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TEXTOS Crtica do Trabalho
Repensando a crtica de Marx ao capitalismo
Moishe Postone
INTRODUO
Neste trabalho, desenvolverei uma reinterpretao fundamental da
teoria crtica madura de Marx a fimde reconceituar a natureza da
sociedade capitalista. A anlise de Marx das relaes sociais e
dasformas de dominao que caracterizam a sociedade capitalista pode
ser mais proveitosamentereinterpretada pelo repensar das categorias
centrais de sua crtica economia poltica. (1) Com esteobjetivo,
procurarei desenvolver conceitos que preencham dois critrios:
primeiro, que os mesmosdevem apreender o carter essencial e o
desenvolvimento histrico da sociedade moderna; e, segundo,serem
capazes de superar as familiares dicotomias tericas entre estrutura
e funcionamento,significado da vida e vida material. Com base nesta
abordagem, tentarei reformular a relao entre ateoria marxiana e os
atuais discursos da teoria poltica e social, de uma forma tal que
tenhasignificao terica, hoje, e fornea uma crtica bsica s teorias
marxistas tradicionais e ao que foidenominado de "socialismo
realmente existente". Ao fazer isto, espero lanar os fundamentos de
umaanlise crtica da formao social capitalista, diferente e mais
poderosa; uma crtica mais adequada aofinal do Sculo XX.
Tentarei desenvolver tal compreenso do capitalismo com base na
anlise de Marx, distinguindoconceitualmente o ncleo fundamental do
capitalismo, na atualidade, das formas que assumia noSculo XIX.
Fazer isso significa questionar muitos dos pressupostos bsicos das
interpretaesmarxistas tradicionais. Por exemplo, no analiso o
capitalismo, primordialmente, em termos dapropriedade privada dos
meios de produo ou em termos do mercado. Ao contrrio, como se
tornarclaro mais adiante, conceituo o capitalismo em termos de uma
forma historicamente especfica deinterdependncia, com um carter
impessoal e aparentemente objetivo. Esta forma deinterdependncia
concretiza-se atravs de formas das relaes sociais historicamente
especficas, queso constitudas por formas determinadas de prtica
social e, alm disso, tornam-se quaseindependentes das pessoas
engajadas nessas prticas. O resultado uma forma de dominao
socialnova e crescentemente abstrata - uma forma que subordina as
pessoas a imperativos estruturaisimpessoais e a restries que no
podem ser adequadamente captadas em termos de dominaoconcreta (e.
g., dominao pessoal ou de grupo) e que gera uma dinmica histrica
progressiva. Aoreconceituar as relaes e as formas de dominao que
caracterizam o capitalismo, tentarei fornecerbases para uma teoria
capaz de analisar as caractersticas sistmicas da sociedade moderna,
tais como,seu carter historicamente dinmico, seus processos de
racionalizao, sua forma particular de"crescimento" econmico e seu
modo de produzir dominante.
Esta reinterpretao trata a anlise do capitalismo desenvolvida
por Marx menos como uma teoria dasformas de explorao e de dominao
no interior da sociedade moderna, e mais como uma teoriasocial
crtica da prpria natureza da modernidade. Modernidade no um estgio
evolucionrio nadireo da qual evoluem todas as sociedades, mas uma
forma especfica de vida social que se originouna Europa Ocidental e
tem se desenvolvido como um sistema global complexo. (2) Embora
amodernidade tenha tomado diferentes formas em diferentes pases e
regies, minha preocupao no examinar estas diferenas, mas explorar,
teoricamente, a natureza da modernidade per se. Dentro doquadro de
uma abordagem no-evolucionria, tal investigao deve explicitar e
explicar a feiocaracterstica da modernidade, naquilo que se
relaciona a formas sociais historicamente especficas.Meu argumento
que a anlise de Marx acerca das formas sociais consideradas bsicas
para aestruturao do capitalismo - a mercadoria e o capital -
fornece um excelente ponto de partida para atentativa de aprofundar
socialmente o entendimento das caractersticas sistmicas da
modernidade esinaliza no sentido de que a sociedade moderna pode
ser fundamentalmente transformada. Alm
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sinaliza no sentido de que a sociedade moderna pode ser
fundamentalmente transformada. Almdisso, tal abordagem capaz de
sistematizar a elucidao daquelas caractersticas da
sociedademoderna, que no quadro das teorias de progresso linear ou
de desenvolvimento histrico harmnicopodem parecer anmalas. Essas
teorias so incapazes de explicar a visvel e crescente produo
dapobreza em meio abundncia e o grau em que importantes aspectos da
vida moderna tm sidomodelados e subordinados aos imperativos de
foras sociais abstratas e impessoais, mesmo que setenha ampliado
substancialmente a possibilidade de controle coletivo sobre as
circunstncias da vidasocial.
Minha leitura da teoria crtica de Marx concentra-se em sua
concepo da centralidade do trabalhopara a vida social, a qual
geralmente considerada como estando situada no ncleo de sua
teoria.Argumento que o significado da categoria trabalho em suas
obras maduras diferente do quetradicionalmente tem sido
apresentado: ela historicamente especfica, no lugar de
transhistrica. Nacrtica madura de Marx, a noo de que o trabalho
constitui o mundo social, e a fonte de toda ariqueza, no se refere
sociedade em geral, mas especificamente sociedade moderna ou
capitalista,Alm do mais, e isto crucial, a anlise de Marx no se
refere ao trabalho como ele concebido emgeral e transhistoricamente
- uma atividade social direcionada para um objetivo que estabelece
aintermediao entre o homem e a natureza, criando produtos
especficos a fim de satisfazerdeterminadas necessidades humanas -
mas atribui-lhe um papel peculiar que desempenha nasociedade
capitalista. Como aprofundarei mais tarde, o carter historicamente
especfico destetrabalho est intrinsecamente relacionado forma de
interdependncia social, caracterstica dasociedade capitalista. Ele
constitui uma forma de mediao social, historicamente especfica e
quaseobjetiva que, no quadro analtico de Marx, serve como o
fundamento social decisivo das caractersticasbsicas da
modernidade.
esta reconsiderao do significado do conceito de trabalho em Marx
que fornece a base para minhareinterpretao de sua anlise do
capitalismo. Ela introduz consideraes de temporalidade e situa
acrtica produo no centro da anlise de Marx, e lana o fundamento
para uma anlise da modernasociedade capitalista como uma sociedade
dinamicamente regulada, estruturada por uma formahistoricamente
especfica de mediao social que, embora socialmente constituda,
possui um carterabstrato, impessoal e quase objetivo. Esta forma de
mediao estruturada por uma forma de prticasocial historicamente
determinada (o trabalho no capitalismo) e por estruturas, no lugar
das aes daspessoas, de suas vises do mundo e de suas competncias e
talentos. Tal abordagem reformula aquesto da relao entre cultura e
vida material, transformando-a em uma relao entre uma forma
demediao social historicamente especfica e formas de "objetividade"
e de "subjetividade" sociais.Como uma teoria da mediao social, um
esforo para superar a clssica dicotomia terica entresujeito e
objeto na medida em que explica esta dicotomia historicamente.
Assim, em termos gerais, estou sugerindo que a teoria marxiana
deveria ser entendida no como umateoria universalmente aplicvel,
mas como uma teoria crtica especfica da sociedade capitalista.
Elaanalisa a especificidade histrica do capitalismo e a
possibilidade de sua superao por meio decategorias que captam suas
formas especficas de trabalho, riqueza e tempo. (3) Alm disso, a
teoriamarxiana, de acordo com esta abordagem, auto-reflexiva e, por
conseguinte, , ela mesma,historicamente especfica: sua anlise da
relao entre teoria e sociedade tal que pode, de umamaneira
epistemologicamente consistente, localizar-se historicamente atravs
das mesmas categoriascom as quais analisa seu contexto social.
Esta interpretao relativa teoria crtica madura de Marx tem
importantes implicaes que tentareidesvendar no decorrer desta obra.
Para tanto, iniciarei fazendo a distino entre duas
importantesvertentes da anlise crtica, fundamentalmente diferente:
uma que considera a crtica ao capitalismodo ponto de vista do
trabalho, e a outra vertente, para qual deve ser feita a crtica ao
trabalho nocapitalismo. A primeira, baseada em uma compreenso
transhistrica do trabalho, pressupe queexista uma tenso estrutural
entre os aspectos da vida social que caracterizam o capitalismo
(porexemplo, o mercado e a propriedade privada) e a esfera social
constituda pelo trabalho. O trabalho,portanto, constitui a base da
crtica ao capitalismo, o marco a partir do qual esta crtica
elaborada.De acordo com a segunda vertente de anlise, o trabalho no
capitalismo historicamente especfico epermeia as estruturas
essenciais desta sociedade. Assim, o trabalho o objeto da crtica
sociedadecapitalista. Do ponto de vista da segunda vertente de
anlise, possvel identificar que diferentesinterpretaes de Marx
mantm em comum vrios pressupostos bsicos da primeira vertente
deanlise. Por este motivo, caracterizo estas interpretaes como
"tradicionais". Investigarei seuspressupostos do ponto de vista da
minha interpretao da teoria de Marx como sendo uma crtica ao
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pressupostos do ponto de vista da minha interpretao da teoria de
Marx como sendo uma crtica aotrabalho no capitalismo, a fim de
demonstrar no apenas as limitaes da anlise tradicional como
anecessidade de uma outra mais adequada teoria crtica da sociedade
capitalista.
Apresentar a anlise de Marx como uma crtica historicamente
especfica do trabalho no capitalismoconduz a uma compreenso da
sociedade capitalista muito diferente daquela que est presente
nasinterpretaes marxistas tradicionais. Isso sugere, por exemplo,
que, na anlise de Marx, as relaessociais e as formas de dominao que
caracterizam o capitalismo no podem ser suficientementeentendidas
enquanto relaes de classe enraizadas em relaes de propriedade e
mediadas pelomercado, como pretendem as interpretaes tradicionais.
Ao contrrio, sua anlise da mercadoria e docapital - ou seja, das
formas quase objetivas de mediao social constitudas pelo trabalho
nocapitalismo - deveria ser entendida como uma anlise das relaes
sociais fundamentais destasociedade. Estas formas sociais
impessoais e abstratas no apenas encobrem o que tradicionalmentetem
sido avaliado como as "reais" relaes sociais do capitalismo, isto ,
as relaes de classe; elas soas reais relaes sociais da sociedade
capitalista, estruturando sua trajetria dinmica e seu modo
deproduzir.
Longe de analisar o trabalho como o princpio de constituio
social e a fonte de riqueza em todas associedades, a teoria de Marx
sugere que, o que caracteriza inequivocamente o capitalismo so
suasrelaes sociais bsicas constitudas precisamente pelo trabalho e,
por conseguinte, em ltimainstncia, uma espcie fundamentalmente
diferente daquelas que caracterizam as sociedades no-capitalistas.
Embora sua anlise crtica do capitalismo inclua a crtica explorao,
desigualdadesocial e dominao de classe, vai alm disso, ao procurar
elucidar o prprio tecido das relaessociais na sociedade moderna, e
a forma abstrata de dominao social que lhes intrnseca, atravs deuma
teoria que fundamenta sua constituio social em determinadas e
estruturadas formas deprticas.
Esta reinterpretao da teoria crtica madura de Marx desloca o
foco central de sua crtica para longedas consideraes sobre a
propriedade e o mercado. Diferentemente das abordagens
marxistastradicionais, a mesma fornece a base para uma crtica da
natureza da produo, do trabalho e do"crescimento" na sociedade
capitalista, ao sustentar que tais dimenses, em vez de
tecnicamente, sosocialmente constitudas. Tendo assim deslocado o
foco da crtica ao capitalismo para a esfera dotrabalho, a
interpretao aqui apresentada conduz a uma crtica ao processo
industrial de produo -por conseguinte, a uma reconceituao das
definies bsicas de socialismo e a uma reavaliao dopapel poltico e
social tradicionalmente atribudo ao proletariado, na possvel
superao histrica docapitalismo.
medida que esta reinterpretao implica numa crtica ao capitalismo
que no est presa scondies do capitalismo liberal do Sculo XIX, e
acarreta uma crtica produo industrial, enquantocapitalista, pode
fornecer a base para uma teoria crtica capaz de esclarecer a
natureza e a dinmica dasociedade capitalista contempornea. Tal
teoria crtica pode tambm servir como o ponto de partidapara uma
anlise do "socialismo realmente existente", enquanto uma forma
alternativa (e fracassada)de acumulao de capital - no lugar de um
tipo de sociedade que representou, no obstante, demaneira
imperfeita, a negao histrica do capitalismo.
A CRISE DO MARXISMO TRADICIONAL
As consideraes apresentadas tm sido desenvolvidas em contraposio
ao pano de fundo da crise domarxismo tradicional e emergncia do que
parece ser uma nova fase no desenvolvimento docapitalismo
industrial avanado. Neste trabalho, a expresso "marxismo
tradicional" refere-se, no auma tendncia histrica do marxismo, mas,
de um modo geral, a todas as abordagens tericas queanalisam o
capitalismo do ponto de vista do trabalho e caracterizam esta
sociedade, essencialmente,em termos de relaes de classe,
estruturadas pela propriedade privada dos meios de produo e poruma
economia regulada pelo mercado. As relaes de dominao so entendidas,
principalmente, emtermos de dominao de classe e de explorao. Como
bem conhecido, Marx argumentou que nodecorrer do desenvolvimento
capitalista emerge uma tenso estrutural ou uma contradio entre
asrelaes sociais que caracterizam o capitalismo e as "foras
produtivas". Esta contradio tem sidocomumente interpretada em
termos de um conflito entre a propriedade privada e o mercado, de
umlado, e o modo industrial de produzir, de outro, de tal maneira
que, a propriedade privada e o mercadoso tratados como marcas
caractersticas do capitalismo, e a produo industrial apresentada
como abase para uma futura sociedade socialista. O socialismo
entendido, implicitamente, em termos da
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base para uma futura sociedade socialista. O socialismo
entendido, implicitamente, em termos dapropriedade coletiva dos
meios de produo e do planejamento econmico num
contextoindustrializado. Isso significa que a negao histrica do
capitalismo entendida principalmente comouma sociedade na qual a
dominao e a explorao de uma classe por outra esto superadas.
Esta caracterizao ampla e preliminar do marxismo tradicional til
na medida em que delineia umquadro interpretativo geral
compartilhado por um amplo grupo de teorias que em outros
aspectosdiferem consideravelmente umas das outras. Minha inteno
neste trabalho analisar, criticamente,os prprios pressupostos
bsicos desse quadro terico geral, em vez de reconstituir a histria
dasvrias linhas tericas e escolas de pensamento no interior da
tradio marxista.
No centro de todas as formas de marxismo tradicional encontra-se
uma concepo transhistrica detrabalho. A categoria trabalho
analisada por Marx entendida em termos de uma atividade social
comobjetivo definido que efetiva a mediao entre os homens e a
natureza, criando produtos especficos afim de satisfazer
determinadas necessidades humanas. O trabalho, assim entendido,
consideradocomo sendo central a toda a vida em sociedade: constitui
o mundo social e a fonte de toda a riquezasocial. Esta abordagem
atribui transhistoricamente ao trabalho social quilo que Marx
analisou comocaractersticas historicamente especficas do trabalho
no capitalismo. Tal concepo transhistrica dotrabalho est amarrada a
uma determinada compreenso das categorias bsicas da crtica de Marx
economia poltica e, por conseguinte, de sua anlise do capitalismo.
A teoria do valor de Marx, porexemplo, tem sido geralmente
interpretada como uma tentativa de mostrar que a riqueza social
sempre, e em qualquer lugar, criada pelo trabalho humano e que, no
capitalismo, o trabalhofundamenta o no-consciente, "automtico",
modo de distribuio mediado pelo mercado. (4) Suateoria da
mais-valia, de acordo com tais abordagens, procura demonstrar que,
apesar das aparncias,o produto excedente no capitalismo criado
apenas pelo trabalho e apropriado pela classecapitalista. Dentro
deste quadro geral, por conseguinte, a anlise crtica do capitalismo
elaborada porMarx , principalmente, uma crtica explorao do ponto de
vista do trabalho: desmistifica asociedade capitalista, primeiro
revelando ser o trabalho a verdadeira fonte da riqueza social;
e,segundo, demonstrando que esta sociedade repousa sobre um sistema
de explorao.
A teoria crtica de Marx, naturalmente, tambm delineia um
desenvolvimento histrico que indica apossibilidade emergente de uma
sociedade livre. De acordo com as interpretaes tradicionais,
suaanlise do percurso do desenvolvimento capitalista pode ser
esboada como segue: a estrutura docapitalismo de livre mercado d
origem produo industrial a qual aumentou significativamente
omontante de riqueza social criada. Contudo, no capitalismo, esta
riqueza continua a ser extradamediante um processo de explorao e
distribuda de forma extremamente desigual. Todavia,desenvolve-se
uma crescente contradio entre a produo industrial e as relaes de
produoexistentes. Como um resultado do processo contnuo de acumulao
de capital, caracterizado pelaconcorrncia e pelas crises, o modo de
distribuio social baseado no mercado e na propriedadeprivada
torna-se cada vez menos adequado a uma produo industrial
desenvolvida. Deste modo, adinmica histrica do capitalismo, no
apenas torna anacrnicas as antigas relaes de produo, mastambm d
lugar possibilidade de um novo conjunto de relaes sociais. Ela gera
as pr-condiestcnicas, sociais e organizacionais para a abolio da
propriedade privada e para o planejamentocentralizado - por
exemplo, a centralizao e concentrao dos meios de produo, a separao
entre apropriedade e a gesto, e a constituio e concentrao de um
proletariado industrial. Estesdesenvolvimentos fariam emergir a
possibilidade histrica da abolio da explorao e da dominaode classe
e o surgimento de um novo modo de distribuio, justo e racionalmente
regulado. O foco dacrtica histrica de Marx, de acordo com esta
interpretao, o modo de distribuio.
Esta afirmao pode parecer paradoxal, porque o marxismo
geralmente considerado uma teoria deproduo. O papel da produo na
interpretao tradicional pode ser assim resumido. Se as
forasprodutivas (que, segundo Marx, entram em contradio com as
relaes capitalistas de produo)esto identificadas com o modo
industrial de produzir, em consequncia, este modo
entendidoimplicitamente como um processo puramente tcnico,
intrinsecamente independente do capitalismo.O capitalismo tratado
como um conjunto de fatores exgenos colidindo com o processo de
produo:propriedade privada e condies exgenas de valorizao do
capital no interior de uma economia demercado. Analogamente, a
dominao social no capitalismo entendida, essencialmente, como
umadominao de classe que permanece externa ao processo de produo.
Esta anlise implica que aproduo industrial, uma vez constituda
historicamente, independente do capitalismo e no a
esteintrinsecamente relacionada. A contradio marxiana entre as
foras produtivas e as relaes deproduo, quando apresentada como uma
tenso estrutural entre a produo industrial, de um lado, e
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produo, quando apresentada como uma tenso estrutural entre a
produo industrial, de um lado, ea propriedade privada e o mercado
de outro, entendida como uma contradio entre o modo deproduzir e o
modo de distribuir. Consequentemente, a transio do capitalismo para
o socialismo vista como uma transformao do modo de distribuir
(propriedade privada, mercado), e no do modode produzir. Ao
contrrio, o desenvolvimento da produo industrial de larga escala
tratado como amediao histrica ligando o modo capitalista de produo
possibilidade de uma outra organizaosocial de distribuio. Uma vez
desenvolvido, o modo industrial de produo baseado no
trabalhoproletrio considerado historicamente definitivo.
Esta interpretao da trajetria do desenvolvimento capitalista
expressa claramente uma atitudeafirmativa com relao produo
industrial, como um modo de produzir que gera as condies paraa
abolio do capitalismo e constitui o fundamento do socialismo. O
socialismo visto como um novomodo de administrar politicamente e
regular economicamente o mesmo modo industrial de produzirque o
capitalismo fez surgir; e concebido como uma forma social de
distribuio que no somente mais justa, mas tambm a mais adequada
produo industrial. Esta adequao considerada assimcomo sendo a
pr-condio histrica central para uma sociedade justa. Tal crtica
social essencialmente uma crtica histrica do modo de distribuio.
Enquanto uma teoria da produo, omarxismo tradicional no requer uma
crtica produo. O fundamental exatamente o oposto: omodo de produzir
proporciona a base para a crtica e o critrio com o qual avaliada a
adequaohistrica do modo de distribuio.
Esta crtica ao capitalismo implica numa outra maneira de
conceituar o socialismo, como sendo umasociedade na qual o
trabalho, liberto das relaes capitalistas, estrutura a vida social
abertamente e ariqueza que ele cria distribuda de forma mais justa.
Dentro do quadro tradicional, a "realizao"histrica do trabalho -
seu pleno desenvolvimento histrico e sua emergncia como a base da
vidasocial e da riqueza - a condio fundamental da emancipao social
geral.
A viso de socialismo como a realizao histrica do trabalho est
tambm evidente na idia de que oproletariado - a classe trabalhadora
intrinsecamente relacionada produo industrial - surgir comoa classe
universal no socialismo. Isto , a contradio estrutural do
capitalismo vista, em outro nvel,como uma oposio de classes entre
os capitalistas, que possuem e controlam a produo, e osproletrios,
que com o seu trabalho criam a riqueza da sociedade (e a riqueza
dos capitalistas), aindaque tenham que vender sua fora-de-trabalho
para sobreviver. Esta oposio de classes, porque estfundamentada na
contradio estrutural do capitalismo, tem uma dimenso histrica: ao
mesmotempo em que a classe capitalista a classe dominante da
presente ordem, a classe trabalhadora estenraizada na produo
industrial e, por conseguinte, nos alicerces histricos de uma nova
ordem, aordem socialista. A oposio entre estas duas classes vista
imediatamente como um conflito entreexplorados e exploradores e
como um conflito entre interesses universais e interesses
individuais. Ariqueza social geral produzida pelos trabalhadores no
beneficia a todos os membros da sociedade sobo capitalismo, mas
apropriada pelos capitalistas, para os seus fins particulares. A
crtica aocapitalismo do ponto de vista do trabalho uma crtica na
qual as relaes sociais dominantes(propriedade privada) so tidas
como particularizadas, a partir de uma posio universalista. O que
universal e verdadeiramente social constitudo pelo trabalho, porm
impedido, pelas relaescapitalistas individualizadas, de se tornar
plenamente realizado. A viso de emancipao contida nestacompreenso
do capitalismo , como veremos, uma viso de totalizao.
No interior deste quadro bsico, que tenho denominado "marxismo
tradicional", existem diferenaspolticas e tericas extremamente
importantes. Por exemplo, teorias determinsticas em oposio
atentativas de tratar a subjetividade social e a luta de classes
como aspectos essenciais da histria docapitalismo; conselhos
comunistas versus partidos comunistas; teorias "cientficas" versus
aquelas queprocuram, de vrias maneiras, sintetizar marxismo e
psicanlise, ou desenvolver uma teoria crtica dacultura ou da vida
cotidiana. Apesar disso, na medida em que todas elas tm-se apoiado
nospressupostos bsicos relacionados ao trabalho e s caractersticas
essenciais do capitalismo e dosocialismo acima esboadas, permanecem
presas estrutura do marxismo tradicional. E noimportando quo
incisivas tenham sido as diversas anlises sociais, polticas,
histricas, culturais eeconmicas que esta estrutura terica tenha
gerado, suas limitaes tornaram-se crescentementeevidentes luz das
vrias transformaes ocorridas no Sculo XX. Por exemplo, a estrutura
terica emquesto tem sido capaz de analisar a trajetria histrica do
capitalismo liberal que o conduziu a umestgio caracterizado pela
substituio parcial ou total do mercado pelo Estado intervencionista
comoo agente primrio de distribuio. Porm, como o cerne da crtica
tradicional o modo dedistribuio, o crescimento do capitalismo
baseado na interveno do Estado colocou srios problemas
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distribuio, o crescimento do capitalismo baseado na interveno do
Estado colocou srios problemasa esta abordagem terica. Se as
categorias da crtica economia poltica aplicam-se somente a
umaeconomia auto-regulada, com a mediao do mercado, e apropriao
privada do excedente, ocrescimento do Estado intervencionista tem
feito com que estas categorias se tornem menosadequadas a uma
crtica social contempornea. Ou seja, que no mais captam a realidade
socialadequadamente. Consequentemente, a teoria marxista
tradicional tornou-se cada vez menos capaz defornecer uma crtica
histrica ao capitalismo ps-liberal, ficando confinada a duas opes.
Pode-seapoiar nas transformaes qualitativas do capitalismo do Sculo
XX e se concentrar naqueles aspectosda estrutura de mercado que
continuam a existir - e deste modo reconhecer implicitamente que
setornou uma crtica parcial; ou limitar a aplicabilidade das
categorias marxianas ao capitalismo doSculo XIX e tentar
desenvolver uma nova crtica, presumivelmente mais adequada s
condiescontemporneas. No decorrer deste trabalho, discutirei as
dificuldades tericas encontradas poralgumas das tentativas
concernentes a esta ltima opo.
As fragilidades do marxismo tradicional, ao considerar a
sociedade ps-liberal, tornam-separticularmente visveis quando
analisa de maneira sistemtica o "socialismo realmente
existente".Nem todas as formas de marxismo tradicional afirmaram
como "efetivamente socialistas" sociedadescomo a Unio Sovitica.
Contudo, tal abordagem terica no permite uma anlise crtica
adequadadessa forma de sociedade. As categorias marxianas, quando
tradicionalmente interpretadas, so depouca utilidade para a
formulao de uma crtica social a uma sociedade que regulada e
dominadapelo Estado. Assim, a Unio Sovitica foi com frequncia
considerada socialista porque a propriedadeprivada e o mercado
foram abolidos; a persistente falta de liberdade foi atribuda s
instituiesburocrticas repressivas. Esta posio sugere, portanto, que
no existe relao entre a natureza daesfera scio-econmica e o carter
da esfera poltica, indicando que as categorias da crtica social
deMarx (tais como o valor), quando entendidas em termos do mercado
e da propriedade privada, nopodem captar as razes para a contnua ou
crescente falta de liberdade no "socialismo realmenteexistente" e
no podem, portanto, fornecer a base para uma crtica histrica de
tais sociedades. Dentrode tal quadro, a relao entre socialismo e
liberdade tornou-se uma contingncia. Por conseguinte,isso implica
que uma crtica histrica ao capitalismo, desenvolvida a partir do
ponto de vista dosocialismo, no pode mais ser considerada uma
crtica dirigida s razes da falta de liberdade e daalienao, da
perspectiva da emancipao humana geral. (5) Estas questes
fundamentais apontam oslimites da interpretao tradicional. Mostram
que uma anlise do capitalismo que se concentreexclusivamente no
mercado e na propriedade privada no pode mais servir como uma base
adequadapara uma teoria crtica emancipatria.
medida que esta fragilidade fundamental vai se tornando mais
evidente, o marxismo tradicional vaisendo questionado com maior
frequncia. Alm disso, a base terica de sua crtica social
aocapitalismo - a afirmao de que o trabalho humano a fonte de toda
a riqueza - tem sido criticada luz da crescente importncia do
conhecimento cientfico e da tecnologia avanada para o processo
deproduo. O marxismo tradicional no somente falha no sentido de
fornecer bases para uma adequadaanlise histrica do "socialismo
realmente existente" (ou de seu colapso), mas sua anlise crtica
docapitalismo e de seus ideais de emancipao tem se tornado
crescentemente distanciada dos temas erazes da atual insatisfao
social nos pases industriais avanados. Isto particularmente verdade
noque respeita nfase exclusiva e positiva sobre as classes, e sua
afirmao de que so o trabalhoproletrio industrial e as formas
especficas de produo e "progresso" tcnico que caracterizam
ocapitalismo. Num momento de crescente crtica a tal "progresso" e
"crescimento", de exaltao conscincia acerca dos problemas
ecolgicos, de descontentamento generalizado quanto s formas
detrabalho existentes, de aumento da preocupao concernente
liberdade poltica e de uma progressivaimportncia relacionada s
identidades sociais no baseadas em classe (gnero ou etnia, por
exemplo),o marxismo tradicional parece definitivamente anacrnico.
Tanto no Leste quanto no Ocidente tem-serevelado historicamente
inadequado, diante das transformaes ocorridas no decorrer do Sculo
XX.
A crise do marxismo tradicional, no entanto, de forma alguma
invalida a pertinncia de uma crticasocial adequada ao capitalismo
contemporneo. (6) Ao contrrio, estimula a necessidade de que
talcrtica seja elaborada. A presente situao histrica pode ser
entendida em termos de umatransformao da moderna sociedade
capitalista que tem um alcance to significativo - social,
poltica,econmica e culturalmente - quanto a transio anterior do
capitalismo liberal para o capitalismointervencionista de Estado.
Parece-nos ainda que se configura uma outra fase histrica do
capitalismodesenvolvido (7) Os contornos desta nova fase ainda no
esto claros, mas as duas ltimas dcadastestemunharam o relativo
declnio da importncia das instituies e instncias de poder que
estiveramno centro do capitalismo intervencionista de Estado -
este, caracterizado pela produo
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no centro do capitalismo intervencionista de Estado - este,
caracterizado pela produogeograficamente centralizada, grandes
sindicatos industriais, crescente interveno progressiva dogoverno
na economia e um Estado de bem-estar amplamente expandido. Duas
tendncias histricasaparentemente opostas tm contribudo para este
enfraquecimento das instituies centrais da faseintervencionista do
Estado no capitalismo: de um lado, uma parcial descentralizao da
produo e dapoltica e com ela a emergncia de uma pluralidade de
grupamentos sociais, organizaes,movimentos, partidos e subculturas;
e, de outro, um processo de globalizao e concentrao de capitalque
tem ocorrido em novas bases, seguramente abstratas, sem qualquer
paralelo com a experinciaimediata e, aparentemente, pelo menos por
enquanto, para alm do controle efetivo do Estado.
Essas tendncias, no entanto, no deveriam ser entendidas em
termos de um processo histrico linear.Elas incluem mudanas que
destacam o carter anacrnico e inadequado da teoria tradicional -
porexemplo, o surgimento de novos movimentos sociais, tais como os
movimentos ecolgicos de massa,os movimentos de mulheres, os
movimentos de emancipao das minorias, bem como o
crescentedescontentamento (e a polarizao concernente) com as formas
existentes de trabalho e os sistemastradicionais de valores e
instituies. Ainda, o momento histrico, desde o incio dos anos de
1970,tem sido caracterizado tambm pela reemergncia de manifestaes
"clssicas" do capital industrial,tais como suas relocalizaes
econmicas em todo o mundo e a intensificao da
rivalidadeintercapitalista, em escala global. Tomadas em conjunto,
essas mudanas sugerem que uma anlisecrtica adequada sociedade
capitalista contempornea deve ser capaz de incluir suas novas
esignificativas dimenses e os fundamentos de sua continuidade
enquanto capitalismo.
Em outras palavras, tal anlise deve evitar a viso terica
unilateral das verses mais ortodoxas domarxismo tradicional. Estas
so frequentemente capazes de afirmar que crises e
rivalidadeintercapitalistas so caractersticas que acompanham a
evoluo do capitalismo (apesar daemergncia do Estado
intervencionista); mas incapazes de se reportar s mudanas
histricasqualitativas na identidade e na natureza dos grupamentos
sociais que expressam descontentamento eoposio, ou no carter de
suas necessidades, insatisfaes, aspiraes e formas de conscincia.
Ainda,uma anlise adequada deve tambm evitar a tendncia igualmente
unilateral de se reportar apenas smudanas mais recentes, ignorando
a "esfera econmica" ou simplesmente pressupondo que, com
osurgimento do Estado intervencionista, as consideraes econmicas
tomaram-se menos importantes.Finalmente, nenhuma crtica adequada
pode ser formulada, simplesmente juntando as anlises que
seconcentravam em questes econmicas quelas que se reportavam anlise
das mudanas qualitativassociais e culturais - e assim, com os
pressupostos tericos bsicos de tal crtica permanecendo aquelesda
teoria marxista tradicional. O carter crescentemente anacrnico do
marxismo tradicional e suassrias fragilidades, enquanto uma teoria
crtica emancipatria, so intrnsecas a esta abordagem dasociedade
capitalista. Em ltima anlise, esto na origem de sua insuficincia na
tentativa deapreender adequadamente o capitalismo.
Essa insuficincia tem se tornado mais clara diante da atual
transformao da moderna sociedadecapitalista. Da mesma forma que a
Grande Depresso revelou os limites da "autoregulao" de umaeconomia
mediada pelo mercado e as deficincias de concepes que igualavam
capitalismo, acapitalismo liberal, o perodo caracterizado pelas
crises que marcaram o final da era de prosperidade eexpanso
econmica do ps-Guerra, evidenciou os limites da capacidade do
Estado intervencionista deregular a economia. Isto abalou as
concepes lineares de desenvolvimento do capitalismo, de umafase
liberal a uma outra centrada no Estado. A expanso do Estado de
bem-estar social, aps a IIGuerra Mundial, tornou-se possvel em
virtude da expanso por um longo perodo da economiamundial, que se
notabilizou como a fase de ouro do desenvolvimento capitalista; no
como umresultado do fato das esferas polticas terem, exitosa e
permanentemente, assumido o controle daesfera econmica. Contudo, o
desenvolvimento do capitalismo nas ltimas duas dcadas fez
retrocederas tendncias visveis do perodo anterior, enfraquecendo e
impondo limites ao intervencionismo doEstado. Isto ficou manifesto
na crise do Estado de bem-estar no Ocidente - que proclamou a morte
dokeynesianismo e, de modo patente, reafirmou a dinmica
contraditria do capitalismo - bem como, nacrise e colapso na
maioria dos estados e partidos comunistas no Leste. (8)
digno de ateno que, comparada situao depois do colapso do
capitalismo liberal no final dosanos de 1920, as crises e
desarticulaes associadas s mais recentes transformaes do
capitalismoestimularam poucas anlises crticas, desenvolvidas a
partir de uma perspectiva que apontasse para apossvel superao do
capitalismo. Isto pode ser interpretado como uma expresso de
incertezaterica. A crise do capitalismo intervencionista de Estado
serviu para indicar que o capitalismocontinuou a se desenvolver com
uma dinmica quase autnoma. Este desenvolvimento, portanto,
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18/04/11 16:11Moishe Postone - Repensando a critica de Marx ao
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continuou a se desenvolver com uma dinmica quase autnoma. Este
desenvolvimento, portanto,demanda uma reconsiderao crtica daquelas
teorias que haviam interpretado a substituio domercado pelo Estado
como significando a eliminao definitiva das crises econmicas. No
entanto, anatureza fundamental do capitalismo, do processo dinmico
que se afirma a si mesmo, mais uma vez,permanece sem explicao. No
mais convincente clamar que o "socialismo" representa a
respostapara os problemas do capitalismo, quando o que se est
querendo justificar simplesmente aintroduo do planejamento central
e da propriedade estatal (ou mesmo pblica).
A frequentemente evocada "crise do marxismo" no expressa, ento,
apenas a rejeio desiludida ao"socialismo realmente existente", a
descrena no proletariado e a incerteza quanto a quaisquer
outrospossveis agentes sociais de transformao social fundamental.
Mais fundamentalmente a expressode uma profunda incerteza quanto ao
significado essencial do capitalismo e do que viria substitu-locom
sua superao. A diversidade de posies tericas formuladas nas dcadas
passadas - odogmatismo de muitos grupos da Nova Esquerda do final
dos anos de 1960 e no incio dos anos de1970, as crticas puramente
polticas que reemergiram subsequentemente e muitas das posies
"ps-modernas" contemporneas - pode ser vista como expresso de tal
incerteza quanto natureza dasociedade capitalista e mesmo como um
desapontamento quanto possibilidade de iniciativas nosentido de
capt-la. Esta incerteza pode ser entendida, em parte, como uma
expresso da insuficinciabsica da abordagem marxista tradicional.
Suas fragilidades tm sido reveladas no somente pelasdificuldades
com relao ao "socialismo realmente existente" e diante das
necessidades e insatisfaesinerentes aos novos movimentos sociais.
Mais fundamentalmente, tem-se tornado claro que esteparadigma
terico no fornece uma concepo satisfatria sobre a prpria natureza
do capitalismo;uma concepo que estabelea uma anlise adequada das
mudanas que o atingem e que seja capaz deproporcionar o
entendimento de suas estruturas fundamentais de modo a apontar a
possibilidade desua transformao histrica. A transformao
subentendida pelo marxismo tradicional no , emnenhuma medida,
plausvel como uma "soluo" para os males da sociedade moderna.
Se a sociedade moderna deve ser analisada enquanto capitalista
e, por conseguinte, comotransformvel em um nvel fundamental, ento,
o ncleo fundamental do capitalismo deve serredefinido. Sobre esta
base poderia ser formulada uma teoria crtica diferente acerca da
natureza etrajetria da sociedade moderna - uma teoria que buscasse
apreender, social e historicamente, asrazes da no-liberdade e da
alienao na sociedade moderna. Tal anlise contribuiria tambm parauma
teoria poltica da democracia. A histria do marxismo tradicional tem
apenas reveladoexplicitamente que a questo da liberdade poltica
deve ser central para qualquer posio crtica. Noobstante, preciso
ainda considerar que uma adequada teoria da democracia requer uma
anlisehistrica das condies sociais de liberdade, que no pode ser
elaborada a partir de uma posioabstratamente normativa ou de uma
posio que atribua uma existncia material esfera da poltica.
RECONSTRUINDO UMA TEORIA CRTICA DA SOCIEDADE MODERNA
A presente reinterpretao da natureza da teoria crtica de Marx
uma resposta transformaohistrica do capitalismo e s fragilidades do
marxismo tradicional esboadas acima. (9) Minha leiturados
Grundrisse de Marx, uma verso preliminar de sua crtica economia
poltica, levou-me a rever ateoria crtica que ele desenvolveu em
seus escritos maduros, particularmente em O Capital. Estateoria,
como a entendo, diferente e mais poderosa do que as interpretaes do
marxismo tradicional;e tambm possui um significado mais
contemporneo. Considero que a reinterpretao da concepode Marx,
quanto s relaes estruturantes bsicas da sociedade capitalista aqui
apresentada, podeservir como ponto de partida para uma teoria
crtica do capitalismo, superar muitas das deficinciasda interpretao
tradicional e ser mais adequada para se reportar a muitas mudanas e
questespostas recentes.
A reinterpretao aqui apresentada tanto tem sido influenciada
pelas, quanto pretende ser uma crticas abordagens desenvolvidas por
Georg Lukcs (especialmente na obra History and ClassConsciousness)
e por adeptos da teoria crtica da Escola de Frankfurt. Tais
abordagens, baseadas emcompreenses sofisticadas da crtica de Marx,
expressam uma resposta terica compreenso datransformao histrica do
capitalismo, da forma liberal, regulada pelo mercado, para uma
formaorganizada, burocrtica, dirigida pelo Estado, mediante um
redirecionamento do capitalismo. Dentrodessa tradio interpretativa,
a teoria de Marx no considerada como uma teoria da produomaterial e
da estrutura de classes, e menos ainda, uma teoria da economia. No
lugar disso, entendida como uma teoria da constituio histrica de
formas determinadas, reificadas, deobjetividade e subjetividade
sociais. Sua crtica economia poltica considerada como uma
tentativa
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objetividade e subjetividade sociais. Sua crtica economia
poltica considerada como uma tentativade analisar criticamente as
formas culturais e as estruturas sociais da civilizao capitalista.
(10)Adicionalmente, a teoria de Marx considerada como capaz de
compreender a relao entre teoria esociedade, de maneira
auto-reflexiva, por procurar analisar seu contexto - a sociedade
capitalista -,situando-se historicamente e creditando-se condio de
se tornar o prprio ponto de vista. (Estatentativa de fundamentar
socialmente a possibilidade de uma crtica terica vista como um
aspectonecessrio a qualquer tentativa de fundamentar a
possibilidade de ao social antittica etransformadora.) Encaro com
simpatia o projeto geral de desenvolver uma ampla e coerente
crticasocial, poltica e cultural, adequada sociedade capitalista
contempornea, por meio de uma teoriasocial auto-reflexiva, com
objetivo emancipatrio. Todavia, como ainda irei aprofundar, alguns
dospressupostos tericos bsicos impediram, de modo diferenciado,
Lukcs, bem como membros daEscola de Frankfurt, de realizarem
plenamente seus objetivos tericos. Por um lado, eles reconheceramas
inadequaes de uma teoria crtica da modernidade que definisse o
capitalismo situando-o apenasno Sculo XIX, ou seja, em termos do
mercado e da propriedade privada. Por outro,
entretanto,permaneceram presos a alguns pressupostos deste mesmo
tipo de teoria, em particular, no que dizrespeito a sua concepo
transhistrica do trabalho. O objetivo programtico de ambos,
emdesenvolver uma concepo de capitalismo adequada ao Sculo XX, no
poderia ser realizado combase em tal compreenso acerca do trabalho.
Pretendo melhor adequar a fora propulsora crtica dessatradio
interpretativa, reexaminando a anlise de Marx sobre a natureza e
significado do trabalho nocapitalismo.
Segundo minha reinterpretao, embora a anlise marxiana do
capitalismo pressuponha uma crtica explorao e ao modo burgus de
distribuio (o mercado, a propriedade privada), no desenvolvidaa
partir do ponto de vista do trabalho; ao contrrio, est baseada na
crtica ao trabalho no capitalismo.A teoria crtica de Marx procura
mostrar que o trabalho no capitalismo desempenha um
papelhistoricamente especfico para mediar as relaes sociais e para
elucidar as consequncias desta formade mediao. Sua nfase sobre o
trabalho no capitalismo no implica que o processo material deproduo
seja necessariamente mais importante do que outras esferas da vida
social. Ao contrrio, suaanlise da especificidade do trabalho no
capitalismo sugere que a produo no capitalismo no umprocesso
puramente tcnico; mas sim que est inextricavelmente relacionada e
moldada pelas relaessociais bsicas desta sociedade. Estas, por sua
vez, no podem ser compreendidas tomando porreferncia apenas o
mercado e a propriedade privada. Esta interpretao da teoria de Marx
fornece abase para uma crtica da forma de produo e da forma de
riqueza (isto , o valor), que caracterizam ocapitalismo, ao invs de
simplesmente questionar sua apropriao privada. Tambm caracteriza
ocapitalismo em termos de uma forma abstrata de dominao associada
natureza peculiar do trabalhonele existente, e situa nesta forma de
dominao, o fundamento social ltimo para o "crescimento"anrquico e o
carter crescentemente fragmentado do trabalho, e at mesmo da
existncia individual,na sociedade capitalista. A presente
interpretao sugere que a classe trabalhadora essencial para
ocapitalismo, em vez de materializar sua negao. Como veremos, tal
abordagem reinterpreta aconcepo de alienao em Marx luz da sua
crtica madura ao trabalho no capitalismo e situa estaconcepo
reinterpretada de alienao no centro de sua crtica sociedade
capitalista.
Claramente, tal crtica da sociedade capitalista difere
inteiramente daquele tipo de crtica"produtivista", caracterstica de
muitas interpretaes marxistas tradicionais, que ratificam o
trabalhoproletrio, a produo industrial e um "crescimento"
industrial totalmente livre. Na verdade, do pontode vista da
reconsiderao aqui apresentada, a posio produtivista no representa
uma crticafundamental: no apenas fracassa por no apresentar uma
alternativa de uma possvel futurasociedade alm do capitalismo, mas
ratifica alguns aspectos centrais do prprio capitalismo. A
esterespeito, a reconstruo da teoria crtica madura de Marx assumida
neste trabalho fornece o ponto devista para uma crtica ao paradigma
produtivista na tradio marxista. Como deixarei claro, aquilo quea
tradio marxista tem geralmente tratado como positivo, precisamente
o objeto de crtica nas obrasmais recentes de Marx. Pretendo
enfatizar tal diferena, no somente para assinalar que a teoria
deMarx no era produtivista e, portanto, questionar uma tradio
terica que professa se apoiar nostextos de Marx - mas tambm mostrar
como a prpria teoria de Marx fornece uma crtica poderosa
aoparadigma produtivista, e que, no por acaso, o rejeita como
falso, e ainda procura torn-locompreensvel em termos sociais e
histricos. Assim o faz, fundamentando teoricamente apossibilidade
de tal concepo nas formas sociais estruturantes da sociedade
capitalista. Desse modo,a anlise categorial (11) de Marx do
capitalismo estabelece a base para uma crtica ao paradigma
doprodutivismo enquanto uma posio que, na verdade, expressa um
momento da realidade histrica dasociedade capitalista mas o faz
numa perspectiva transhistrica e, por conseguinte, numa
perspectivano-crtica e ratificadora.
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Apresentarei uma interpretao similar teoria da histria de Marx.
Nas obras maduras, sua noo deuma lgica imanente ao desenvolvimento
histrico tambm no transhistrica e nem categrica, mas crtica e se
refere especificamente sociedade capitalista. Marx identifica o
fundamento de umaforma particular de lgica histrica nas formas
sociais especficas da sociedade capitalista. Sua posionem afirma a
existncia de uma lgica transhistrica da histria, nem nega a
existncia de algum tipode lgica histrica. Ao contrrio, trata tal
lgica como uma caracterstica da sociedade capitalista quepode ser,
e tem sido projetada sobre toda a histria da humanidade.
A teoria de Marx, ao expressar dessa maneira formas de
pensamento, social e historicamenteplausveis, procura tornar
vlidas, reflexivamente, suas prprias categorias. A teoria, ento,
tratadacomo parte da realidade social na qual ela existe. A
abordagem que proponho uma tentativa deformular uma crtica ao
paradigma da produo com base nas categorias sociais da crtica
marxianada produo e, atravs disso, amarrar a crtica da teoria a uma
possvel crtica social. Esta abordagemfornece a base para uma teoria
crtica da sociedade moderna que no exige nem uma
afirmaoabstratamente universalista e racionalista da modernidade,
nem uma crtica anti-racionalista eantimoderna. Ao contrrio, procura
superar ambas as posies, tratando suas contradies
comohistoricamente determinadas e enraizadas na natureza das relaes
sociais capitalistas.
A reinterpretao da teoria crtica de Marx aqui apresentada
baseia-se na reconsiderao dascategorias fundamentais de sua crtica
economia poltica - tais como valor, trabalho abstrato, amercadoria
e o capital. Estas categorias, de acordo com Marx, "expressam as
formas de ser[Daseinsformen], as determinaes de existncia"
[Existenzbestimmungen]... desta sociedadeespecfica. (12) Elas se
apresentam como se fossem categorias de uma etnografia crtica da
sociedadecapitalista realizada em suas entranhas - categorias que
pretendem expressar as formas bsicas deobjetividade e de
subjetividade que estruturam as dimenses da vida social, econmica,
histrica ecultural desta sociedade, sendo elas mesmas constitudas
por formas determinadas de prtica social.
No entanto, muito frequentemente, as categorias da crtica de
Marx tm sido consideradas comosendo categorias puramente econmicas.
A "teoria do valor-trabalho" de Marx, por exemplo, tem
sidoentendida como uma tentativa de explicar, "em primeiro lugar,
os preos relativos e a taxa de lucro emequilbrio; em segundo, a
condio de possibilidade do valor-de-troca e do lucro; e, por ltimo,
aalocao racional de produtos em uma economia planejada". (13) Uma
abordagem to restrita dascategorias, quando trata das dimenses
sociais, histricas, cultural-epistemolgicas da teoria crtica
deMarx, o faz apenas quando aparecem referncias quelas passagens
que se referem explicitamente aestas dimenses, retiradas do
contexto de sua anlise categorial. A amplitude e a natureza
sistmica dateoria crtica de Marx, no entanto, s podem ser captadas
completamente atravs de uma anlise desuas categorias, entendidas
como determinaes do ser social no capitalismo. Apenas quando
asafirmaes explcitas de Marx so entendidas com respeito aos
desdobramentos de suas categorias, possvel reconstruir
adequadamente a lgica interna de sua crtica. Por conseguinte,
dedicarei especialateno reconsiderao das determinaes e implicaes
das categorias bsicas da teoria crtica deMarx.
Ao reinterpretar a crtica marxiana, tentarei reconstruir sua
natureza sistmica e resgatar sua lgicainterna. No examinarei a
possibilidade de ocorrncias de divergncias ou contradies nas
obrasmaduras de Marx, nem reconstruirei o percurso do
desenvolvimento de seu pensamento.Metodologicamente, minha inteno
interpretar as categorias fundamentais da crtica economiapoltica
feita por Marx de uma maneira logicamente coerente e
sistematicamente rigorosa, tantoquanto possvel, a fim de
desenvolver a teoria do ncleo do capitalismo embutida na essncia de
taiscategorias - aquela que define o capitalismo enquanto tal, ao
longo de seu desenvolvimento. Minhacrtica ao marxismo tradicional
uma parte desta retomada conceitual da teoria marxiana, em seunvel
mais coerente.
Esta abordagem poderia servir tambm como o ponto de partida de
um esforo no sentido de situarhistoricamente as prprias obras de
Marx. Tal esforo reflexivo permitiria examinar as provveistenses
internas e os elementos "tradicionais" contidos nesses trabalhos,
do ponto vista da teoria danatureza imanente e da trajetria do
capitalismo derivada de suas categorias fundamentais. Algumasdessas
tenses internas poderiam, ento, serem entendidas em termos da tenso
que se estabelece, deum lado, entre a lgica da anlise categorial de
Marx do capitalismo como um todo e, de outro, suacrtica mais
imediata ao capitalismo liberal - isto , em termos de uma tenso
entre dois diferentesnveis situados historicamente. Contudo, este
trabalho ser desenvolvido como se a autocompreenso
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nveis situados historicamente. Contudo, este trabalho ser
desenvolvido como se a autocompreensode Marx fosse aquela derivada
da lgica de sua teoria do cerne da formao social capitalista. Uma
vezque espero contribuir para a reconstituio de uma teoria social
crtica sistemtica do capitalismo, aquesto se a efetiva
autocompreenso de Marx era, na verdade, adequada quela lgica , para
estepropsito, de importncia secundria.
Este trabalho foi concebido para ser o estgio inicial de minha
reinterpretao da crtica marxiana.Antes de qualquer coisa, prope-se
a ser mais um trabalho de esclarecimento terico fundamental, doque
uma exposio plenamente elaborada dessa crtica, e menos uma teoria
acabada do capitalismocontemporneo. Portanto, no me reportarei fase
mais atual da sociedade capitalista desenvolvida.Em vez disso,
tentarei interpretar a concepo de Marx sobre as relaes
estruturantes fundamentaisda sociedade moderna, da forma como esto
expressas em suas categorias da mercadoria e do capital,de modo a
no limit-las a quaisquer das principais fases do capitalismo
desenvolvido - e talvez,atravs disso, permitir-lhes esclarecer a
natureza imanente da formao social como um todo. Istopode fornecer
a base para uma anlise da sociedade moderna do Sculo XX em termos
de umaacentuada e crescente distino entre o capitalismo na
atualidade e sua forma burguesa primitiva.
Iniciarei com um esboo geral de minha interpretao baseado na
anlise de vrias sees dosGrundrisse de Marx. Sobre esta base, no
Captulo 2, prosseguirei no exame mais aprofundado dospressupostos
fundamentais do marxismo tradicional. A fim de esclarecer minha
abordagem, eexplicitar sua relevncia para uma teoria crtica
contempornea, examinarei, no Captulo 3, astentativas empreendidas
por membros do crculo da Escola de Frankfurt - em particular,
FriedrichPollock e Max Horkheimer - de desenvolver uma teoria
crtica social adequada s importantesmudanas ocorridas na sociedade
capitalista do Sculo XX. Tomando como referncia minhainterpretao do
marxismo tradicional e a de Marx, examinarei os dilemas e
fragilidades envolvidasnessas tentativas. Em minha argumentao,
procuro revelar que tais questes indicam os limites deuma teoria
que tenta entender o capitalismo ps-liberal, mantendo ainda certos
pressupostos bsicosdo marxismo tradicional.
Minha anlise daqueles limites tem a pretenso de ser uma resposta
crtica aos dilemas tericos daTeoria Crtica. A obra de Jrgens
Habermas, obviamente, pode ser entendida como uma outraresposta;
porm, ele tambm retm o que considero uma compreenso tradicional
sobre o trabalho.Minha crtica a esta compreenso procura tambm
apontar para a possibilidade de uma teoria socialcrtica
reconstituda, que difere daquela apresentada por Habermas. Tal
teoria prescindiria dasconcepes evolucionrias da histria e da noo
de que a vida humana em sociedade esteja baseadasobre um princpio
ontolgico que "se afirma a si mesmo" no curso do desenvolvimento
histrico (porexemplo, o trabalho no marxismo tradicional, ou a ao
comunicativa na obra mais recente deHabermas). (14)
Na segunda metade deste trabalho, iniciarei minha reconstruo da
crtica marxiana, a qual iresclarecer, ainda que retrospectivamente,
a base para minha crtica ao marxismo tradicional. NOCapital, Marx
busca desvendar a sociedade capitalista identificando suas formas
sociais fundamentais,e sobre esta base, desenvolve, cuidadosamente,
um conjunto de categorias inter-relacionadas, com asquais explica
seu funcionamento subjacente. Comeando com as categorias que ele
presume seremcapazes de revelar as estruturas nucleares da formao
social - tais como a mercadoria, o valor e otrabalho abstrato -
Marx ento desvenda seu significado, criteriosa e rigorosamente, a
fim deincorporar aspectos e nveis cada vez mais concretos e
complexos da realidade social. Minha inteno esclarecer as
categorias fundamentais com as quais Marx inicia sua anlise, isto ,
o nvel maisabstrato e bsico desta anlise. Na minha opinio, vrios
intrpretes passaram muito rapidamentepara o nvel analtico da
realidade social concreta imediata e, consequentemente, no
perceberamalguns aspectos cruciais das prprias categorias
estruturantes fundamentais.
Examino a categoria trabalho abstrato, no Captulo 4, e o tempo
abstrato, no Captulo 5. Com basenestas categorias, examino
criticamente a crtica de Habermas a Marx, no Capitulo 6 e, em
seguida,nos Captulos 7, 8 e 9, reconstruo as determinaes iniciais
do conceito de capital de Marx e suasnoes de contradio e dinmica
histrica. Nesses captulos, procuro esclarecer as
principaiscategorias bsicas da teoria marxiana, para assim
fundamentar minha crtica ao marxismo tradicionale justificar meu
ponto de vista de que a lgica da apresentao categorial revelada n O
Capital apontana direo consoante com a apresentao da contradio do
capitalismo e da natureza do socialismocontidas nos Grundrisse. Ao
estabelecer o fundamento para o posterior desenvolvimento de
minhareconstruo, algumas vezes extrapolarei meus argumentos para
revelar suas implicaes quanto a
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reconstruo, algumas vezes extrapolarei meus argumentos para
revelar suas implicaes quanto auma anlise da sociedade
contempornea. Tais extrapolaes so determinaes abstratas e iniciais
deaspectos do capitalismo moderno, baseadas em minha reconstruo do
nvel mais fundamental dateoria crtica de Marx; elas no representam
uma tentativa de analisar diretamente, sem quaisquermediaes, nveis
mais concretos da realidade social com base nas categorias mais
abstratas.
Com base no que estou desenvolvendo aqui, pretendo prosseguir
meu projeto de reconstruo [de umateoria crtica] num trabalho
futuro. Em minha opinio, este trabalho demonstra a plausibilidade
deminha reinterpretao da crtica economia poltica de Marx e da
crtica ao marxismo tradicional aesta associada. Revela ainda a fora
terica da teoria marxiana e sua possvel relevncia para areconstruo
de uma teoria crtica da sociedade moderna. No obstante, a abordagem
deve ser maisaprofundada antes que a questo da viabilidade das
categorias nela contidas, tendo em vista umateoria crtica da
sociedade contempornea, seja discutida adequadamente.
OS GRUNDRISSE:
REPENSANDO A CONCEPO DE MARX SOBRE O CAPITALISMO E A SUA
SUPERAO
Minha reinterpretao da teoria crtica madura de Marx origina-se
do exame de aspectos dosGrundrisse der Kritik der politischen
konomie, os importantes fundamentos escritos por Marx em1857-1858.
(15) O contedo dos Grundrisse ajusta-se muito bem para servir como
ponto de partidapara a pretendida reinterpretao: so mais fceis de
decifrar do que o Capital, o qual sujeito a mal-entendidos por
estar estruturado de uma maneira rigorosamente lgica enquanto uma
crticaimanente isto , uma crtica desenvolvida a partir de um ponto
de vista que imanente ao seu objetode investigao, em vez de
externo. Como os Grundrisse no esto estruturados to rigorosamente,
oobjetivo estratgico geral da anlise categorial de Marx mais
acessvel, particularmente naquelassees onde ele apresenta sua
concepo da contradio bsica da sociedade capitalista. Nelas,
suaanlise do ncleo essencial do capitalismo e da natureza da sua
superao histrica tem importantesignificao na atualidade, pois lana
dvidas acerca das interpretaes de sua teoria, centradas
emconsideraes relativas ao mercado e dominao e explorao de classe.
(16)
Tentarei mostrar como essas sees dos Grundrisse indicam que as
categorias da teoria de Marx sohistoricamente especficas, que sua
crtica do capitalismo direcionada tanto para seu modo deproduzir
como para seu modo de distribuir, e que sua noo da contradio bsica
do capitalismo nopode ser concebida simplesmente como uma contradio
entre o mercado e a propriedade privada, deum lado, e a produo
industrial, de outro. Em outras palavras, minha discusso acerca do
tratamentodado por Marx contradio do capitalismo nos Grundrisse
aponta para a necessidade de umareconsiderao de mais longo alcance
sobre a natureza de sua teoria crtica madura: em particular,sugere
que sua anlise do trabalho no capitalismo historicamente especfica,
e sua teoria crticamadura uma crtica ao trabalho no capitalismo, no
uma crtica ao capitalismo do ponto de vista dotrabalho. Assim
estabelecido, estarei em condies para me referir ao problema do
porqu, na crticade Marx, as categorias fundamentais da vida social
no capitalismo so categorias do trabalho. Isto no, absolutamente,
evidente por si mesmo, e no pode ser justificado meramente
apontando para aimportncia bvia do trabalho para a vida social
humana em geral. (17)
Nos Grundrisse, a anlise de Marx acerca da contradio entre as
"relaes de produo" e as "forasprodutivas" no capitalismo difere da
anlise das teorias marxistas tradicionais, que se concentram nomodo
de distribuir e entendem a contradio como uma contradio entre as
esferas da distribuio eda produo. Marx critica, explicitamente,
aquelas abordagens tericas que conceituam atransformao histrica em
termos do modo de distribuir sem considerar a possibilidade de que
omodo de produzir seja transformado. Marx toma como exemplo de tais
abordagens, a afirmao deJohn Stuart Mill para quem "as leis e
condies da produo da riqueza compartilham do carter dasverdades
fsicas... No assim com a distribuio da riqueza. Esta , unicamente,
um problema dasinstituies humanas." (18) Esta separao, de acordo
com Marx, ilegtima: "As 'leis e condies' daproduo da riqueza e as
leis da' distribuio da riqueza' so as mesmas leis sob diferentes
formas, eambas se modificam, experimentam o mesmo processo
histrico; sendo, enquanto tal, puramentemomentos de um processo
histrico." (19)
A noo de Marx sobre o modo de distribuir, no entanto, no se
refere apenas maneira pela qual asmercadorias e o trabalho so
socialmente distribudos (por exemplo, atravs de mecanismo
domercado); vai mais adiante, ao descrever que "a condio de
no-proprietrios dos trabalhadores e a
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mercado); vai mais adiante, ao descrever que "a condio de
no-proprietrios dos trabalhadores e a...apropriao do trabalho
alheio pelo capital", (20) isto , as relaes capitalistas de
propriedadeenquanto "modos de distribuio [que ] so as prprias
relaes de produo, porm sub speciedistributionis. (21) Estas
passagens indicam que a noo de Marx de modo de distribuio envolve
asrelaes capitalistas de propriedade. Elas tambm implicam que sua
noo sobre "relaes deproduo" no pode ser entendida apenas em termos
do modo de distribuir, mas deve tambm serconsiderada como sub
specie productionis - por outras palavras, que as relaes de produo
nopodem ser entendidas como tradicionalmente tm sido. Se Marx
considera as relaes de propriedadecomo sendo relaes de distribuio,
(22) decorre da que o seu conceito de relaes de produo nopode ser
plenamente captado em termos de relaes capitalistas de classe,
baseadas na propriedadeprivada dos meios de produo e expressas na
desigual distribuio social do poder e da riqueza. Aocontrrio,
aquele conceito deve tambm ser entendido com referncia ao modo de
produzir nocapitalismo. (23)
No entanto, se o processo de produo e as relaes sociais
fundamentais do capitalismo esto inter-relacionados, o modo de
produzir no pode ser igualado s foras produtivas, que acabam
entrandoem contradio com as relaes capitalistas de produo. Em vez
disso, o prprio modo de produzirdeveria ser visto como
intrinsecamente relacionado ao capitalismo. Estas passagens
sugerem, emoutras palavras, que a contradio marxiana no deveria ser
concebida como uma contradio entre aproduo industrial de um lado, e
o mercado e a propriedade privada capitalista do outro;
suacompreenso acerca das foras e das relaes de produo deve ser,
portanto, profundamenterepensada. A noo de Marx acerca da superao
do capitalismo sugere que a mesma significa umatransformao, no
somente do modo de distribuir existente, mas tambm do modo de
produzir. precisamente a este respeito que, com certa simpatia,
Marx aprova o significado do pensamento deCharles Fourier: "O
trabalho no pode se transformar em diverso, como Fourier gostaria,
o que nodesmerece sua grande contribuio em ter expressado a
substituio, no da distribuio, mas doprprio modo de produzir, por
uma forma superior, como o objetivo ltimo." (24)
Assumindo que o "objetivo ltimo" a "derrubada" ou superao do
prprio modo de produzir, estedeve incorporar as relaes
capitalistas. Na verdade, a crtica de Marx a estas relaes aponta,
numapassagem posterior, para a possibilidade de uma transformao
histrica da produo:
"No necessrio um grande esforo para compreender que, onde, e.g.,
o trabalho livre ou o trabalhoassalariado resultado da dissoluo da
servido, o ponto de partida, as mquinas surgem comoanttese ao
trabalho vivo, como propriedade que lhe alheia e como fora que lhe
hostil; i.e., queelas devem confront-lo na condio de capital. Mas,
da mesma forma fcil perceber que asmquinas no cessaro de ser
agentes de produo social quando se tornam, e.g., propriedade
detrabalhadores associados. No primeiro caso, porm, sua distribuio,
i.e., em que elas no pertencemao trabalhador, obedece mesma condio
de ser do modo de produo baseado no trabalhoassalariado. No segundo
caso, a modificao da distribuio se iniciaria a partir de um
fundamento daproduo modificado, uma nova base a ser primeiramente
criada pelo processo da histria." (25)
A fim de entender mais claramente a natureza da anlise de Marx e
alcanar o que ele quer dizer ao sereferir transformao do modo de
produzir, devemos examinar sua concepo quanto ao"fundamento" da
produo (capitalista). Isto , devemos analisar sua noo de "modo de
produobaseado no trabalho assalariado" e refletir sobre o que
poderia significar uma "base de produomodificada".
O NCLEO FUNDAMENTAL DO CAPITALISMO
Minha investigao da anlise do capitalismo feita por Marx
inicia-se com uma seo crucialmenteimportante dos Grundrisse,
intitulada "Contradio entre a base da produo burguesa (valor
comomedida) e seu desenvolvimento". (26) Marx comea esta seo como
se segue: " A troca de trabalhovivo por trabalho objetivado -i.e.,
o posicionamento do trabalho social na forma da contradio
entrecapital e trabalho assalariado - o desenvolvimento ltimo da
relao valor e da produo baseada novalor." (27) O ttulo e a frase
inicial desta seo dos Grundrisse indicam que, para Marx, a
categoriavalor expressa as relaes bsicas de produo do capitalismo
-aquelas relaes sociais quecaracterizam a especificidade do
capitalismo como um modo de vida social -, bem como indicam que
aproduo no capitalismo est baseada no valor. Em outras palavras,
valor, na anlise de Marx,constitui o "fundamento da produo
burguesa."
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Uma peculiaridade da categoria valor que aparenta expressar
tanto uma determinada forma derelaes sociais como uma forma
particular de riqueza. Qualquer anlise do valor deve,
portanto,esclarecer ambos os aspectos. Temos observado que o valor,
enquanto uma categoria de riqueza,geralmente tem sido concebido
como uma categoria do mercado. Contudo, quando Marx se refere
"troca" no desenrolar da anlise, quando da considerao da "relao
valor" nas passagens citadas, ofaz tendo em vista o processo
capitalista de produo em si. A troca a qual se refere no prpria
dacirculao, mas sim, troca que ocorre na produo -"a troca de
trabalho vivo por trabalhoobjetivado". Isto implica que o valor no
deveria ser entendido meramente como uma categoria domodo de
distribuio de mercadorias, isto , como um argumento para
fundamentar o automatismo domercado auto-regulvel. Ao contrrio,
deveria ser entendido como uma categoria da produocapitalista em
si. Parece, ento, que a noo marxiana da contradio entre as foras e
as relaes deproduo deveria ser reinterpretada como se referindo a
momentos distinguveis do processo deproduo. O fato da "produo
baseada no valor" e "o modo de produo baseado no
trabalhoassalariado" parecerem estar intimamente relacionados
requer um exame mais aprofundado.
Quando Marx discute a produo baseada no valor, ele a descreve
como um modo de produo cujo"pressuposto - e permanece sendo - a
quantidade de tempo de trabalho direto, a quantidade detrabalho
empregado, como o fator determinante da produo de riqueza." (28)
Segundo Marx, o valor,como uma forma de riqueza, caracterizado por
ser constitudo a partir do dispndio de trabalhohumano direto no
processo de sua produo - por permanecer preso a tal dispndio como o
fatordeterminante na produo da riqueza e por ter uma dimenso
temporal. O valor uma forma socialque expressa o, e est baseada no,
dispndio de tempo de trabalho direto. Para Marx, esta forma estno
corao da sociedade capitalista. Como uma categoria das relaes
sociais fundamentais queconstituem o capitalismo, o valor expressa
o que , e permanece sendo, o fundamento bsico daproduo capitalista.
Todavia, surge uma crescente tenso entre este fundamento do modo
capitalistade produo e os resultados de seu prprio desenvolvimento
histrico:
"Porm, medida que a grande indstria se desenvolve, a criao de
riqueza real vai depender menosdo tempo de trabalho, e da
quantidade de trabalho empregado, e passa a depender mais da
foraprodutiva dos agentes [instrumentos] postos em movimento
durante o tempo de trabalho, cuja"potncia efetiva" , em si mesma,
... desproporcional ao tempo de trabalho direto gasto em suaproduo;
mas que depende, sobretudo, do estado geral da cincia e do
progresso da tecnologia Ariqueza real manifesta-se,
excepcionalmente, ...na fantstica desproporo entre o tempo de
trabalhoaplicado e seu produto, bem como no desequilbrio
qualitativo entre trabalho, reduzido a uma puraabstrao, e a
capacidade produtiva do processo de produo que ele supervisiona"
(29)
O contraste entre valor e "riqueza real" - isto , o contraste
entre a forma de riqueza que depende do"tempo de trabalho e do
montante de trabalho empregado" e outra que no depende - crucial
nestascitaes e para o entendimento da teoria do valor em Marx e sua
concepo quanto contradiobsica da sociedade capitalista. O contraste
sugere claramente que o valor no se refere riqueza emgeral, mas uma
categoria historicamente especfica e transitria que pretende
expressar ofundamento da sociedade capitalista. Alm do mais, o
valor no somente uma categoria do mercado,uma categoria que capta
um modo particular da distribuio social da riqueza. Tal
interpretao,centrada no mercado - e que est prxima da posio de Mill
de que o modo de distribuio mutvelhistoricamente, mas o modo de
produo no o - implica a existncia de uma forma transhistrica
deriqueza diferentemente distribuda nas distintas sociedades. Porm,
de acordo com Marx, o valor uma forma historicamente especfica de
riqueza social e est intrinsecamente relacionada a um modode produo
historicamente especfico. Dizer que as formas de riqueza podem ser
historicamenteespecficas significa, obviamente, que a riqueza
social no a mesma em todas as sociedades. Adiscusso de Marx sobre
estes aspectos do valor sugere, como veremos, que a natureza do
trabalho e averdadeira tessitura das relaes sociais diferem em
vrias formaes sociais.
No decorrer deste trabalho, investigarei o carter histrico do
valor e tentarei esclarecer a relao queMarx apresenta entre valor e
tempo de trabalho. Antecipando alguma coisa, muitos argumentos
comrespeito anlise de Marx acerca da exclusividade do trabalho como
a fonte de valor no reconhecemsua distino entre "riqueza real' (ou
"riqueza material") e valor. A "teoria do valor trabalho" de
Marx,no obstante, no uma teoria das propriedades imanentes ao
trabalho em geral, mas uma anliseda especificidade histrica do
valor como uma forma de riqueza e do trabalho que, supostamente,
aconstitui. Consequentemente, irrelevante para as pretenses de Marx
argumentar a favor ou contrasua teoria do valor, como se esta
significasse uma teoria do trabalho-riqueza (transhistrica) - isto
,
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sua teoria do valor, como se esta significasse uma teoria do
trabalho-riqueza (transhistrica) - isto ,como se Marx tivesse
escrito uma economia poltica em vez de uma crtica economia poltica.
(30)Obviamente, isto no quer dizer que a interpretao da categoria
valor desenvolvida por Marx, comouma categoria historicamente
especfica, comprove que sua anlise da sociedade moderna
estejacorreta. Porm, requer que a anlise de Marx seja considerada
em seus prprios termos,historicamente determinados, e no como se
fosse uma teoria transhistrica de economia poltica, dotipo que ele
criticou severamente.
O valor, no contexto da estrutura analtica de Marx, uma
categoria crtica que revela a especificidadehistrica da forma de
riqueza e da maneira de produzir caractersticas do capitalismo. O
pargrafoanteriormente citado mostra que, de acordo com Marx, o modo
de produo baseado no valordesenvolve-se de uma maneira tal que
aponta para a possvel negao histrica do prprio valor. Marxargumenta
que, no curso do desenvolvimento da produo industrial capitalista,
o valor torna-semenos e menos adequado como uma medida da "riqueza
real" produzida. Ele compara o valor, umaforma de riqueza
circunscrita ao dispndio de tempo de trabalho humano, ao gigantesco
potencial deproduo de riqueza associado cincia e tecnologia
modernas. O valor torna-se anacrnico, tendoem vista o potencial
criado pelo sistema de produo ao qual d sustentao. A realizao
destepotencial acarreta a abolio do valor.
Esta possibilidade histrica, no entanto, no significa meramente
que quantidades cada vez maioresde mercadorias poderiam ser
produzidas com base no modo de industrial produo existente
edistribudas mais equitativamente. A lgica da crescente contradio
entre "riqueza real" e valor, queaponta para a possibilidade de que
a primeira supere a segunda, como a forma determinante deriqueza
social, tambm implica na possibilidade de um processo de produo
diferente, um processobaseado numa mais nova e adequada estrutura
emancipatria do trabalho social:
"O trabalhador no mais se apresenta to importante quanto antes,
para ser includo no processo deproduo; ao contrrio, o ser humano
tende a se transformar muito mais num supervisor e reguladordo
processo de produo em si ... Ele se coloca ao lado do processo de
produo em vez de seuprincipal ator. Com esta transformao, o que ele
conclui no nem trabalho humano direto e nem otempo durante o qual
ele trabalha. Ao contrrio, em virtude da incluso enquanto um corpo
socialocorre a apropriao de sua capacidade produtiva geral, de sua
compreenso da natureza e domniosobre o trabalho - em uma palavra,
ocorre o desenvolvimento do indivduo social que surge como agrande
pedra fundamental da produo e da riqueza. O roubo do tempo de
trabalho alheio, sobre oqual a riqueza presente est baseada,
aparece como uma desprezvel pilastra frente a esta novapotncia
criada pela prpria indstria de larga escala." (31)
A seo dos Grundrisse que estamos considerando deixa extremamente
claro que, para Marx, asuperao do capitalismo envolve a abolio do
valor como a forma social de riqueza, a qual, por suavez, exige a
superao do modo determinado de produzir desenvolvido sob o
capitalismo.Explicitamente afirma que a abolio do valor significa
que o tempo de trabalho no mais serviriacomo medida de riqueza, e
que a produo de riqueza no mais seria efetuada primordialmente
pelotrabalho humano direto aplicado ao processo de produo: "To logo
o trabalho na sua forma diretatenha cessado de ser a grande fonte
de riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser
suamedida e, por conseguinte, o valor de troca (deve deixar de ser
a medida) do valor de uso." (32)
Em outras palavras, com sua teoria do valor, Marx analisa as
relaes sociais bsicas do capitalismo,sua forma de riqueza e sua
forma material de produo, como estando inter-relacionadas. De
acordocom a anlise de Marx, como a produo se apoia no valor, o modo
de produo fundado no trabalhoassalariado e a produo industrial
baseada no trabalho proletrio esto intrinsecamente relacionados.Sua
concepo do carter crescentemente anacrnico do valor tambm se
estende ao cartercrescentemente anacrnico do processo industrial de
produo desenvolvido sob o capitalismo. Asuperao do capitalismo, de
acordo com Marx, acarreta uma transformao fundamental da
formamaterial de produo, no modo como as pessoas trabalham.
Esta posio difere fundamentalmente do marxismo tradicional que,
conforme j foi observado,concentra sua crtica apenas na transformao
do modo de distribuio e trata o modo industrial deproduo como uma
evoluo tcnica que se torna incompatvel com o capitalismo. No que
foiapresentado at aqui fica bvio que Marx no tratou a contradio do
capitalismo como sendo umacontradio entre a produo industrial e o
valor, isto , entre a produo industrial e as relaessociais
capitalistas. Ao contrrio, considerou a primeira moldada pela
segunda: a produo industrial
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sociais capitalistas. Ao contrrio, considerou a primeira moldada
pela segunda: a produo industrial o "modo de produo baseado no
valor". neste sentido que, em seus ltimos escritos, Marx
refere-se,explicitamente, ao modo industrial de produo como uma
"forma de produo especificamentecapitalista ...(tambm ao nvel
tecnolgico)" (33) e, em assim fazendo, d a entender que deve
sertransformado com a superao do capitalismo.
Obviamente, o significado das categorias bsicas de Marx no pode
ser resumido em poucas palavras.A segunda metade deste livro ser
dedicada elaborao de sua anlise do valor e do papel destacategoria
na conformao do processo de produo. Neste momento, simplesmente
observaria que ateoria crtica de Marx, como est expressa nessas
passagens dos Grundrisse, no uma forma dedeterminismo tecnolgico,
pois trata a tecnologia e o processo de produo como
socialmenteconstitudos, no sentido de que so amoldados pelo valor.
Portanto, no deveriam ser absolutamenteidentificados com a noo de
Marx de "foras produtivas", as quais entram em contradio com
asrelaes sociais capitalistas. Apesar disso, incorporam uma
contradio: a anlise de Marx estabeleceuma distino entre a realidade
da forma de produo constituda pelo valor e seu potencial -
umpotencial que fundamenta a possibilidade de um novo modo de
produo.
Est claro, a partir das citadas passagens dos Grundrisse que,
quando Marx descreve a superao dacontradio do capitalismo e afirma
que a "massa de trabalhadores deve, por ela mesma, se apropriarde
seu prprio trabalho excedente", (34) ele est se referindo no apenas
expropriao dapropriedade privada e ao uso do produto excedente de
uma maneira mais racional, humana eeficiente. A apropriao qual se
refere vai muito alm disso, pois tambm envolve a aplicaoreflexiva
das foras produtivas desenvolvidas sob o capitalismo, ao prprio
processo de produo. Isto, ele vislumbra que o potencial embutido na
produo capitalista avanada poderia tornar-se o meiopelo qual o
prprio processo de produo industrial poderia ser transformado; o
meio pelo qual osistema de produo social, no qual a riqueza criada
atravs da apropriao do tempo de trabalhodireto e do trabalho dos
operrios, como dentes de engrenagem de um aparato produtivo,
poderia serabolido. De acordo com Marx, estes dois aspectos do modo
de produo industrial capitalista estorelacionados. Por conseguinte,
a superao do capitalismo, conforme apresentada nos
Grundrisse,implicitamente envolve a superao tanto dos aspectos
formais, quanto dos aspectos materiais domodo de produo fundado no
trabalho assalariado. Ela acarreta a abolio de um sistema
dedistribuio baseado na troca de fora-de-trabalho, enquanto uma
mercadoria, por um salrio com oqual os meios de consumo so
adquiridos; tambm acarreta a abolio de um sistema de produobaseado
no trabalho proletrio, isto , baseado no tipo de trabalho
unilateral e fragmentado,caracterstico da produo capitalista
industrial. A superao do capitalismo, em outras palavras,tambm
envolve a superao do trabalho concreto realizado pelo
proletariado.
Esta interpretao, na medida em que fornece a base para uma
crtica histrica da forma concreta deproduo no capitalismo, lana luz
sobre a bem conhecida afirmao de Marx de que a formao
socialcapitalista sinaliza o fim da pr-histria da sociedade humana.
(35) A idia da superao do trabalhoproletrio implica que a
"pr-histria" deveria ser entendida como se referindo quelas
formaessociais nas quais a produo de excedente continua a existir e
est baseada primordialmente notrabalho humano direto. Esta
caracterstica compartilhada por sociedades nas quais o excedente
criado pelo escravo, pelo servo ou pelo trabalhador assalariado.
Todavia, de acordo com Marx, aformao baseada no trabalho
assalariado caracteriza-se por possuir uma dinmica que lhe
exclusiva, a partir da qual emerge a possibilidade histrica de que
a produo excedente baseada notrabalho humano como um elemento
imanente ao processo de produo, possa ser superada. Umanova formao
social pode ser criada na qual o "trabalho excedente da massa tenha
cessado de ser acondio para o desenvolvimento da riqueza geral, da
mesma forma que o no-trabalho de poucos,tenha deixado de ser a
condio para o desenvolvimento das potencialidades gerais do
crebrohumano." (36)
Para Marx, ento, o fim da pr-histria significa a superao da
separao e oposio entre trabalhomanual e intelectual. No entanto,
dentro do quadro de sua crtica histrica, esta oposio no pode
sersuperada simplesmente com a juno do trabalho manual e do
trabalho intelectual, como praticadosna atualidade (por exemplo,
como enaltecido na Repblica Popular da China nos anos de 1960).
NosGrundrisse, o tratamento dado por Marx produo demonstra que no
apenas a separao destasmodalidades de trabalho, mas tambm as
caractersticas determinantes de cada uma delas, estoenraizadas na
forma de produo dominante. A separao somente poderia ser superada
mediante atransformao das modalidades de trabalho manual e
intelectual existentes, isto , pela constituiohistrica de uma nova
estrutura e organizao social do trabalho. Tal nova estrutura
toma-se possvel,
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histrica de uma nova estrutura e organizao social do trabalho.
Tal nova estrutura toma-se possvel,de acordo com a anlise de Marx,
quando a produo excedente no mais estiver necessria
eprimordialmente baseada no trabalho humano direto.
CAPITALISMO, TRABALHO E DOMINAO
A teoria social de Marx - em oposio posio marxista tradicional -
conduz, dessa maneira, a umaanlise crtica do modo de produzir
desenvolvido sob o capitalismo e possibilidade de suatransformao
radical. Claramente, isso no significa a glorificao produtivista
desse modo deproduzir. Marx, ao tratar o valor como uma categoria
historicamente determinada de um modo deproduo especfico, e no
apenas como um modo de distribuio, sugere - e isto crucial - que
otrabalho que produz valor no deveria ser identificado com trabalho
como se este existissetranshistoricamente. Ao contrrio, trata-se de
uma forma historicamente especfica que seria abolida,no realizada,
com a superao do capitalismo. A concepo de Marx acerca da
especificidade histricado trabalho no capitalismo requer uma
reinterpretao fundamental de sua compreenso das relaessociais que
caracterizam esta sociedade. Estas relaes so, segundo Marx,
constitudas pelo prpriotrabalho e, consequentemente, tm um carter
peculiar, quase-objetivo; e no podem sercompletamente apreendidas
em termos de relaes de classe.
No que diz respeito s relaes sociais fundamentais do
capitalismo, as diferenas entre ainterpretao "categorial" e aquelas
"centradas em classes" so considerveis. A primeira refere-se auma
crtica do trabalho no capitalismo; a segunda, uma crtica do
capitalismo do ponto de vista dotrabalho. Essas interpretaes
embutem concepes bastante diferentes acerca do modo de
dominaodeterminante no capitalismo e, por conseguinte, quanto
natureza de sua superao. Asconsequncias dessas diferenas
tornar-se-o mais claras medida que analiso mais de perto adiscusso
de Marx sobre como o carter especfico do trabalho no capitalismo
constitui suas relaessociais bsicas e como ele imanente, tanto
especificidade do valor, enquanto uma forma de riqueza,quanto a
natureza do modo industrial de produzir. O carter especfico do
trabalho - dando umpequeno salto adiante neste momento - tambm
constitui a base para uma forma de dominao socialhistoricamente
especfica, abstrata e impessoal.
Na anlise de Marx, a dominao social no capitalismo, em seu nvel
mais fundamental, no consistena dominao das pessoas por outras
pessoas, mas na dominao de pessoas por estruturas sociaisabstratas
constitudas pelas prprias pessoas. Marx procurou desvendar esta
forma de dominaoabstrata, estrutural - que envolve e se estende
para alm da dominao de classe - com suas categorias,a mercadoria e
o capital. Esta dominao abstrata no somente determina a finalidade
da produo nocapitalismo, segundo Marx, como tambm sua forma
material. Dentro do contexto do quadro deanlise de Marx, a forma de
dominao social que caracteriza o capitalismo no , em ltima
instncia,uma decorrncia da propriedade privada, da propriedade dos
meios de produo e da apropriao doproduto excedente pelos
capitalistas. Ao contrrio, [a dominao] est fundamentada na forma
valorda prpria riqueza, uma forma de riqueza social que contrape o
trabalho vivo (os trabalhadores) auma fora estruturalmente alheia e
dominante. (37) Tentarei mostrar como, para Marx, esta oposioentre
a riqueza social e as pessoas est baseada no carter especfico do
trabalho na sociedadecapitalista.
De acordo com Marx, o processo pelo qual o trabalho no
capitalismo molda estruturas sociaisabstratas que dominam as
pessoas o mesmo que impulsiona um rpido desenvolvimento histriconas
foras produtivas e no conhecimento da humanidade. Todavia, isso
assim ocorre mediante afragmentao do trabalho social - isto , s
expensas da limitao e da reduo da importncia doindivduo em
particular. (38) Marx argumenta que a produo baseada no valor cria
enormespossibilidades de riqueza, mas somente "estabelecendo ...a
totalidade do tempo de um indivduoenquanto tempo de trabalho, [o
que resulta em] sua degradao, por conseguinte, condio de
merotrabalhador." (39) Sob o capitalismo a capacidade e o
conhecimento da humanidade so acrescidosenormemente, mas de uma
forma alienada que oprime as pessoas e tende a destruir a natureza.
(40)
Desse modo, uma marca central do capitalismo que as pessoas
realmente no controlam sua prpriaatividade produtiva ou o que elas
produzem, mas so, em ltima instncia, dominadas pelosresultados
desta atividade. Esta forma de dominao expressa como uma contradio
entreindivduos e sociedade e constituda como uma estrutura
abstrata. A anlise de Marx sobre esta formade dominao uma tentativa
de fundamentar e explicar o que ele tratou como sendo alienao
emseus primeiros escritos. Sem entrar numa discusso extensiva da
relao entre os escritos iniciais de
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seus primeiros escritos. Sem entrar numa discusso extensiva da
relao entre os escritos iniciais deMarx e sua anlise crtica mais
recente, tentarei mostrar que no foram abandonados os temascentrais
contidos nos trabalhos iniciais, mas sim que alguns - por exemplo,
a alienao - permanecemcentrais em sua teoria. Na verdade, somente
nos trabalhos mais recentes que Marx fundamentarigorosamente a
posio que ele apresenta nos Economic and Philosophic Manuscripts of
1844especialmente, que a propriedade privada no a causa social, mas
a consequncia do trabalhoalienado e que, portanto, a superao do
capitalismo no deveria ser concebida somente em termos daabolio da
propriedade privada, mas deve acarretar a superao de tal trabalho.
(41) Ele fundamentaesta posio em suas ltimas contribuies com a
anlise do carter especfico do trabalho nocapitalismo. Todavia, esta
anlise tambm exige uma modificao na sua noo inicial da alienao.
Ateoria da alienao implcita na teoria crtica madura de Marx no se
refere alienao daquilo quepreviamente existia como propriedade dos
trabalhadores (e que, portanto, deveria ser exigida poreles). Ao
contrrio, refere-se ao processo de constituio histrica de
capacidades e de conhecimentossociais que no pode ser compreendido
com referncia s imediatas habilidades e destrezas doproletariado.
Com sua categoria o capital, Marx analisou como essas capacidades e
conhecimentosociais so moldadas em formas