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Pos colonialismo e hibridismo no Brasil

Feb 17, 2018

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Isaac Bruno
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  • 7/23/2019 Pos colonialismo e hibridismo no Brasil

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    Ps-colonialismo e o hibridismo no Brasil

    Mele Pesti

    Universidade de Tallinn, Estonia

    [email protected]

    Introduo

    Durante os meus estudos na Universidade de So Paulo em 2010 participei numa diciplina

    sobre Modernismo Brasileiro. Nessas aulas o termo hibridismo era muitas vezes

    mencionado de uma forma pouco reflexiva ou sem ser visto como um termo que pede umadefinio antes de ser usado ou discutido. Como j tinha estudado teoria ps-colonial e

    compreendi que hibridismo podia ser um conceito chave para perceber a situao cultural

    nica do Brasil, fiquei curiosa e perguntei:

    O que querem dizer com hibridismo e que tradio de hibridismo cultural seguem no

    Brasil? Pelos olhares confusos que vi percebi que a pergunta parecia estranha. Hibridismo

    uma palavra comum na nossa lngua, e uma das caractersticas mais importantes da nossa

    cultura. Semprea usmos!, afirmou o professor.

    A percepo de que o hibridismo cultural algo de muito comum e talvez mesmo central na

    sociedade brasileira um pas colonizado pelas potncias europeias durante sculos

    interessou-me pelas suas eventuais ligaes com o uso do termo hibridismo nas obras de

    proeminentes tericos do ps-colonialismo. Para compar-los, escolhi dois autores: as obras

    do socilogo brasileiro Gilberto Freyre e de um dos principais lderes da escola da teoria ps-

    colonial, Homi K. Bhabha. Sei que existe um debate muito intenso no Brasil sobre os

    argumentos de Gilberto Freyre na formao da sociedade brasileira e do seu possvel atraso

    no contexto contemporneo. Ainda acredito que parte do que escreveu em 1933 se mantm

    actual hoje e ajuda-nos na difcil tarefa de formular algumas descries operacionais sobre a

    condio brasileira. Como mais a frente referirei, nem Freyre nem Bhabha nos do respostas

    muito boas, mas ambos contribuem com algo para esta discusso.

    No incio os diferentes tipos de hibridismo sobre o qual escrevem parecem muito distantes

    um do outro. Tentei preencher o espao entre ambos atravs de concepes genricas sobre

    hibridismo cultural. Assim, usei o trabalho de outros tericos e tambm o recente livro de

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    Peter Burke Cultural Hybridity(2009) a sua tentativa de juntar vrios mtodos na

    explicao de processos de hibridizao cultural no mundo. Este processo de colocar lado alado duas teorias de hibridismo e compar-las fez-me tambm pensar numa escala um pouco

    maior sobre a justificao do uso de teoria ps-colonial numa anlise da Amrica Latina. Este

    debate j existe (ver por exemplo Sara Castro-Klarn (1995) lamentando a falta de ateno

    dada pelo ps-colonialismo s realidades latino-americanas ou Klor de Alva (1995) lutando

    contra o uso do termo, (ambos citados em McLeod 2007:120)).

    O primeiro objectivo deste ensaio comparar o uso do termo hibridismo cultural na velha

    tradio brasileira tal como apresentado em Gilberto Freyres Masters and Slaves (Casa-

    Grande e Senzala, 1933) e na teoria ps-colonial mais contempornea. Depois prosseguirei

    para o debate mais amplo sobre a justificao do uso de teoria ps-colonial na Amrica

    Latina. O ultimo e talvez o mais importante objectivo tentar descobrir quem mais para alm

    dos mundialmente conhecidos tericos do ps-colonialismo e de Freyre pode dar-nos uma

    descrio ou anlise de hibridismo cultural aplicvel ao Brasil.

    O que quer dizer chamar o Brasil de nao hbrida?

    O tema da miscigenao tem estado no centro de intensos debates entre intelectuais brasileiros

    no que diz respeito a questo da identidade brasileira. Esta discusso prolongou-se durante o

    sculo XX, tendo atingido um dos seus pontos altos durante anos 30 (perodo que nos trouxe

    os textos mais influentes de Gilberto Freyre, Srgio Buarque de Hollanda e Paulo Prado).

    Durante o Estado Novo, a ditadura de Getlio Vargas (1937-1945), a miscigenao foi

    transformada numa bandeira ao servio da ideologia do estado chamada democracia racial,

    afirmando que o racismo no existia num pas no qual quase todos os cidados partilhavam

    sangues vrios. A usurpao por um ditador do conceito de hibridismo atravs da

    miscigenao para servir propsitos ideolgicos no deve tirar crdito ao uso inicial do termo,

    e deixar para trs a possibilidade de explicar algo importante sobre a sociedade brasileira.

    Apesar de Gilberto Freyre nunca ter usado o polmico termo de democracia racial, este foi

    claramente aproveitado a partir do seu conceito de nao hbrida. No seu livro mais

    importante, Casa-Grande e Senzala, (1933) ele coloca o termo hbrido logo no ttulo doprimeiro captulo: Caractersticas Gerais da Colonizao Portuguesa do Brasil: A Formao

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    de uma Sociedade Agrria, Escrava e Hbrida. Na primeira pgina ele afirma que a nova

    sociedade brasileira do sculo XVI de composio hbrida, com uma mistura de ndio emais tarde de Negro. (Freyre 1966:3). Freire no se limita a narrativa clssica, quase

    mitolgica de um Brasil formado por trs elementos os habitantes indgenas originais, os

    colonizadores portugueses e os escravos de frica. De uma forma inteligente ele menciona a

    unio de vrias culturas compreendendo diversos factores tnicos: O Velho Cristo

    portugus, o Judeu, o Espanhol, o Holands, o Francs, o Negro, o Amerndio, os

    descendentes dos Mouros (Freyre 1966: xii).

    Freyre explica em detalhe como e porqu as relaes interraciais comearam de uma forma

    to rpida e intensa no Brasil quando comparado com todas as outras colonizaes nas

    Amricas. Explica-o sobretudo pela natureza dos portugueses que chegaram ao Novo Mundo:

    era a populao masculina que tinha ficado em casa aps as descobertas portuguesas na ndia,

    e que consistia sobretudo daqueles pobres em recursos econmicos, plebeus e de origem

    Morabe com uma conscincia racial muito fraca (Freyre 1966: 85). As inclinaes

    lascivas de indivduos sem ligaes familiares e rodeados de mulheres ndias nuas serviriam

    as razes poderosas do Estado, atravs da rpida populao das novas terras comdescendentes mestios. (ibid).

    O rpido processo de miscigenao contrastava de forma clara com a dos colonizadores

    britnicos na Amrica do Norte, onde estes se comportavam muito mais como grupos

    fechados, mudando-se para o Novo Mundo com as suas mulheres, sendo mais conservadores,

    e tendo muito menos experincia de vida em comum com outras raas do que os portugueses.

    No sentido oposto, e de acordo com Freyre, os homens portugueses tinham viajado para o

    Novo Mundo sem famlia, sentiam-se muito atrados pelas mulheres ndias e por terem tido a

    experincia de conviver com outras raas no viam as diferenas raciais como um problema.

    Mas estas diferenas parecem ser claras mesmo quando o incio da colonizao do Brasil

    comparada com as conquistas espanholas no Novo Mundo. Freyre argumenta de uma forma

    bastante lgica que as culturas Incas, Aztecas e Maias foram destrudas pelos colonizadores

    espanhis porque eram perigosas para o Cristianismo e pouco favorveis a uma explorao

    mais fcil das suas riquezas minerais. Como os recursos naturais esperados no foram

    inicialmente descobertas no Brasil, havia menos antagonismo e uma necessidade mais forte na

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    constituio de famlias e no incio da produo agrcola por razes de sobrevivncia. Freyre

    refere vrias vezes a famlia como sendo um agente absolutamente decisivo na construo dasociedade brasileira durante os primeiros sculos de colonizao.

    No The Routledge Companion to Postcolonial Studies (2007) Claire Taylor escreve que a

    partir da segunda metade do sculo XVII a populao mestia en America Latina comeou a

    crescer, bem como a quantidade de casamentos interraciais legtimos. As estatsticas exactas

    sobre a composio tnica da nao brasileira atravs da sua histria so difceis de encontrar:

    cada fonte indica dados diferentes e define grupos tnicos de forma diversa. Zita Nunes

    escreve num artigo sobre raa e antropologia no Brasil: Durante o perodo do comrcio de

    escravos, o Brasil recebeu at 37% do nmero total de africanos trazidos pela fora para as

    Amricas (em comparao com os 5% da Amrica do Norte) (Curtin 1969). (Nunes 1995:

    115). Nunes refere igualmente uma pesquisa (da Costa 1989) que estabelece o nmero de 1

    347 000 brancos e 3 993 000 negros e mulatos a viver no Brasil em meados do sculo XIX.

    Enquanto contextualiza as especificidades do Brasil, Freyre cita tambm (entre muitos outros)

    um importante trabalho sobre relaes raciais conduzida pelo seu contemporneo Ruediger

    Bilden em 1931. De acordo com este estudo, os diferentes tipos de colonizao na Amrica

    Latina encontram-se divididos em quatro grupos: as repblicas maioritariamente brancas da

    regio de Rio de la Plata e do Chile com poucos ndios; Mxico e Per, com conflitos

    acentuados pelas riquezas minerais e onde a explorao e o antagonismo entre raas

    resultaram numa super-estrutura europeia; Paraguai e Haiti com uma maioria de ndios e

    Negros; e o ltimo grupo, cujo nico exemplo o Brasil, onde o elemento europeu nunca se

    encontrou numa posio de domnio absoluto sem disputa e por isso mesmo sempre teve que

    competir com os outros numa base de maior igualdade. Freyre acrescenta um comentrio:

    Hbrida desde o inicio, a sociedade brasileira , entre todas as das Amricas, a mais

    harmoniosamente constituda no que diz respeito s relaes raciais, no contexto de uma

    reciprocidade cultural prtica (Freyre 1966: 83).

    Tocando agora no lado mais discutvel da narrativa de Freyre, existem muitos pontos

    altamente criticveis que podem ser feitos, mas dois destes so particularmente importantes.

    Em primeiro lugar, ele no dedica muita ateno violncia que est presente no processo dehibridismo ao nvel da famlia. Concretamente, a questo a seguinte: a formao de uma

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    nova famlia hbrida foi sempre inteiramente voluntria no que diz respeito mulher

    ndia/Negra? E se existia, por muito pequeno que fosse, um elemento econmico ou de medoenvolvido, podemos ainda falar de relaes raciais harmoniosamente constitudas? Talvez o

    hibridismo perdesse assim parte do seu significado positivo e se passasse a analisar o

    fenmeno num contexto de dominao, represso, etc.

    A segunda questo a colocar sobre as premissas de Freyre a questo sobre a que sectores da

    sociedade o hibridismo a que este se refere so aplicveis. O hibridismo a que se refere

    Freyre no Brasil parece ser racial e de alguma forma cultural, mas no exactamente social ou

    poltico. Deste modo a discusso sobre uma sociedade hbrida harmoniosa tal como

    apresentada por Freyre requer ateno especial: nalguns sectores os seus argumentos possuem

    alguma verdade, mas noutros so muito limitados.

    Enquanto se celebram os frutos do hibridismo racial no devemos idealizar a nova raa

    hbrida e fechar os olhos s relaes hierrquicas e enormes desigualdades presentes na

    sociedade brasileira. Apesar de todo este hibridismo racial as desigualdades continuam,

    paradoxalmente, a ter uma base racial. No Brasil a desconstruo da raa levou a esconder o

    facto de que a discrepncia estatstica entre brancos e castanhos (pardos) na mortalidade

    infantil, esperana de vida e rendimento disponvel consistentemente elevada, enquanto que

    a discrepncia estatstica entre castanhos e negros consistentemente pequena. (Nunes

    1995: 116-117)

    O optimismo de Freyre sobre a sociedade tem alguma razo de ser, mas ignora igualmente

    muitas realidades sociais: Os portugueses no trouxeram para o Brasil divises polticas,

    como os espanhis o fizeram nas Amricas, nem diferenas religiosas, como foi o caso dosingleses e franceses nas suas colnias. (Freyre 1966: 40) Talvez em mais nenhum lugar

    ocorra o encontro, intercomunicao e a fuso harmoniosa de tradies culturais diferentes de

    uma forma to liberal como no Brasil (ibid: 78) Freyre avana com algumas crticas (sobre o

    grande fosso entre doutorados e iletrados, sdicos e masoquistas, senhores e escravos) mas

    termina a sua argumentao numa nota optimista: Entretanto o fosso entre os dois extremos

    continua a ser enorme, a intercomunicao entre tradies culturais em muitos casos

    deficiente; mas de qualquer modo o regime brasileiro no pode ser acusado de rigidez ou//de falta de uma mobilidade vertical. (ibid). Aqui podemos mais uma vez detectar o

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    entusiasmo de Freyre sobre o hibridismo racial que ele no separa de um hibridismo

    social/poltico. Em vez disso ele funde-os num s, transmitindo um diagnstico geralmentepositivo.

    O dilogo entre o hibridismo na teoria ps-colonial e de Gilberto Freyre

    Os tericos ps-coloniais Bill Ashcroft, Gareth Griffiths e Helen Tiffin compilaram os

    conceitos chave do pensamento ps-colonial. Eles definem hibridismo de uma forma

    abrangente, como a criao de novas formas transculturais no interior da rea de contacto

    produzida pela colonizao, as suas formas sendo lingusticas, culturais, polticas e raciais(Ashcroft et al 2000). A forma como Freyre analisa o hibridismo encaixa perfeitamente nesta

    definio: a partir do ano de 1500 o Brasil transforma-se claramente numa rea de contacto

    por causa da colonizao. Das formas transculturais ele d mais ateno racial, mas sublinha

    que esta no a questo mais importante do hibridismo. O que para ele mais importante a

    diversidade tnica que deixa a sua marca nas formas culturais da vida. Freyre faz igualmente

    algumas incurses lingusticas tentando explicar a suavidade do portugus do Brasil em

    comparao com a sua verso europeia atravs da diversidade tnica dos seus falantes no

    Novo Mundo.

    O pensador/intelectual que preencheu o termo hibridismo com um contedo mais slido foi

    Homi K. Bhabha. Nos seus principais trabalhos sobre teoria ps-colonial (editados no livro

    The location of culture 1994) Bhabha tende a problematizar a oposio binria demasiado

    simples entre colonizador e colonizado. Tal como aplicado ao Brasil, a reconsiderao

    desta oposio torna-se inevitvel. Quando o processo de miscigenao j teve um impacto

    muito forte na formao da sociedade, torna-se impossvel colocar em oposiocolonizadores e colonizados de forma clara. O proto-colonizador (o portugus) e o proto-

    colonizado (o ndio, o africano), transformaram-se num s: o brasileiro. A represso mantm-

    se mas no atravs de linhas definidas entre colonizador e colonizado.

    Lendo com mais ateno os textos de Bhabha devemos lembrar-nos que os escreveu em

    dilogo com Edward Said e outros crticos do discurso colonial. Bhabha viu-os como uma

    imagem transmitindo uma imagem monocromtica do colonizador e colonizado no Oriente, e

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    em especial na ndia, e criou a sua prpria teoria para iluminar reas mais abrangentes na sua

    composio.

    Bhabha sublinha a interdependncia entre colonizador e colonizado e a construo mtua das

    suas subjectividades. Na sua compilao de conceitos chave do ps-colonialismo, Aschcroft,

    Griffiths e Tiffin explicam que para Bhabha o reconhecimento de um espao de ambivalncia

    de identidade cultural pode ajudar-nos a ultrapassar o exotismo da diversidade cultural em

    prol do reconhecimento de um hibridismo libertador no qual a diversidade cultural pode

    operar (2000: 118). Isso encaixa na perfeio com o principal conceito nos trabalhos de

    Freyre - e importante perceber que o exotismo tambm possvel no contexto de uma

    nao, especialmente se de tal maneira grande e distinta como a brasileira.

    Na actualidade, uma das questes fundamentais no mundo globalizado : o que que uma

    sociedade precisa fazer num contexto onde coexistem vrios grupos tnicos vivendo juntos?

    Nos discursos europeus e norte-americanos a principal resposta hoje em dia o

    multiculturalismo, e no Brasil desde o incio da colonizao sempre foi: hibridismo. Bhabha

    parece preferir o ltimo, sugerindo que a celebrao da diversidade no suficiente para uma

    sociedade funcionar bem.

    Porque a vontade em penetrar em territrio desconhecido// pode permitir a

    conceptualizao de uma cultura internacional, que no toma por base o exotismo do

    multiculturalismo da diversidade de culturas, mas na inscrio e articulao do hibridismo

    cultural. (Bhabha 1994: 56)

    Assim podemos chegar a uma concluso preliminar que nos diz que o hibridismo que Bhabha

    encontra no caso da ndia num espao bastante abstracto formado algures no terceiro espao

    entre colonizador e colonizado, est presente de uma forma muito mais aberta noutro pas

    com uma trajectria histrica muito diferente. Talvez os brasileiros j alcanaram o objectivo

    que Bhabha coloca s sociedades: ultrapassar o exotismo da diversidade cultural em favor de

    um reconhecimento de um hibridismo libertador?

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    Peter Burke avisa-nos sobre os perigos em idealizar o hibridismo. O conceito de hibridismo

    tambm foi criticado por oferecer uma imagem de harmonia de algo que obviamente umconfronto e por ignorar descriminaes sociais e culturais. // No entanto pode ser til

    distinguir estes conflitos sociais das suas consequncias no intencionais no longo prazo a

    mistura, interpenetrao ou hibridao de culturas. (Burke 2009: 7)

    ***

    tambm extremamente importante tomar em considerao nesta discusso o grande impacto

    da escravatura na histria brasileira, cujos efeitos ainda so muito visveis na sociedadeactualmente, muito aps a abolio da escravatura em 1888. Mesmo quando o Senhor no era

    de origem pura europeia e a sua mulher indgena, ele ainda ocupava o lugar do Senhor e deste

    modo, do repressor. no entanto muito discutvel se podemos tratar o Senhor por

    colonizador, especialmente porque na medida que o tempo passa se torna cada vez mais

    difcil distinguir quando que o dono da plantao de origem portuguesa ou o seu filho ou

    neto deixa de ser portugus e se torna brasileiro. Podemos afirmar que a dinmica que nos

    interessa aqui tem lugar entre o senhor e o escravo, e no entre o colonizador e o colonizado.

    Nesta relao antagnica os termos sugeridos por Bhabha: mimetismo/mimicry e

    ambivalncia/ambivalence tambm encaixam bastante bem para descrever os processos em

    curso.

    A relao pouco clara entre colonizador/colonizado fica ainda mais complicada se

    adicionarmos o precedente da mudana da Coroa do Imprio portugus para o Brasil em

    1808-1821 a colnia perifrica transformando-se na metrpole. A relao entre colonizador

    e colonizado parece ficar esvaziada do seu significado inicial nesta situao de alterao daordem de poder, bastante nica na histria mundial. Poderia certamente ser uma base para o

    estudo das relaes centro/periferia em circunstncias de mudana.

    No que diz respeito ao objectivo deste trabalho comparar o hibridismo visto do Brasil com o

    da teoria ps-colonial podemos assumir que o hibridismo no caso brasileiro no

    necessariamente formado na oposio colonizador/colonizado ou se o , num sentido

    muito mais abrangente, onde pelo menos uma parte da equao, o colonizador, se torna

    progressivamente uma figura quase mitolgica: colonizador cada vez menos um indivduo

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    concreto e mais uma ideologia ultrapassada que se manifesta apenas parcialmente na figura do

    dono da plantao. O senhor e o seu chicote so muito reais na mente do escravo (que pareceencaixar na figura do colonizado) mas os valores que o senhor traz consigo no so

    necessariamente puramente coloniais. Portugal estando to longe e sendo to pequeno e tendo

    que tomar conta de tantas outras colnias noutros continentes tudo isto ao mesmo tempo que

    perde a sua importncia como potncia mundial. No possui a energia necessria de uma

    super-potncia para impor um domnio colonial aos seus sujeitos.

    Assim, a distncia entre a noo da representao democrtica do povo vs os servio imposto

    por um governo colonial central tal como descrito por Bhabha (1994: 136-137), ou a distncia

    na lealdade dos senhores coloniais, entre a sua antiga ptria e a nova no pode ser aplicada no

    Brasil de uma forma simples. A segunda ou pelo menos a terceira gerao de senhores

    coloniais encontrava-se j to afastada de Portugal que fez tais questes dissiparem-se. As

    questes enunciadas por Bhabha sobre democracia e representatividade no so realmente

    aplicveis no contexto do Brasil colonial mas a questo da lealdade dos colonizadores ainda

    pode ser colocada. Daquilo que nos dizem Freyre e os historiadores brasileiros sobre a

    mentalidade dos senhores entre os sculos XVI-XIX no Brasil, eu suponho que as suaslimitaes ticas no dia-a-dia no eram o resultado de uma diviso de lealdades entre dois

    pases tal como Bhabha o coloca. O Brasil parece ter sido para muitos a sua nica casa, e a

    mstica ptria portuguesa estava simplesmente demasiado longe, fisicamente e

    psicologicamente.

    A partir dos sculos XVII-XVIII, o senhor se acreditarmos nas descries de Gilberto

    Freyre j no necessariamente o colonizador portugus: este tornou-se parte de uma

    cultura hbrida. Mesmo que ela provenha de uma das poucas linhas de sangue puramente

    portuguesas ele teria muito provavelmente uma ama negra, um amigo para as brincadeiras que

    seria um escravo negro e uma amante negra ou ndia. Tudo isto o afecta de forma profunda

    muito mais do que qualquer famlia inglesa seria influenciada pelos hbitos indianos ou a sua

    maneira de pensar.

    No nos devemos esquecer que esta imagem do senhor um pouco idealizada/fabricada.

    Afirmar que a noo de colonizador desapareceu rapidamente devido ao rpido progresso dohibridismo no quer dizer que a represso e prticas cruis no tinham lugar to

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    frequentemente como noutros pases colonizados onde os colonizadores mantinham a sua

    identidade e estavam ligados de uma forma mais directa sua ptria. Gilberto Freyre tem sidoacusado de excesso de optimismo na maneira nostlgica como escreve a histria, no fazendo

    referncia violncia presente nesta imagem idlica de uma sociedade hbrida. Se analisado

    mais de perto, o seu The Masters and Slaves escrito a partir da perspectiva do senhor.

    Apesar da sua simpatia pelos escravos e dos seus esforos para elevar o orgulho pelas

    contribuies dadas pelos indgenas e africanos para a conscincia nacional, existe um

    elemento paternalista presente. A histria do ponto de vista do escravo (ou qualquer outra

    pessoa de estatuto social baixo) continua sem ser contada as obras de Gayatri Spivak nocampo dos estudos subalternos podero neste caso ser uteis.

    ***

    Um dos problemas no uso da teoria de Bhabha para analisar a situao brasileira reside na

    diferena do nvel de auto-confiana do colonizador em vrios casos. O sistema colonial

    (indiano) apresentado por Bhabha implica uma situao onde os colonizadores conseguiram

    convencer os indgenas sobre a superioridade dos britnicos (apesar das confuses sobre a

    credibilidade de uma autoridade que come carne). Baseado na classificao dos diferentes

    estilos de colonizao de Ruediger Bilden acima mencionados, algumas semelhanas podem

    ser aplicadas no contexto da Super-estrutura europeia no Mxico e no Per, mas no no

    Brasil, onde a hierarquia racial era muito menos rgida e a miscigenao tinha j tido um

    efeito muito rpido e forte na sociedade.

    Algo semelhante ao que Bhabha descreve como ambivalncia colonial e o uso do mimetismo

    poder ter acontecido (num processo que talvez possa ser chamado de auto-colonizaocultural) na relao entre brasileiros e britnicos. Houve uma onda de londronizao no

    inicio do sculo XIX quando os homens no Rio de Janeiro usavam grossos fatos britnicos no

    meio do calor tropical (Burke 2009: 80), e Freyre tinha referido situaes semelhantes na sua

    cidade natal do Recife. Existe tambm uma expresso no Brasil em uso desde o sculo XIX

    para ingls ver, que tem um significado semelhante da aldeia Potyomkin nos pases

    mais prximos da cultura russa algo que feito apenas para que o patro/senhor/colonizador

    veja, algo que aquele que o prepara ou mostra no acredita, ou que nem sequer existe. Pareceser muito prximo da definio de sly civility tal como referido por Bhabha (1994). Mas

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    mais uma vez o exemplo no muito vlido para analisar de uma forma tradicional o

    processo de colonizao (a relao entre Portugal e o Brasil) pois esta expresso descreve umaspecto da relao entre brasileiros e ingleses, que oficialmente nunca tiveram uma relao no

    campo da colonizao.

    Os dados que colocam de parte o Brasil da anlise (parcial) da teoria ps-colonial.

    A partir de tudo aquilo que j foi referido, comeo a formar a hiptese sobre as grandes

    limitaes em analisar o Brasil a partir do hibridismo de Bhabha no porque ele o defina de

    forma diferente mas pelas diferenas entre os contextos histricos dos pases analisados.Apesar destas limitaes, ainda podemos utilizar algumas das formulaes de Bhabha sobre o

    hibridismo.

    Parece-me que no caso do Brasil o hibridismo foi formado a partir de diversos elementos

    tnicos devido e apesardo colonialismo, sendo que aconteceu certamente na zona de contacto

    que se formou apenas por causa da colonizao. Depois, neste mesmo processo, este mesmo

    hibridismo comeou a trabalhar contra o colonialismo no como uma resistncia activa

    contra o poder colonial mas de uma forma mais subtil. Hibridismo visto a partir da tradiobrasileira (baseado sobretudo nos trabalhos de Freyre) um processo que construiu uma

    nao, uma fora centrpeta que juntou vrios elementos os colonizadores, os colonizados e

    os que ficam no meio formando uma mistura. No devemos pensar que esta mistura traz

    igualdade para todos os seus elementos constituintes (isso significaria aceitar a viso

    promovida pelo presidente Getlio Vargas) mas o processo de hibridizao criou certamente

    alguma coeso entre pessoas que entraram nesta mistura a partir de pontos de entrada muito

    diferentes e nveis de hierarquia social diversos.

    As pessoas de origem portuguesa que podiam claramente ser identificadas como os

    colonizadores no incio do sculo XVI foram gradualmente perdendo a sua identidade como

    colonizadores, mas mantendo-se como senhores. Os portugueses tornaram-se brasileiros. No

    nos devemos esquecer de um dos principais factores que torna o Brasil diferente da ndia (este

    ltimo pas o principal caso de estudo de Gayatri Spivak e Homi Bhabha): no existiam

    brasileiros no incio, no havia sujeito para formar o parceiro antagonista (na opinio de

    Edward Said) ou ambivalente (na opinio de Bhabha). Assim, se Bhabha afirma, baseado em

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    Derrida e Lacan, que a situao colonial se baseia no mimetismo, ou na imitao

    multifacetada da situao da ptria na terra da conquista colonial imposta aos sujeitoscoloniais, podemos facilmente dizer que tal no se aplica ao Brasil porque o sujeito colonial

    no existia quando os portugueses chegaram. Algo com o potencial de se tornar num sujeito

    colonial comeou a formar-se num processo que incluiu o colonizador original, os seus

    escravos (isto os colonizados de outro continente) e os colonizados originrios do Brasil

    (os indgenas). Pode-se afirmar que o resultado deste processo o brasileiro foi mais tarde

    colonizado economicamente (pelos britnicos, e mais tarde pelos americanos e pelas empresas

    multinacionais) mas isto j um tipo diferente de colonizao e requer novas estruturastericas de anlise.

    Claro que os indgenas estavam presentes no Novo Mundo no momento do contacto e

    existem processos extremamente interessantes a ter lugar nas leituras de ambos os lados sobre

    este contacto mas isso uma outra histria (ou talvez parte da mesma histria, mas apenas

    uma parte). O nico momento durante projecto brasileiro de colonizao no qual podemos

    analisar a relao entre colonizador e colonizado logo no incio do sculo XVI quando os

    homens portugueses que chegaram ao Novo Mundo mudaram de forma violenta as vidas dosindgenas e comearam a agir da maneira que acharam prpria em nome de um Imprio e em

    nome da civilizao que entrava agora numa no-civilizao. Mas este jogo com dois

    jogadores no durou muito: os portugueses comearam a perder a sua portugalidade no

    sentido de se sentirem abandonados pela sua ptria e tambm por deixarem rapidamente o seu

    anterior sistema de valores. O terceiro elemento o escravo Negro, apareceu igualmente neste

    contexto e mudou-o tambm de forma radical.

    Nos processos de hibridizao que comearam a partir daqui, contados de uma forma to

    sedutora por Gilberto Freyre, a lgica colonial apresentada por Homi Bhabha enfraqueceu ou

    deixou mesmo de funcionar. Toda a vida dos descendentes dos colonizadores estava agora no

    Novo Mundo /que tambm deixou de ser novo), e estes perderam a sua posio voltil e

    ambivalente entre dois pases que os funcionrios britnicos na ndia ainda mantinham na

    primeira metade do sculo XX.

    Vamos fazer uma ltima tentativa para iluminar o contexto brasileiro com as frmulas deHomi Bhabha sobre a natureza do hibridismo. Ele define-o primeiramente por aquilo que no

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    e depois pelo que : No uma terceira definio que acaba com a tenso entre duas

    culturas, ou duas cenas de um livro, numa pea dialctica de reconhecimento.ohibridismo colonial no um problema da genealogia ou identidade entre duas culturas

    diferentes que pode depois ser resolvido atravs do relativismo cultural. O hibridismo um

    problema de representao colonial e de individualidade que altera os efeitos da negao

    colonialista, para que outros conhecimentos recusados entrem no discurso dominante e

    alterem a base da sua autoridade as suas regras de reconhecimento. (1994: 162)

    Como sabemos agora que no contexto brasileiro o hibridismo existe num espao diferente

    no entre colonizador/colonizado mas entre os diferentes actores tnicos na situao colonial

    apesar e apesar da situao colonial podemos ver que tudo na definio mais abrangente de

    hibridismo ainda aplicvel ao Brasil. O discurso dominante no claramente definido

    como sendo o discurso colonial, cada vez mais o discurso do senhor/master que esto a ser

    afastados do imprio europeu a voz colonial. Ao mesmo tempo a situao mantm-se algo

    colonial por causa da escravatura, pea central no processo de produo de significado na vida

    brasileira mesmo aps a abolio, e que tem as suas origens no colonialismo.

    Procurando outras possibilidades para teorizar a condio Latino-Americana

    A um nvel geral, os dois principais pensadores usados neste trabalho Freyre e Bhabha

    podem ser vistos como dois analistas da mesma tendncia global: mistura racial e cultural,

    fuso, transferncia, troca que est claramente em crescimento, apesar das diferentes

    denominaes e preferncias tericas dos autores. Peter Burke tentou coligir todos os tericos

    destes processos e coloc-los em grupos diferentes de trocas culturais, como exemplos de

    imitao, apropriao ou mistura. No claro o porqu da utilizao de apenas um doselementos como ttulo do livro (hibridismo cultural). Quer isso dizer que ele o considera

    suficientemente genrico para ser usado como termo-chapu aplicvel a todas (e muitas vezes

    em competio) descries de misturas culturais? (eu tento utilizar mistura como termo-

    chapu para no confundir com hibridismo, que um dos tpicos em anlise). Apesar de

    Burke premiar o hibridismo colocando-o no ttulo do seu livro, tambm o critica por no ser

    um conceito ideal. Hibridismo um conceito complexo e ambguo, ao mesmo tempo literal e

    metafrico, descritivo e explicador. (Burke 2009: 154)

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    Burke v Gilberto Freyre como um dos primeiros dois defensores do hibridismo, sendo o

    segundo o mexicano Jos Vasconcelos, o autor de The Cosmic Race (1929), que apresentouo mestio como sendo a essncia da nao mexicana (Burke 2009: 4) Estes dois autores j

    apontam para o hibridismo como algo que cresceu e se desenvolveu a partir dos trabalhos de

    tericos latino americanos (e levanta a questo sobre o porqu desta ligao no ter sido

    identificada na teoria ps-colonial mainstream?). Esta linha de pensamento ao mesmo tempo

    precedida e seguida por outros conceitos de origem latino-americana paralelos ao hibridismo.

    No entrarei em detalhes sobre os mesmos, que vo para alm dos objectivos deste texto, mas

    farei uma curta apresentao.

    Primeiramente a escola de antropofagia surgiu ainda antes de Freyre e Vasconcelos no

    Brasil dos anos 20. O Manifesto Antropofgico (1928) muitas vezes menorizado pelos

    historiadores das ideias, provavelmente porque o seu autor, Oswald de Andrade, gostava de se

    expressar de uma forma bastante hermtica e metafrica, e as ideias bem frente do seu

    tempo/poca no revelam o seu verdadeiro significado numa primeira leitura. Burke refuta

    estas ideias como uma verso de imitao, sublinhando apenas a parte-digerida da metfora

    (2009:38) e deixando totalmente de lado as ideias vanguardistas sobre o reverso do podercultural e as sugestes para reanalisar a histria mundial a partir de um ponto de vista latino-

    americano. Oswald de Andrade um autor respeitado e estudado no Brasil, mas parece que o

    peso filosfico e sociolgico do seu Manifesto Antropofgico continua a ser menorizado.

    Merece ser estudado de forma mais aprofundada no contexto da discusso do hibridismo no

    Brasil. De facto antropofagia poderia ser uma metfora mais acertada que o termo

    hibridismo para compreender a condio brasileira, pelas razes acima mencionadas: apenas

    alguns aspectos do hibridismo (raciais, tnicos) funcionam realmente, enquanto outros(sociais, polticos) nem por isso, e a antropofagia devora-os todos.

    No perodo entre as obras de Frantz Fanon e Edward Said no contexto da teoria ps-colonial

    surge uma outra interessante teoria produzida por um autor latino-americano. No seu texto de

    1971 Caliban: Notes Towards a Discussion of Culture in Our America, o escritor cubano

    Roberto Fernandez Retamarlida com tpicos e problemticas ps-coloniais. Tomando por

    base Storm, de Shakespeare, Retamar sugere que o smbolo mais apropriado para a Amrica

    Latina no Ariel mas sim Caliban. Prspero invadiu as ilhas, matou os seus antecessores,

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    escravizou Caliban e ensinou-lhe a sua lngua para que ele prprio pudesse ser compreendido.

    por isso que Caliban uma representao til da Amrica Latina, na qual apenas termos queso emprestados podem por ele ser utilizados para a sua expresso. No existe uma identidade

    latino-americano essencial que possa ser expressada/explicada sem os constrangimentos

    impostos pela lngua colonial (Taylor 2007: 123). Mais uma vez estamos perante uma

    metfora que eventualmente mais adequada para explicar as realidades brasileiras que os

    autores descreveram anteriormente. Primeiramente revela o lado violento do processo de

    hibridismo cultural que Gilberto Freyre no considera nos seus textos e por outro lado o

    contexto histrico local do continente tomado em considerao algo que Bhabha nuncapoderia ter feito.

    Taylor chama a nossa ateno para um detalhe muito importante sobre Retamar e Ortiz, mas

    eu aplicaria tambm a de Andrade. Nenhum destes trs pensadores rejeita os conceitos dos

    poderes coloniais, mas argumentam que a explorao estratgica e a manipulao desses

    termos deve ser a forma de expresso para os latino-americanos. Tal conceito parece

    esvaziar os conceitos de sly civility, mimetismo e hibridismo apresentados anos mais tarde por

    Bhabha (Taylor 2007: 124).

    A linha de pensadores latino-americanos que teorizam a situao ps-colonial sem fazer

    referncia teoria ps-colonial mainstream (e tambm em muitos casos precedendo-a)

    continua. Entre os intelectuais brasileiros contemporneos podemos mencionar Silvano

    Santiago com a sua noo de in-betweeness (Santiago 1971) cujos agumentos so prximos

    ao hibridismo de Bhabha, atribuindo um papel mais activo aos nativos, ou Roberto

    Schwartz (1992) com a sua brilhante teoria sobre misplaced ideas.

    talvez nesta linha contnua de pensamento que reside o actual discurso latino-americano

    sobre as mesmas problemticas/questes que Bhabha e outros investigam nos seus trabalhos

    sobre outros locais no mundo. A razo pela qual os trabalhos destes intelectuais encontram

    mais dificuldades para se integrarem na histria do pensamento ps-colonial no reside numa

    falta de qualidade ou falta de vigor acadmico mas eventualmente no facto de que estes

    autores continuam a ser nativos, sendo assim mais difcil de penetrar/influenciar a partir

    desta posio o discurso acadmico internacional.

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    A partir de uma viso global podemos ver que os exemplos muito fragmentados de como

    diferentes intelectuais de todo o mundo registaram/problematizaram as suas ideias na obraHibridismo Cultural, parece existir mais uma caracterstica em comum que vai para alm da

    semelhana de tpico. A partir das diferentes teorias aplicadas em contextos diferentes

    podemos detectar um eixo relativamente estvel de uma avaliao totalmente negativa de

    misturas culturais em direco de uma aceitao e at promoo dos efeitos positivos do

    processo. Parece que pelo menos os pensadores mais vanguardistas esto a ficar prontos para

    abraar a inevitvel tendncia geral para o hibridismo e para o surgimento de novas formas.

    Burke sublinha o facto de que todas as culturas so hbridas, mas algumas so-no mais que

    outras. Tambm existem algumas ocasies de uma hibridizao particularmente intenso,

    consequncia de encontros culturais (66). A seguir vem um perodo de estabilizao, depois

    um novo encontro e o velho hbrido protegido contra o novo (ibid.). Todas estas etapas

    podem ser analisadas/vistas de forma clara no Brasil durante os ltimos 500 anos da sua

    histria.

    Concluso

    Por vrias razes que foram apresentadas neste texto, o Brasil no parece ser o melhor

    exemplo para usar as anlises exactas/objectivas e por vezes mesmo psicolgicas que Homi

    Bhabha aplica aos processos que decorrem no interior da relao colonizador/colonizado. A

    anlise de Bhabha funciona bem nos tipos de colonizao onde fcil definir o colonizador e

    o indgena, como na ndia colonial e em muitos outros pases. O hibridismo, nesses casos,

    formado num terceiro espao entre os dois, est tambm presente e por vezes de forma

    vigorosa no Brasil, mas o processo de formao diferente, a sua presena muito maisaberta e por isso mais fcil de detectar do que em muitos outros pases colonizados. Apesar da

    sua diferente forma, este mesmo hibridismo, visto pelo dois principais autores analisados

    neste texto como algo de positivo ou, de uma forma mais neutra, uma consequncia inevitvel

    do colonialismo. Hoje em dia podemos v-lo sendo aplicado em todo o lado pois vivemos no

    mundo moderno onde nenhum homem uma ilha. A colonizao iniciou alguns processos

    irreversveis h muito tempo e agora os contactos entre etnias tm lugar a uma grande escala.

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    Durante a anlise da situao ps-colonial no Brasil, os textos dos autores latino-americanos

    podero ser mais teis do que os dos autores que fazem parte da nata da teoria ps-colonial.Perceber porqu estes autores no fazem parte deste grupo uma questo diferente mas que

    vale a pena tambm analisar. O que importante: os autores da metfora da antropofagia ou

    smbolo de Caliban e muitos outros pensadores latino-americanos demonstram de uma forma

    muito original a multiplicidade de contactos culturais entre a Europa (e mais tarde os EUA) e

    a Amrica Latina, as estratgias de reverso/oposio das aparentes relaes de poder

    unidireccionais e algumas alternativas muito criativas de manipulao estratgica dos termos

    impostos pela Europa.

    Bibliografia:

    Ashcroft, Bill; Griffiths, Gareth; Tiffin, Helen (eds) 2000. Post-Colonial Studies. The Key

    Concepts. Routledge, New York.

    Bhabha, Homi K. 1994. The Location of Culture. Routledge, London and New York

    Burke, Peter 2009. Cultural Hybridity. Polity Press, Cambridge.

    Freyre, Gilberto 1966. The Masters and The Slaves. Alfred A. Knopf, New York.

    Levine, Robert M. 1999. The Brazil Reader: History, Culture, Politics. Duke University Press.

    McLeod, John (ed). The Routledge Companion to Postcolonial Studies. NY, 2007.

    Nunes, Zita 1995. Anthropology and Race in Brazilian Modernism. In: Colonial discourse/

    post-colonial theory. Edited by Francis Barker, Peter Hulme, Margaret Iversen. Manchester

    University Press, p 115-125.

    Santiago, Silviano 1978. Uma literatura nos trpicos. Editora Perspectiva, Sao Paulo.

    Schwarz, Roberto 1992. Misplaced Ideas. Essays on Brazilian Culture. Verso, London.