado momento, a
3 Alm disso, as obrigaes internacionais assumidas pela
autoridade monetria
so lanadas no passivo. No balano consolidado, ativos e passivos
da mesma natureza devem ser cancelados. No caso, as reservas
internacionais so lquidas, j descontadas as obrigaes.
-
Manual de Macroeconomia 23
partir do qual os meios de pagamento e ativos monetrios se
expandem ou se contraem. A base monetria , portanto, a soma da
moeda em poder do pblico, dos bancos comerciais (reservas bancrias)
e do governo (caixa do Tesouro depositado no Banco Central).
Base Monetria = Papel Moeda + Reservas Bancrias
No lado do ativo so lanados os crditos concedidos pela
autoridade monetria ao governo, ao setor privado e aos bancos
comerciais e as reservas internacionais.
O balano consolidado dos bancos comerciais semelhante. Os bancos
recebem dos seus clientes dinheiro em depsitos a vista e a prazo.
Trata-se de obrigaes do banco para com seus clientes, e os depsitos
so lanados no lado do passivo. Os bancos tambm tm obrigaes
internacionais como passivo (j descontado das reservas
internacionais que o setor bancrio mantm no exterior) e o capital
social, correspondente a uma obrigao do banco para com seus
acionistas que poder ser exigida no momento de dissoluo do
negcio.
Quadro 9: Balano dos Bancos Comerciais
ATIVOS PASSIVOS
1 - Reservas (caixa e depsitos no BC)
6 - Papel-moeda em circulao (em poder do pblico e em caixa dos
bancos)
2 - Reservas Internacionais Lquidas setor bancrio
7 - Depsitos bancos comerciais
3 - Crdito ao setor privado 8 - Depsitos do governo
4 - Crdito aos bancos 9 - Capital, reservas e outros
5 - Outros ativos
Do dinheiro depositado pelos clientes, uma parte mantida em
caixa (reserva de caixa), outra parte depositada no banco central
(depsitos junto autoridade monetria) e outra utilizada em suas
operaes de crdito. So, portanto, ativos dos bancos comerciais, como
pode ser visto no Quadro 9.
A conta monetria consolida os balanos da Autoridade Monetria e
dos bancos comerciais em um s balano.
-
Manual de Macroeconomia 24
Simplificando as contas, o resultado apresentado no Quadro 10
.4
Quadro 10: Balano Consolidado (Agregado Monetrio)
ATIVOS PASSIVOS
1 - Reservas Internacionais Lquidas (RInt)
4 - Papel-moeda em circulao
2 - Crdito Domstico (CrD)
ao governo (CrDg)
setor privado (CrDp)
5 - Depsitos a vista
3 - Outros ativos 6 - Depsitos a prazo
7 - Outros Depsitos
8 - Capital, reservas e outras
contas
fcil entender que o sistema monetrio tem, como principais
ativos, as reservas e os crditos, e como principais passivos, a
moeda em circulao e os depsitos da sociedade junto ao sistema
bancrio. Enquanto o passivo da Autoridade Monetria representa a
base monetria, o passivo do balano consolidado (com a excluso do
capital e reservas) representa o conjunto de meios de pagamento (M)
da economia, que inclui o papel moeda em circulao, os depsitos a
vista, a prazo e outros depsitos. A identidade monetria bsica, que
expressa este equilbrio contbil, :
Eq. 8: WbMCrDCrDRInt pg
onde:
4 A consolidao dos balanos uma operao complexa, pois deve
eliminar dupla
contagem, cancelar passivos e ativos da mesma natureza e prazos
(por exemplo, obrigaes internacionais e reservas internacionais),
eliminar transaes entre o Banco Central e os Bancos Comerciais (por
exemplo, os depsitos dos bancos comerciais junto ao Banco Central,
j que aparecem como ativo no balano dos bancos comerciais e passivo
no balano da Autoridade Monetria, podendo ser cancelado).
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Manual de Macroeconomia 25
RInt = Reservas internacionais lquidas
CrDg = Crdito interno ao governo
CrDp = Crdito interno ao setor privado
M = Oferta monetria ampla: papel moeda e depsitos a vista e
prazo
Wb = Capital e reservas do sistema bancrio
Apresentadas as quatro identidades macroeconmicas, pode-se agora
mostrar as relaes entre as vrias contas e deduzir os dois
equilbrios mais importantes para a dinmica da economia, posto que
condicionam o crescimento e a estabilidade. Tratam-se do equilbrio
externo e do setor pblico. Estas identidades servem de base para a
anlise dos instrumentos da poltica macroeconmica, objeto da
(XXX)lio 5.
1.3 - Os grandes equilbrios macroeconmicos: balano de pagamentos
e oramento pblico
possvel deduzir um conjunto de relaes relevantes para a anlise
da poltica macroeconmica a partir das identidades apresentadas na
seo (XXXCONFIRMAR) 1.2. No resto da lio 1 discute-se algumas relaes
entre as identidades macroeconmicas, mostrando que os resultados de
cada uma afeta o das demais.
1.3.1 - Absoro domstica e balano de pagamentos
Como j se mencionou antes, as economias nacionais so hoje
interligadas por meio de fluxos de mercadorias, recursos
financeiros, tecnolgicos e humanos, formando um complexo circuito
mundial de relaes econmicas e sociais. Qualquer pas depende, em
maior ou menor grau, do resto do mundo, seja para adquirir os meios
materiais e humanos necessrios produo domstica seja como mercado
para parte do produto nacional.
Uma parte do Produto Interno Bruto destinada (absorvida pelo) ao
mercado domstico, e outra parte destinada (absorvida pelo) ao resto
do mundo. Se uma economia absorve menos do que produz, a
alternativa
-
Manual de Macroeconomia 26
exportar o excedente para os demais pases do contrrio ficar com
parte do Produto encalhada e os produtores reduziro o nvel de
produo no perodo seguinte. O resultado claro: trabalhadores sero
demitidos, recursos produtivos ficaro ociosos, novos projetos sero
desacelerados ou engavetados e, dependendo da situao, a economia
entrar em crise.
Por outro lado, a economia s pode absorver domesticamente mais
do que seu produto se puder adquirir bens e servios no exterior.
Caso isto no seja possvel, tambm enfrentar problemas por causa da
escassez de bens e servios que inevitavelmente atingir o padro da
populao. A nica maneira de compatibilizar a disponibilidade de bens
e servios produzidos internamente com uma demanda mais elevada o
racionamento. Nas economias mercantis o racionamento feito por meio
do sistema de preos quando a oferta no suficiente para atender a
demanda a um preo inicial, esse subir e muitos consumidores
desistiro da compra. Fica claro, portanto, que quando a absoro
domstica maior do que a capacidade de adquirir bens e servios do
resto do mundo, os preos domsticos subiro, gerando inflao e
instabilidade monetria. Esta simples introduo evidencia a
importncia da absoro domstica e da capacidade de comprar e vender
para o resto do mundo.
As relaes entre absoro domstica e o resto do mundo podem ser
facilmente expressas em algumas equaes muito simples. O ponto de
partida est nas equaes do Produto Interno Bruto MXIGCPIB e da Renda
Nacional
PLFTUNMXIGCY .
Re-arrumando os termos, obtm-se:
MXIGCPIB )
PLFTUNMXIGCY
Nos dois casos, IGC representa o gasto total dos
residentes (famlias, empresas e governo) com consumo e
investimentos. Trata-se da parcela do Produto e da Renda que foi
absorvida domesticamente, ou seja, da Absoro Domstica.
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Manual de Macroeconomia 27
Denominando Absoro Domstica pela letra A, tm-se as identidades
bsicas da absoro domstica.
Eq. 9: MXAPIB
Eq. 10: PLFTUNMXAY
A Eq. 9 mostra que se a absoro for maior de que o PIB
(A>PIB), a identidade somente ser respeitada se as importaes (M)
superarem as exportaes (X). Foi visto anteriormente (XXXCONFIRMAR)
(seo 1.2.2) que (X - M) a balana comercial de bens e servios no
financeiros. Logo, uma absoro domstica maior que a produo
(A>PIB), implica um dficit na balana comercial (M>X).
Considerando a Eq. 10 da renda nacional, o raciocnio exatamente
o mesmo. Se a absoro for maior do que a renda (A> Y), a
identidade somente se manter se o lado direito da equao apresentar
dficit de igual magnitude. Ora, tambm na seo 1.2.2 vimos que (X -
M) + TUN + PLF expressa o balano de transaes em conta corrente, que
inclui exportaes e importaes, pagamentos de fatores (rendas de
capitais) e transferncias unilaterais. Logo, A>Y significa (X -
M) + TUN + PLF < 0, ou seja, um dficit em conta corrente que
dever ser financiado mediante a entrada de capitais, seja na forma
de investimentos, emprstimos de longo prazo ou aplicaes de curto
prazo, e/ou da variao das reservas internacionais. Esta relao
representada pela seguinte equao:
cKRPLFTUNMX int
O significado dos vasos comunicantes entre absoro domstica e
balano de pagamentos muito importante, j que, necessariamente, um
nvel de absoro superior ao produto e renda traduz-se,
respectivamente, em dficit da balana comercial e em conta corrente
que dever ser coberto por recursos do resto do mundo (o que
significa acumular um passivo em relao ao resto do mundo) ou pela
reduo das reservas internacionais (o que significa reduzir os
ativos do pas em relao ao resto do mundo). Ou seja, o nvel de
absoro domstica reflete-se em variaes dos ativos e passivos
internacionais do pas.
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Manual de Macroeconomia 28
Uma questo crucial que se coloca para a poltica econmica
assegurar que as empresas do pas sejam competitivas no mercado
internacional, possam gerar divisas para suprir as necessidades do
pas e, adicionalmente, contar com recursos do resto do mundo para
aumentar seu crescimento e nvel de bemestar em bases sustentveis e
duradouras.
1.3.2 - A poupana interna e externa
Se a absoro domstica for superior renda o pas est absorvendo
poupana externa. No h, a princpio, nenhum problema em absorver
recursos externos; ao contrrio, recomendvel que assim seja, desde
que os recursos provenientes do exterior sejam utilizados para
promover o desenvolvimento nacional e seus fluxos sejam
sustentveis. Do ponto de vista da poltica econmica, importante
conhecer os determinantes do nvel de absoro domstica e a sua
composio, pois ambos esto relacionados com a natureza da absoro e
com a possibilidade de sustentar um nvel de absoro domstica
superior renda nacional.
Intuitivamente, pode-se compreender que sero radicalmente
diversas as implicaes socioeconmicas de uma elevao do nvel de
absoro domstica se provocada por novos investimentos ou pelo
aumento do consumo de bens de luxo. Enquanto os investimentos geram
empregos e ampliam a capacidade de gerao de riquezas da economia, o
consumo de bens de luxo apenas aumentar o bem-estar de uma camada
social s custas de uma possvel fragilizao da economia nacional
diante do resto do mundo.
Estas relaes podem ser facilmente explicitadas por meio das
equaes de poupana externa e interna. Inicialmente, deve-se
introduzir o conceito de renda disponvel, definido como a renda (Y)
aps o pagamento de impostos (T) ao governo. Para obter a renda
disponvel (Y -T), basta subtrair T em ambos os lados da equao da
renda nacional (Eq. 4). conveniente separar o investimento total da
economia (I) em investimento
privado pI e investimento do governo gI , de tal maneira que gp
III . O resultado :
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Manual de Macroeconomia 29
Eq. 11: PLFTUNMXTIGICTY gp
Observe que T expressa as receitas operacionais do governo
obtidas pelos impostos diretos e indiretos, G os gastos correntes e
gI os investimentos pblicos, logo, TIG g a
expresso do dficit ou supervit do governo.
Reordenando a Eq. 11, tem-se:
Eq. 12: PLFTUNMXIGTICTY gp
onde,
(Y-T-C) representa a poupana privada pS
(T - G) a poupana do governo gS , a qual positiva quando
0gS , e negativa quando 0gS . Neste caso o governo tem um
dficit.
X - M + TUN + PLF o balano de transaes correntes do pas. Se a
expresso negativa, o pas tem um dficit em transaes correntes, o que
significa absoro de poupana externa na forma de investimentos ou
emprstimos.
A equao da poupana externa e interna :
Eq. 13: PLFTUNMXIISS gpgp
O significado dessa equao bastante claro: se os investimentos,
pblico e privado, superam a poupana domstica gpgp SSII , esta
brecha dever ser coberta por poupana externa para que a identidade
seja mantida. Caso o pas no atraia suficiente poupana externa para
cobrir esse dficit, no ter condies de manter o nvel de
investimento, o que implicar reduo da taxa de crescimento e/ou em
presses inflacionrias. Fica clara, portanto, a importncia da
restrio externa para o crescimento econmico.
possvel perceber, a partir da Eq. 13, algumas relaes entre
dficit pblico, crescimento e balano de pagamentos: poupana do
governo negativa implica em uma reduo dos seus investimentos e na
necessidade de cobrir o dficit pblico
-
Manual de Macroeconomia 30
com poupana privada interna e/ou externa. Em ambos casos,
provvel que a economia como um todo tenha prejuzo, pois sobraram
menos recursos para os investimentos privados e aumentar sua
vulnerabilidade diante do resto do mundo.
1.3.3 - Equilbrio externo e a equao do balano de pagamentos
A estrutura e a equao do balano de pagamentos j foi estudada
XXXna seo 1.2.2. Para compreender melhor o significado da restrio
externa e da restrio oramentria conveniente dividir a Renda
Nacional Bruta (Y) em seus dois componentes principais: consumo (C)
e poupana (S) (Dornbusch & Helmers, 1988: 380 e seguintes).
Sabemos que a renda gasta com consumo e investimentos, podendo
tambm ser poupada [por simplicidade, C e I incluem o consumo (G) e
o investimento do governo ( gI )]. Assumindo que toda a poupana (S)
transforma-
se em investimento (I), pode-se escrever que Y = C + S. Em
termos da equao da renda nacional apresentada na seo 1.2.2,
tem-se:
SCPLFTUNMXICPLFTUNPIBY
Subtraindo da renda o total de gastos domsticos (C+I) e
reordenando a equao acima, chega-se a:
ICSCICPLFTUNMXICICPLFTUNPIBY
Eq. 14:
cKRIntPLFTUNMXICSCICPLFTUNPIBY
Vimos que X - M + TUN + PLF + Ck = RInt a expresso
do balano de pagamentos; logo, X - M + TUN + PLF = RInt -
Ck, onde (RInt - Ck) pode ser entendido como a variao na posio
dos ativos internacionais do pas.
O significado da equao claro e relevante. Ela diz que a renda
nacional de um pas menos seu gasto domstico em produtos finais
igual receita de divisas externas menos o gasto de divisas ou seja,
igual ao supervit em transaes correntes do balano de pagamentos
(Dornbush & Helmers, 1988: 380).
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Manual de Macroeconomia 31
Se a renda inferior ao gasto domstico em produtos finais [Y<
(C+I)], o pas gasta mais divisas do que recebe e sua posio
internacional deteriora-se. O financiamento do dficit em transaes
correntes supe ou (a) uma reduo das reservas internacionais, (b)
uma reduo de outros ativos internacionais e/ou (c) um maior
endividamento externo.
Mais alm dos aspectos tcnicos, a Eq. 14 expressa de forma clara
a relao entre o equilbrio interno indicada de maneira simplificada
pela identidade do Produto e Renda (Oferta agregada = Demanda
agregada) e o equilbrio externo.
1.3.4 - Equilbrio Oramentrio e Equao do Oramento Pblico
Interessa agora examinar o papel do oramento pblico e suas
relaes com o equilbrio interno e externo. J foi visto que
o governo consome gC , poupa gS e investe gI . A receita
corrente gR do governo composta dos impostos diretos e indiretos
(T), das contribuies sociais, dos lucros das empresas pblicas e de
doaes. Os gastos correntes incluem compras de bens e servios gC ,
um conjunto de transferncias tG feitas para a sociedade (seguridade
social, subsdios e transferncias s empresas pblicas) e os
pagamentos de juros da dvida pblica (por simplificao includo em tG
).
A poupana do governo gS , ento, igual receita corrente menos o
gasto corrente:
tggg GCRS
Considerando as receitas e os gastos correntes e descontadas as
transferncias, a equao acima pode ser reescrita para ggtgg CTCGRS ,
desde que,
gg SGT .
Ou seja, assim definidos, as receitas do governo T so as
receitas correntes menos os pagamentos a ttulo de transferncia tG ,
sendo portanto iguais ao consumo do governo gC mais um resduo que
representa a poupana governamental gS (Dornbusch & Helmers,
1988: 381).
-
Manual de Macroeconomia 32
Os gastos do governo (G) consistem do seu consumo gC e
investimento gI . A receita menos gasto ento igual a:
Eq. 15: GTICSC gggg
A Eq. 15 uma expresso do dficit pblico corrente ou operacional
do setor pblico, j que considera apenas os gastos e as receitas
correntes do governo e no leva em conta nem as transferncias
realizadas para a sociedade a conta da seguridade social tende a
ser deficitria na maioria dos pases nem o pagamento de juros das
dvidas interna e externa que em geral absorvem grandes somas de
recursos fiscais tanto em pases desenvolvidos como em
desenvolvimento. O dficit ou supervit do setor pblico tem
importantes implicaes para equilbrio interno e externo. O prximo
item tratar das relaes entre oramento pblico e balano de
pagamentos.
1.3.5 - Oramento pblico e balano de pagamentos
A equao do balano de pagamentos pode ser rescrita para
evidenciar as relaes entre as transaes em conta corrente e o
oramento pblico. Da Eq. 14 sabe-se que
CkRIntPLFTUNMXICSC
Pode-se desagregar as variveis da equao acima em seus
componentes privado e pblico. O resultado :
intAPLFTUNMXICSCICSC ppppgggg
Utilizando a equao GTICSC gggg na anterior, aps simples arrumao
dos termos, tem-se:
Eq. 16: intAPLFTUNMXISGT pp
O significado de cada um dos trs termos da Eq. 16 j conhecido,
mas vale a pena repetir.
(T - G) - (Sp - Ip) expressa os excedentes oramentrios do setor
pblico e privado;
-
Manual de Macroeconomia 33
(X - M) + TUN + PLF o balano em transaes correntes do pas com o
resto do mundo, que indica o ingresso e sada de divisas da
economia;
Aint a variao dos ativos internacionais lquidos do pas.
A Eq. 16 importante porque mostra a relao entre oramento do
governo (T -G), o funcionamento do setor privado pp IS e a conta
corrente do pas [(X - M) + TUN + PLF].
Um dficit do setor pblico GT afeta no apenas o
resultado do balano em transaes correntes como tambm as operaes
do setor privado mediante a elevao da poupana privada pS e/ou reduo
dos investimentos privados pI necessrios para compensar, pelo menos
parcialmente, tal dficit.
Isto mostra claramente que os problemas do balano de pagamentos
no podem ser considerados apenas do ponto de vista comercial; ao
contrrio, em muitos casos a causa primeira do dficit externo o
desequilbrio fiscal do governo, cujo dficit gera uma absoro
domstica no sustentvel externamente. Tambm evidencia que, muitas
vezes, o dficit do governo contribui para explicar o lento
crescimento ou estagnao de muitas economias, particularmente
quando, enfrentando dificuldades para cobri-lo com recursos
externos, o governo passa a utilizar poupana domstica para manter
os gastos operacionais e pagar os servios da dvida pblica em
detrimento tanto dos investimentos pblicos como dos investimentos
privados. Em alguns casos, a poupana privada utilizada para
financiar investimentos pblicos, mas em outros para cobrir consumo
corrente ou apenas pagar dvidas. Neste caso, o impacto sobre o
crescimento mais severo.
O problema da poltica econmica conduzir a economia por um
caminho sustentvel do ponto de vista macroeconmico. Isto pode
requerer a realizao de reformas profundas para corrigir
desequilbrios estruturais, ou apenas ajustes de rotas, realizados
quotidianamente, para manter a trajetria e ritmo compatvel com o
equilbrio interno e externo. Estas reformas ou ajustes incidiro
sobre a composio do gasto interno (consumo e investimento; exportao
e importao),
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Manual de Macroeconomia 34
sobre o nvel de absoro domstica, sobre as contas pblicas e sobre
os mecanismos de financiamento da economia.
Antes de analisar os instrumentos da poltica macroeconmica
conveniente apresentar, ainda que brevemente, o significado dos
preos macroeconmicos como preos bsicos da economia. a tarefa das
lies (XXXCONFIRMAR) 2, 3 e 4. Estes macropreos incidem sobre toda a
economia por meio dos custos de produo, da formao dos preos reais
da economia e da alocao de recursos entre os setores e dentro de
cada setor, as opes tecnolgicas e a distribuio de renda. So tambm
responsveis, em grande medida, pelos equilbrios macroeconmicos,
seja no curto ou longo prazo.
Na verdade, a poltica macroeconmica no se limita a buscar e
manter a sustentabilidade macro, mas contribui decisivamente para
definir a prpria trajetria da economia segundo determinada
estratgia de desenvolvimento econmico. Por isso no se pode separar
a macroeconomia e a poltica macroeconmica das questes de
desenvolvimento econmico, como se um viesse antes do outro. Este
talvez seja um dos maiores erros de muitos macro-economistas
responsveis pela formulao das polticas econmicas: separar a busca
do equilbrio macro dos objetivos de desenvolvimento. Por esta razo,
no raramente boas polticas macroeconmicas tm redundado em grandes
fracassos.
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Manual de Macroeconomia 35
LLIIOO 22
2 A taxa de juros
2.1 - O juro como reflexo da escassez de capital
Em um sentido muito geral, mas nem por isso impreciso, pode-se
pensar no juro como o preo do dinheiro. Um agente que deseje
comprar dinheiro vai ao banco e acerta um emprstimo com seu
banqueiro, pagando uma certa taxa pelo uso do dinheiro.
Em termos mais rigorosos, a teoria econmica hoje dominante
considera o juro como a remunerao do capital-dinheiro que as
famlias e empresas pem disposio da sociedade para o uso de outros
agentes econmicos. Essa remunerao regulada pelo princpio da
escassez do capital e, em certo sentido, opera uma arbitragem entre
o presente e o futuro. Desse ponto de vista, a taxa de juros tem
dois determinantes: (a) a produtividade marginal do capital ; (b) a
valorao social do futuro em relao ao presente.
A taxa de juros funciona como um dos principais sinais que
orientam a alocao dos recursos, particularmente os investimentos.
Se a taxa de juros baixa, o custo do investimento no presente ser
baixo, incentivando e facilitando os investimentos em geral e, em
especial, os de longo prazo de maturao. Isto significa que o valor
presente do futuro maior, ou seja, uma arbitragem em favor do
bemestar futuro.5 O problema que o nvel da taxa de juros afeta
tambm a poupana, e juros artificialmente baixos podem desestimular
os potenciais poupadores a poupar. Poderia ocorrer que os
investimentos, mesmo rentveis, no encontrem fontes de
financiamento.
5 A poltica governamental est freqentemente encurralada entre o
valor da escassez do
capital para aumentar a produo e o desejo de colocar o capital
disposio de uma taxa que reflita a valorizao do governo sobre o
consumo futuro em relao ao consumo corrente (Timmer, Falcon &
Pearson, 1983: 235).
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Manual de Macroeconomia 36
Outra conseqncia de uma taxa de juros artificialmente baixa pode
ser a fuga de recursos para outros mercados que oferecem
rendimentos mais altos ou a dificuldade para atrair poupana
externa, particularmente em um contexto de liberalizao e globalizao
dos mercados financeiros como o de hoje. Nas economias modernas e
abertas, caracterizadas pela integrao dos mercados financeiros
internacionais, a taxa de juros uma das variveis mais relevantes na
determinao do movimento dos capitais financeiros entre os
pases.
Por outro lado, uma taxa de juros alta reflete a maior escassez
presente de capital, pode aumentar a poupana presente, mas
compromete o futuro. Alguns projetos de investimento sero
suficientemente rentveis para suportar um custo de financiamento
mais elevado dada a taxa de juros alta. Ademais, ao desvalorizar o
futuro, os investimentos tendero a ser, sobretudo, de curto prazo.
Assim, um dos desafios mais importantes da poltica macroeconmica
encontrar, em cada momento, a taxa de juros que seja capaz de
equilibrar estas tenses entre o presente e o futuro e garantir o
crescimento sustentado da economia.
Por este enfoque, so trs as dimenses relevantes a serem
consideradas em relao taxa de juros:
1) Os efeitos que pode ter uma taxa de juros administrada sobre
o volume de crdito. Dada a escassez de capital, em muitos casos os
governos implementam polticas voltadas para dirigir os recursos
disponveis para atividades consideradas prioritrias e reduzir o
preo do dinheiro por meio de racionamento do crdito e administrao
da taxa de juros. Cabe perguntar quais sero os efeitos de uma taxa
de juros administrada ou oficial sobre o funcionamento da economia?
Se o Governo fixa a taxa de juros abaixo da taxa de juros de
equilbrio (que teoricamente refletiria a escassez relativa de
capital), o crdito tende a tornar-se escasso porque tanto aumenta a
demanda de crdito como se reduz a poupana. A escassez do crdito
traduz-se em um racionamento que inevitavelmente favorece alguns
agentes privilegiados: uma taxa de juros baixa provoca racionamento
do crdito e poupana reduzida e a razo da taxa de juros nos mercados
residuais ser mais alta do que seria sem os limites
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Manual de Macroeconomia 37
impostos taxa de juros oficial (Timmer, Falcon & Pearson,
1983: 237).6
2) O risco de desintermediao financeira. A fixao da taxa de
juros deve levar em conta o nvel da taxa de inflao a fim de evitar
o risco de desintermediao financeira. A inflao reduz o poder de
compra dos ativos monetrios, o valor real dos crditos e o poder de
compra dos pagamentos de juros. Nesse sentido, para uma taxa de
juros nominal (In) fixa, a inflao (p*) favorece aos credores e
afeta aos tomadores de emprstimo sempre que In
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Manual de Macroeconomia 38
necessria e automaticamente, em formao de capital, j que os
custos financeiros resultantes da taxa de juros real positiva podem
inviabilizar a realizao de novos investimentos.
3) A rapidez da formao de capital. Uma taxa de juros subsidiada
(negativa em termos reais) favorece os investimentos e, portanto, o
crescimento econmico. (VAL) Isto aceito, dever-se-ia aceitar tambm
que um aumento das taxas de juros seria um obstculo ao processo de
desenvolvimento e que seria mais fcil promover um crescimento rpido
com taxas subsidiadas. Convm distinguir os efeitos estticos dos
efeitos dinmicos. A considerao de ambos os efeitos leva concluso de
que taxas de juros artificialmente baixas no mantm fluxos de
investimentos capazes de assegurar crescimento sustentvel, e ainda
produzem distores alocativas importantes, como favorecer
investimentos em tecnologias intensivas em capital (recurso
escasso) em detrimento do trabalho (recurso mais abundante). O
Quadro 11 resume esses efeitos.
Para aumentar a taxa de crescimento necessrio aumentar a taxa de
investimento, a qual supe gerar a poupana necessria para financiar
os investimentos. A pertinncia desse resultado repousa no postulado
que a poupana gera o investimento, o qual no pacificamente aceito
pelos economistas. Sob esta suposio, a taxa de juros nominal acima
da taxa de inflao, ou seja, taxa de juros real positiva, um estmulo
essencial para que os agentes decidam poupar. Logo, taxas de juros
artificialmente baixas comprometeriam a poupana e, por conseguinte,
o investimento e o crescimento econmico.
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Manual de Macroeconomia 39
Quadro 11: Efeitos estatsticos e dinmicos da poltica da taxa de
juros
TAXA DE JUROS BAIXA TAXA DE JUROS ALTA
Efeitos estticos no curto prazo
Aumenta o investimento dos que tem acesso privilegiado ao
crdito.
Diminui os investimentos dos credores privilegiados e aumenta
nos mercados informais de crdito.
Efeitos estticos no longo prazo
Diminui a poupana
Desintermediao financeira
Ineficiente alocao de capital nos investimentos produtivos
Baixo crescimento econmico
Diminuio da inverso
Aumenta a poupana
Aprofundamento financeiro
Melhora da alocao de capital em investimentos produtivos
Alto crescimento econmico
Aumento do investimento
Adoo de Tecnologia Produtiva
Intensiva em capital, poupadora de mo-de-obra
Dbil crescimento de emprego
Intensiva no trabalho, poupadora de capital
Rpido crescimento de emprego
Fonte: Baseado em Timmer, Falcon & Pearson, (1983: 241).
2.2 - Uma viso alternativa da taxa de juros
Na seo anterior vimos que, em um modelo neoclssico, a taxa de
juros reflete o valor da escassez do capital; assim, a escassez
aparece como o principal determinante da taxa de juros. O princpio
keynesiano de determinao da taxa de juros diferente, j que segundo
Keynes o juro no recompensa nenhum sacrifcio genuno e nem tampouco
o faz a renda da terra. O proprietrio de capital pode obter juros
porque este escasso, da mesma maneira que o dono da terra pode
receber renda devido limitao; mas enquanto possivelmente existam
razes intrnsecas para a escassez da terra, no existem para o
capital. (Sempre) possvel que a poupana coletiva possa manter-se
atravs da interveno do Estado, a um nvel que permita o crescimento
do capital at que deixe de ser escasso (Keynes, s/d.: 331).
Para completar este princpio,8 necessrio explicar o crdito
bancrio e suas relaes com a dinmica econmica. O
8 No podemos desenvolver aqui o modelo de base da teoria
ps-keynesiana.
Nos limitaremos a apresentar as concluses do modelo quanto
regulao da
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Manual de Macroeconomia 40
crdito que os bancos outorgam s empresas assenta-se em duas
condies. Por um lado, a crena dos bancos no futuro prometido pelas
antecipaes das empresas e, por outro lado, a capacidade de os
bancos fazerem com que o resto da sociedade comparta esta crena. A
sociedade pode se reproduzir e crescer desde que, em cada fase, as
empresas possam obter meios para investir e financiar suas
antecipaes, tendo como restrio o estado da tcnica disponvel. O
crdito a instituio que possibilita o investimento e a reproduo
social.
A empresa deve, ento, investir, mas para isso deve fazer que os
bancos compartam sua antecipao do futuro. Por sua vez, os bancos
somente aceitaro as expectativas das empresas e concordaro em
financi-las se essas se comprometerem com o pagamento de uma renda
aos possuidores dos ativos financeiros: a relao do fluxo de renda
ao quantum da nova dvida valora o estado da preferncia pela
liquidez dos bancos (Parguez, 1987: 759). Esta relao a taxa de
juros, que reflete, no o valor de escassez do capital, mas a
preferncia pela liquidez dos bancos.
A preferncia pela liquidez dos bancos tem um valor, o qual
agregado aos custos de operao oC e ao lucro bancrio bG (de um nvel
tal que permita a expanso do sistema bancrio e faa rentvel a funo
de financiamento), na determinao da taxa de juros (i). Esta
sobretaxa 1P reflete tanto o risco associado ao crdito como o grau
da preferncia pela liquidez.
Eq. 18: lbo PGCi
01 P , significa que os bancos agregam uma nova restrio ao
funcionamento do sistema: as antecipaes das empresas no somente
devem respeitar o estado da tcnica disponvel, como normal, mas
assegurar um nvel de rentabilidade suficiente para cobrir a
sobretaxa exigida pelos bancos, o que, em muitos casos, submete a
produo s finanas especulativas.
taxa de juros. O leitor interessado poder ver o Anexo 1(VAL): A
economia monetria de produo.
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Manual de Macroeconomia 41
A taxa de juros determina a taxa de lucro mnima requerida e, por
isso, o movimento da taxa de juros encontra-se no corao do sistema
econmico e de suas transformaes. Mas, na medida em que a taxa de
juros reflete uma maior preferncia pela liquidez dos bancos e
torna-se fortemente positiva em termos reais, ela introduz uma
penalidade sobre a produo, o investimento, o emprego e as
possibilidades futuras de crescimento. As empresas temem a perda do
controle sobre seu capital, temem a insolvncia como conseqncia das
altas cargas financeiras, tendem a desenvolver tambm uma preferncia
pela liquidez que entra em contradio com sua funo produtiva. As
empresas tornam-se prudentes e vem-se obrigadas a jogar contra as
leis do sistema.
Nesse sentido, a crise no resulta do endividamento, mas do
rechao social em apostar no futuro com mais endividamento, o qual
toma a forma de uma exacerbada preferncia pela liquidez e taxas de
juros reais positivas elevadas. A taxa real positiva aqui uma
deformao do sistema, contrariamente ao que acontece no enfoque
neoclssico, aonde aparece como uma condio do funcionamento normal
do financiamento bancrio.
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Manual de Macroeconomia 42
LLIIOO 33
3 O Salrio: alocao de recursos versus dinmica da demanda
efetiva
XXXO salrio a remunerao da fora de trabalho pelo esforo
despendido durante determinado perodo. Pode, portanto, ser
considerado como o preo do trabalho. A taxa de salrio pode ser o
resultado de uma negociao coletiva entre empregadores e
trabalhadores, mediada ou no pelo governo, ou estabelecida no
mercado pela oferta e demanda de trabalho; em mercados informais e
menos desenvolvidos, alm da oferta e demanda interferem ainda a
tradio e as normas comunitrias. Neste jogo, os empresrios tm em
geral maior poder de barganha que os trabalhadores, especialmente
se estes no esto organizados (Timmer, Falcon & Pearson, 1983:
242).
Talvez mais do que em outros mercados, o funcionamento do
mercado de trabalho profundamente marcado pelas instituies, ou
seja, pelo conjunto de regras escritas e no escritas, que definem o
marco geral e especfico para o funcionamento da sociedade, e no
qual os agentes tomam todas as suas decises.
No mundo real, o mercado de trabalho no perfeito e seu
funcionamento est sujeito a vrias falhas que reduzem, de forma
considervel, sua eficincia alocativa. Em todas as partes, a
interveno governamental na regulao do preo da fora de trabalho foi
decisiva, tanto para arbitrar conflitos de interesses de curto
prazo, como para orientar a alocao de recursos e a conseqente
configurao socioeconmica das sociedades em formao.
Em muitos pases essa interveno levou definio de um salrio mnimo.
Muitos autores argumentam que tal interveno produziu vrios efeitos
negativos, seja no nvel microeconmico, seja no nvel macroeconmico,
que contribuiriam para aumentar o desemprego e o emprego informal
nos pases em desenvolvimento e para reduzir o crescimento econmico.
Embora tais dedues sejam
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Manual de Macroeconomia 43
consistentes com as lies tericas, no h nenhuma comprovao ou
evidncia de que os resultados produzidos pelo mercado de trabalho
livre da interveno governamental seriam superiores, seja em termos
de bem-estar, seja em termos de eficincia. Os efeitos
macroeconmicos da regulao salarial so complexos dado o fato de que
o salrio tem uma dupla natureza: custo de produo e fonte de demanda
efetiva. Alm disso, o nvel dos salrios intervm diretamente na
distribuio da riqueza social, sendo, portanto, foco de intensa luta
distributiva entre os agentes econmicos.
3.1 - Salrio mnimo, adoo tecnolgica e migrao
A definio de um salrio mnimo uma das formas mais comum de
interveno governamental no mercado de trabalho, especialmente nos
pases em desenvolvimento, caracterizados por abundante oferta de
mo-de-obra, baixo nvel de organizao social e forte assimetria de
poder entre as classes sociais.
A avaliao dos efeitos dessa regulao difere entre as escolas
econmicas. O enfoque neoclssico segue a mesma linha de raciocnio j
exposta na anlise da taxa de juros subsidiada. Para essa corrente,
o salrio deveria ser igual produtividade marginal do trabalho.
Fix-lo acima deste nvel beneficiaria somente a alguns privilegiados
e reduziria o nvel de emprego geral da economia.
Se o salrio fosse fixado no nvel de equilibro para o mercado
urbano de trabalho, haveria uma salrio de equilbrio ew com um nvel
de emprego eL . A fixao do salrio mnimo mw acima de ew cria uma
brecha entre a oferta sL e a demanda dL de trabalho, pois os
empregadores reduziriam a oferta de empregos e mais trabalhadores
estariam dispostos a trabalhar ao novo nvel de remunerao. Nesse
caso, o emprego efetivo seria determinado pela demanda de trabalho.
Como ed LL , o resultado final seriam salrios so mais
elevados, mas menos trabalhadores conseguiriam empregos.
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Manual de Macroeconomia 44
SALRIO DE EQUILBRIO SALRIO MNIMO
Salrios baixos Salrios altos
Pleno emprego Desemprego
Outras razes levam este enfoque a opor-se a um aumento
artificial dos salrios. Por um lado, ao encarecer o fator trabalho,
uma poltica de salrios altos estimula a adoo de tcnicas intensivas
de capital em detrimento da utilizao dos recursos abundantes
disponveis. Por outro lado, como esse tipo de regulamentao de mais
fcil aplicao nos meios urbanos, a perspectiva de obter um salrio
mais alto na cidade estimula a migrao para as cidades, contribuindo
para aumentar a oferta de trabalho no qualificado e a pobreza
urbana.
A concluso do enfoque neoclssico que os salrios urbanos reais de
equilbrio que refletem com preciso a abundncia de trabalho, podem
ser muito baixos e provavelmente deixem muitas famlias na pobreza.
A alternativa, sem dvida, pior: um mercado de trabalho segmentado
com muitas famlias sem recursos devido ao desemprego ou pela baixa
produtividade do emprego existente (Timmer, Falcon & Pearson,
1983: 246).
Ainda que esse enfoque explique corretamente muitas situaes, em
geral desconsidera tanto os efeitos micro como macroeconmicos da
regulao do salrio, especialmente os efeitos dinmicos que exercem na
configurao socioeconmica e, por conseguinte, no prprio
funcionamento da economia.
3.2 - Os salrios e a dinmica da demanda efetiva
Para entender os efeitos macroeconmicos da regulao salarial,
necessrio ter em mente duas coisas. Primeiro, o salrio tem dois
papis nas economias capitalistas: um custo de produo para as
empresas que o pagam e ao mesmo tempo parte do poder de compra da
sociedade, o qual responsvel pela absoro de parte da produo social.
Em seu papel contraditrio de elemento principal do custo varivel de
produo e de fonte importante da demanda, os movimentos da taxa de
salrio tm um efeito complexo, inclusive ambguo, sobre o nvel de
emprego e de produo (Bhaduri & Marglin, s/d.: 375). Segundo, so
duas as
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Manual de Macroeconomia 45
formas de aumentar a demanda efetiva e, assim, o nvel de produo:
estimulando o consumo ou promovendo o investimento.
Nesse sentido, dada a taxa de poupana mais alta dos empresrios
em relao taxa de poupana dos assalariados, claro que uma
redistribuio das rendas dos capitalistas para os assalariados
aumentaria o consumo e diminuiria a poupana, pelo menos de
imediato. O problema saber se este aumento de consumo no vai ser
contrabalanado por uma queda do investimento como conseqncia da
provvel diminuio dos lucros decorrente da elevao dos salrios. Dito
de outra maneira, como conseqncia de um aumento dos salrios, a
demanda efetiva (C+I) pode aumentar ou diminuir segundo o impacto
que um lucro menor tenha sobre o investimento (Bhaduri &
Marglin, s/d.: 378).
possvel identificar, a priori, duas configuraes para a dinmica
entre salrios e demanda efetiva: (i) um padro integrado de
acumulao, no qual o aumento dos salrios reais absorvido como
demanda agregada e enseja respostas virtuosas das empresas em por
meio da adoo de novas tecnologias, elevao da produtividade do
trabalho, criando condies reais para novas elevaes dos salrios e do
nvel geral de bem-estar da populao; (ii) um padro desarticulado de
acumulao, no qual o papel da massa de salrios na formao da demanda
agregada no chega a compensar o papel do salrio como custo para as
empresas, sendo mais racional, no curto e longo prazo, manter
baixos salrios do que investir em elevao da produtividade para
elevar os lucros e compensar aumentos de salrio real.
Pode-se demonstrar que o salrio real mais alto estimula o nvel
da atividade econmica mediante o aumento da demanda efetiva; mas
esse efeito positivo depende da estrutura econmica do pas, em
particular da possibilidade de expandir a produo domstica e as
importaes para atender ao consumo de massas e sustentar a elevao do
salrio real, evitando assim que o efeito inicial seja esterilizado
pela inflao. A resposta dos investimentos variao do salrio real e s
mudanas na partio da renda nacional , portanto, crucial
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Manual de Macroeconomia 46
para a determinao da dinmica econmica e da configurao
socioeconmica resultante.
A outra configurao manter baixos os salrios da massa de
trabalhadores, o que no se traduz, necessariamente, em ausncia de
crescimento. Se o baixo consumo das massas for compensado por
investimentos dirigidos para consumo de elite, a economia pode
crescer durante, ainda que abaixo do seu potencial, devendo ainda
se acentuar a concentrao de renda e o carter excludente do modelo
econmico (Bhaduri & Marglin, s/d.: 379).
As relaes entre distribuio de renda e crescimento econmico tm
sido analisadas e verificadas pela maior parte dos modelos
macroeconmicos, os quais, com pequenas nuanas, chegam seguinte
concluso:
claro que uma grande proporo da demanda de produtos industriais
encontra sua origem em uma parte muito estreita da populao. As
manufaturas vendidas aos ricos, que so relativamente pouco
numerosos, utilizam somente uma parte da capacidade instalada no
setor de bens intermedirios e de capital. Somente uma ampla demanda
de bens de consumo massivo pode conduzir a uma plena utilizao da
capacidade instalada. Mas isto exige por sua vez, a existncia de
rendas para os pobres. Uma distribuio desigual da renda, ao atuar
sobre as funes de demanda, pode restringir as perspectivas de um
crescimento industrial sustentado.9
9 Deepak Nayvar, citado por Taylor, L., Distribuio, demanda
efetiva e ajuste
macroeconmico, in Ocampo, J. A., Economia pos-keynesiana, pg.
444. Ver tambm Hirschman, A., Devaluation and the trade balance: a
note, em Review of economics and statistics, 1949; Diaz-Alejandro,
C., A note on the impact of devaluation and distributive effect, em
Journal of Political Economy 71, 1963 e Cooper, R., An assessment
of currency devaluation in developing countries, em Ranis, C.,
Government and economic developing, New Haven, Yale University
Press, 1971.
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Manual de Macroeconomia 47
LLIIOO 44
4 O papel da taxa de cmbio
As relaes econmicas e financeiras internas so feitas em moeda
nacional (ou outra adotada pelo pas), de curso forado em todo o
territrio nacional. Nas operaes com outros pases, so utilizadas
apenas divisas aceitas internacionalmente. Como os preos dos bens,
servios e ativos so cotados em moedas diferentes, necessrio
convert-los a um denominador comum. A taxa de cmbio usualmente
definida como o preo, em unidades de moeda nacional, de uma unidade
de moeda estrangeira. A taxa de cmbio tem efeitos importantes que
permeiam toda a economia, pois afeta os preos relativos, a alocao
dos recursos e a distribuio de renda. Muitos economistas a
consideram o preo mais importante de toda a economia.
4.1 - Alguns conceitos bsicos
A taxa de cmbio pode ser definida de maneiras diferentes. O
conceito mais comum, que ser adotado aqui, consider-la como a taxa
por meio da qual se pode converter a moeda de um pas em moeda
estrangeira. Ou seja, o preo de 1 unidade da moeda estrangeira.
Por exemplo: necessria uma unidade da moeda local Real (R$ 1,00)
para adquirir uma unidade de dlar americano (US$ 1), logo, a taxa
de converso do Real em US dlar, ou taxa de cmbio, de 1 para 1.
X unidades de R$ = US$1,00
A taxa de cmbio nominal, representada por En, indica
precisamente a quantidade de moeda local necessria para adquirir
uma unidade da moeda estrangeira.
Uma desvalorizao nominal da taxa de cmbio, ou desvalorizao
cambial, indica que a moeda local perdeu valor nominal diante da
estrangeira sendo, portanto, necessrias mais unidades de moeda
local para comprar a mesma unidade de
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Manual de Macroeconomia 48
moeda estrangeira (o preo de um dlar passaria, por exemplo, de
R$ 1,00 para R$ 1,20, indicando uma desvalorizao nominal de
20%).
En = R$ por US$ 1,00
Uma valorizao nominal da moeda local significa que seu valor
nominal aumentou em relao moeda estrangeira e que, portanto,
pode-se comprar uma unidade dessa pagando menos em moeda local.
Neste caso, o preo do dlar passaria de R$ 1,00 para R$ 0,80.
Olhando do ponto de vista da economia nacional, uma desvalorizao
significa um encarecimento dos bens e servios produzidos e vendidos
pelos demais pases; simultaneamente, significa que os bens e
servios produzidos pela economia nacional ficaram mais baratos para
o resto do mundo. J a valorizao significa que os preos de bens e
servios praticados no resto do mundo ficaram mais baratos quando
convertidos moeda local.
Desde logo, pode-se compreender a importncia que tem a taxa de
cmbio na determinao dos fluxos de comrcio internacional e na
dinmica da economia: tudo o mais constante, a desvalorizao
encarece, e, portanto desencoraja as importaes, ao mesmo tempo em
que pode incentivar o aumento das exportaes.
Supondo a existncia de um preo de equilbrio da moeda local, (por
exemplo, R$ 1,00 por US$ 1,00), definido de forma muito
simplificada como o preo que iguala a oferta e demanda de moeda
estrangeira, o Real estaria sobrevalorizado se um dlar custasse
menos que R$ 1,00, e estaria subvalorizado se o dlar custasse mais
de R$ 1,00.
A questo do valor apropriado da taxa de cmbio , como ser visto
adiante, uma das polmicas mais fortes entre os economistas. Isto se
deve, pelo menos em parte, inexistncia, no mundo real, de uma taxa
de cmbio de equilbrio que estabilize o mercado de moedas e anule as
foras endgenas e exgenas que atuam cotidianamente para modificar as
condies vigentes no mercado.
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Manual de Macroeconomia 49
Alm disso, como tambm ser examinado mais adiante, a prpria taxa
de cmbio pode desempenhar papis diferentes na economia como ncora
monetria e como incentivo para as exportaes , e o valor adequado em
um caso no ser para outro. Nem sempre possvel conciliar essas
funes, muito menos quando a Autoridade Monetria tem controle
limitado sobre o comportamento da varivel, como ocorre com a taxa
de cmbio a partir dos anos 80.
Na verdade, o mercado de moedas , hoje, um dos mais complexos e
instveis, com operaes em escala mundial envolvendo bilhes de dlares
diariamente, e sendo afetado por um conjunto to amplo de variveis
econmicas, financeiras, polticas e estratgicas a ponto de ser,
virtualmente, impossvel determinar, com um mnimo de segurana, seu
comportamento futuro.
Par