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Ano 10 | outubro de 2010 | ISSN 16790995 Políticas culturais e o acesso à comunicação no Brasil: desafios para aprofundar o diálogo intercultural 1 Fayga Rocha Moreira 2 Resumo Na atualidade, refletir sobre o par comunicação e cultura torna-se profundamente relevante, dada a amplitude que as tecnologias de informação e comunicação assumem na vida cotidiana, reconfigurando tanto a dimensão simbólica quanto econômica da cultura. As implicações desse cenário para a formulação de políticas culturais no contexto brasileiro e latino-americano colocam desafios como: superar a desigualdade de acesso aos meios de comunicação; descentralizar a produção da programação cultural das rádios e TVs, bem como possibilitar a criação nas áreas de cultura digital e jogos eletrônicos; ampliar os canais de difusão dos conteúdos audiovisuais, dado o monopólio das indústrias culturais norte- americanas nesse âmbito. Nesse caminho, e afirmando a importância do acesso à comunicação, na contemporaneidade, como estratégia para fomentar o diálogo intercultural, o artigo buscará refletir sobre as políticas públicas que o Ministério da Cultura brasileiro implementou, entre os anos de 2002 e 2010, a fim de enfrentar os desafios supracitados. Diálogos interculturais e acesso às tecnologias de informação e comunicação As possibilidades de diálogo intercultural no mundo contemporâneo estão cada vez mais atreladas à produção e 1 Artigo apresentado, originariamente, no Simpósio “El acceso a la información: estrategias para enfrentar los desafíos y oportunidades”, que fez parte do II Congreso Internacional del Conocimiento: Ciencias, Tecnologias Y Culturas, em Santiago do Chile. 2 Doutoranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade Universidade Federal da Bahia (UFBA).
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Políticas culturais e o acesso à comunicação no Brasil ... · informação e comunicação assumem na vida cotidiana, reconfigurando tanto ... democratização do acesso aos meios

Nov 22, 2018

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Ano 10 | outubro de 2010 | ISSN 16790995

Políticas culturais e o acesso à comunicação no Brasil: desafios para aprofundar o diálogo intercultural1

Fayga Rocha Moreira2

Resumo

Na atualidade, refletir sobre o par comunicação e cultura torna-se profundamente relevante, dada a amplitude que as tecnologias de informação e comunicação assumem na vida cotidiana, reconfigurando tanto a dimensão simbólica quanto econômica da cultura. As implicações desse cenário para a formulação de políticas culturais no contexto brasileiro e latino-americano colocam desafios como: superar a desigualdade de acesso aos meios de comunicação; descentralizar a produção da programação cultural das rádios e TVs, bem como possibilitar a criação nas áreas de cultura digital e jogos eletrônicos; ampliar os canais de difusão dos conteúdos audiovisuais, dado o monopólio das indústrias culturais norte-americanas nesse âmbito. Nesse caminho, e afirmando a importância do acesso à comunicação, na contemporaneidade, como estratégia para fomentar o diálogo intercultural, o artigo buscará refletir sobre as políticas públicas que o Ministério da Cultura brasileiro implementou, entre os anos de 2002 e 2010, a fim de enfrentar os desafios supracitados.

Diálogos interculturais e acesso às tecnologias de informação e comunicação

As possibilidades de diálogo intercultural no mundo

contemporâneo estão cada vez mais atreladas à produção e

1 Artigo apresentado, originariamente, no Simpósio “El acceso a la información: estrategias para enfrentar los desafíos y oportunidades”, que fez parte do II Congreso Internacional del Conocimiento: Ciencias, Tecnologias Y Culturas, em Santiago do Chile. 2 Doutoranda do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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difusão de conteúdos via meios de comunicação. Há um

cuidado a ser tomado relativo a essa constatação: a relação

entre cultura e comunicação não está condicionada às

tecnologias comunicacionais; se assim fosse pensada,

perderíamos de vista a natureza eminentemente comunicativa

da cultura, isto é, “a função constitutiva que a comunicação

desempenha na estrutura do processo cultural, pois as

culturas vivem enquanto se comunicam” (MARTÍN-BARBERO,

2003: 68). E esse intercâmbio comporta, como enfatiza

Martín-Barbero, um processo denso e arriscado, mas que

revela a dinâmica essencialmente viva e mutante da cultura.

Nesse caminho, o que se vislumbra é um olhar que não

essencializa ou reifica os grupos culturais, afinal estes não são

totalidades bem delimitadas. “Deberíamos considerar las

culturas humanas como constantes creaciones, recreaciones y

negociaciones de fronteras imagin|rias entre ‘nosostros’ y

el/los ‘outro(s)’” (BENHABIB, 2006, p.33).

Observação fundamental para pensar as políticas

culturais na atualidade, que são formadas, ainda no rastro da

reflexão de Benhabib, por uma estranha mescla entre a ênfase

romântica da concepção de cultura herderiana – que defende

as características irredutíveis de cada forma de expressão

cultural – e a noção antropológica – em que se sobressai a

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ideia de igualdade democrática entre todas essas formas3. A

contradição que emerge desse cenário se traduz nas tentativas

de “preservar la pureza de lo impuro, la inmutabilidad de lo

histórico y el car|cter fundamental de lo contingente”

(BENHABIB, 2006, p.37).

Traçar políticas para a diferença traz como desafio

ultrapassar a tendência de integração e neutralização do

Estado, em prol de iniciativas que fomentem o confronto de

matrizes epistemológicas e culturais distintas e quiçá

completamente divergentes. O fundamental é criar espaços e

possibilidades para que do diálogo entre distintas epistemes

surjam tensões e convergências. O diálogo intercultural, então,

é apontado como estratégia para contornar um lastro histórico

que nega a condição pluri e intercultural própria das

sociedades latino-americanas. Para além da dimensão

epistêmica, a interculturalidade apresenta-se como um projeto

político e ético.

3 Benhabib fala da concepção de cultura (Kultur) dos românticos alemães, representados por Johann G. Herder, e da perspectiva da antropologia social, na qual se destacam nomes como Bronislaw Malinowski, Evans Pritchard, Margaret Mead e Claude Lévi-Strauss. De forma rápida, podemos dizer que os primeiros defendem a cultura como a “alma” de um povo, que conforma sua identidade. Já os segundos, contribuem para a afirmação de uma visão mais igualitária de todas as formas de expressão cultural, ao eliminar o conceito de crítica (subsumido no conceito de Kultur) oposto ao de civilização (BENHABIB, 2006, p.24).

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Una lógica construida desde la particularidad de la diferencia que [...] no es simplemente étnica o cultural sino colonial: la consecuencia de la dominación pasada y presente de pueblos, lenguas y también de conocimientos. Y aunque esta lógica de la interculturalidad parte de una posición de exterioridad con relación a lo dominante, cuestionando a él, involucra conocimientos y modos de pensar que no quedan totalmente aislados de los paradigmas o estructuras dominantes. Es decir, por necesidad y como resultado de los procesos históricos de la colonialidad, esta lógica “conoce” estos paradigmas y estructuras – ha tenido que aprender y vivir con ellos. Y es por medio de este conocer que un pensamiento “otro” est| construyéndose, orientado a la agencia o acción del movimiento en las esferas políticas, sociales y culturales, trabajando sobre los paradigmas y estructuras dominantes y los estándares culturales construidos por el conocimiento occidental y “universal”, así descolonializ|ndolos. (WALSH, 2004, s/p)

As tecnologias de comunicação e informação podem

servir de instrumentos para a expressão e articulação dessa

pluralidade cultural e para essa descolonização do

pensamento. Questão nada banal em vista do lugar ocupado

por estas nos processos sociais e culturais da

contemporaneidade. Francisco López Segrera (2005), coloca a

questão nesses termos: “é possível diminuir a brecha entre

“infopobres” e “inforicos”, democratizando o uso das novas

tecnologias de informação e comunicação? Ou só servirão

estas para aumentar a pobreza, a desigualdade e a exclusão

social?” (LÓPEZ SEGRERA, 2005, p.7).

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A questão das tecnologias da informação e

comunicação não deve ser pensada, portanto, desde um ponto

de vista que entenda o acesso como condição para o progresso

dos grupos subalternizados, vistos em muitos momentos

apenas pela ótica da carência e da desfiliação. Isso soaria como

uma nova estratégia de colonização por meio de uma

perspectiva eurocêntrica que entende o acúmulo de

informação ou sua produção desenfreada como critério para

mensurar o desenvolvimento da humanidade. Freya Schiwy

(2002), ao discorrer sobre a relação dos indígenas com o

audiovisual, coloca essa questão em outros termos: essas

técnicas propiciam um intercâmbio de conhecimentos

heterogêneos, possibilitando a formulação de métodos e

instrumentos de comunicação apropriados para participação

desses povos nos processos de trocas e mudanças que

enfrentam.

Políticas culturais e acesso à comunicação: o problema da concentração

Mas como pensar a possibilidade de um diálogo

intercultural entre a pluralidade de grupos culturais no

contexto latino-americano sem cair em um idealismo

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esvaziado em vista da desigualdade do acesso à produção e

difusão de conteúdos culturais no panorama de concentração

comunicacional que concretamente vivenciamos? Somente por

meio de políticas efetivas que tenham como referência a

democratização do acesso aos meios de comunicação, é a

resposta que ecoa nas reflexões de muitos pesquisadores e

ativistas de nosso continente.

É importante a ênfase nas políticas públicas porque, ao

contrário da aposta entusiasmada que muitos fizeram nas

novas dinâmicas colaborativas e em rede mediadas pela

internet como forma de superar o fluxo verticalizado de

informações, nota-se cada vez mais que as tecnologias de

informação e comunicação são articuladas aos contextos em

que se inserem e ao uso que se faz delas; por mais que

permitam inovações socioculturais, estas só serão possíveis se

possibilitadas pelas pressões sociais que conformam e se

apropriam dessas tecnologias.

Como coloca Barbalho (2008), embora possamos

constatar que a dimensão dos fenômenos midiáticos e das

indústrias culturais pauta cada vez mais a cultura como um

todo, visto que as construções simbólicas e a constituição do

imaginário contemporâneo estão apoiados, em grande medida,

nestas dimensões, as várias esferas governamentais ou deixam

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de lado ou agem perifericamente nesse contexto. Uma política

cultural “perde muito de sua efic|cia, de sua efetividade, se

não interagir criticamente com as indústrias culturais e com as

mídias. [Ainda mais] em um país como o Brasil, onde grande

parte da população é analfabeta, e mesmo entre os

alfabetizados, a quantidade de pessoas que leem, mas não

entendem nada do que está escrito é muito grande [...]”

(BARBALHO, 2008, p.24)

Como sugere Antônio Albino Canelas Rubim (2008), “a

ditadura realiza a transição para a cultura midiática, assentada

em padrões de mercado, sem nenhuma interação com as

políticas de cultura do Estado. Em suma: institui-se um fosso

entre políticas culturais nacionais e o circuito cultural agora

dominante no país” (RUBIM, 2008, s/p). A década de 60 seria o

marco dessa transição, marcada pela emergência de um novo

circuito cultural “ambientado e constituído pelo sistema de

mídias” (RUBIM, A.; RUBIM, L., 2008). Ao analisar essa

situação, Cesar Bolaño (2008), sugere que o debate a respeito

das políticas públicas de comunicação no Brasil não logrou

mudar a equação construída durante o regime militar à

diferença de outros países em que o processo de

democratização instaurou mudanças estruturais profundas na

área das mídias.

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E esse modelo se perpetua ainda hoje, mesmo que com

muitos avanços. Em entrevista à Revista Políticas Culturais em

Revista,o ex-Ministro da Cultura, Gilberto Gil comenta sobre a

dificuldade em estabelecer um diálogo com o Ministério das

Comunicações, que sempre demonstrou, segundo ele, pouco

entusiasmo para a pauta cultural. Tal omissão ficou clara

também na discussão em torno da chamada “Lei da

Comunicação Social”, em 2007. Como aponta Bolaño (2008), a

disputa entre o Ministério das Comunicações e o da Cultura

sinalizou duas perspectivas distintas no tratamento do debate:

enquanto a pasta da Comunicação estava preocupada

basicamente com a regulamentação relativa à participação

estrangeira na propriedade de empresas de mídias, visto que o

setor do audiovisual desperta grande interesse nas empresas

transnacionais, o Minc se posicionava na perspectiva dos

movimentos que lutam por uma democratização das

comunicações e que viam nesse debate a oportunidade de

vislumbrar uma política pública mais “inclusiva” para a |rea.

Na 1ª Conferência Nacional de Cultura, a afirmação

desse posicionamento é contundente, pois o documento

originado desse processo de discussões afirma que

“Comunicação é Cultura”. A postura do Minc em relação {

Comunicação fica nítida no seguinte excerto da proposta:

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É necessário, pois, assumirmos a comunicação e a cultura como campos preferenciais de uma guerra política estratégica. Constata-se que a tendência da estrutura comunicacional dos grandes conglomerados é estabelecer uma hegemonia simbólica, através de uma linguagem digital única, habilitada a integrar sistemas capazes de multiplicar e difundir conteúdos infinitamente. Nesta guerra, resta para os países consumidores de bens simbólicos, grupo em que o Brasil está inserido, uma única possibilidade: criarmos as condições necessárias de produção de nossos próprios conteúdos nacionais. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007)

E mesmo quando se trata da produção nacional essa

“hegemonia simbólica” est| claramente presente e

predominante. Becerra e Mastrini (2010) observam que os

dados sobre o cenário infocomunicacional na América Latina

demonstram que as margens de concentração superam os

padrões aceitáveis. Algumas consequências decorrentes desse

quadro – extremamente desfavorável para o diálogo

intercultural, vale lembrar – são: centralização geográfica da

produção de conteúdos e informações, empobrecimento da

diversidade de olhares e interpretações sobre a realidade,

orientação comercial para produção e difusão dos conteúdos,

falta de oportunidade dos médios e pequenos produtores,

dentre outras (BECERRA; MASTRINI, 2010). Todo esse cenário

de alta concentração na propriedade e gestão dos circuitos

infocomunicacionais combina-se com uma “debilidade dos

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poderes públicos para dispor de regras de jogo equânimes que

garantam o acesso dos diferentes setores sociais, políticos e

econômicos { titularidade de licenças” (BECERRA; MASTRINI,

2010: 94). Essa confluência leva a uma dificuldade de

regulação do circuito infocomunicacional, o que acirra o

predomínio de representações, estética e discursos por

setores restritos desse contexto tão plural.

Nesse cenário de tensões e disputas que envolvem

questões econômicas, políticas, embates de ideias e ideais, mas

também um horizonte de possibilidades de respeito à

diversidade, o Ministério da Cultura do Brasil vem atuando na

tentativa de equacionar as demandas do campo cultural com

as potencialidades e restrições do campo da comunicação.

Convergência complexa e muitas vezes dificultada por esse

quadro de concentração.

Políticas culturais e acesso à comunicação: ações do Ministério da Cultura

Esse descompasso, no Brasil, entre as políticas de

comunicação e as de cultura serve de exemplo para pensar

como é necessária uma articulação em toda a América Latina

entre essas duas dimensões, afinal, guardadas as devidas

particularidades, os países latinos passaram por um processo

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similar de concentração dos meios e enfrentam, na atualidade,

forte pressão desses setores hegemônicos para regulamentar

desde uma perspectiva comercial – e não democrática ou

atenta à diversidade cultural – esse setor.

Contudo, apesar dessa dissociação ainda forte, a

avaliação dos últimos 8 anos das intervenções do governo

brasileiro em políticas culturais que tenham uma interface

com a questão do acesso às tecnologias de informação e

comunicação apresenta um saldo positivo. Dentre as ações que

demonstram esse avanço, podemos citar: o edital para Pontos

de Mídia Livre4, que tem como objetivo contemplar iniciativas

voltadas para construção de políticas públicas para

comunicação livre e compartilhada, não atreladas ao mercado

(foram selecionados 80 propostas na 1ª edição e 60, na 2ª); o

Programa Cultura Digital, ação que visa fortalecer e

potencializar redes virtuais entre Pontos de Cultura5; o edital

4 “São consideradas iniciativas de mídia livre toda e qualquer iniciativa que articule comunicação e outras áreas do conhecimento, fazendo uso de suportes analógicos e/ou digitais, não possuindo financiamento direto e subordinação editorial a empresas de comunicação legalmente constituídas, e que agreguem e priorizem ações colaborativas e participativas, interatividade e atuação em rede na produção e difusão de conteúdos em formato livre através de diferentes suportes de mídia (áudio, imagem, texto, vídeo e multimídia)”. (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2010:1) 5 Programa do Ministério da Cultura que apóia economicamente e institucionalmente entidades que gerem impactos sócio-culturais em suas comunidades.

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BrGames, que busca estimular a produção de demos jogáveis e

de jogos completos, com a perspectiva de investir no

desenvolvimento de jogos eletrônicos e de inserir os

produtores brasileiros nesse mercado; o Programa Revelando

os Brasis, que incentiva a produção audiovisual em cidades

com até 20 mil habitantes, a fim de contribuir para a

descentralização dos olhares e registros sobre o país.

O que se destaca nessas iniciativas implementadas pelo

Ministério da Cultura é a ênfase dada nas ferramentas

multimídia em software livre, a fim de garantir a autonomia

dos atores contemplados. Questão nada fortuita em vista do

objetivo vislumbrado pelo Ministério, que busca estimular o

protagonismo em todos os âmbitos do processo

comunicacional relacionado às questões culturais, ou seja, nas

etapas de criação, produção e circulação de informações ou

mesmo obras / manifestações artísticas. Como bem coloca o

ex-Ministro Gilberto Gil:

O uso pleno da Internet e do software livre cria fantásticas possibilidades de democratizar os acessos à informação e ao conhecimento, maximizar os potenciais dos bens e serviços culturais, amplificar os valores que formam o nosso repertório comum e, portanto, a nossa cultura, e potencializar também a produção cultural, criando inclusive novas formas de arte. (GIL, 2006, s/p)

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E esse estímulo ao protagonismo e ampliação de

acesso não se restringem às ações no âmbito da cultura digital,

como podemos observar na seguinte descrição da Secretaria

do Audiovisual, que faz parte do Minc: “cumprindo o seu papel

social, a Sav/MinC tem uma série de projetos especiais os

quais, mais do que fomento, criam pólos de produção,

propiciam a cooperação entre países e permitem a inserção de

periferias e pequenos municípios no domínio das tecnologias

audiovisuais” (SAV/MINC, 2010, s/p).

Tomando como referência as propostas de ação

apontadas por Alfons Matinell Sempere (2010) como

necessárias para concretização de políticas públicas mais

efetivas voltadas para a relação cultura, comunicação e

desenvolvimento, podemos avaliar que muitos passos nessa

direção foram dados pelo Minc nesses últimos anos,

especialmente no que se refere: à implementação de ações

participativas, que estimulam o envolvimento de atores

diversificados nas etapas de execução dos projetos de forma

crítica e criativa; ao investimento em infraestrutura, como

computadores com acesso à internet, sistemas de

videoconferências, equipamentos audiovisuais em Pontos de

Cultura; ao estímulo à criação de olhares diferenciados e

plurais por grupo antes sub-representados nos meios de

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comunicação de massa, bem como à produção de material

audiovisual por grupos, empresas ou profissionais

independentes; ao incentivo ao empreendedorismo e

protagonismo no universo dos softwares livres; à mobilização

para criação de leis para a comunicação que priorizem a

pluralidade sociocultural e não a perspectiva comercial.

Sem dúvidas, ainda há muito o que avançar,

especialmente no sentido de potencializar o diálogo

intercultural e as possibilidades que ele apresenta para o

enfretamento do cenário de desigualdades e exclusões tão

acirrado na América Latina. Para tanto cabe aos Estados cada

vez mais criar espaços de interlocução entre as diferenças, no

intuito não de neutralizar essas vozes e olhares em muitos

casos dissonantes, e, sim, de fazer ver essas tensões,

contradições e diversidades que formam nossos países latino-

americanos.

Referências bibliográficas BARBALHO, Alexandre. Textos Nômades – Política, Cultura e Mídia. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2008. BECERRA, Martín; MASTRINI, Guillermo. Mídia e indústrias infocomunicacionais na América Latina. In: Revista Observatório Itaú Cultural / OIC. São Paulo, SP, n. 9: 86 – 99, 2010. BENHABIB, Seyla. Las reivindicaciones de la cultura: igualdad y diversidad en la era global. Buenos Aires: Katz, 2006, p. 21-57. GIL, Gilberto. Diversidade. In: Discurso no Seminário SESC, 2006. Disponível em:

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