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Por Trs da Objetividade: Um Estudo Filosfico da Verdade
Jornalstica
Pedro SANTOS
RESUMO
Com base na obra de Friedrich Nietzsche e Michel Foucault,
procuramos neste trabalho
compreender os fundamentos da verdade que sustenta o fato
jornalistico. Em oposio ao
jornalismo contemporneo, que se fundamenta no positivismo de
Auguste Comte e entende a
verdade como a priori, a corrente scio-histrica de Nietzsche e
Foucault reconhece a
verdade como uma construo das interaes sociais e jogos de poder.
Assim, aps uma
apresentao da relao do jornalismo com a corrente comteana,
analisamos os efeitos do
jornalismo moderno e sua principal premissa, a objetividade,
tendo como escopo terico as
obras de Nietzsche e Foucault. Sustentado por essas anlises, o
presente trabalho se permite
desenhar a proposta de um novo caminho que promove o reencontro
do fazer jornalismo com
suas funes sociais.
Palavras-chave: Friedrich Nietzsche; Jornalismo; Michel
Foucault; Objetividade; Verdade.
INTRODUO
O compromisso fundamental do jornalista com a verdade no relato
dos fatos
(FENAJ, 2007). assim que o Cdigo de tica dos Jornalistas
Brasileiros, em seu artigo 4,
deixa clara a ligao direta entre o fazer jornalstico e a
verdade. Figura constante no debate
cientfico sobre o jornalismo, a verdade serve no somente como
elemento base para a
construo de qualquer cdigo deontolgico da rea, mas tambm como
pilar das teses que
buscam ratificar a importncia do jornalismo para a
sociedade.
E justamente por ocupar tal posio, o ideal de verdade no
jornalismo constante alvo
de crticas, sobretudo na impossibilidade de o jornalismo
refletir a verdade de forma objetiva
e imparcial. Entretanto, em nenhuma dessas crticas encontramos
um posicionamento mais
aprofundado sobre a constituio dessa verdade.
Em busca de tal resposta para o que seria a verdade no
jornalismo voltamos nossos
olhos para a tradio filosfica ocidental, em especial da
epistemologia, onde notamos dois
modos de conceituar a verdade que entendemos estarem
profundamente ligadas ao fazer
jornalismo.
A primeira, que identificamos com a ideia de verdade
correspondente ao jornalismo
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contemporneo, est ligada ao pensamento de Auguste Comte. O
filsofo francs
considerado o pai do positivismo filosfico e teve seu pensamento
projetado em todo mundo
na segunda metade do sculo XIX, influenciando, desta maneira,
diversas cincias e campos
do saber que se consolidavam no mesmo perodo, entre os quais
estava o jornalismo. Para
Comte, a verdade algo dado, que conhecida atravs da pesquisa
imparcial e objetiva do
mundo emprico.
Em oposio ao conceito, temos outra corrente filosfica ancorada
no pensamento do
filsofo alemo Friedrich Nietzsche e no francs Michel Foucault
que defende a ideia de que
a verdade uma construo scio-histrica, determinada no por uma
estrutura que pr-vm
ao mundo, mas por um constante jogo de poder e dominao, que
molda constantemente o
que o grupo social entendem por verdadeiro ou falso.
ao adotar essa segunda corrente filosfica como parmetro de base
para o estudo do
jornalismo contemporneo que comeamos a encontrar resultados
contraditrios entre a
deontologia do jornalismo e seus efeitos sobre a sociedade na
qual est inserido, causados
principalmente pelo princpio da objetividade jornalstica. Isto ,
o jornalista, ao se dedicar a
retratar a verdade tal como ele (objetividade) apresenta a
verdade construda pelos grupos
dominantes (corrente scio-histrica), comprometendo uma das funes
bsicas do
jornalismo: ser instrumento de proteo da sociedade dos abusos
dos governantes e das
instituies e de transformao desta mesma sociedade.
Na busca de permitir aos leitores uma compreenso mais ampla
desses movimentos
por ns impetrados no argumento acima, dividimos nosso trabalho
em quatro etapas, sendo
trs de desenvolvimento e uma, final, em que apontamos uma
possvel sada para esse entrave
do jornalismo contemporneo, priorizando a manuteno de suas funes
sociais. Ao longo
dos captulos nos quais tecemos uma crtica ao fazer jornalstico
contemporneo (Assim
falava o jornalista e Microfsica do jornalismo) buscamos ir alm
das conjecturas
filosficas, aproximando as concluses e apontamentos de exemplos
retirados do prprio
jornalismo.
METODOLOGIA
Como um estudo filosfico do jornalismo, nossa pesquisa toma os
princpios
metodolgicos da filosofia que, como destacam Folscheid e
Wunenburger (2006), no existe
de forma independente e externa ao ato de filosofar, como um
conjunto de tcnicas a serem
aplicadas, mas surgem de modo inerente lgica e exigncias da
pesquisa. Por isso a prtica
da filosofia , antes de mais nada, inseparvel de uma freqentao
de textos que devemos
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aprender a ler, a explicar e a comentar (FOLSCHEID e
WUNENBURGER, 2006, XI).
Deste modo, um primeiro momento da nossa pesquisa consistiu na
leitura das obras
filosficas de Comte, Nietzsche e Foucault e de livros e artigos
que trabalhem a questo da
verdade e de sua relao com o jornalismo. Em seguida, passamos
para a anlise e
comparao dos conceitos-chaves da pesquisa, que serviu de base
para a redao da
monografia.
DISCURSO SOBRE O JORNALISMO POSITIVO
Desde a inveno da mquina tipogrfica no sculo XV, a histria do
jornalismo
sofreu poucas mudanas significativas em seus conceitos e
propostas. A principal delas
aconteceu no sculo XIX, estimulada pelo desenvolvimento do
capitalismo, pela consolidao
da democracia e da imprensa como indstria passiva de lucro,
promoveu uma reformulao
dos propsitos e conceitos do jornalismo, transformando-o no que
conhecemos hoje como
meios de comunicao de massa.
A principal mudana que surgiu nesse perodo foi a separao entre
informao e
opinio, com os jornais se baseando, sobretudo, na informao, com
a expectativa de no
ofender o pblico heterogneo que ele visava. Mais liberto do
paradigma dos jornais como
armas polticas, com a penny press, houve uma maior diversidade
de informao. Devido ao
objetivo de querer mais leitores, houve a necessidade de obter
uma melhor utilizao
econmica do espao do jornal, ainda muito limitado (TRAQUINA,
2005, p. 55).
Com essa nova proposta de jornalismo, o modo de produzir as
notcias tambm sofreu
uma grande reformulao. Acompanhado do pensamento reinante do
positivismo, o
jornalismo assume para si o valor de espelho do mundo, trazendo
a ideia de que apresentava
em suas pginas a realidade tal como ela . E nesta busca de se
tornar o reflexo do mundo, o
jornalismo assumiu um conceito fundamental no seu
desenvolvimento contemporneo: a
objetividade.
Como nos conta Barros Filho (1995), o conceito de objetividade
dividiu as opinies
dos tericos e pensadores do jornalismo moderno, com grupos
defendendo sua prtica e
outros a criticando, alertando sobre a impossibilidade de que a
objetividade seja alcanada ou
pelo fato dela ser prejudicial ao jornalismo. Todavia, seja
entre os defensores ou os crticos da
objetividade jornalstica, o paradigma da verdade permanece
intacto.
Mas, afinal, o que seria essa informao verdadeira que os
jornalistas tanto buscam? O
que essa verdade na qual se baseia a produo jornalstica?
Sem uma clara definio da origem e fundamento da verdade no
jornalismo, as
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respostas dadas s outras questes proeminentes do jornalismo
contemporneo, como sua
funo social, sua deontologia e a profissionalizao da categoria,
tendem a ser construdas
em um terreno sem fundamentos,.
Por isso, propomos-nos a sair da superfcie do debate sobre a
objetividade e
aprofundarmos at a ncora da verdade, buscando um terreno mais
firme da verdade, no qual
o jornalismo pode se ancorar mais firmemente.
*****
Fundada pelo filsofo francs Auguste Comte na primeira metade do
sculo XIX, o
positivismo filosfico atingiu seu auge nos ltimos anos do mesmo
sculo, se enveredando
pelas mais diversas esferas do mundo ocidental moderno,
incluindo o jornalismo, que se
consolidava como veculo de comunicao de massas. No positivismo,
Comte prope uma
sociologia que tivesse como princpio nico o emprico e que
alcanasse resultados to
incontestveis quanto os das cincias exatas, fugindo, assim, das
explicaes metafsicas dos
fenmenos sociais. Nessa busca pelo fato social em si, o
positivismo se distancia de tudo o
que criado pelo homem, como os juzos de valor, que no jornalismo
se reflete na separao
do fato da opinio.
Surge, assim, com o positivismo, a distino entre o fato e o juzo
de
valor, entre o real e a valorao humana do real e entre o
acontecimento a ser estudado e a opinio. Essa distino
representou
um divisor de guas em outras cincias humanas como o direito,
a
sociologia, a histria, a tica e, conseqentemente, o
jornalismo.
Deriva da a distino que hoje fazemos entre jornalismo opinativo
e
informativo. (BARROS FILHO, 1995, p. 22).
E no foi somente na distino entre fato e opinio que o
positivismo contribuiu para
o jornalismo. Ao tornar a sociedade um objeto cientfico, o
positivismo trouxe os mtodos das
cincias exatas para o universo das relaes humanas. E o princpio
bsico desses mtodos a
observao neutra e imparcial da realidade.
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Ela (a nossa inteligncia) reconhece de ora em diante, como
regra
fundamental, que toda proposio que no estritamente redutvel
simples enunciao de um fato, particular ou geral, no nos
pode
oferecer nenhum sentido real e inteligvel. [...] A pura
imaginao
perde ento de modo irrevogvel a sua antiga supremacia mental
e
subordina-se necessariamente observao, de maneira a
constituir
um estado lgico plenamente normal [] (COMTE, 2002).
Alm do pensamento positivista, a consolidao da objetividade
jornalstica no fim do
sculo XIX tambm esteve ligada a fatores econmicos e
tecnolgicos.
Com a expanso do jornalismo e o crescimento da publicidade
gerado pelo
desenvolvimento da sociedade industrial ao longo do sculo, o
jornal se estabeleceu como
uma empresa capitalista, capaz de gerar lucros com a
comercializao do produto informao,
o que passa pelo aumento das vendas. Na busca pelo aumento das
tiragens, os jornais se
depararam com a necessidade de atender um pblico mais
heterogneo, ou seja, que no
pertencia mais a uma elite, nem compartilhava de um nico ideal
poltico. Dessas mudanas
veio uma nova forma de fazer jornalismo, o penny press, que
deixava para trs a funo de
ferramenta de propaganda poltico-ideolgica, que caracterizava o
jornalismo at ento, para
assumir o papel de fontes informaes.
As novas formas de financiamento da imprensa, as receitas da
publicidade e dos crescentes rendimentos das vendas dos
jornais,
permitiram a despolitizao da imprensa, passo fundamental na
instalao do novo paradigma do jornalismo: o jornalismo como
informao e no como propaganda, isto , um jornalismo que
privilegia os fatos e no a opinio. (TRAQUINA, 2005, p. 36).
Ao lado do aparato comercial e filosfico, o ideal de
objetividade jornalstica tambm
obtinha suporte e referncia do desenvolvimento tecnolgico da
segunda metade do sculo
XIX. A ampliao da rede telegrfica, que uniu o mundo at a dcada
de 1870, fortaleceu as
agncias de notcia que se propunham a oferecer s os fatos, sem
descontentar leitores e
anunciantes (efetivos e potenciais) de cores ideolgicas e
inclinaes partidrias distintas
(BARROS FILHO, 1995, p. 24-25).
O novo paradigma da objetividade, combinado com as novas tcnicas
de redao e
estilo, criou a imagem do jornalismo como reflexo da realidade e
levou o jornalista a uma
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categoria prxima do cientista. Nas palavras de Traquina (2005,
p. 52): A caa hbil dos
fatos dava ao reprter a categoria comparvel do cientista, do
explorador e do historiador.
Neste mesmo perodo em que ganha sua estrutura contempornea, o
jornalismo
assume um papel de parte fundamental na sociedade.
Exemplificando essa mudana de
perspectiva da imprensa, Traquina (2005, p. 49) cita o filsofo
James Mills, que via no jornal
um instrumento de reforma da sociedade e o ex-presidente dos
Estados Unidos, Thomas
Jefferson, que afirmava ser a liberdade de impressa parte
integrante da democracia. O
pesquisador portugus segue afirmando que:
[] a teoria democrtica apontava para que o jornalismo
cumprisse
um duplo papel: 1) com a liberdade 'negativa', vigiar o poder
poltico e
proteger os cidados dos eventuais abusos dos governantes; 2) com
a
liberdade 'positiva', fornecer aos cidados as informaes
necessrias
para o desempenho das suas responsabilidades cvicas,
tornando
central o conceito de servio pblico como parte da identidade
jornalstica. (TRAQUINA, 2005, p. 50).
Passados mais de um sculo desde seu desenvolvimento, esse
paradigma do
jornalismo informativo, com seus conceitos de objetividade,
neutralidade, imparcialidade,
entre outros, continua em voga no mundo contemporneo, como pode
ser comprovado em
manuais de redao e estilo de grandes jornais, como no manual de
O Estado de S. Paulo,
onde a sesso de Instrues Gerais comea orientando o jornalista
para ser claro, preciso,
direto, objetivo e conciso (MARTINS FILHO, 1997, p. 15, grifo do
autor), na vigsima
instruo, o manual ordena que se faa textos imparciais e
objetivos. No exponha opinies,
mas fatos, para que o leitor tire deles as prprias concluses
(Ibidem, p. 17, grifo do autor).
Mesmo aparecendo juntas em manuais e teorias, Abramo (2003, p.
39, grifo do autor)
aponta que a objetividade pertence a uma categoria diferente dos
conceitos de neutralidade e a
imparcialidade: O conceito de objetividade, porm, situa-se em
outro campo, que no o da
ao: o campo do conhecimento. A objetividade uma categoria
gnosiolgica,
epistemolgica, mais que deontolgica ou ontolgica, ou seja, a
objetividade se constri na
relao do jornalista/observador com o fato ou fonte observado,
podendo ela se dar em maior
ou menor grau, mas nunca de forma absoluta.
Essa posio de Abramo ratificada no manual da Folha de S. Paulo,
que no verbete
objetividade afirma que no existe objetividade em jornalismo. Ao
escolher um assunto,
redigir um texto, edit-lo, o jornalista toma decises em larga
medida subjetivas,
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influenciadas por posies pessoais, hbitos e emoes (VRIOS, 2010,
p. 46). E segue:
Isso no exime, porm, da obrigao de ser o mais objetivo possvel.
Para relatar um fato
com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstncias e as
repercusses, o jornalista precisa
encarar o fato com distanciamento e frieza (ibidem, p.
46-47).
Deste modo, importante destacar que, mesmo sendo alvo de
crticas, a objetividade
nunca deixou de ser um ideal deste modo de fazer jornalismo
contemporneo e traz consigo
um paradigma de verdade que cresceu sobre o pensamento
socrtico-judaco, em que a
verdade algo que est alm do mundo fsico que o homem pode, ao
menos, vislumbrar.
ASSIM FALAVA O JORNALISTA
Uma das questes fundamentais que Friedrich Nietzsche colocou em
toda sua obra foi
sobre o interesse do homem pela verdade, que o filsofo alemo v
como uma fuga dos
sofrimentos existenciais:
Para Nietzsche, um indivduo fraco aquele incapaz de suportar
o
sofrimento da existncia, necessitando de algo que pode ser
uma
verdade, ideal, crena ou outra autoridade em que possa se
apropriar para continuar vivendo, algo que lhe d uma
justificativa
para seu sofrimento e um sentido para a existncia. (VILAS
BAS,
2009, p. 78).
E o pai dessa vontade de verdade, para Nietzsche, o filsofo
ateniense Scrates,
responsvel por fazer da verdade algo bom em si e que deveria ser
buscada por todas as
pessoas. Tendo a razo como ferramenta de busca pela verdade,
Scrates d os primeiros
passos em direo justificativa racional do que acontece no
universo. A queda de uma maa
ou o agir do homem seriam comandados por uma verdade que estaria
fora desse mundo
material e que s poderia ser alcanada saindo dele atravs da
razo.
Caracterizado por esse movimento de dar uma vida nova, a vontade
de verdade est
pautada pela busca pelo que lhe til para manter a vida, dando
ordem ao caos da existncia.
Porm, esse movimento de fuga do caos do mundo material, deve
vir, necessariamente, de
fora desse mundo, como explica o prprio Nietzsche mostrando como
pensa o metafsico1:
1 Devemos destacar que os metafsicos aos quais Nietzsche se
refere so distintos dos metafsicos de Comte. Parao filsofo francs,
metafsica um estgio de transio entre as explicaes teolgicas e o
positivismo. J paraNietzsche, metafsica a busca por verdades
universais, grupo no qual se inclua Comte.
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Como poderia algo nascer do seu oposto? Por exemplo, a verdade
do
erro? Ou a vontade de verdade da vontade de engano? [...] as
coisas de
valor mais elevado devem ter uma origem outra, prpria no
podem
derivar desse fugaz, enganador, sedutor, mesquinho mundo,
desse
turbilho de insnia e cobia! Devem vir do seio do ser, do
intransitrio, do deus oculto, da coisa em si nisso, e em nada
mais,
deve estar sua causa Este modo de julgar constitui o tpico
preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafsicos de
todos
os tempos [...] (2005, p. 9-10).
J no escrito intitulado Sobre a verdade e a mentira, Nietzsche
apresenta outro vis
que tambm marca essa fuga metafsica. Para ele, a verdade se
consolida pela necessidade do
homem em encontrar uma unidade que retire os indivduos de um
estado de guerra de todos
contra todos, para coloc-los em uma vida de paz e em rebanho, em
um deslocamento
realizado justamente pelo intelecto, que se sobrepe ao lado
intuitivo, voltado para as
aparncias, para encontrar designaes universalmente vlidas que so
transformadas em leis
da verdade.
Nesse processo de pacificao, o grupo social (tambm designado de
rebanho)
comea a construir suas verdades, isto , descobre-se uma designao
uniformemente vlida
e impositiva das coisas, sendo que a legislao da linguagem
fornece tambm as primeiras leis
da verdade (NIETZSCHE, 2008, p. 29). A linguagem, para o filsofo
alemo, forjada
arbitrariamente com base na relao dos homens com as coisas, sem
referncia ao objeto
sensvel. A coisa em si (ela seria precisamente a pura verdade
sem quaisquer
consequncias) tambm , para o formador da linguagem, algo
totalmente inapreensvel [...].
Ele designa apenas as relaes das coisas com os homens e, para
express-las, serve-se da
ajuda das mais ousadas metforas (NIETZSCHE, 2008, p. 31).
Mas, como essas escolhas arbitrrias ganham o valor metafsico de
verdade? O prprio
Nietzsche responde:
O que a verdade, portanto? Um exrcito mvel de metforas,
metonmias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de
relaes
humanas que foram realadas potica e retoricamente, transpostas
e
adornadas, e que, aps uma longo utilizao, parecem a um povo
consolidadas, cannicas e obrigatrias. (2008, p. 36).
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Ao definir a verdade como um exrcito mvel de metforas, Nietzsche
ressalta dois
pontos importantes de seu pensamento. O primeiro est ligado
fora, representado pelo
exrcito, dos valores e do poder que impregna a verdade. Outro
aspecto a ser destacado a
mobilidade dos conceitos, j que sendo eles originados de uma
construo do sujeito a partir
de sua relao com o objeto, o conceito pode ser reformulado
dentro da histria de um povo,
como fizeram os judeus:
Os judeus realizaram esse milagre da inverso dos valores, graas
ao
qual a vida na Terra adquiriu um novo e perigoso atrativo por
alguns
milnios os seus profetas fundiram rico, ateu, mau, violento
e sensual numa s definio, e pela primeira vez deram cunho
vergonhoso palavra mundo. (NIETZSCHE, 2005, p. 83).
Desta forma, Nietzsche conclui que a verdade no vai alm de um
mentir socialmente,
conforme uma conveno, da qual o homem se mantm fiel pela
necessidade que possui de
viver em sociedade. Em oposio aos efeitos benficos da verdade, a
mentira nasce do abuso
nocivo dessas convenes.
Ele [o mentiroso] abusa das convenes consolidadas por meio
de
trocas arbitrrias ou inverses dos nomes, inclusive. Se faz isso
de
uma maneira individualista e ainda por cima nociva, ento a
sociedade
no confiar mais nele e, com isso, tratar de exclu-lo. Nisso,
os
homens no evitam tanto ser ludibriados quanto lesados pelo
engano.
Mesmo nesse nvel, o que eles odeiam fundamentalmente no o
engano, mas as consequncias ruins, hostis, de certos gneros
de
enganos. Num sentido semelhantemente limitado, o homem tambm
quer apenas a verdade. Ele quer as consequncias agradveis da
verdade, que conservam a vida; frente ao puro conhecimento
sem
consequncias ele indiferente, frente s verdades
possivelmente
prejudiciais e destruidoras ele se indispe com hostilidade,
inclusive.
(NIETZSCHE, 2008, p. 29-30).
Deste modo, falar a verdade passa a ser um elemento fundamental
para a preservao
da vida e do indivduo dentro do grupo social. Falar e agir
verdadeiramente transforma-se em
falar e agir com retido em um caminho que leva ao bem em si e ao
justo em si, em
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outras palavras, a verdade converte-se em moral. A verdade seria
a fachada por trs da qual a
inteno moral se traveste de conhecimento, aproveitando-se do
maior valor concedido
verdade, para tornar-se inatacvel (CAMARGO, 2008, p. 102).
Em Alm do bem e do mal, Nietzsche d um novo passo para a
compreenso da
verdade, questionando-se sobre o valor dessa vontade ou o por
que o homem decidiu
encontrar a verdade no lugar de investir suas energias na busca
pela inverdade? A resposta
para essa indagao vem no segundo pargrafo da obra, quando o
filsofo aponta a crena dos
metafsicos na dualidade do mundo, na oposio de valores, o ponto
de partida para aquilo
que ser batizado de verdade. Isto permite a Nietzsche afirmar
que:
De fato, para explicar como surgiram as mais remotas
afirmaes
metafsicas de um filsofo bom (e sbio) se perguntar antes de
tudo:
a que moral isto (ele) quer chegar? Portanto no creio que um
impulso ao conhecimento seja o pai da filosofia, mas sim que
um
outro impulso, nesse ponto e em outros, tenha se utilizado
do
conhecimento (e do desconhecimento!) como um simples
instrumento.
(2005, p. 12-13).
Diferente da compreenso contempornea de moral, o termo tem um
conceito mais
amplo para Nietzsche. Segundo Paulo Csar Lima de Souza, em nota
de sua traduo de
Alm do bem e do mal (ibidem, p. 214), a moral no sentido
nietzschiano envolve os
sentimentos, pensamentos e atos dos homens. Logo, ao afirmar que
necessrio perguntar
para o filsofo qual moral ele quer chegar com sua verdade,
Nietzsche mostra que por traz
de cada verdade se esconde o desejo de afirmao ou justificativa
de seu autor.
Migrando da filosofia para o jornalismo, possvel exemplificar
essa afirmao dentro
da prtica do jornalismo. Em dezembro de 2012, voltou ao
noticirio nacional, em especial da
Rede Globo, a querela jurdica entre o grupo de comunicao
argentino Clarn e o governo
Cristina Kirchner sobre a Lei de Meios. Tendo como ponto central
da lei o controle das
licenas de rdio e televiso, visando a reduo dos conglomerados de
mdia, o Clarn seria o
maior prejudicado, j que detm cinco rdios AM/FM, uma rdio
online, uma operadora de
TV a cabo, cinco canais a cabo, nove canais abertos, sem contar
os jornais e revistas, editora,
entre outros (ENTENDA, 2012). Tal poderio miditico s encontraria
paralelo no Brasil com
as Organizaes Globo, que controlam 340 veculos de imprensa no
pas, segundo o site
Donos da Mdia (GLOBO, 2013).
Assim, coerente pensar que a verdade apresentada pelos veculos
da Rede Globo
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sobre o suposto abuso do governo argentino sobre o Clarn,
esconde uma justificativa para si
prpria, enquanto conglomerado de mdia, no caso da possibilidade
de um projeto de lei
similar no Brasil.
Deste modo, nada impessoal para o filsofo ou para o jornalista.
A sua moral
(vinculada ao instinto de sobrevivncia) determina o que se
designa como verdade, imparcial,
objetivo e relevante na construo da notcia. O jornalista, como
os estoicos, diria Nietzsche,
acreditam ser como a natureza enquanto, na realidade, vivem
conforme a sua natureza:
Na verdade, a questo bem outra: enquanto pretendem ler
embevecidos o cnon de sua lei na natureza, (...) Seu orgulho
quer
prescrever e incorporar natureza, at natureza, a sua moral, o
seu
ideal, vocs exigem que ela seja natureza conforme a Stoa, e
gostariam que toda existncia existisse apenas segundo sua
prpria
imagem. (Ibidem, p. 14).
Tal qual o estoico, o jornalista tambm v a natureza (fato
noticioso) segundo sua
prpria imagem. Isto , acreditando no ideal e no poder da
objetividade, o jornalista acaba
por transpor seus valores (a moral de sua sociedade) sobre os
valores dos outros.
Apesar de parecer, de certo modo, um jornalismo mais ligado ao
humor, as sesses do
tipo mundo estranho revelam um pouco dessa transposio de valores
e verdades locais em
outras sociedades. Observando as matrias publicadas nas
editorias Esquisitices, do portal
R7, e Planeta Bizarro, do G1, vemos uma amplitude diversa nos
temas abordados, que vo
desde fotos de priso (snapshot) at receitas inusitadas e fotos
curiosas. Talvez, o nico
padro a origem das matrias: o exterior. No entanto, algumas
matrias locadas nessas
editorias chamam a ateno ao enquadrar como bizarro ou
esquisitice hbitos culturais ou
comportamentos de outrem. O mesmo pode ser notado em outras
editorias e sries
documentais como a Tabu, do National Geographic Channel.
Essa prtica vai de encontro ao princpio do jornalismo de [...]
fornecer aos cidados
as informaes necessrias para o desempenho das suas
responsabilidades cvicas [...]
(TRAQUINA, 2005, p. 50), uma vez que as verdades que chegam ao
leitor so sempre as
mesmas, isto , construdas sobre a moral que ele integra, no
apresentando novidades que
possibilitem a construo comparativa. Nietzsche aponta o mesmo
problema ao falar da
prtica dos filsofos em Alm do bem e do mal:
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Precisamente porque os filsofos da moral conheciam os fatos
morais
apenas grosseiramente, num excerto arbitrrio ou compndio
fortuito,
como moralidade do seu ambiente, de sua classe, de sua Igreja,
do
esprito de sua poca, de seu clima e seu lugar precisamente
porque
eram mal informados e pouco curiosos a respeito de povos, tempos
e
eras, no chegavam a ter em vista os verdadeiros problemas da
moral
os quais emergem somente da comparao de muitas morais.
(2005,
p. 74-75, grifo do autor).
Visto sob a tica nietzschiana, o jornalista, ao primar pela
objetividade, reproduz uma
verdade j aceita, a moral j praticada, sem oferecer aos leitores
informaes para que possam
confrontar a sua realidade, a estruturao social da qual fazem
parte.
*****
Plato, mais inocente nessas coisas, e despido da astcia plebeia,
quis,
com toda a energia a maior energia que um filsofo j empregara!
,
provar a si mesmo que razo e instinto se dirigem naturalmente a
uma
meta nica, ao bem, a Deus; e desde Plato todos os telogos e
filsofos seguem a mesma trilha [...]. (NIETZSCHE, 2005, p.
80)
Assim, Nietzsche afirma que no so os sentidos os responsveis
pela apreenso do
objeto, antes disso, construmos a realidade atravs de nossa f,
de nossa fico, com
hipteses prematuras. Reproduzimos, antes do contato sensitivo,
aquilo com o que j
estamos acostumados e no a vivncia mesma.
Para nosso olho mais cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma
imagem com frequncia j produzida, do que fixar o que h de novo
e
diferente numa impresso: isto exige mais fora, mais
moralidade.
[...] Mesmo nas vivncias mais incomuns agimos assim: fantasiamos
a
maior parte da vivncia e dificilmente somos capazes de no
contemplar como inventores algum evento. Tudo isso quer dizer
que
ns somos, at a medula e desde o comeo habituados a mentir.
(NIETZSCHE, 2005, p. 81. Grifo do autor).
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Talvez esse seja um dos pontos mais conflitantes do pensamento
nietzschiano com o
ideal de objetividade jornalstica. Mesmo levando em conta o
reconhecimento, dentro da
teoria do jornalismo, de que a objetividade um ideal que deve
nortear a ao do jornalista,
afirmar que mais cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma imagem
com frequncia j
produzida e que fantasiamos a maior parte da vivncia desconstri,
quase que em sua
totalidade, a possibilidade da objetividade.
Como seria possvel relatar um fato, por essncia singular, se ao
observarmos, s
trazemos de volta aos nossos olhos aquilo que eles j viram
antes? Provavelmente, os
defensores mais ferrenhos da objetividade poderiam contra
argumentar, dizendo que, no caso
de Nietzsche estar certo, nossas experincias estariam reduzidas
a um pequeno nmero e no
poderamos sequer imaginar a existncia do singular.
Porm, a tese nietzschiana no pretende excluir a ideia do
singular, ao contrrio, ele
afirma que a experincia singular , previamente, carregada de
moral. Isto , aplicamos todo o
nosso repertrio social no ato singular.
No jornalismo, os olhos cmodos do reprter influenciam sua
observao em
diversos aspectos. Encontramos um exemplo dessa valorao moral
imediata nas coberturas
iniciais de diversos veculos de comunicao sobre o Carto
Recomeo2, que foi apelidado de
Bolsa Crack e passando a ideia que o valor pago pelo estado iria
para o usurio.
*****
A ideia de rebanho pea-chave para a compreenso do que Nietzsche
entende por
homem moderno. O processo de pacificao instaurado junto com a
construo da verdade
desenvolve no homem um sentimento de anulao de si, no qual seus
desejos, paixes,
opinies e atos so determinados pela obedincia a uma moral.
2 O Carto Recomeo foi apresentado oficialmente no dia 9 de maio
de 2013 pelo Governo do Estado de SoPaulo como um projeto para
custear o atendimento de dependentes qumicos em clnicas e
entidadescredenciadas. Em um segundo momento, os jornais trocaram a
expresso Bolsa Crack por Bolsa Anticrack.
-
Na medida em que sempre, desde que existem homens, houve
tambm
rebanho de homens (cls, comunidades, tribos, povos, Estados,
Igrejas), e sempre muitos obedeceram, em relao ao pequeno
nmero
dos que mandaram considerando, portanto, que a obedincia foi
at
agora a coisa mais longamente exercitada e cultivada entre os
homens,
justo supor que via de regra agora inata em cada um a
necessidade
de obedecer [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 85).
Dessa necessidade de obedincia Nietzsche sinaliza trs
caractersticas atravs das
quais podemos compreender mais claramente a posio do jornalismo
no mundo
contemporneo:
1) Na busca de saciar essa necessidade de obedecer, o homem
moderno aceita
qualquer mandante;
2) A cultura de rebanho desenvolveu no homem uma desvalorizao na
arte
de mandar. Por isso, os que mandam se mascaram sob a tradio, as
leis
ou Deus para no sofrerem de uma m conscincia por darem
ordens;
3) A desvalorizao do mandar faz com que o homem de rebanho
se
apresente como a nica espcie de homem permitida, e glorifica
seus
atributos, que o tornam manso, tratvel e til ao rebanho. Como
sendo as
virtudes propriamente humanas (Ibidem, p. 86).
Com a ampliao do espectro social, que se encontra cada vez mais
distante do
comunitrio, o jornalismo se torna um dos principais pilares nos
quais a necessidade de
obedecer do homem se ata. no jornalismo que o homem moderno de
rebanho encontra
seu mandante, centralizador da opinio pblica sob as estruturas
da lei e da razo. Destarte, o
jornalista se configuraria na figura do mandante.
Mas como, dentro da cultura de rebanho, o jornalista poderia
falar aos seus iguais o
que fazer, como ser manso, tratvel e til ao rebanho? Longe de
poder se defender de sua
m conscincia atravs de uma herana histrica afinal, o jornalismo
por essncia factual -
o jornalismo encontra a via da cincia, em especial do ideal
cientfico do positivismo: a
objetividade.
Esse comportamento de mandante do jornalista tambm leva ao
terceiro apontamento
de Nietzsche, sobre a valorizao do homem de rebanho. Exemplo
mais evidente dessa funo
-
de amansar o homem3, as matrias de sade, de modo geral, trazem
como fundamento valores
verdades de uma sociedade, construdos sobre o ideal do homem de
rebanho, sobretudo na
ideia de um indivduo til ao rebanho, produtivo e calmo quando
fala sobre qualidade do
sono, boa alimentao, terapias e tratamento preventivo.
Segundo Nietzsche, a valorizao do homem de rebanho tambm
propicia o
desenvolvimento do esprito objetivo, onde podemos encontrar
muito do ideal do jornalista
contemporneo: Ele ctico, no toma partido, no profere juzo de
valor, no formula
hipteses: Para se engalanar e enganar, essa doena dispe dos mais
belos trajes; e a maior
parte, por exemplo, daquilo que hoje se expes nas vitrines como
objetividade,
cientificidade lart pour lart, conhecimento puro, livre da
vontade (Ibidem, p.100-101).
O homem objetivo [...] seguramente um dos instrumentos mais
preciosos que existem: mas isto nas mos de algum mais
poderoso.
Ele apenas um instrumento; digamos que um espelho no uma
finalidade em si. O homem objetivo de fato um espelho:
habituado
a submeter-se ao que quer ser conhecido, sem outro prazer que o
dado
pelo conhecer, espelhar. (Ibidem, p. 97. Grifos nossos).
Desta forma, reencontramos no jornalista aquele mesmo sujeito
presente nas primeiras
teorias do jornalismo, a Teoria do Espelho, entretanto, esse
espelho, colocado perante o
pensamento nietzschiano, mostra um profissional sem
personalidade, desfigurado e tratado
como instrumento dos donos do poder, representados por aqueles
que fundam a moral e a
verdade.
MICROFSICA DO JORNALISMO
Atuando, de certo modo, como um atualizador do pensamento
nietzschiano para o
mundo contemporneo, Michel Foucault imbrica-se nossa pesquisa
para dar um segundo
alicerce ao projeto crtico da verdade no jornalismo que
empreendemos, desenvolvendo os
aspectos do poder sobre a verdade.
Assim como o pensador alemo, Foucault entende a verdade como
fruto de um
processo histrico: a verdade deste mundo; ela produzida nele
graas a mltiplas
coeres e nele produz efeitos regulamentados de poder (FOUCAULT,
2012, p. 52). Isto , a
verdade est enraizada nas questes do poder, ou seja, como as
instncias de poder
3 Esse tpico ser retomado quando tratarmos sobre a disciplina em
Foucault.
-
selecionam os discursos verdadeiros e falsos.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua poltica geral
de
verdade: isto , os tipos de discurso que ela acolhe e faz
funcionar
como verdadeiros; os mecanismos e as instncias que permitem
distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como
se
sanciona uns e outros; as tcnicas e os procedimentos que so
valorizados para a obteno da verdade; o estatuto daqueles que tm
o
encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (Ibidem, p.
52).
reconhecendo a verdade como produto histrico que Foucault (2012)
recorre ao
mtodo genealgico. Comentando as obras de Nietzsche, o filsofo
francs destaca o uso de
trs palavras alems: Ursprung (origem), Herkunft (provenincia) e
Entestehung (de onde
emerge), opondo o primeiro aos dois ltimos.
Utilizado de forma irnica por Nietzsche, o Ursprung associado
pesquisa
metafsica da verdade, que busca na origem das coisas um
surgimento espontneo, sua mais
pura essncia, imvel e livre das interferncias mundanas. Contudo,
a genealogia no
procura no eterno e imutvel a origem dos valores e das coisas,
voltando seus olhos para a
histria da construo das verdades, vinda de baixo, dos
homens.
Entendido como provenincia, Herkunft est associado ao grupo
social de onde vieram
os valores, em um movimento de reconstruo histrica que no busca
a origem, seno o
percurso e, principalmente, as marcas das disputas, erros e
acertos, mostrando que nossos
valores no esto ligados com a verdade, mas com o acidente.
Seguir o filo complexo da provenincia , ao contrrio, manter o
que
se passou na disperso que lhe prpria: demarcar os acidentes,
os
nfimos desvios ou, ao contrrio, as inverses completas -, os
erros,
as falhas na apreciao, os maus clculos que deram nascimento
ao
que existe e tem valor para ns; descobrir a raiz daquilo que
ns
conhecemos e daquilo que ns somos no existem a verdade e o
ser,
mas a exterioridade do acidente. (Ibidem, p. 63).
Por fim, cabe ressaltar que Herkunft encontra seu lugar no
corpo, os acontecimentos
que constituem a raa deixam marcas no corpo, moldando
comportamentos, gestos e a
estrutura fisiolgica dos indivduos, nas palavras de Cludio Lcio
Mendes (2006, p. 170): A
-
provenincia aquilo que nos baliza, marcando nossos corpos de
determinadas formas.
Enquanto o Herkunft se inscreve no campo histria-corpo, o outro
caminho da
genealogia, o Entestehung (emergncia), se desenrola no campo do
saber-prtico, sendo o
princpio e a lei singular de um aparecimento (FOUCAULT, 2012, p.
65). Entretanto, ao
contrrio do que propem os metafsicos, o Entestehung no tem seu
fim determinado desde o
momento de seu surgimento, ele emerge de um jogo de foras, no
qual valores e conceitos se
enfrentam e submetem-se uns aos outros.
A emergncia , portanto, a entrada em cena das foras; a sua
interrupo, o salto pelo qual elas passam dos bastidores para o
teatro,
cada uma com seu vigor e sua juventude. [...] Em certo sentido,
a pea
representada nesse teatro sem lugar sempre a mesma: aquela
que
repetem indefinidamente os dominadores e os dominados.
Homens
dominam outros homens, e assim que nasce a diferena dos
valores;
classes dominam classes e assim que nasce a ideia de
liberdade.
(Ibidem, p. 68).
Tentando se fixar, a dominao estabelece rituais, procedimentos,
regras e obrigaes
que visam, unicamente, um fim posto pelo dominante. E so
justamente essas regras que esto
em disputa no Entestehung.
O reconhecimento desse jogo de foras permite a Foucault (2012)
reposicionar o devir
da humanidade na prpria histria da humanidade. Isto , enquanto
para os metafsicos o
devir s poderia ser traado na busca por uma significao oculta da
origem, a genealogia
reconhece a interpretao como o apoderar-se de um sistema de
regras e submet-lo a um
novo sistema.
Mas se interpretar se apoderar por violncia ou sub-repo, de
um
sistema de regras que no tem em si significao essencial, e
lhe
impor uma direo, dobr-lo a uma nova vontade, faz-lo entrar
em
um outro jogo e submet-lo a novas regras, ento o devir da
humanidade uma srie de interpretaes. (Ibidem, p. 70).
A pesquisa genealgica, seja por Entestehung ou por Herkunft, se
ope histria
tradicional, que para Foucault (2012, p.71) reintroduz o ponto
de vista supra-histrico,
agrupando toda diversidade existente em um tempo, reduzindo-a a
uma histria na qual
-
podemos nos reconhecer em qualquer momento do passado. Isso
ocorre pois os historiadores
constroem sua cincia com princpios fora do tempo, crendo (e
buscando) que o presente
causa lgica e necessria de uma histria contnua, j traada desde
os primrdios, na qual
possvel nos reencontrarmos, seja em verdades ou nos homens.
Tal qual o jornalista, o historiador deve invocar a
objetividade, a exatido dos fatos
[...]; o historiador levado ao aniquilamento da prpria
individualidade para que os outros
entrem em cena e possam tomar a palavra (FOUCAULT, 2012, p. 78).
Como um historiador
do contemporneo, o jornalista v o acontecimento como parte de
uma continuidade ideal,
parte de um processo mecnico.
Porm o acontecimento, segundo Foucault, o momento singular da
inverso de
foras e domnio em um determinado campo de batalha.
E preciso entender por acontecimento no uma deciso, um
tratado,
um reino, ou uma batalha, mas uma relao de foras que se
inverte,
um poder confiscado, um vocabulrio retomado e voltado contra
seus
utilizadores, uma dominao que se enfraquece, se distende, se
envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. As foras
que
se encontram em jogo na histria no obedecem nem a uma
destinao, nem a uma mecnica, mas ao acaso da luta. (Ibidem,
p.
73).
Isto posto, o jornalista deve entender o acontecimento como um
ponto emergente do
conflito, o Entestehung, no qual h a subverso do esquema de fora
vigente.
Outro ponto de aproximao entre o jornalista e o historiador
tradicional a viso
metafsica da realidade. Analisando o hoje como um momento no
caminho a um determinado
fim, o jornalista acaba por atribuir valores inexistentes a
alguns fatos. Caso relevante dessa
atribuio metafsica de valores foi a cobertura da Primavera rabe
no Egito. Observando
matrias produzidas em dois momentos distintos, notamos que os
valores democrticos,
caractersticos dos pases ocidentais impregnam as matrias como se
esse fosse o fim lgico
de uma sociedade aps a queda de governos ditatoriais.
Como evidencia a matria Aps renncia, Cairo tenta voltar rotina;
futuro do Egito
debatido, publicada pela BBC Brasil, em fevereiro de 2011, o
povo egpcio clamava por
um governo democrtico aps trs dcadas de governo sob a ditadura
de Mubarak:
-
Um dos expoentes da oposio, Mohamed ElBaradei, ex-chefe da
Agncia Atmica da ONU, disse BBC que sentiu "alegria e
euforia"
porque, aps anos de represso, o Egito finalmente foi libertado
e
colocou-se no caminho para um pas de democracia e justia
social.
(SALEH, 2011).
Quase um ano e meio aps a queda do regime de Mubarak, o Egito
conheceu seu
primeiro presidente eleito em junho de 2012. Mohammed Mursi,
candidato da Irmandade
Muulmana, assumiu o cargo e trouxe um novo conflito entre o povo
egpcio. O estado,
anteriormente laico, agora ganhava um presidente de um partido
islamita fundamentalista.
Com a promulgao (em referendo) da nova constituio, baseada na a
Lei Islmica, a ciso
entre egpcios muulmanos e egpcios seculares e cristos tomou
conta do pas, superando a
questo da democracia. Porm, matrias como Decepo se estende entre
os pases da
Primavera rabe, publicada no portal G1, em 18 de dezembro de
2012 (DECEPO, 2012),
e Protestos aps dois anos da queda de Mubarak deixam dezenas de
feridos, publicado no
Opera Mundi, em 11 de fevereiro de 2013, mostram que os
jornalistas ainda mantm o
discurso democrtico como mote do conflito egpcio, deixando de
caracterizar como um
conflito de valores religiosos (muulmanos versus seculares e
cristos).
*****
Outro ponto que conecta a obra de Foucault com o jornalismo o
discurso, uma
questo que, para o francs, vai alm das disputas entre os
defensores da transparncia ou da
opacidade do mesmo, isso porque, o discurso objeto de poder e,
antes disso, objeto de
construo da realidade.
Nomear isolar campos, instrumento no de representar o mundo
como ele , mas de recortar: arrancamos uma parte do humano e
a
institumos num outro tipo de existncia, que se presta a
hierarquizaes, a inseres ou excluses no plano social. O
conjunto
das nomeaes tem como efeito a apresentao do mundo como ele
deve ser visto [...] dar nomes s coisas ordenar o mundo.
(GOMES,
2004, p. 11-12).
Em sua aula inaugural no Collge de France, ministrada no dia 2
de dezembro de
-
1970, e publicada com o ttulo A Ordem do Discurso, Foucault
demonstra essa preocupao
com os efeitos de um discurso que, mesmo sendo efmero e
aparentemente inocente, est
investido de poder.
Mas pode ser que essa instituio e esse desejo no sejam outra
coisa
seno duas rplicas opostas a uma mesma inquietao: [...]
inquietao de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e
cinzenta,
poderes e perigos que mal se imagina; inquietao de supor
lutas,
vitrias, ferimentos, dominaes, servides, atravs de tantas
palavras
cujo uso h tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT,
2010,
p. 8).
Para o filsofo francs, a construo social do discurso utiliza de
certos procedimentos
para determinar quais discursos so vlidos e quais so relegados
ao campo da mentira e da
inexistncia. O primeiro citado por Foucault (2010) a interdio,
que estabelece quem,
quando e onde um discurso pode ser pronunciado.
No jornalismo encontramos a interdio em seus trs modos: o tabu
do objeto, ou seja,
quando determinado assunto excludo ou colocado como perifrico na
produo jornalstica,
como o caso comentado por Mayra Rodrigues Gomes (2004, p. 12),
em seu livro Jornalismo
e filosofia da comunicao, em que aponta o uso do termo
ex-namorada para Adriana, caso
extraconjugal do ento senador Antnio Carlos Magalhes em 2003; o
ritual da circunstncia,
que afirma que no se pode falar de tudo em qualquer lugar, como
o caso de coberturas de
suicdios; e direito privilegiado de quem fala, como a busca por
fontes oficiais em casos
policiais (onde o que vale o que est no boletim de ocorrncia,
no, necessariamente, a
verso dos envolvidos).
Esse ltimo tipo de interdio tambm est diretamente ligado ao
outro tipo de
excluso apontado por Foucault: a separao e rejeio, em um
procedimento que identifica o
que verdadeiro e falso, baseado, sobretudo, na autoridade de
quem fala. E, como apontam
Franzoni, Ribeiro e Lisboa (2011), o direito de fala ligado em
sua maioria s elites do poder.
-
Podemos inferir a partir desses estudos [que mostra que a
maioria das
matrias de primeira pgina do New York Times e do Washington
Post,
eram fortemente inspiradas por fontes governamentais] e conforme
a
tica de Foucault que as fontes oficiais, que na maioria das
vezes
detm o poder econmico e poltico, contribuem para a instaurao
de
uma ordem discursiva, que ser a predominante no campo
jornalstico.
A deteno do poder, neste caso, lhes assegura um lugar
privilegiado
na esfera jornalstica, que se torna dessa maneira reprodutora de
uma
viso hegemnica. (2011, p. 50).
Ambos os procedimentos anteriormente citados (interdio e a
separao/rejeio) so
regulados e conduzidos pelo terceiro procedimento apontado por
Foucault: a vontade de
verdade. Princpio fundamental para a aceitao de um discurso como
verdadeiro, a vontade
de verdade so as condies variveis que tornam aceitveis um
discurso (WOLFF apud
NOTO, 2010, p. 23), isto , um conjunto de tcnicas e objetos que
uma sociedade aceita como
vlidos para que um discurso seja tomado como verdadeiro.
Tambm na vontade de verdade que encontramos uma ligao bastante
prxima com
o jornalismo: Enfim, creio que essa vontade de verdade assim
apoiada sobre um suporte e
uma distribuio institucional tende a exercer sobre os outros
discursos estou sempre
falando de nossa sociedade uma espcie de presso e como que um
poder de coero
(FOUCAULT, 2010, p. 18, grifo nosso).
Ao falar do suporte institucional da vontade de verdade,
Foucault menciona
explicitamente os livros, bibliotecas, sbios e laboratrios, alm
do modo como o saber
aplicado em uma sociedade, como valorizado, distribudo,
repartido e de certo modo
atribudo (Ibidem, p. 17), ou seja, todo um conjunto de prticas
pedaggicas que ditam a
sociedade. E justamente nesse ponto que o jornalismo entra como
uma instituio
fundamental para a disseminao e reforo da vontade de verdade,
com sua capacidade de
alcanar quase todo o corpo social, movimentando e agindo sobre a
estrutura social onde as
relaes recprocas dos indivduos e grupos constroem efetivamente
os efeitos do poder
(FOUCAULT, 2010, p. 281 e seguintes). Como uma bruma que toma
conta da cidade, o
jornalismo recebido e aceito pelos indivduos com seu discurso de
objetividade,
imparcialidade e verdade, impregnando o cotidiano das pessoas
com as regras e valores da
vontade de verdade.
Apesar de no aprofundar na questo do jornalismo, Foucault
evidencia a relao entre
os meios de comunicao e a difuso e produo dos discursos
dominantes.
-
Em nossas sociedades, a economia poltica da verdade tem
cinco
caractersticas historicamente importantes: a verdade centrada
na
forma do discurso cientfico e nas instituies que o produzem;
est
submetida a uma constante incitao econmica e poltica [...];
objeto, de vrias formas, de uma imensa difuso e de um imenso
consumo (circula nos aparelhos de educao e informao, cuja
extenso no corpo social relativamente grande, no obstante
algumas
limitaes rigorosas); produzida e transmitida sob o controle,
no
exclusivo, mas dominante, de alguns grandes aparelhos polticos
ou
econmicos (universidade, Exrcito, escritura, meios de
comunicao); enfim, objeto de debate poltico e de confronto
social
(as lutas ideolgicas). (FOUCAULT, 2012, p. 52. Grifo nosso).
Esse papel exercido pelo jornalismo est ligado com o aspecto
positivo do poder. Ele,
ao lado de diversas outras instncias e instituies, atuam na
produo, acumulao,
circulao e funcionamento dos discursos e da verdade. E isso fica
mais evidente ao
pensarmos o conceito de objetividade jornalstica como a busca
pela verdade dos fatos.
O poder no para de nos interrogar, de indagar, registrar e
institucionalizar a busca da verdade, profissionaliza-a e
recompensa-a,
no fundo, temos que produzir a verdade como temos que
produzir
riquezas, ou melhor, temos que produzir a verdade para poder
produzir
riquezas. Por outro lado, estamos submetidos verdade tambm
no
sentido em que ela lei e produz o discurso verdadeiro que
decide,
transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder.
Afinal,
somos julgados, condenados, classificados, obrigados a
desempenhar
tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em
funo
dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos especficos
de
poder. (FOUCAULT, 2010, p. 279).
Baseada no domnio do corpo e de seus atos, em substituio ao
antigo regime de
controle de terras e produtos, essa nova forma de domnio demanda
uma controle atravs da
vigilncia. Esse novo tipo de poder [...] foi um instrumento
fundamental para a constituio
do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe
correspondente; esse poder no
-
soberano, alheio a forma da soberania, o poder disciplinar
(Ibidem, p. 291).
Segundo Foucault, as disciplinas so um sistema de coero do corpo
social, criadoras
de aparelhos de saber e conhecimento com um discurso normativo:
definiro um cdigo que
no ser o da lei, mas o da normatizao; referir-se-o a um
horizonte terico [...] (do)
domnio das cincias humanas (FOUCAULT, 2010, p. 203). Mais uma
vez, o jornalismo
suporte para a propagao desses discursos. na cobertura das
recentes manifestaes no
Brasil e a defesa das manifestaes pacficas, nas matrias sobre
relacionamento em revistas
para adolescentes, como se comportar em entrevistas de emprego,
como ter sade e qualidade
de vida, todos ligados aos interesses de quem quer dominar o
corpo: um mecanismo que
permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e
riquezas (Ibidem, p. 291).
PRELDIO PARA UM JORNALISMO DO FUTURO
Ciente deste processo de ratificao do status quo que o
jornalismo contemporneo
realiza, o jornalista se depara com a necessidade de escolher um
entre dois aspectos que
fundaram a deontologia de sua profisso ao longo dos ltimos 150
anos e que, agora, se
apresentam como antagonistas: o papel de estandarte da liberdade
e de defesa do cidado ou o
ideal de objetividade.
Em conformidade com os elementos apresentados por Traquina
(2005, p. 50) que
colocam o jornalismo como instrumento de reforma social, de
controle do poder poltico em
defesa dos indivduos e de fonte de informaes para que estes
possam desempenhar
plenamente seu papel de cidado, entendemos que a via que
reconduz o jornalismo em sua
funo social, a escolha mais sensata para o futuro da rea,
afetando, consequentemente, sua
prxis e suas teorias. Portanto, dedicamos os prximos pargrafos a
apresentar alguns esboos
iniciais dessa nova forma de fazer jornalismo, luz dos
pensamentos por ns apresentados.
*****
O trabalho do jornalista do futuro adota com premissa o conceito
de verdade
apresentado por Nietzsche e Foucault, isto , ele compreende a
verdade como uma construo
socio-histrica - fundamental da existncia em sociedade que serve
de justificativa para a
moral vigente, ao mesmo tempo em que atua com construtora e
legitimadora do poder. Assim
sendo, necessrio reconhecer que esta mesma verdade, por ser
construda socialmente,
relativa e pode (e deve) ser transformada na busca de uma
sociedade melhor. Por fim, o
jornalista do futuro reconhece a soberania do corpo social na
autoridade de determinar a
-
verdade vigente.
Neste ltimo passo de delegar ao coletivo o poder de construtor
da verdade, o
jornalismo se desfaz da carga institucional e disciplinadora que
ele carrega na sociedade
contempornea. Concomitante a este movimento, vemos a assuno do
jornalista-intelectual,
definido por Foucault (2012, p. 52-53):
[...] intelectual no , portanto, o portador de valores
universais; ele
algum que ocupa uma posio especfica, mas cuja especificidade
est ligada s funes gerais do dispositivo de verdade em nossa
sociedade. Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla
especificidade: a especificidade de sua posio de classe
(pequeno
burgus a servio do capitalismo, intelectual orgnico do
proletariado); a especificidade de suas condies de vida e de
trabalho, ligadas sua condio de intelectual (seu domnio de
pesquisa, seu lugar no laboratrio, as exigncias polticas a que
se
submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no
hospital
etc.); finalmente, a especificidade da poltica de verdade
nas
sociedades contemporneas.
Ao assumir suas posies, o jornalista-intelectual vai se
distanciar da objetividade,
recorrendo a construes textuais (discursos) que rompam com o
poder vigente, apresentando
o acontecimento sob a tica do sujeito-jornalista, com todas as
suas especificidades de classe,
de lugar e de poltica de verdade. O jornalista-intectual age
como o genealogista de Foucault,
resgata os saberes excludos para traz-los tona, apresentando-os
para todos os membros da
sociedade e permitindo que estes saberes sejam capazes de oposio
e de luta contra a
coero de um discurso terico, unitrio, formal e cientfico
(Ibidem, p. 270).
Logo, o jornalista do futuro dilui a uniformidade e a massificao
da forma como os
fatos so tratados hoje em dia pelos veculos de comunicao para
expressar a multiplicidade
de valores existentes e que, normalmente, se encontram
subjugados pelos poderes
dominantes. No se estabelece, necessariamente, uma excluso total
dos valores
contemporneos em favor de outros valores, mas promove-se a
multiplicidade de valores,
permitindo ao pblico conhecer o fato atravs de diversos olhares
e vozes.
No cabe mais ao jornalismo somente reportar o que acontece no
mundo, exercido sob
essa nova filosofia, o jornalismo vai se assumir como parte
integrante da luta pelo domnio do
discurso, se colocando, enquanto campo, como ponto de
convergncia dos atores, de suas
morais e verdades.
-
O jornalismo do futuro vai assumir a funo quebra sol da moral
contempornea,
valendo-se da luz desta para inverter a ordem das coisas, sair
do comodismo, do senso comum
e buscar retratar o que ningum retrata, seja por medo ou por
falta de vontade.
Cada vez mais quer me parecer que o filsofo, sendo por
necessidade
um homem do amanh e do depois de amanh, sempre se achou e
teve
de se achar em contradio com o seu hoje. [] A cada vez
desvelaram o quanto de hipocrisia, comodismo, de deixar-se levar
e
deixar-se cair, o quanto de mentira se escondia sob o mais
venerado
tipo de moralidade contempornea, o quanto de virtude era
ultrapassada; a cada vez eles disseram: Temos que ir ali, alm,
onde
vocs, hoje, menos se sentem em casa. (NIETZSCHE, 2011, p.
106,
grifos do autor).
Inimigo da moral, vitrine de outras possibilidades de verdade e
iconoclasta das
instituies e das disciplinas. assim que se desenha o
jornalista-intelectual, aquele que com
clareza, preciso e paixo pela sua verdade, traz de volta ao
jornalismo aquilo que ele perdeu
quando se encontrou com o mercado e com Comte: seu valor
reformador.
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Devemos destacar que os metafsicos aos quais Nietzsche se refere so
distintos dos metafsicos de Comte. Para o filsofo francs, metafsica
um estgio de transio entre as explicaes teolgicas e o positivismo.
J para Nietzsche, metafsica a busca por verdades universais, grupo
no qual se inclua Comte.O Carto Recomeo foi apresentado
oficialmente no dia 9 de maio de 2013 pelo Governo do Estado de So
Paulo como um projeto para custear o atendimento de dependentes
qumicos em clnicas e entidades credenciadas. Em um segundo momento,
os jornais trocaram a expresso Bolsa Crack por Bolsa Anticrack.Esse
tpico ser retomado quando tratarmos sobre a disciplina em
Foucault.Surge, assim, com o positivismo, a distino entre o fato e
o juzo de valor, entre o real e a valorao humana do real e entre o
acontecimento a ser estudado e a opinio. Essa distino representou
um divisor de guas em outras cincias humanas como o direito, a
sociologia, a histria, a tica e, conseqentemente, o jornalismo.
Deriva da a distino que hoje fazemos entre jornalismo opinativo e
informativo. (BARROS FILHO, 1995, p. 22).Ela (a nossa inteligncia)
reconhece de ora em diante, como regra fundamental, que toda
proposio que no estritamente redutvel simples enunciao de um fato,
particular ou geral, no nos pode oferecer nenhum sentido real e
inteligvel. [...] A pura imaginao perde ento de modo irrevogvel a
sua antiga supremacia mental e subordina-se necessariamente
observao, de maneira a constituir um estado lgico plenamente normal
[] (COMTE, 2002).As novas formas de financiamento da imprensa, as
receitas da publicidade e dos crescentes rendimentos das vendas dos
jornais, permitiram a despolitizao da imprensa, passo fundamental
na instalao do novo paradigma do jornalismo: o jornalismo como
informao e no como propaganda, isto , um jornalismo que privilegia
os fatos e no a opinio. (TRAQUINA, 2005, p. 36).[] a teoria
democrtica apontava para que o jornalismo cumprisse um duplo papel:
1) com a liberdade 'negativa', vigiar o poder poltico e proteger os
cidados dos eventuais abusos dos governantes; 2) com a liberdade
'positiva', fornecer aos cidados as informaes necessrias para o
desempenho das suas responsabilidades cvicas, tornando central o
conceito de servio pblico como parte da identidade jornalstica.
(TRAQUINA, 2005, p. 50).Para Nietzsche, um indivduo fraco aquele
incapaz de suportar o sofrimento da existncia, necessitando de algo
que pode ser uma verdade, ideal, crena ou outra autoridade em que
possa se apropriar para continuar vivendo, algo que lhe d uma
justificativa para seu sofrimento e um sentido para a existncia.
(VILAS BAS, 2009, p. 78).Como poderia algo nascer do seu oposto?
Por exemplo, a verdade do erro? Ou a vontade de verdade da vontade
de engano? [...] as coisas de valor mais elevado devem ter uma
origem outra, prpria no podem derivar desse fugaz, enganador,
sedutor, mesquinho mundo, desse turbilho de insnia e cobia! Devem
vir do seio do ser, do intransitrio, do deus oculto, da coisa em si
nisso, e em nada mais, deve estar sua causa Este modo de julgar
constitui o tpico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os
metafsicos de todos os tempos [...] (2005, p. 9-10).O que a
verdade, portanto? Um exrcito mvel de metforas, metonmias,
antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relaes humanas que
foram realadas potica e retoricamente, transpostas e adornadas, e
que, aps uma longo utilizao, parecem a um povo consolidadas,
cannicas e obrigatrias. (2008, p. 36).Os judeus realizaram esse
milagre da inverso dos valores, graas ao qual a vida na Terra
adquiriu um novo e perigoso atrativo por alguns milnios os seus
profetas fundiram rico, ateu, mau, violento e sensual numa s
definio, e pela primeira vez deram cunho vergonhoso palavra mundo.
(NIETZSCHE, 2005, p. 83).Ele [o mentiroso] abusa das convenes
consolidadas por meio de trocas arbitrrias ou inverses dos nomes,
inclusive. Se faz isso de uma maneira individualista e ainda por
cima nociva, ento a sociedade no confiar mais nele e, com isso,
tratar de exclu-lo. Nisso, os homens no evitam tanto ser
ludibriados quanto lesados pelo engano. Mesmo nesse nvel, o que
eles odeiam fundamentalmente no o engano, mas as consequncias
ruins, hostis, de certos gneros de enganos. Num sentido
semelhantemente limitado, o homem tambm quer apenas a verdade. Ele
quer as consequncias agradveis da verdade, que conservam a vida;
frente ao puro conhecimento sem consequncias ele indiferente,
frente s verdades possivelmente prejudiciais e destruidoras ele se
indispe com hostilidade, inclusive. (NIETZSCHE, 2008, p. 29-30).De
fato, para explicar como surgiram as mais remotas afirmaes
metafsicas de um filsofo bom (e sbio) se perguntar antes de tudo: a
que moral isto (ele) quer chegar? Portanto no creio que um impulso
ao conhecimento seja o pai da filosofia, mas sim que um outro
impulso, nesse ponto e em outros, tenha se utilizado do
conhecimento (e do desconhecimento!) como um simples instrumento.
(2005, p. 12-13).Na verdade, a questo bem outra: enquanto pretendem
ler embevecidos o cnon de sua lei na natureza, (...) Seu orgulho
quer prescrever e incorporar natureza, at natureza, a sua moral, o
seu ideal, vocs exigem que ela seja natureza conforme a Stoa, e
gostariam que toda existncia existisse apenas segundo sua prpria
imagem. (Ibidem, p. 14).Precisamente porque os filsofos da moral
conheciam os fatos morais apenas grosseiramente, num excerto
arbitrrio ou compndio fortuito, como moralidade do seu ambiente, de
sua classe, de sua Igreja, do esprito de sua poca, de seu clima e
seu lugar precisamente porque eram mal informados e pouco curiosos
a respeito de povos, tempos e eras, no chegavam a ter em vista os
verdadeiros problemas da moral os quais emergem somente da comparao
de muitas morais. (2005, p. 74-75, grifo do autor).Plato, mais
inocente nessas coisas, e despido da astcia plebeia, quis, com toda
a energia a maior energia que um filsofo j empregara! , provar a si
mesmo que razo e instinto se dirigem naturalmente a uma meta nica,
ao bem, a Deus; e desde Plato todos os telogos e filsofos seguem a
mesma trilha [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 80)Para nosso olho mais
cmodo, numa dada ocasio, reproduzir uma imagem com frequncia j
produzida, do que fixar o que h de novo e diferente numa impresso:
isto exige mais fora, mais moralidade. [...] Mesmo nas vivncias
mais incomuns agimos assim: fantasiamos a maior parte da vivncia e
dificilmente somos capazes de no contemplar como inventores algum
evento. Tudo isso quer dizer que ns somos, at a medula e desde o
comeo habituados a mentir. (NIETZSCHE, 2005, p. 81. Grifo do
autor).Na medida em que sempre, desde que existem homens, houve
tambm rebanho de homens (cls, comunidades, tribos, povos, Estados,
Igrejas), e sempre muitos obedeceram, em relao ao pequeno nmero dos
que mandaram considerando, portanto, que a obedincia foi at agora a
coisa mais longamente exercitada e cultivada entre os homens, justo
supor que via de regra agora inata em cada um a necessidade de
obedecer [...]. (NIETZSCHE, 2005, p. 85).O homem objetivo [...]
seguramente um dos instrumentos mais preciosos que existem: mas
isto nas mos de algum mais poderoso. Ele apenas um instrumento;
digamos que um espelho no uma finalidade em si. O homem objetivo de
fato um espelho: habituado a submeter-se ao que quer ser conhecido,
sem outro prazer que o dado pelo conhecer, espelhar. (Ibidem, p.
97. Grifos nossos).Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua
poltica geral de verdade: isto , os tipos de discurso que ela
acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos
falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as tcnicas e os
procedimentos que so valorizados para a obteno da verdade; o
estatuto daqueles que tm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro. (Ibidem, p. 52).Seguir o filo complexo da provenincia ,
ao contrrio, manter o que se passou na disperso que lhe prpria:
demarcar os acidentes, os nfimos desvios ou, ao contrrio, as
inverses completas -, os erros, as falhas na apreciao, os maus
clculos que deram nascimento ao que existe e tem valor para ns;
descobrir a raiz daquilo que ns conhecemos e daquilo que ns somos
no existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente.
(Ibidem, p. 63).A emergncia , portanto, a entrada em cena das
foras; a sua interrupo, o salto pelo qual elas passam dos
bastidores para o teatro, cada uma com seu vigor e sua juventude.
[...] Em certo sentido, a pea representada nesse teatro sem lugar
sempre a mesma: aquela que repetem indefinidamente os dominadores e
os dominados. Homens dominam outros homens, e assim que nasce a
diferena dos valores; classes dominam classes e assim que nasce a
ideia de liberdade. (Ibidem, p. 68).Mas se interpretar se apoderar
por violncia ou sub-repo, de um sistema de regras que no tem em si
significao essencial, e lhe impor uma direo, dobr-lo a uma nova
vontade, faz-lo entrar em um outro jogo e submet-lo a novas regras,
ento o devir da humanidade uma srie de interpretaes. (Ibidem, p.
70).E preciso entender por acontecimento no uma deciso, um tratado,
um reino, ou uma batalha, mas uma relao de foras que se inverte, um
poder confiscado, um vocabulrio retomado e voltado contra seus
utilizadores, uma dominao que se enfraquece, se distende, se
envenena e uma outra que faz sua entrada, mascarada. As foras que
se encontram em jogo na histria no obedecem nem a uma destinao, nem
a uma mecnica, mas ao acaso da luta. (Ibidem, p. 73).Um dos
expoentes da oposio, Mohamed ElBaradei, ex-chefe da Agncia Atmica
da ONU, disse BBC que sentiu "alegria e euforia" porque, aps anos
de represso, o Egito finalmente foi libertado e colocou-se no
caminho para um pas de democracia e justia social. (SALEH,
2011).Nomear isolar campos, instrumento no de representar o mundo
como ele , mas de recortar: arrancamos uma parte do humano e a
institumos num outro tipo de existncia, que se presta a
hierarquizaes, a inseres ou excluses no plano social. O conjunto
das nomeaes tem como efeito a apresentao do mundo como ele deve ser
visto [...] dar nomes s coisas ordenar o mundo. (GOMES, 2004, p.
11-12).Mas pode ser que essa instituio e esse desejo no sejam outra
coisa seno duas rplicas opostas a uma mesma inquietao: [...]
inquietao de sentir sob essa atividade, todavia cotidiana e
cinzenta, poderes e perigos que mal se imagina; inquietao de supor
lutas, vitrias, ferimentos, dominaes, servides, atravs de tantas
palavras cujo uso h tanto tempo reduziu as asperidades. (FOUCAULT,
2010, p. 8).Podemos inferir a partir desses estudos [que mostra que
a maioria das matrias de primeira pgina do New York Times e do
Washington Post, eram fortemente inspiradas por fontes
governamentais] e conforme a tica de Foucault que as fontes ociais,
que na maioria das vezes detm o poder econmico e poltico,
contribuem para a instaurao de uma ordem discursiva, que ser a
predominante no campo jornalstico. A deteno do poder, neste caso,
lhes assegura um lugar privilegiado na esfera jornalstica, que se
torna dessa maneira reprodutora de uma viso hegemnica. (2011, p.
50).Em nossas sociedades, a economia poltica da verdade tem cinco
caractersticas historicamente importantes: a verdade centrada na
forma do discurso cientfico e nas instituies que o produzem; est
submetida a uma constante incitao econmica e poltica [...]; objeto,
de vrias formas, de uma imensa difuso e de um imenso consumo
(circula nos aparelhos de educao e informao, cuja extenso no corpo
social relativamente grande, no obstante algumas limitaes
rigorosas); produzida e transmitida sob o controle, no exclusivo,
mas dominante, de alguns grandes aparelhos polticos ou econmicos
(universidade, Exrcito, escritura, meios de comunicao); enfim,
objeto de debate poltico e de confronto social (as lutas
ideolgicas). (FOUCAULT, 2012, p. 52. Grifo nosso).O poder no para
de nos interrogar, de indagar, registrar e institucionalizar a
busca da verdade, profissionaliza-a e recompensa-a, no fundo, temos
que produzir a verdade como temos que produzir riquezas, ou melhor,
temos que produzir a verdade para poder produzir riquezas. Por
outro lado, estamos submetidos verdade tambm no sentido em que ela
lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e
reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal, somos
julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar
tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em funo dos
discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos especficos de
poder. (FOUCAULT, 2010, p. 279).[...] intelectual no , portanto, o
portador de valores universais; ele algum que ocupa uma posio
especfica, mas cuja especificidade est ligada s funes gerais do
dispositivo de verdade em nossa sociedade. Em outras palavras, o
intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade de sua
posio de classe (pequeno burgus a servio do capitalismo,
intelectual orgnico do proletariado); a especificidade de suas
condies de vida e de trabalho, ligadas sua condio de intelectual
(seu domnio de pesquisa, seu lugar no laboratrio, as exigncias
polticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na
universidade, no hospital etc.); finalmente, a especificidade da
poltica de verdade nas sociedades contemporneas.Cada vez mais quer
me parecer que o filsofo, sendo por necessidade um homem do amanh e
do depois de amanh, sempre se achou e teve de se achar em contradio
com o seu hoje. [] A cada vez desvelaram o quanto de hipocrisia,
comodismo, de deixar-se levar e deixar-se cair, o quanto de mentira
se escondia sob o mais venerado tipo de moralidade contempornea, o
quanto de virtude era ultrapassada; a cada vez eles disseram: Temos
que ir ali, alm, onde vocs, hoje, menos se sentem em casa.
(NIETZSCHE, 2011, p. 106, grifos do autor).