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fiA, caracterstica, prpria do
Estado capitalista, de representar o interesse
geral de um conjunto nacional-popular ndo
constitui uma simples mistificaa
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Ttulo Original:
Pouvoir Politique ei Classes Sociales, Franois Maspero,
Paris.
Frana, 1968.
CIP-Brasil. Catalogao-na-Fonte
Cmara Brasileira do Livro, SP
P894p
Poulantzas, Nicos.
Poder poltico e classes SOCIaIS;traduo de
Francisco Silva; reviso de
Carlos
Roberto F.
Nogueira. So Paulo, Martins Fontes, 1977.
1. Capitalismo 2. Classes sociais 3. O Estado
4. Poder (Cincias sociais) I. Ttulo.
17.
e
18.
17. e 18.
17.
18.
CDD-301.44
-320.1
-330.15
-330.122
77-1150
ndices para catlogo sistemtico:
1. Capitalismo: Economia 330.15 (17.) 330.122 (18.)
2. Cla~ses sociais : Sociologia 301. 44 (17. e 18.)
3. Estado: Poder poltico 320.1 (17. e 18.)
4. Poder polt ico do Estado 320.1 (17. e 18.)
l.
edio brasileira: novembro de 1977.
Direitos adquiridos para o Brasil por
LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.
01325 Rua Conselheiro Ramalho, 330/340
Fones: 35-3373, 34-6643
So Paulo - SP - Brasil
(;
NDICE
INTRODUO .
I. QUESTES GERAIS .
1.
Sobre o conceito de poltico
I. Poltica e histria - o poltico e a poltica .
lI. A funo geral do Estado .
IlI. Modalidades da funo do Estado .
2
Poltica e classes sociais .
I. O problema do estatuto terico das classes .
lI. As classes num modo de produo e numa formao social
IlI. O papel da luta poltica de classes na sua definio .
IV. As classes distintas e as fraes autnomas de classe .
V. Fraes - categorias - camadas .
VI. Estruturas e prticas de classe: a luta de classes
VII. Conjuntura - foras sociais - previso polt ica .
3. Sobre
o
conceito de poder .
I.
O
problema .
11. O
poder, as classes e os interesses de classe .
IlI. Poder de Estado, aparelho de Estado, centros de poder
..
IV. A concepo do poder como soma-zero .
II. O ESTADO CAPITALISTA
1. O
problema .
'L O Estado capitalista e as relaes de produo
lI. O Estado capitalista e a luta de classes .
IlI. Sobre o conceito de hegemonia .
2. Tipologia e tipo de Estado capitalista . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . 138
r. A tipologia de M. Weber :................. 141
lI. Tipos de Estado, formas de Estado e
periodzao
de uma
formao social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . 143
III. Formas de regime e periodizao do poltico 149
3
O Estado absolut ista, Estado de t ransio .
I. Tipo de Estado e problemas de transio .
II. O Estado absolutista, Estado capitalista .
4
Sobre
os
modelos da revoluo burguesa .
I. O caso ingls .
9
33
35
35
42
48
55
56
68
71
74
81
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153
157
164
164
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H,
O caso francs
IlI. O caso alemo
......................................
......................................
IlI. TRAOS FUNDAMENTAIS DO ESTADO CAPITALISTA
1.
o Estado capitolieta. e os interesses das classes dominadas
....
2
o
Estado capitalista e as ideologias
I. A concepo historicista da ideologia .
11 .
Ideologia dominante, classe dominante e formao social .
IlI. A concepo Marxista das Ideologias .
IV. A ideologia poltica burguesa e a luta de classes .
V. O problema da legitimidade .
3 o
Estado capiialieta e a [ora
4. O Estado capitalista e as classes dominantes . . . . . ..
224
I. O bloco no poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . ..
224
lI. Bloco no poder, hegemonia e periodizao de uma forma-
o: as anlises polticas de lVIarx 229
IlI. Bloco no poder, alianas, classes - apoios 235
IV. Periodizao poltica - cena poltica - classes reinantes
- classes detentoras do Estado 240
IV. A UNIDADE DO PODER E A AUTONOMIA RELATIVA
DO ESTADO CAPITALISTA 249
1.
O problema e a sua enunciao terica pelos clssicos do mar-
xismo
2
Alguns erros de interpretao e as suas conseqncias
I. A teoria poltica geral .
lI. A teoria poltica marxista .
3
O Estado Capitalista e o ca,rnpoda, luta de classes .
I. O problema geral .
lI. As anlises de Marx .
lU. O chamado fenmeno totalitrio .
4
O Estado Capitalista e as classes dominantes .
I. O bloco no poder ....................................
lI. A separao dos poderes .
251
259
259
265
271
271
275
286
I
293
1
293
300
7
169
176
183
185
189
189
195
200
204-
216
.220
O problema nas [ormae de Estado e nas
formas
de regime: o
executivo e o legislativo 305
I. Formas de Estado, formas de legitimidade 305
lI. Formas de regime, partidos polticos 314
V. SOBRE A BUROCRACIA E AS ELITES
319
O problema e as teorias das elites
321
.
.
~
2.
A posio 'ilta1'xista. e a questo da a,tlibuio de classe do
apa-
relho de Estado .
327
3
Estado capitalista - burocratismo - buroc1'acia
337
4
A bU1'ocracia e a luta de classes
347
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I
I.
>
j
INTRODUO
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(
I
I
INTRODUO
1) O marxismo constitudo por duas disciplinas unidas mas
distintas, e cuja disti:no se fundamenta na diferena do seu
objeto:
9 material ismo dialtico e o material ismo histrico. 1
O materialismo histrico - ou cincia da histria - tem como
objeto o conceito de histria, atrvs do estudo dos diversos
modos
de roduo e formao sociais, da sua estrutura, da sua
constitui-
o e do seu funcionamento, em como as ormas e translao
de uma formao social para outra.
O materialismo dialtico - ou filosofia marxista - tem como
objetivo prprio a produo dos conhecimentos, quer dizer a es-
trutura e o funcionamento do processo de pensamento. A rigor,
o
materialismo dialtico tem como objeto a teoria da histria da
pro-
duo cientfica. Com efeito, se o materialismo histrico
estabele-
ceu, em um mesmo movimento terico, o materialismo dialtico
como
disciplina distinta, porque a constituio de uma cincia da
hist-
ria, quer dizer de uma cincia que define o seu objeto como
cons-
tituio do conceito de histria - materialismo histrico -,
con-
duziu definio de uma teoria da cincia que compreende a his-
tria como parte constituinte de seu objeto prprio.
Estas duas disciplinas so distintas: que existem, na
verdade,
interpretaes do marxismo que reduzem uma disciplina outra.
Quer o materialismo dialt ico ao material ismo histrico -
o caso
tpico das interpretaes histricas, tais como as do jovem
Lukcs,
de Korsch, etc., para os quais o marxismo uma antropologia
hist-
rica, sendo a histria uma categoria originria e fundadora e
no
um conceito a construir; a reflexo das estruturas, a tomada
de
.conscincia do seu sentido , funo, por meio de uma
interioriza-
o medidora, dessas prprias estruturas. Quer o materialismo
his-
trico ao materialismo dialtico: o caso das interpretaes
posi-
tivistas-empiricistas que diluem o objeto prprio do materialismo
his-
trico, submetendo todo o objeto histrico na mesma lei abstrata
,
universalmente vlida, modelo regulador de toda a concretizao
histrica.
O materialismo histrico, como Marx demonstrou na Introdu-
o de
57,
no Prefcio
Contribuio
Crtica da Economia Po-
1. Acerca destas questes, ver Althusser in Pour Ma1'X e tambm
Lire
le
Capital, t . II; Matrialisme historique et matrialisme
dialectique ,
Cahiers Marxistes-Leninistes, n. 11; e Sur le travail thorique.
Difficul-
ts et ressources ,
La Pense,
abril 1967.
11
. .
-
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litica e em O Capital - contm uma teoria geral definindo
conceitos
que comandam todo o seu campo de investigao (conceitos de
modo
de produo, de formao social, de apropriao real e de proprie-
dade, de combinao, de ideologia, de poltica, de conjuntura,
de
transio) . Estes conceitos permitem-lhe definir o conceito do
seu
objeto: o conceito de histria. O objeto do materialismo
histrico
o estudo das diversas estruturas e prticas ligadas e distintas
(eco-
nomia, poltica e ideologia), cuja combinao constitui um modo
de produo e uma formao social: podemos caracterizar estas
teorias como teorias regionais. O materialismo histrico
compreen-
de, de igual modo, teorias particulares (teorias dos modos de
pro-
duo escravagista, feudal , capital ista, etc.) , cuja legit
imidade est
bas.eada na diversidade de combinaes das estruturas e prticas,
que
definem modos de produo e formaes sociais distintas. Esta
01 -
dem, que, por enquanto, apenas a de uma enumerao, ser mo-
dificada e fundamentada a seguir .
Sabemos que as duas proposies fundamentais do materialismo
(dialtico e histrico) so as seguintes:
1) A distino entre os processos reais e os processos de
pensamento, entre o ser e o conhecimento.
2) O primado do ser sobre o pensamento, do real sobre o co-
nhecimento que dele se tem.
Se a segunda proposio bastante conhecida, necessrio in-
sistir na primeira: a unidade dos dois processos - do processo
do
real e do processo do pensamento - est baseada na sua
distino.
Assim, o trabalho terico - qualquer que seja o grau da sua
abstrao - sempre um trabalho referente aos processos reais.
No entanto, este trabalho, que produz conhecimentos, situa-se
in-
teiramente no processo de pensamento: no existem conceitos
mais
reais que outros. O trabalho terico parte de uma
matria-prima
composta, no do real-concreto, mas antes de informaes, noes,
etc., sobre este real, e trata-a utilizando certos instrumentos
con-
ceituais, trabalho cujo resultado o conhecimento de um
objeto.
Pode-se dizer que, no sentido rigoroso do termo, apenas
exis-
tem os objetos reais, concretos e
s.ngulares,
O processo de pensa-
mento tem como fim ltimo o conhecimento destes objetos: a
Frana
ou a Inglaterra em um momento determinado do seu desenvolvi-
mento. Por conseguinte, o conhecimento destes objetos parte
da
suposio de que estejam determinados na matria-prima visto
se-
rem precisamente ~ como conhecimento concreto de um objeto
concreto - o resultado de um processo que Marx designa pelos
12
termos de sntese de uma multiplicidade de determinaes . Por
outro lado, o processo de pensamento - se verdade que tem
como
objetivo final e como razo de ser o conhecimento dos objetos
reais-
-concretos - nem sempre se relaciona a esses objetos: pode de
igual
modo reportar-se a objetos que podemos designar como
abstratos-
-formais, os quais no existem no sentido rigoroso do termo,
mas
que so a condio do conhecimento dos objetos reais-concretos:
o caso, por exemplo, do modo de produo.
De acordo com o lugar rigoroso que ocupam no processo de
pensamento e com o objeto de pensamento a que se referem
2,
po-
demos distinguir os diversos conceitos segundo o respectivo grau
de
abstrao, desde os mais pobres em determinaes tericas, at aos
mais elaborados e aos mais ricos. Os conceitos mais concretos,
aque-
les que conduzem ao conhecimento de uma formao social em um
momento determinado do seu desenvolvimento, no so, tampouco
quanto aos objetos reais-concretos, a matria-prima do processo
de
pensamento: nem so sequer deduzidos dos conceitos mais
abstra-
tos, ou submetidos nestes ltimos, juntando sua generalidade
uma simples particularidade. So antes o resultado de um
trabalho
de elaborao terica que, operando sobre informaes, noes,
etc.,
por intermdio dos conceitos mais abstratos, tem como efeito a
pro-
duo dos conceitos mais concretos, que conduzem ao
conhecimento
dos objetos reais , concretos e singulares.
Tomemos como exemplo dois conceitos fundamentais do ma-
terialismo histrico que ilustram bem a distino entre objetos
for-
mais-abstratos e objetos reais-concretos: os de modo de
produo
e de formao social .
Por modo de produo designaremos, no o que geralmente se
indica como o econmico, as relaes de produo em sentido es-
trito, mas uma combinao especfica de diversas estruturas e
pr-
ticas que, na sua combinao, aparecem como outras tantas
instn-
cias ou nveis, em suma, como outras tantas estruturas
regionais
desse modo. Um modo de produo, como de forma esquemtica
o disse Engels, compreende diversos nveis ou instncias, o
econ-
mico, o pol tico, o ideolgico e o terico, subentendendo-se que
no
trata seno de um esquema indicativo e que possvel operar-se
uma diviso mais exaustiva. O tipo de unidade que caracteriza
um
modo de produo o de um todo complexo com dominncia,
em ltima instncia, do econmico: dominncia em ltima ins-
tncia para a qual reservaremos o termo de
determinao.
2. Convm precis-lo, a fim de no cairmos no velho equvoco da
abs-
trao-concretizao positivista,
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A teoria geral do material ismo histrico 3 define um tipo
geral
de relaes entre instncias distintas e unidas - o econmico, o
po-
l t ico e o ideolgico; define assim, ao seu prprio nvel, e em
relao
necessria com os seus conceitos de modo de produo, de forma-
o social, de estrutura com dominante, etc., conceitos
relativamente
abstratos destas instncias. Falando com propriedade, trata-se
de
conceitos circunscrevendo lugares formais atribudos a toda a
estru-
tura social possvel. Trata-se, por exemplo, do conceito mais
abstrato
de poltico, funcionando em todo o campo de investigao da
teoria
geral do materialismo histrico, a saber, nos modos de produo
e
formao sociais em geral, em particular divididos em classes.
:e
aqui que encontra o seu justo lugar terico o problema da relao
do
poltico com a histria, conceito cuja construo o objeto
prprio
do materialismo histrico.
No entanto, a teoria regional do poltico s pode ascender aos
conceitos mais ricos em determinaes tericas, localizando o
seu
objeto em um modo de produo dado. De acordo com os princ-
pios que nos conduziram construo do conceito de modo de pro-
duo, uma instncia regional - neste caso, o poltico - pode
constituir um objeto de teoria regional, na medida em que
re-
cortado de um modo de produo determinado. A sua constituio
em objeto de cincia, quer dizer a construo do seu prprio
con-
ceito, depende no da sua natureza, mas do seu lugar e da sua
fun-
o em uma combinao particular que especifica esse modo de
produo. Pode-se dizer que esta instncia, assim localizada,
ocupa
o lugar atribudo formalmente ao poltico pelo seu conceito
abstrato,
dependente da teoria geral. Em particular, a articulao das
ins-
tncias, prprias deste modo de produo, que define a extenso e
os limites desta instncia regional, atribuindo o seu domnio
teoria
regional correspondente. O econmico, o poltico, o ideolgico,
no
constituem essncias prvias que entrem em seguida em relaes
externas de acordo com o es ueml;l amb uo - se tomado letra
-
a base e da superestrutura. A articulao, prpria estrutura do
todo de um modo de produo, comanda a constituio das instn:-
das regionais. Em suma, construir o conceito de objeto da
cincia
poltica, passando das determinaes tericas mais pobres s de-
terminaes tericas mais ricas, supe a definio rigorosa do
pol-
tico como nvel, instncia ou regio de um modo de produo de-
terminado.
aqui que se opera a juno, no materialismo histrico, entre
o que foi definido como teorias regionais, de que faz parte a
teoria
3. Teoria geral que preciso no confundir com o materialismo
dialtico,
visto este ltimo no ser a simples epistemologia do materialismo
histrico.
16
do poltico, e teorias particulares, isto , as teorias dos
diversos mo-
dos de produo. Esta juno no um efeito do acaso, antes se
opera de acordo com uma ordem legtima que a do processo do
pensamento: a teoria regional do poltico no modo de produo
capitalista pressupe a teoria part icular deste modo de produo.
O
lugar atribudo ao polt ico no modo de produo capitalista
depende
da teoria particular deste modo - do seu tipo especfico de
arti-
culao, do Seu ndice de dominncia e de sobredeterminao -
tal como foi exposto por Marx em O Capital. A teoria
particular
do modo de produo capitalista possui os seus conceitos
prprios,
os quais funcionam no conjunto do campo da sua investigao, e
CQ-
mandam assim a produo dos conceitos prprios da teoria
regional
do poltico deste modo de produo.
No entanto, quer o modo de produo capitalista, quer o pol-
tico neste modo, por exemplo, o Estado capitalista ou as
formas
polticas de luta de classe neste modo, constituem objetos
abstratos-
-formais, pois que em sentido rigoroso apenas existem os Estados
de
formaes capitalisttas historicamente determinadas. Finalizando,
a
g.l --.
(Informaes, no-
es, etc., sobre o
modo de produo
capltalista)
g.3
(Conhecimentos j obtidos, pelo processo depen-
samento, sobre o materialismo histrico: teoria
geral de que faz parte o conceito mais abstrato
do poltico como instncia de toda a estrutura)
I
.2
-.
g.3
(Conhecimentos da teoria particular
do modo de produo capitalista)
I
g.2
g.3
(Conhecimento da teo-
ria regional do polti-
co no modo capitalista
de produo).
~
g.l -.
(Informaes, noes,
etc., sobre o Estado
capitalista, sobre a
luta de classes no
modo de produo ca-
pitalista, etc:)
(Anlise concreta
de uma conjuntura
poltica concreta).
g.l -. g.2
(Informaes
sobre uma for-
mao social
capitalista e o
seu nvel polti-
co em particular)
-. g.3
(Conheci-
mento do pol-
tico nesta for-
mao socal.)
17
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razo de ser do processo de pensamento - a produo dos
conceitos
mais concretos, isto , mais ricos em determinaes tericas, os
quais
permitem o conhecimento dos objetos reais, concretos e
singulares,
constitutivos de cada formao social sempre original. Esta
ordem
lgica que, dos conceitos mais abstratos, conduz aos conceitos
mais
concretos, trans ita dos conceitos da teoria geral do
materialismo his-
trico para os que permitem proceder, segundo a expresso de
Le-
nin, anlise concreta de uma situao concreta. 4
3) Convm tomar igualmente em considerao os problemas
relativos s informaes, noes, etc., que constituem a matria-
-prima dos diversos escales do processo terico seguido neste
tex-
to, por um lado; e relativos ao estatuto dos textos dos clssicos
do
marxismo concernentes ao poltico, por outro.
No que diz respeito matria-pr ima, somo' levados a procur-
-Ia onde se encontra: nos textos dos clssicos do marxismo,
nos
textos polticos do movimento operrio, e nas obras
contemporneas
de cincia poltica. Fizemos, neste ltimo caso, uma primeira
esco-
lha, de acordo com o grau de seriedade destas obras; e,
digamo-Io
francamente, o carter marxista ou no-marxista dessas obras
de
modo algum constitui - no estado atual da investigao e no
que
diz respeito sua tomada em considerao como riatria-prima de
investigao - um critrio pertinente da sua seriedade ou
no-serie-
dade. Obras de cincia poltica, concernentes em particular ao
Es-
tado capitalista, em primeiro lugar em lngua francesa; dado
que
esta cincia est relativamente pouco desenvolvida na Frana,
re-
corremos com freqncia a obras em lngua inglesa - inglesas e
americanas - e em lngua alem. Obras relativamente
desconheci-
das na Frana; conhecido o provincianismo caracterstico da
vida
intelec tual francesa, da qual uma das caractersticas - e no a
me-
nor - consiste muitas vezes em arrombar portas abertas, isto ,
em
acreditar se renamente na originalidade de uma _produo
terica,
quando esta j se encontra muito mais elaborada em autores
es-
trangeiros. No entanto, tomamos essas obras em considerao
atra-
vs de um trabalho crtico acerca do seu mtodo e sobre a teoria
-
muitas vezes implcita - que as sustenta. Alm disso, estas
obras
4. Adotando a terminologia de Althusser (in Pour Marx), e
designando
por g.l (generalidades l) a
matria-prima
do processo do pensamento,
por
g.2
(generalidades II)
os instrumentos ou meios de trabalho
terico,
e por g.3 (generalidades lJI) os conhecimentos, pode
esquematizar-se a
ordem lgica que vai dos conceitos mais abstratos - relacionados
a obje-
tos forma.s-abetratos - aos conceitos mais concretos -
relacionados a
objetos reais-concretos e singulares - , e, em poucas palavras,
os diver-
sos escales necessrios do discurso _terico, do modo
seguinte:
Tomemos, como objeto, a teoria do poltico no modo de produo
capita-
lista.
18
contm por vezes, no estado de elementos cientficos em um
dis-
curso ideolgico, conceitos tericos autnticos que esse trabalho
cr-
tico nos permitiu depurar .
Quanto aos textos dos clssicos do marxismo, do ponto de
vista
do seu trat~m~nto c0 l l? informaes concernentes em particular
ao
Estado capitalista, fOI Igualmente necessr io complet-Ias e
subme-
t-Ias a um trabalho crtico particular. Devido ao carter no
siste-
mtico ~e~tes textos, as. informa?es que contm revelam-se por
ve-
zes
parcrais,
ou mesmo
inexatas,
a luz das informaes - histricas
polticas - que estamos
'altura de dispor atualmente. '
. A segunda srie de problemas diz respeito aos textos dos
cls-
SICOS
do n::arxismo, inclusivamente aos textos de Marx, Engels,
Lenin
~ Gramsci referentes ao t ra tamento propriamente terico do
pol-
tico. Com efeito, necessrio constatar antes de tudo - e isto
uma observao de carter geral - que eles no trataram a regio
do poltico ao ?:el ?a sistematicidade terica. Por outras
palavras:
pres?~ ao exercicto direto da sua prpria prt ica polt ica, no
fizeram
exphcItan~ente a respectiva teoria no sentido rigoroso do termo.
O
que, no fim de. contas, se encontra nas suas obras um corpo
orde-
nado de con.ceItos no estado prtico, quer dizer, presentes no
dis-
cur~? e destinados, p~la sua funo, a dirigir diretamente a
prtica
poltica em uma conjuntura concreta, mas no teoricamente
elabo-
r,a?os; ou ainda
elementos
de conhec imento terico da prtica po-
Itica e da superestrutura do Estado, i sto , conceitos
elaborados
mas no inseridos em um discurso terico sistemtico; quer,
final-
~lente, UI~a concepo
implcita
do poltico em geral na problem-
tica marxista, concepo que sustenta a produo dos seus
conceitos
com grande rigor, verdade, mas tambm de forma certamente
alea-
tria, caracterstica de todo o pensamento que no contemporneo
de. si, n:esmo, isto , que no sistematicamente explcito nos
seus
prmcipios.
Este, estado de coisas, que aqui se trata apenas de
constatar,
refere-se a ordem real do desenvolvimento - de fato - do
materia-
lism~ hstrico, que rio deve ,ser confundida com a ordem lgica
_
de direito - do processo teorico que acaba de ser exposto.
Esse
estado de coisas acarreta grandes dificuldades referentes
organiza-
o dos textos que iremos tomar em considerao.
a)
A primeira dificuldade diz respeito localizao da pro-
blemtica original do marxismo nas obras de Marx e de Engels.
Esta problemtica, que representa uma cesura em relao proble-
mtica das obras de juventude de Marx, desenha-se a partir da
19
-
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Ideologia Alem, texto de cesura que comporta ainda numerosas
ambigidades. Essa cesura significa precisamente que Marx se
tor-
nou ento marxista. Por conseqncia, no tomaremos de modo
algum em considerao, assinalemo-Io desde j, aquilo a que se
conveio chamar as obras de juventude de Marx, a no ser a ttulo
de
comparao crtica, isto , como ponto de referncia, sobretudo
para
descobrir a pista das sobrevivncias ideolgicas da
problemtica
de juventude nas obras de maturidade. Isto particularmente
im-
portante para a cincia poltica marxista, dado que, como se
sabe,
as obras de juventude esto particularmente orientadas no
sentido
da teoria poltica. Sobrevivncias , dissemos, mas o termo
fala-
cioso. De fato, as noes das obras de juventude que
encontramos
nas obras de maturidade tomam, neste novo contexto, um
sentido
di ferente, quer como pontos de referncia indicativos de
problemas
novos, quer como simples palavras encobrindo abusivamente
uma
forma nova de colocar as questes, quer como obstculos pro-
duo de conceitos novos: funcionamento
este
que trataremos de
elucidar. Alm disso, a referenciao da problemtica assume
igual-
mente importncia para outros autores, nomeadamente para Gramsci
,
cujas obras, a despeito das cesuras que nelas se encontram,
mani-
festam uma permanncia particular da problemt ica historici st
a.
b) Consideremos agora a obra terica maior do marxismo,
que O
Capital.
Que podemos extrair dele no que concerne em
particular ao estudo do poltico, nomeadamente do Estado
capita-
lista? O Capital contm, com efeito, entre outras coisas - mas
OU
limitar-me ao que principalmente nos interessa aqui -, por um
lado
um tratamento cientfico do modo de produo capitalista , da art
i-
culao e da combinao - da matriz - das instncias que o es-
pecifica; por outro lado, um tratamento terico sistemtico da
regio
econmica deste modo de produo. E isto no porque, como du-
rante muito tempo se pensou, nada de importante se passe nas
ou-
tras regies ou fosse secundrio o seu exame, mas porque -
como
veremos imediatamente - este modo de produo especificado por
uma autonomia caracterstica das suas instncias, passveis de
um
tratamento cientfico particular, e porque o econmico
desempenha
neste modo de produo, alm da determinao em ltima instncia,
o papel dominante. Assim, as outras instncias - o poltico, o
ideo-
lgico - esto sem nenhuma dvida presentes em O Capital - o
qual, neste sentido, no uma obra exclusivamente econmica -,
mas de algum modo indiretamente, isto , pelos seus efeitos na
re-
gio do econmico. Do mesmo modo que, em O Capital, no se
encontra uma teoria sistemtica da ideologia no modo de
produo
capitalista - no podendo as notas sobre o fetichismo
capitalista
2
pretender esse ttulo - no se encontra nele uma teoria do poltico
..
Esta presena indireta do poltico em O
Capital ser-nos-
mui to til
mas no nos poder levar muito longe. Encontramo-Ia tanto nos
desenvolvimentos tericos propriamente ditos de O Capital, como
nos
exemplos concretos que Marx neles invoca a ttulo de
ilustrao
desses desenvolvimentos: por exemplo, as passagens concernentes
ao
papel do Estado na acumulao primitiva do Capital ou na
legisla-
o sobre manufaturas na Inglaterra. Estas observaes so ilus-
traes da presena indireta do poltico no econmico - quer
dizer,
da teoria particular do M.P.C.
* -
e no se destinam a produzir
conceitos mais concretos destinados, por sua vez, a
conhecimentos
das formaes sociais - como o caso do 18 Brumrio.
c) Dispomos em seguida de uma srie de textos que se re-
portam, parcial ou inteiramente, ao objeto da cincia poltica na
sua
forma abstrata-formal - quer o Estado em geral, quer a luta
de
classes em geral, quer o Estado capitalista em geral -, tais
como
a
Crt ica do Programa de Gotha
ou
A Guerra Civil na Frana
de
Marx, o Anti-Dhring de Engels, O Estado e a Revoluo de
Lenin,
as
Notas sobre Maquiavel
de Gramsci. Estes textos so, no obs-
tante, textos de luta ideolgica; foram concebidos como
respostas
urgentes a ataques ou a deformaes da teoria marxista, e os
seus
.autores foram, por isso mesmo, obrigados a colocar-se
freqente-
mente no terreno ideolgico dos textos a refutar. Apesar disso,
estes
textos contm com freqncia conceitos autnticos, obliterados
em-
bora pela sua insero na ideologia, e que s atravs de todo um
traba lho crt ico podem ser descobertos.
d)
Debrucemo-nos, enfim, sobre os textos polticos propria-
mente ditos. Como ressalta do que precede, a sua organizao
muito complexa. Reportam-se em princpio a objetos
reais-concre-
tos, quer dizer, a formaes sociais, historicamente
determinadas,
por exemplo a Frana, a Alemanha e a Inglaterra em Marx e
Engels,
a Rssia em Lenin, a Itlia em Gramsci, em um momento determi-
nado do seu desenvolvimento. Em particular, estes textos
compor-
tam uma anlise concreta de uma situao concreta , nomeada-
mente da conjuntura dessas formaes. Neste sentido, contm
efe-
tivamente toda uma srie de conceitos mais concretos
concernentes
ao conhecimento dessa conjuntura. Isto, no entanto, no tudo:
devido ausncia de obras tericas sistemticas neste domnio,
es-
ses textos reportam-se ao mesmo tempo, em uma mesma exposio
discursiva no expl ici tada e anal isada, a obje tos
abstratos-formais,
* Modo de Produo Capitalista (N. T.).
21
-
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e relevam de uma concepo do poltico na teoria geral e de uma
teoria regional do poltico no modo de produo capitalista.
Este
fato indiscutvel muito importante. Com efeito, estas obras
pol-
t icas contm inclusive os conceitos mais abstratos, mas quer no
es-
tado prtico isto , sob uma forma que no est teoricamente
ela-
borada, quer sob uma forma mais ou menos elaborada, embora
em estado elementar, isto , inseridos em uma ordem discursiva
de
exposio, que no a sua na ordem lgica da investigao.
Damo-nos conta, assim, dos difceis problemas colocados por
estes textos em virtude da sua organizao. Sendo assim,
neces-
srio, ao l-Ios, colocar as questes pertinentes na ordem terica
do
processo de pensamento acima definido. Por outras palavras,
trata-
-se de remeter - atravs de uma elaborao, e no de uma mera
extrao - os diversos conceitos contidos 'nesses textos para o
lugar
que, de direito, lhes cabe no processo de pensamento, processo
este
que permite definir rigorosamente o grau de abstrao
respectivo,
isto , a sua extenso e os seus limites precisos: veremos assim
que,
por vezes, o seu campo no de modo nenhum aquele que os seus
autores pensavam atribuir-lhes. E, al is, evidente que, atravs
deste
trabalho, estes conceitos sofrero transformaes necessrias.
Em
suma, e exemplificando, tratar-se- de descobrir em que
medida
certos conceitos, que aparecem no estudo do poltico de uma
for-
mao social capitalista concreta, funcionam de fato -
devidamente
transformados ou no - no campo do poltico no modo de pro-
duo capitalista, e valem assim para as formaes sociais
capita-
listas em geral - rigorosamente, para todas as formaes
capitalis-
tas possveis - (assim, o conceito de bonapartismo, produzido
a
propsito da Frana de Louis Bonaparte e cujo campo
o tipo ca-
pitalista de Estado); ou em que medida certos conceitos,
expostos
nos textos concementes a formaes sociais diferentes, se
aplicam
ao modo de produo capitalista e s formaes sociais
capitalistas
(assim como o problema colocado pelos textos de Lenin sobre
a
frente nica ou o burocratismo na U. R. S . S. durante o perodo
de
transio para o socialismo); ou, ainda, em que medida alguns
des-
ses conceitos tm como campo o pol tico em geral; ou mesmo,
final-
mente, em que medida certos conceitos, a que os seus autores
atri-
buram como campo o poltico em geral, apenas tm de fato como
campo o poltico no modo de produo capitalista (assim como o
conceito de hegemonia de Gramsci, etc.) .
de resto intil insistir no fato de que, neste estado de
coisas,
nos defrontamos muitas vezes, quer com conceitos
contraditrios;
quer com simples palavras tomadas por conceitos pelos seus
autores,
22
mas que de fato apenas podem servir como indicadores de
proble-
mas; quer tambm - e forosamente - como noes ideolgicas.
4) Algumas notas breves com respeito ordem de exposio.
De fato, como Marx sublinhou, a ordem de exposio dos
conceitos
parte integrante de todo o discurso cientfico. A cincia um
discurso demonstrativo, no interior do qual a ordem de
exposio
e de apresentao dos conceitos depende das suas relaes neces-
srias, as quais necessrio evidenciar - essa ordem que liga
os
conceitos e atr ibui discursividade cientf ica o seu carter
sistem-
tico. Esta ordem de exposio distingue-se, por um lado, da
ordem
de investigao e de pesquisa mas tambm, por outro lado,e
o
que importa, da ordem lgica - de direito - do processo de
pen-
samento. Por outras palavras, se a sistemtica da ordem de
exposi-
o se relaciona ligao e s relaes dos conceitos no processo
de pensamento, esta primeira ordem no constitui nem o
percurso
nem a simples repetio da segunda - o que , de resto, ntido
no
plano de exposio de Marx para O Capital. A defasagem entre
as
duas ordens depende, no nosso caso, sobretudo do fato do
sistema
do processo de pensamento - que o objeto prprio do materia-
lismo dialtico - no poder estar explicitamente presente na
expo-
sio de um texto que se refere ao materialismo histrico,
devido
distino entre as duas disciplinas. 5
Se possvel, assim, descobrir no nosso texto uma ordem geral
de exposio, a concepo do poltico em geral, a teoria
particular
do modo de produo capitalista, a teoria regional do poltico
neste
modo de produo, o exame de formaes sociais capitalistas con-
cretas, a sua sistematicidade dever ser considerada segundo a
sua
prpria necessidade, e no segundo o seu grau de reproduo do
processo de pensamento. Manifestar-se-o defasagens entre as
duas,
nomeadamente no que se refere teoria geral do materialismo
his-
trico, cujos conceitos sero introduzidos de acordo com e
,medi~a
da necessidade da ordem de exposio de um texto referente a
teona
regional do poltico no modo de produo capitalista.
Igualmente
se manifestaro defasagens na apresentao da teoria particular
deste
modo de produo, a qual, dado o objeto deste texto, dever j
estar presente no exame da concepo geral do poltico. Alis;
preciso no ignorar o fato de que estas defasagens so
igualmente
decorrentes do estado atual das investigaes, quer dizer, da
conjun-
tura terica do materialismo histrico, o qual, pelo menos no
que
conceme teoria geral e s teorias particulares, est ainda longe
de
uma elaborao sistemtica satisfatria.
5. Ver tambm, neste sentido, A. Badiou : Le recommencement du
ma-
trialisme dialectique, in C?'itique, maio, 1967.
-
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5) Estas dificuldades levaram-me a tomar, neste texto, algu-
mas precaues indispensveis. Em particular, as anlises
referentes
ao poltico na teoria geral no aspiram seno a uma
sistematicidade
relat iva e de modo algum poderiam ser consideradas exaustivas.
In-
sisto, com efeito, em marcar as minhas reservas a respeito de
uma
tendncia demasiado em voga atualmente, e acerca da qual se
pode
dizer que pe o carro frente dos bois , na medida em que con-
funde a ordem de pesquisa e de investigao com a ordem lgica
do
processo de pensamento, e em que sistematiza - no vazio - a
teoria
geral, antes de proceder a suficientes pesquisas concretas,
justamente
aquilo contra o que Marx nos preveniu. Nesta ocorrncia,
pareceu-
-me particularmente ilusrio e perigoso - teoricamente,
entenda-se
- avanar mais 'na sistematizao do poltico na teoria geral,
na
medida em que atualmente h falta de suficientes teorias
sistemticas
regionais do poltico nos diversos modos de produo, ou mesmo
de suficientes teorias sistemticas part iculares dos diversos
modos
de produo.
Se verdade que nos concentramos aqui sobre a teoria regional
do poltico no modo de produo capitalista, igualmente tomamos
em considerao, no apenas na pesquisa mas tambm na exposio,
formaes sociais capitalistas concretas. Esta tomada em
conside-
rao na exposio operou-se a dois t tulos dist intos: quer a
ttulo
de ilustrao da teoria regional, quer a ttulo de produo de
con-
ceitos concretos, que conduzem a conhecimentos da conjuntura
po-
ltica destas formaes. Se de um ou de outro que se trata,
isso
ressaltar nitidamente do contexto.
De igual modo, e com conhecimento de causa, deixamos pro-
blemas em aberto: assim, tendo embora fixado ou estabelecido
os
conceitos que funcionam no campo do polt ico do modo de
produo
capitalista, e conseqentemente, das formaes sociais
capitalistas,
ou ainda, do polt ico de formaes capital istas concretas, no
quise-
mos entrar no exame das possibilidades do deslocamento, ou
das
torses e transformaes destes conceitos em outros modos de
pro-
duo e formaes sociais, nomeadamente em uma formao em
transio para o socialismo, ou no modo de produo e em uma
for-
mao socialista . Por outras palavras, se tentamos situar
exatamen-
te os conceitos na ordem do processo de pensamento, isso foi
feito
sempre em funo dos limites do objeto do texto. Mas, deixar o
problema em aberto no apenas uma precauo decorrente do es-
tado da pesquisa; decorre tambm da tomada de posio terica
que
consiste na referenciao de uma dificuldade - terica - que
mui-
tas vezes se tende a escamotear: a da especificidade da regio
do
poltico consoante os modos de produo e as formaes sociais
consideradas.
24
,.I
j
,
6) Necessitamos, por fim, de definir certos conceitos suple-
mentares da teoria geral do materialismo histrico e situar o
quadro
da teoria part icular do modo de produo capitalista (que
doravante
designaremos pelas iniciais M.P.C.). Estas definies e notas
sero
a seguir justificadas no prprio corpo do texto.
Assinalamos acima que a matriz de um modo de produo, a
art iculao das instncias que o especifica, determinada em
ltima
instncia pelo econmico. Ora, como que esta determinao fun-
ciona em geral, e no M.P.C. em particular?
Tal como toda a instncia, o econmico em geral constitudo
por certos elementos - invariantes - 9.ue, de f~~o, s existem
na
sua combinao - varivel. Marx assinala-o nit idamente quando
diz: 6
Quaisquer que sejam as formas socia~s da produ~, os seus
fatores so sempre os trabalhadores e os meios de produao
(Marx
acrescenta seguidamente o no-trabalhador). Mas, tanto uns
como
outros apenas o so virtualmente, e?quanto /Rermanecerem
~epa:a-
dos. Para uma produo qualquer, e necessana a sua com~m~ao.
:
a forma especial como esta combinao se opera que distingue
as diferentes pocas econmicas por que passou a est~tur~
socia~'.
Se, por conseguinte, se trata realmente de uma combinao e
nao
de uma combinatria, porque as relaes entre os elementos
deter-
minam a sua prpria natureza, a qual modificada conforme a
combinao. 7
Os elementos invariantes do econmico em geral so os se-
guintes:
1 - O trabalhador - o produtor direto - isto , a fora
de trabalho;
2 - Os meios de produo, isto , o objeto e os meios de
trabalho;
3 - O no trabalhador, que se apropria do excedente de tra-
balho, isto , do produto.
Estes elementos existem em uma combinao especfica, a qual
constitui o econmico em um dado modo de produo, combinao
esta que por sua vez composta por uma dupla relao desses
elementos.
6. Le Capital (Editions Sociales), L. 1, t. I, pg. 38.
7. Ver, a este respeito, Balibar, in Lire le Capital, t. II e
Ch. Bettelheim,
La transition vers l'conomie socialiste, 1967. Devo assinalar,
entretanto,
que me limito a expor aqui as relaes econmicas e a sua combinao
na
sua forma ma1'Ssimples. Bettelheim, no seu curso intitulado Le
Cal~ul
co-
nomique social, 1967 (redigido mas ainda indito) que teve a
gentileza de
me comunicar e que de uma importncia deciswa, demonstra de
for:na
pertinente a complexidade (o duplo aspecto) que revestem estas
relaes
e a sua combinao.
25
-
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1) Uma relao de apropriao real (s vezes designada por
Marx pelo termo de posse): aplica-se relao entre o trabalha-
dor e os meios de produo (isto , ao processo de trabalho),
ou
ainda ao sistema das foras produtivas.
2) Uma relao de propriedade: relao distinta da primeira,
uma vez que implica a interveno do no-trabalhador como pro-
prietrio, quer dos meios de produo, quer da fora de
trabalho,
quer de ambos, e conseqentemente do produto.
esta relao que
define as relaes de produo propriamente ditas.
Estas duas relaes (de apropriao real e de propriedade) so
distintas, e podem, consoante a sua combinao, tomar formas
di-
ferentes. No que concerne relao de propriedade, notemos que
pertence estritamente
regio do econmico e que preciso distin-
gui-la nitidamente das formas iurid.cas que reveste - da
propriedade
jurdica. Nas sociedades divididas em classes, esta relao de
pro-
priedade instaura sempre uma separao entre o trabalhador e
os
meios de trabalho - propriedade do no-trabalhador, o qual,
como
proprietrio, se apropria do excedente de trabalho.
Em contrapartida, no que concerne relao de apropriao
real, ela pode instaurar, nas sociedades divididas em classes,
quer
uma unio do trabalhador e dos meios de produo - o caso dos
modos de produo pr-capita1istas ; quer uma separao entre os
trabalhadores e esses meios - caso do M.P.C. -, separao essa
que
intervm
no estgio da grande indstria, e que Marx designa
pela expresso de separao entre o produtor direto e as suas
con-
dies naturais de trabalho .
Estas duas relaes pertencem, pois, a uma combinao nica
- varivel - que constitui o econmico em um modo de produo:
a combinao entre o sistema das foras produtivas e o sistema
das
relaes de produo. A combinao caracterstica do M.P.C. con-
siste em uma homologia das duas relaes: a separao na relao
de propriedade coincide com a separao na relao de apropriao
real; a dos modos pr-capitalistas de produo consiste em uma
no-homologia das duas relaes: separao na relao de proprie-
dade, unio na relao de apropriao real. 8
A determinao, em ltima instncia pelo econmico, de um
modo de produao, da artIculaao e do ndIce de dommncIa das
suas instncIas, depende precIsamente das formas que a
combinao
assinalada assume. Marx indica-o, de uma forma geral, nos
dois
textos seguintes de O Capital: A forma
economica
especfica, na
qual extorquido excedente de trabalho no-remunerado aos pro-
dutores diretos, determina a relao de dependncia (poltica)
tal
como decorre diretamente da prpria produo, e reage por sua
vez
sobre ela de forma determinante;
a base de toda a forma de co-
munidade econmica sada diretamente das relaes de produo, e,
ao mesmo tempo, a base da sua forma poltica especfica.
sempre
na relao imediata entre o proprietrio dos meios de produo e
o
produtor direto que preciso procurar o segredo mais profundo,
o
fundamento oculto do edifcio social e, conseqentemente, da
forma
poltica assumida pela relao de soberania e de dependncia, em
suma a base da forma especfica que o Estado reveste em um
dado
perodo ... . 9 Esta combinao - o econmico - determina igual-
mente a instncia que, em um modo de produo, assume o papel
dominante. Vejamos como Marx responde s objees que lhe fo-
ram feitas: Segundo estas objees, a minha opinio de que o
mo-
do de produo da vida material domina em geral o desenvolvi-
mento da vida social , pol tica, intelectual, justa para o
mundo
moderno, dominado pelos interesses materiais, mas no para a
Idade
Mdia, onde reinava o catolicismo, nem para Atenas ou Roma,
onde
reinava a poltica . .. O que claro que nem a primeira poderia
viver
do catolicismo nem a segunda da poltica. As condies
econmicas
de ento explicam, pelo contrrio, por que razo em uma o cato-
licismo, em outra a poltica desempenhavam o papel principal
...
10.
Ora, se verdade que Marx faz nas suas obras uma anlise
especfica dos efeitos da combinao que caracteriza o econmico
do M.P.C. - homologia das duas relaes, uma vez que existe
se-
parao nas duas - sobre a matriz deste modo, se constitui
assim
uma teoria particular ,do M.P.,C., no faz contudo, a teoria
daquilo
que designa como modos de produo pr-capitalistas ou formas
que precedem a produo capitalista. Por outras palavras, Marx
no constitui teorias particulares destes outros modos de
produo,
. especificados - segundo ele - por formas diferenciais de
uma
combinao de no-homologia entre as duas relaes - separao
na relao de propriedade, mas unio na relao de apropriao
real. S examina esses outros modos de produo segundo duas
ticas precisas: por um lado, enquanto simples ilustraes da
sua
tese geral, segundo a qual todo o edifcio social repousa sobre
for-
mas diferenciais desta combinao (deste ponto de vista, as
suas
anlises apenas contm indicaes tericas); por outro lado,
enquan-
8. Homologia/no-homologia: no confundir com correeporuinciaf
no-
-correepondncia (que encontraremos no caso da
transio),
uma vez que
uma combinao de no-homologia pode perfeitamente consistir em
uma
correspondncia das duas relaes. Sobre o que est recoberto pelo
termo
metafrico de homologia (que emprego falta de melhor e que fui
busca'
a Balibar), ver Bettelheim, op. cito
9. Le Capital, L. 3,
t.
III, p. 171.
10. Le Capital, L. 1, t. I, p. 93 (nota).
26
27
-
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to pontos de comparao descritivos com o M.P.C., isto , com a
finalidade de mostrar as analogias formais dos modos de
produo
( pr-capitalistas) que repousam sobre uma combinao de no-
-homologia e esto situados em relao a um modo (capitalista)
que repousa sobre uma combinao radicalmente diferente - de
homologia. Havemos de voltar a esta importante questo;
notemos,
no entanto, desde j, que este tratamento - por Marx, ---< dos
outros
modos de produo, se por um lado contribui para evidenciar
com
nitidez os traos part iculares do M.P.C., contm por outro
graves
ambigidades: no s porque este tratamento foi muitas vezes
con-
siderado como o que ele no
(quer dizer, como um exame siste-
mtico das teorias particulares dos outros modos de produo),
mas
tambm porque, atravs deste tratamento analgico no
explicitado,
Marx chegou por vezes a fazer idias realmente mticas acerca
destes modos de produo.
Esta autonomia tem conseqncias tericas no objeto do nosso
trabalho: toma possvel uma teoria regional - em sentido
rigoroso
- de uma instncia deste modo de produo, por exemplo, do
Estado capitalista; permite a constituio do poltico como
objeto
de cincia autnoma e especfica - como sabemos, Marx mostrou-o
em O Capital a propsito do econmico e da cincia econmica.
A rigor, esta autonomia legitima a ausncia - em uma exposio
discursiva concernente a uma instncia do M.P.C. - das
teorias
concernentes s suas outras instncias.
Consideremos resumidamente os textos de Marx, tendo em con-
ta estas observaes. Que se passa nos modos de produo - pr
-capitalistas - em que a relao de apropriao real caracteri-
zada pela unio entre o produtor direto e os meios de produo?
Em todas as formas em que o trabalhador imediato permanece
possuidor dos meios de produo e dos meios de trabalho ... ,
a
relao de propriedade vai fatalmente manifestar-se
simultaneamente
como uma relao (poltica) entre senhor e servo; o produtor
ame-
diato no portanto livre: mas esta servido pode atenuar-se,
desde
a servido com obrigao de corvia at ao pagamento de um sim-
ples foro. .. Nestas condies, so necessrias razes
extra-econ-
micas, qualquer que seja a sua natureza, para os obrigar a
efetuar
trabalho por conta do proprietrio titular das terras... So,
por-
tanto, absolutamente necessrias relaes pessoais de
dependncia,
uma privao de liberdade pessoal. .. em suma, necessria a
ser-
vidona plena acepo da palavra ... .
11
Marx ir at mesmo di-
zer que, nestes casos, a relao poltica entre senhor e servo,
uma parte essencial da relao de apropriao
12 -
relao esta
pertencente combinao econmica.
Nos Fundamentos da Crtica da Economia Poltica - e no
Capital, no que concerne ao modo de produo feudal - Marx vai
ainda mais longe, fornecendo-nos indicaes acerca do poltico
nos
diversos modos de produo pr-capitalistas . As suas anlises
so
interessantes por duas razes:
a) Marx relaciona as diferentes formas polticas destes modos
com a combinao que especifica o econmico em cada modo. No
entanto, estes modos tm em comum o fato de que a relao de
apropriao real reveste essencialmente uma forma invariante:
unio
entre o produtor direto e os meios de produo. As formas
espec-
ficas que o processo de trabalho reveste nestes modos, e que
deter-
minam as formas especficas de propriedade (econmica) , so
apreendidas como variaes nos limites desta invariante.
7) Vejamos o problema mais de perto, tomando esquematica-
mente em considerao apenas as instncias econmica e poltica
(particularmente as do Estado), e deixando provisoriamente de
lado
a instncia do ideolgico, Marx estabelece, tanto nos
Fundamentos
da Crt ica da Economia Polt ica (os Grundrisse zur Krit ik der
politi -
schen Oekonomie) - em particular na parte intitulada Formas
que
precedem a produo capitalista - como em O Capital, as ca-
ractersticas seguintes da matriz do M.P.C.:
1) A articulao do econmico e do poltico neste modo de
produo caracterizada por uma autonomia (relativa) especfica
destas duas instncias.
2) O econmico desempenha, neste modo, no apenas a de-
terminao em ltima instncia, mas igualmente o papel
dominante.
Marx
deduz
a primeira caracterstica pela oposio do M.P.C.
aos modos pr-capitalistas : estes apresentariam, em relao ao
M.P.C., o que ele designa
C01?10
miscigenao , ou relaes or-
gnicas e naturais (expressas por
vezes
pelo termo de SImul-
tneas ), entre o econmico e o poltico.
preciso, repitamo-lo
mais uma vez, no tomar estas observaes letra, o que muitas
vezes se fez e que conduziu a toda uma mitologia marxista, a
res-
peito, por exemplo, do modo de produo feudal. Podemos em
compensao estabelecer, no plano cientfico, que o M.P.C.
espe-
cif icado por uma autonomia caracterstica do econmico e do
pol-
. tico, a qual estabelece uma diferena radical das suas relaes,
em
comparao com as que mantm nos outros modos de produo (o
que, de fato, no quer dizer que, nos outros modos, estas
instncias
no possuam uma autonomia relativa, mas antes que esta
reveste
formas diferentes) .
11. Le Capital, L. 3, t. lIl , pp. 171-172.
12. F'ondements ..., p. 154. Cito este texto a partir da edio
alem de
Rowohlt: Karl Marx, Texte zur Meihode und Praxie, t. lIl.
28
29
-
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b) Marx atribui a analogia das relaes entre o economico
e o poltico nestes modos a esta caracterstica comum das suas
com-
binaes econmicas. Esta analogia particularmente apreendida
da
seguinte maneira: ao contrrio do M.P.C., a insero do
trabalhador
e do no-trabalhador em uma comunidade (entendida esta, no
caso
das sociedades divididas em classes, no sentido de comunidade
pol-
tica, de forma de relaes polticas) um pressuposto da sua
inser-
o nas relaes de apropriao real - ou de posse - e de
propriedade. A suposta miscigenao do econmico e do pol tico
catalogada enquanto pol tico pressuposto do econmico . As-
sim, no caso dos modos pr-capitalistas , a atitude face
terra
como propriedade do indivduo ... , s ignifica que um homem
aparece
desde o incio como algo mais que a abstrao do i ndivduo tra-
balhador ; que ele tem um modo objetivo de existncia na sua
pro-
priedade da terra que constitui o pressuposto da sua atividade e
no
surge como mera conseqncia dela: um pressuposto da sua
ativi-
dade do mesmo modo que a sua pele, os seus sentidos. ..
Aquilo
que constitui a mediao desta atitude . .. a existncia do
indiv-
duo como membro de uma comunidade . 13.
No caso do modo de produo asitico, em que de fato se trata
de uma propriedade da terra por parte de pequenas comunidades
-
relao de propriedade -, mas que assume a forma de posse
here-
ditria da terra por estas comunidades - relao de apropriao
real -: a unidade que compreende as outras (as pequenas
comu-
nidades), e que se encontra acima de todos estes pequenos
organis-
mos comunais, pode surgir com os seus possuidores hereditrios
...
Por isso perfeitamente possvel que esta unidade surja como
algo
de superior e separado das numerosas comunidades part iculares
...
Uma parte do excedente de trabalho pertence comunidade superior
,
que, em ltima anlise, surge como uma pessoa. .. O dspota
surge
aqui como o pai de todas as numerosas comunidades
particulares,
como realizando a unidade comum de todas .
14
No modo de produo antigo,
*
t rata-se de uma coexistncia
de propriedade de Estado e de propriedade privada: Ser
membro
da comunidade continua a ser um pressuposto para a apropriao
da terra, mas na sua capacidade como membro da comunidade o
indivduo um proprietrio privado... . O fato de lhe
pertencerem
as condies naturais do seu trabalho mediatizado pela sua
exis-
tncia como membro do Estado, pela existncia do Estado como
um
pressuposto considerado como divino ...
15
13. F'ondemente ..., op. cit., p.
138.
14. Ibid.,
p. 132.
*
Isto , da Antigidade Clssica (N. T.).
15. Ibid.,
p. 133.
30
No que Marx designa como forma germamca de produo e
de propriedade, trata-se de uma coexistncia de propriedade
comu-
nal e de propriedade privada: Entre os Germanos, em que
famlias
isoladas se instalam nas florestas, separadas por longas
distncias,
de um ponto de vista externo a comunidade existe simplesmente
em
virtude de cada ato de unio dos seus membros,
se bem que a unidade
destes exista em si, instaurada pela hereditariedade... A
comuni-
dade aparece assim como uma associao, e no como unio; como
um acordo, cujos sujei tos independentes so os proprietrios da
ter-
ra, e no como unidade. Efetivamente, a comunidade no tem por
isso diretamente uma existncia como Estado, como entidade
pol-
tica, tal como acontecia entre os antigos... Para que as
comuni-
dades adquiram uma existncia real, os proprietrios da terra
tm
de realizar uma assemblia, ao passo que a comunidade existente
em
Roma independente destas assemblias .. . .
16
Finalmente, no que diz respeito ao modo de produo feudal:
Em vez do homem independente, encontramos aqui toda a gente
dependente, servos e senhores, vassalos e suzeranos, laicos e
cl-
rigos. Esta dependncia caracteriza tanto as relaes de produo
materiais quanto todas as outras esferas da vida, s quais serve
de
fundamento .
17
No M.P.C., em contrapartida, assistimos a uma combinao de
homologia entre a relao de propriedade e a relao de
apropria-
o real. Esta homologia instaura-se graas separao entre pro-
dutor direto e meios de produo na segunda relao - o que
Marx 'designa como separao entre o produtor direto e as suas
condies naturais de trabalho - e que intervm no estgio da
gran-
de indstria.
nomeadamente desta separao, a qual faz do prprio
trabalhador um elemento do capital e do trabalho uma
mercadoria,
16. Ibid.,
p. 130.
17. Le Capital,
L. 1, t. I, p. 85. Se tivermos em conta o fato de que:
a) O modo de produo um conceito que implica na presena de
todas
as instncias sociais; b) o modo de produo feudal no apresenta
a
mesma autonomia de instncias que o M.P.C.; e c) O poltico
assume
muitas vezes o papel dominante no modo de produo feudal;
podemos
fundamentar a legitimidade da designao por Marx deste modo
de
produo como
feudal.
Efetivamente - como j muitas vezes fizemos
notar -, esta designao refere-se sobretudo s relaes polt icas
deste
modo feudal . (Sobre este assunto,
J.
Marquet, Une Hypothse pour
l ' tude des soci ts africanes , in
Cahiers d'tudes Afr:'cains,
6, 1961;
M. Rodinson, Islam et capitalisme, 1966, p. 66 e segs., etc.) O
que, em
contrapartida, cria problema, a representao que Marx fazia
des-
tas relaes polticas feudais: tomada ao p da letra, ela
conduziria
a excluir do modo de produo feudal formaes sociais com base
na
servido, mas cujas relaes polticas no cor respondem a essa
repre-
sentao.
31
-
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que decorre o carter do econOIDICOdeste modo como processo
de
produo da mais-valia. Esta combinao determina uma autonomia
especfica do poltico e do econmico, que Marx apreende nas
suas
duas manifestaes. Por um lado, nos seus efeitos sobre o
econ-
mico: por exemplo, o processo de produo no M.P.C. funciona
de
forma relativamente autnoma, no havendo necessidade de
inter-
veno, caracterstica para os outros modos de produo, de ra-
zes extra-econmicas; o processo de reproduo alargada - .como
Rosa Luxemburgo o fez justamente notar - principalmente
deter-
minado pela razo econmica de produo da mais-valia; as crises
puramente econmicas surgem, etc. Por outro lado, Marx
apreende
essa autonomia nos seus efeitos sobre o Estado capitalista.
Esta combinao especfica do econmico do M.P.C. - como
determinao em ltima instncia -, atribui igualmente ao
econmico
o papel dominante neste modo de produo. Isto - como sabemos
- foi estabelecido tanto pelas anlises de Marx em O Capital
a
respeito deste modo como pelas suas observaes comparativas a
respeito de outros modos de produo em que o papel dominante
incumbe ao pol tico ou ao ideolgico.
Esta introduo permitiu-nos definir o objeto e o mtodo deste
ensaio, assim como a teoria que sustenta a pesquisa e a
exposio.
Permitiu-nos igualmente definir certos conceitos fundamentais e
es-
tabelecer assim o quadro terico do texto que se segue. Estas
ob-
servaes introdutrias encontraro a a sua justificao.
32
, I
I
I
QUESTES GERAIS
-
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1. SOBRE O CONCEITO DE POLlTICO
I. Poltica e Histria - O Poltico e a Poltica
J dispomos de um nmero suficiente de elementos para tentar
descrever o conceito de poltico em Marx, Engels e Lenin, e as
suas
relaes com a problemtica do Estado. : , contudo, necessrio
fazer
duas observaes prvias:
1) Tentaremos, neste captulo, enunciar os problemas da
teoria marxista geral acerca do Estado e da luta poltica de
alasses.
Este captulo, que diz sobretudo respeito ao problema geral do
Es-
tado, precede na ordem da exposio o captulo sobre as classes
sociais e a luta de classes. E no fazemos isto por acaso: no
porque, evidentemente, se possa compreender, na ordem lgica,
um
exame do Estado sem referncia direta e conjunta luta de
classes,
ou que esta ordem de apresentao corresponda a uma ordem
hist-
rica de existncia do Estado antes da diviso da sociedade em
clas-
ses, mas porque as classes sociais constituem o efeito, veremos
em
que sentido, exatamente, de certos nveis de estruturas, das
quais o
Estado faz parte.
2) J introduzimos a distino entre a superestrutura jurdico-
-poltica do Estado, aquilo que podemos designar como o
poltico,
e as prticas polticas de classe - luta poltica de classe -
aquilo
que podemos designar como a poltica. Devemos contudo ter em
vista que esta dist ino ser esclarecida no captulo seguinte
acerca
das classes sociais, onde ser possvel fundamentar a distino e
a
relao entre as estruturas, por um lado, e as prticas de classe,
ou
seja, o campo da luta de classe, por outro.
O problema do poltico e da poltica est ligado, em Marx,
Engels e Lenin, ao problema da histria. Com efeito, a posio
marxista a este respeito decorre das duas proposies
fundamentais
de Marx e Engels no Manifesto Comunista, segundo as quais:
a)
1 fT
oda a luta de classes uma luta pol tica
e
b) A
luta de classes
o motor da histria. Torna-se ntido que podemos fazer uma
primeira leitura, de tipo historicista, da relao entre estas
duas pro-
posies. Esta leitura pressupe, no fim de contas, o tipo
hegeliano
de totalidade e de histria : trata-se, em primeiro lugar, de
um
tipo de totalidade simples e circular, composta de elementos
equi-
valentes, que se distingue radicalmente da estrutura complexa
com
35
-
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19/178
valor de dominante que especifica o tipo marxista de unidade;
tra-
ta-se, em segundo lugar, de um tipo linear de historicidade,
cuja
evoluo est desde logo contida na origem do conceito, sendo o
processo histr ico identificado como o devir do
autodesenvolvimento
da Idia. Nesta totalidade , a especificidade dos diversos
elemen-
tos em questo reduzida a este princpio de unidade simples
que
o Conceito, de que eles constituem a objetivao; a histria
re-
duzida a um devir simples, cujo princpio de desenvolvimento
a
passagem dialtica da essncia existncia do conceito.
Portanto, pode efetivamente fazer-se uma leitura histor icis ta
das
proposies marxistas que acabamos de citar. Qual seria o
resul-
tado? Ficariam ento compreendidos no domnio do poltico
no
um nvel estrutural particular e uma prtica especfica,
mas em geral
o aspecto dinmico - diacrnico de todo o elemento pertencente
a qualquer nvel de estruturas ou prticas de uma formao
social.
Sendo o marxismo, para o historicismo, uma cincia gentica do
devir em geral, sendo a poltica o motor da histria, aquele
ficaria
sendo em ltima anlise uma cincia da poltica - ou seja, uma
cincia da revoluo - identificada com este devir unilinear
sim-
ples, do que decorrem vrias conseqncias:
a)
uma identificao
da poltica e da histria; b) o que se pode designar como a
sobre-
politizao dos diversos nveis das estruturas e das prticas
sociais,
cuja especificidade, autonomia relativa e eficcia prpria seriam
re-
duzidas ao seu aspecto dinmico-histrico-poltico. O poltico
cons-
tituiria aqui o
centro,
ou o denominador comum e simples, tanto da
sua unidade (totalidade) como do seu desenvolvimento:
exemplo
part icularmente manifesto deste resultado, a famosa
sobrepolitizao
do nvel terico que conduz ao esquema cincia burguesa -
cincia
proletria ; c) uma abolio da prpria especificidade do
poltico,
a sua decomposio em todo o elemento indistinto que viesse
rom-
per o equilbrio da relao de foras de uma formao. Estas con-
seqncias tm como resultado tornar suprfluo o estudo terico
das
estruturas do poltico e da prtica poltica, o que conduz
inva-
riante ideolgica voluntarismo-economicismo, s diversas formas
de
revisionismo, de reformismo, de espontanesmo, etc.
Resumindo, o poltico, em uma concepo historicista do mar-
xismo, desempenha o papel que, afinal de contas, assume o
Con-
ceito em Hegel, No me ocuparei aqui das formas concretas que
esta problemtica reveste. Apresentarei apenas duas citaes, a
fim
de situar o problema.
Uma extrada de Gramsci, cujas anlises polticas, ainda va-
liosas, so muitas vezes afetadas pelo historicismo de Croce e
La-
briola. Esta ilustra as conseqncias assinaladas: A primeira
ques-
36
to a colocar e a resolver em uma exposio sobre Maquiavel a
questo
do p,o tico como cincia autnoma, quer dizer, do lugar que
a CIenCIa poltica ocupa ou deve ocupar em uma concepo do
mun-
do sistemti~a ... , em uma filosofia da prxis. O progresso, a
que,
a e~~e r.espelt~,. Croce o?rigou aos estudos sobre Maquiavel e
sobre
a ciencra poltica, consi ste sobretudo... no fato de ter
dissipado
uma srie de falsos problemas, inexistentes ou mal formulados.
Croce
baseou-se na distino entre os momentos do esprito e na
afirma-
o de um momento da prtica, de um esprito prtico, autnomo
e independente, embora ligado circularmente a toda a realidade
pela
dialtica dos distintos. Em uma filosofia da prxis, a distino
no
ser certamente entre os momentos do Esprito absoluto, mas
antes
entre os graus da superestrutura e tratar-se- assim de
estabelecer
a posio dialtica da atividade poltica (e da cincia
corresponden-
te) como grau determinado da superestrutura: podemos dizer, a
t-
tulo de primeira indicao e de aproximao, que a atividade
poltica
precisamente o primeiro momento ou primeiro grau, o momento
em que a superestrutura est ainda na fase de simples afirmao
voluntria, indist inta e elementar .
Em que sentido se poder esta-
belecer uma identidade entre a poltica e a histria, e, por
conse-
guinte, entre o conjunto da vida e a poltica? Como se poder
con-
ceber, neste caso, todo o sistema de superestruturas como
distin-
es da poltica, e como se justificar ento a introduo do
conceito
em uma filosofia da prxis? .. Conceito de bloco histrico ,
isto
, unidade entre estrutura e superestrutura, unidade dos
contrrios
e dos distintos ... . 1
Vemos desde j manifestarem-se, nesta citao de Gramsci,
as conseqncias assinaladas do historicismo, que aqui conduzem
_
como foi, de resto, o caso do esquerdismo terico dos anos
vinte
(Lukcs, Korsch,etc.) - a uma sobrepolitizao de carter volun-
tarista, que corresponde simetricamente ao economismo na
mesma
problemtica.
2
A minha segunda citao extrada de T. Parsons, mestre da
tendncia funcionali sta da soc iologia atual , tendncia a que
vol ta-
remos demoradamente, na medida em que, influenciada pelo
histo-
ricismo de Max Weber, ela orienta as anlises da cincia
poltica
moderna 3, e acerca da qual interessante constatar que,
devido
1. Este texto citado conforme s Oeuvres choisies, das Ed.
Sociales
(p. 1967 e segs.). Acerca da identificao, em Gramsci, da cincia
e
da filosofia da prxis com a pol tica, ver
Il materialismo storico e
10 ,
filosofia di B. Croce, Einaudi, p. 117 e segs., e Note sul
Mach/aoeli, sul-
Ia polit ica e sullo Stato moderno, Einaudi, p. 79 e segs., 142
e segs.
2. Sobre este assunto, remeto para as anlises de Althusser em
Lire le
Capital, 1965, t. lI.
8. The Social System, Glencoe, 1951, p. 126 e segs.
37
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precisamente aos seus princpios tericos comuns com o
historicismo
marxista, conduz a resultados anlogos a respeito do poltico e
da
poltica: .. . no poderamos abordar o estudo da poltica
apoian-
do-nos numa concepo terica restrita a este problema, pela
sim-
ples razo de que a poltica constitui um centro de integrao
de
todos os elementos analt icos do sistema social, e porque ela
prpria
no poderia ser reconhecida como um desses elementos parti-
culares .
4
Veremos seguidamente que Q funcionalismo constitui, de fato,
no plano epistemolgico, a continuidade direta da concepo
histo-
ricista geral; evidente a reduo do poltico gue da decorre,
tor-
nando-se este, alis, enquanto princpio simples da totalidade
social,
o princpio do seu desenvolvimento, na perspectiva
sincronia-diacro-
nia gue caracteriza o funcionalismo.
Em uma concepo anti-historicista da problemtica original do
marxismo, devemos situar o poltico na estrutura de uma
formao
social, por um lado, enquanto nvel especfico, por outro,
contudo,
enquanto nvel crucial em que se refletem e se condensam as
con-
tradies de uma formao, a fim de compreender exatamente o
carter anti-historicista da proposio segundo a qual a luta
po-
ltica de classes que constitui o motor da histria.
Comecemos por este ltimo ponto, posto em evidncia por AI-
thusser. Althusser demonstrou - como nos lembramos - que,
para
o marxismo, no um tipo universal e ontolgico de histria, um
princpio de gnese, referido e a um sujeito, que consti tui o
princpio.
de inteligibilidade do processo de transformao das sociedades,
mas
antes o conceito teoricamente construdo de um dado modo de
pro-
duo enquanto todo-complexo-com-dominante. . a partir deste
conceito, que nos determinado pelo materialismo histrico,
que
se pode construir o conceito de histria, em nada se referindo a
um
devir linear simples. Os nveis de estruturas e de prticas,
exata-
mente do mesmo modo que apresentam, no interior da unidade
de
um modo de produo e de uma formao social historicamente de-
4. Com efeito, esta corrente no s diretamente se filia no
historicismo,
como tambm se apresenta - atravs da importncia que assume-
como a alternativa ao marxismo, tal como W. Runciman o assinala
no
seu excelente livro Social Science and Political Theory, 1965,
(p. 109):
...Em cincia poltica s existe, de fato
exceo do marxismo, um ni-
co candidato srio a uma teoria geral da sociedade... Os seus
partid-
rios declaram que existe uma srie alternativa de proposies
gerais
que fornecem uma melhor explicao do comportamento polt ico que
o
marxismo ... Trata-se do funcionalismo : ou ainda (p. 122):
Subsiste o
fato de que certa espcie de funcionalismo a nica alternativa
corren-
te ao marxismo como base de uma teoria geral em cincia poltica
.
38
terminada, uma especificidade prpria, uma autonomia relativa
e
uma eficcia particular, apresentam tambm temporalidades com
ritmos e escanses diferenciais. 5 Os diversos nveis de uma
forma-
o social so caracterizados por um desenvolvimento desigual,
trao
essencial da relao destas temporalidades diferenciais na
estrutura,
por defasagens que so o fundamento da intel igibilidade de uma
for-
mao e do seu desenvolvimento. Nesta medida, as transformaes
de uma formao e a transio so apreendidas pelo conceito de
uma histria com temporalidades diferenciais.
Tentemos determinar o lugar que cabe, neste contexto, ao po-
ltico, e particularmente
prtica poltica. O conceito de prtica
assume aqui o sentido de um trabalho de transformao sobre um
objeto (matria-prima) determinado, cujo resultado a produo
de algo de novo (o produto) que constitui freqentemente, ou
pelo
menos pode constituir, uma cesura com os elementos j
determinados
do objeto. Ora, qual , a este respeito, a especificidade da
prtica
poltica? Esta prtica tem por objeto especii.co o momento
atual 6, como dizia Lenin, isto , o
ponto nodal onde se condensam
as contradies dos diversos nveis de uma formao nas relaes
complexas regidas pela sobredeterminao, pelas suas defasagens
e
desenvolvimento desigual. Este momento atual assim uma con-
juntura, o ponto estratgico onde se fundem as diversas
contradies
enquanto reflexos da art iculao que especifica uma estrutura
com
valor de dominante. O objeto da prtica poltica, tal como
aparece
no desenvolvimento do marxismo por Lenin - o lugar onde, em
ltima anlise, se fundem as relaes entre as diversas
contradies,
relaes que especificam a unidade da estrutura; o lugar a
partir
do qual se pode, em uma situao concreta, decifrar a unidade
da
estrutura e agir sobre ela com vista sua transformao.
Queremos
dizer com isto que o objeto a que se refere a prtica poltica
est
dependendo dos diversos nveis sociais - a prtica poltica tem
como objeto simultaneamente o econmico, o ideolgico, o terico
e
o poltico em sentido estrito - na sua relao, a qual
constitui
uma conjuntura.
Decorre disto uma segunda conseqncia no que diz respeito
poltica nas suas relaes com a histria. A prtica poltica o
motor da histria na medida em que o seu produto constitui
afinal
a transformao da unidade de uma formao social, nos seus di-
versos estgios e fases. Isto, porm, no em um sentido
historicista:
6. Para a distino entre modo de produo e formao social -
essen-
cial para o problema do conceito de histria - ver a
Introduo.
6. La dialectique matrialiste , in Pour Mar, conveniente
assina-
lar, no entanto, que este conceito de prtica no ainda, no estado
atual
das pesquisas, seno um conceito prtico (tcnico).
39
-
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a prtica poltica quem transforma a unidade, na medida em que
o seu
objeto
constitui o ponto nodal de condensao das contradi-
es entre os diversos nveis, com historicidades prprias e
desen-
volvimento desigual.
Estas anlises so importantes para situar o conceito do pol-
tico, e, em particular, da prtica poltica, na problemtica
original
do marxismo. preciso contudo complet-Ias em um ponto. Com
efeito, estas anlises respeitantes ao
objeto
e ao
produto
da
prtica
poltica, no bastam para situar exatamente a especiiicidade do
po-
ltico: devem ser completadas por uma concepo adequada da su-
perestrutura poltica.
7
Pois que, de fato, se nos contentarmos em
definir o poltico apenas como prtica com objeto e produto
defini-
dos, corremos sempre o risco de diluir a sua especificidade, de
iden-
tificar afinal como poltico tudo o que transforma uma
unidade
determinada. Se negligenciarmos o exame terico das estruturas
po-
lticas, arriscamo-nos tambm a no acertar com o momento atual
da conjuntura e a fracassar nesse momento de que Gramsci
fala-
va, enunciando o problema com nitidez. Em suma, se quisermos
superar definitivamente um certo historicismo na concepo do
pol-
tico, no basta limitarmo-nos anlise terica do objeto da
prtica
poltica; preciso tambm situar, no interior de uma formao so-
cial, o lugar e a funo especficos do nvel das estruturas
polticas
que constituem o seu objetivo: somente nesta medida a
sobredeter-
minao pelo poltico poder aparecer nas suas relaes com uma
histria diferencial.
Entremos no mago da questo. As estruturas polticas - o
que se designa como superestrutura poltica - de um modo de
produo e de uma formao social consistem no poder institucio-
nali zado do Estado. Com efeito, sempre que Marx, Engels,
Lenin
ou Gramsci falam de luta (prtica) poltica distinguindo-a da
luta
econmica, consideram expressamente a sua especiiicidade
relativa
ao seu
objetivo
particular, que o
Estado
enquanto nvel especfico
de uma formao social. Neste sentido encontramos de fato, nos
clssicos do marxismo, uma definio geral da poltica.
Trata-se,
7. Trata-se daquilo que podemos designar como
superestrutura jur-
dico-politica do Estado , na condio de assinalarmos que este
termo en-
globa, muito esquematicamente, duas realidades dist intas, dois
nveis
relativamente autnomos, a sa-ber: as
estruturas jurdicas - o direito
- e ai>
estruturae polticas - o Estado.
O seu emprego legtimo na
medida em que os clssicos do marxismo estabeleceram efetivamente
a
relao estrei ta entre estes dois nveis: este emprego no nos deve
fazer
esquecer entretanto que este termo recobre dois nveis
relativamente dis-
tintos cuja combinao concreta depende do modo de produo e da
for-
mao social considerados. Devemos ter em conta esta observao
sem-
pre que empregarmos este termo.
de um modo preciso, da concepo indicada da prtica poltica:
esta
tem por objeto o momento atual, produz as transformaes - ou,
por outro lado, a manuteno - da unidade de uma formao, na
nica medida, contudo exata, em que tem como ponto de
impacto,
como objetivo estratgico especfico, as estruturas polt icas
do
Estado.
8
Neste sentido Marx diz: O political movement da classe ope-
rria tem ... como objetivo final - Endzweck - a tomada do
po-
litical power ,
tambm precisamente neste sentido que devemos
entender a frase de Lenin: No basta dizer que a luta de
classes
s se torna uma luta verdadeira, conseqente, aberta, no dia em
que
abrange o domnio da poltica. .. Para o marxismo, a luta de
clas-
ses
s
se torna uma luta inteiramente aberta ao conjunto da nao
no dia em que, no apenas abrange a poltica mas tambm se
prende
ao essencial neste domnio: a estrutura do poder de Estado .10
O
que de fato ressalta desta citao que este objetivo do poder
de
Estado a
condio
da especificidade da prtica poltica. A este
respeito, assinalemos ainda a posio de Lenin nos seus textos
de
1917 relativos ao problema da dualidade do poder , do Estado
e
dos Sovietes. De fato, a palavra de ordem todo o poder aos
So-
vietes est ligada, no pensamento de Lenin ao fato de
considerar
os Sovietes como um segundo Estado . Veremos a distino entre
poder de Estado e aparelho de Estado; o que aqui nos
interessa
que esta palavra de ordem no decorre do fato de os Sovietes
esta-
rem sob o controle dos bolcheviques - na ocorrncia, os
sovietes,
no momento desta palavra de ordem, estavam sob o controle
dos
mencheviques -, mas do fato de os Sovietes constiturem um
apa-
relho de Estado assumindo funes do Estado oficial, do fato de
cons-
t iturem o Estado real. Donde, a concluso: necessrio
fortalecer
este segundo Estado e ter como objetivo conquist-lo enquanto
Esta-
do: ... A essncia verdadeira da Comuna no est onde em geral
a
procuram os burgueses, mas na criao de um tipo particular de
Es-
tado. Ora, um Estado deste gnero j nasceu na Rssia: so os
So-
vietes . .. . 11 Estas anlises de Lenin decorrem da sua posio
terica
a respeito da dist ino - e da relao - entre a luta econmica e
a
luta poltica, tal como o havia essencialmente definido no Que
Fazer?:
8. Podemos assim subscrever perfeitamente a definio que M.
Verret
d da polt ica: Prtica pol tica a prtica de direo da luta de
clas-
ses no Estado e por ele (Thorie et politique, Ed. Sociales,
1967,
p. 1944). Abordaremos a seguir a questo da relao entre a poltica
e
o Estado, tal como formulada pela antropologia poltica
atual.
9. Carta a Bolte, de 29 de novembro de 1871.
10. Lenin,
Oeuvres completes,
Ed. Sociales, t. 19.
11.
Thsee d'Avril,
Lettre sur Ia tact ique .
41
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A social-democracia dir ige a luta da classe operria ... nas
suas rela-
es no apenas com um grupo de patres, mas tambm com ...
o Estado como fora pol tica organizada. Donde se segue que
os
sociais-democratas no podem limitar-se luta econmica ... ,
ou
ainda as denncias polticas so uma declarao de guerra
ao go-
verno da mesma maneira que as denncias econmicas so uma de-
clarao de guerra aos industr iais .
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nuteno da unidade de uma formao, de um dos seus estgios ou
fases, isto , a sua no-transformao visto que, no equilbrio
ins-
tvel de correspondncia / no-correspondncia de nveis
defasados
por temporalidades prprias, este equil brio jamais realizado
en-
quanto tal pelo econmico, antes mantido pelo Estado (neste
caso,
a prtica poltica tem como objetivo o Estado enquanto fator de
ma-
nuteno da coeso desta unidade); ou ento a prtica polt ica
pro-
duz transformaes tendo como objetivo o Estado como estrutura
nodal de ruptura desta unidade, na medida em que ele o seu
fator
de coeso: neste contexto, o Estado poder alm disso ser
encarado
como fator de produo de uma nova unidade, de novas relaes
de produo.
11. A Funo Geral do Estado
Esta tese coloca, contudo, tantos problemas quantos os que
resolve. Com efeito, por que razo uma prtica que tem como
objeto o momento atual e produz transformaes da unidade
apre-
senta de especfico o fato do seu resultado no poder ser
produzido
seno quando tem como objetivo o poder do Estado? Esta questo
de maneira alguma parece evidente, como o mostra por um lado
a
tendncia economicista - trade-unionista - (esse objetivo seria
o
econmico), por outro lado a tendncia utpica - idealista
(esse
objetivo seria o ideolgico). Formulando o problema em termos
diferentes, por que razo a concepo fundamental de Marx,
Engels,
Lenin e Gramsci relativa passagem ao socialismo se distingue
de
uma concepo reformista na medida em que exige que o Estado
seja radicalmente transformado e o antigo aparelho de Estado
des-
trudo, isto , pela teoria da ditadura do proletariado? Em
suma,
por que razo, segundo os termos exatos de Lenin, o problema
fun-
damental de uma revoluo
o poder do Estado?
Com efeito, j podemos descobrir um ndice desta funo do
Estado no fato de que, para alm de fator de coeso da unidade
de
uma formao, tambm a estrutura na qual se condensam as con-
tradies entre os diversos nveis de uma formao. O Estado
assim o lugar no qual se reflete o ndice de dominncia e de
sobre-
determinao que caracteriza uma formao, um dos seus estgios
ou fases. Por isso o Estado aparece como o lugar que permite
a
decifrao da unidade e da articulao das estruturas de uma
forma-
o. Isto no ser esclarecido no momento em que analisarmos a
relao entre as estruturas e o campo das prticas de classe, e
si-
tuarmos a relao part icular entre o Estado e a conjuntura que
cons-
titui o lugar de decifrao da relao entre as estruturas e o
campo
das prticas.
:
a partir da relao entre o Estado, fator de coeso
da unidade de uma formao, e o Estado, lugar de condensao das
diversas contradies entre as instncias, que podemos assim
decifrar
o problema poltica - histria. Esta relao designa a estrutura
do
poltico, simultaneamente como nvel especfico de uma formao e
como lugar das suas transformaes, e a luta poltica como o
motor
da histria tendo como objetivo o Estado, lugar de condensao
das contradies entre instncias defasadas por temporalidades
pr-
prias.
Para resolver o problema, necessrio regressar concepo
marxista cientfica da superestrutura do Estado e mostrar como,
no
interior da estrutura de vrios nveis defasados por
desenvolvimento
desigual, o Estado possui a funo particular de constituir o
fator
de coeso dos niveis de uma formao social. : precisamente o
que
o marxismo exprimiu, concebendo o Estado como fator da ordem
,
como princpio de organizao , de uma formao, no no sentido
corrente dos nveis de uma unidade complexa, e como fator
regula-
dor do seu equilbrio global enquanto sistema. Pode ver-se
assim
por que razo a prtica poltica, que tem como objetivo o
Estado,
produz as transformaes da unidade e assim o motor da hist-
ria : precisamente por intermdio da anlise deste papel do
Es-
tado que se pode estabelecer o sentido anti-historicista dessa
pro-
posio. De fato, ou a prtica poltica tem como resultado a ma-
contudo necessano precisar alguns pontos. Esta enunciao
do problema do Estado permite resolver um problema capital
da
teoria marxista do poltico. De acordo com toda uma tradio
mar-
xista, tal fundamentao, em teoria, da relao entre a luta
poltica
e o Estado seria cair em uma concepo maquiavlica do polt
ico.
No condenou Marx, nas suas obras de juventude, a concepo do
exclusivamente pol tico , a concepo que reduz a polt ica sua
re-
lao com o Estado? No deveria a prtica poltica ter como ob-
jetivo, no o Estado, mas a transformao da sociedade civil ,