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  2 UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO Juliana Annes Aenlhe A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL PUTATIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR FRENTE OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA AFETIVIDADE Passo Fundo 2011
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Pf 2011 Juliana Anne Saen l He

Nov 04, 2015

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2011
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    UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO

    Juliana Annes Aenlhe

    A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA UNIO ESTVEL PUTATIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR FRENTE OS PRINCPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA

    AFETIVIDADE

    Passo Fundo 2011

  • 3

    Juliana Annes Aenlhe

    POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA UNIO ESTVEL PUTATIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR FRENTE OS PRINCPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA

    AFETIVIDADE

    Monografia apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais, sob orientao da professora Me. Fernanda Oltramari.

    Passo Fundo 2011

  • 4

    Aos meus pais, Jlio e Ana, pelo constante apoio, incentivo e pacincia, at nas horas mais difceis e,

    principalmente, pelo amor e carinho incondicionais.

  • 5

    A Deus, pela sade e fora que me foram concedidos durante toda minha vida.

    A todos que estiveram presentes nessa caminhada e, de alguma forma, colaboraram com a realizao desta monografia.

  • 6

    RESUMO

    A presente pesquisa tende a analisar as diversas formas de entidades familiares, levando ao questionamento acerca da possibilidade do reconhecimento das relaes paralelas, iniciando por um estudo sobre a evoluo da famlia e de seus comportamentos. Com esse questionamento passa ao exame do concubinato como uma forma de entidade familiar tendo como marco terico os princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade. Pondera at onde vo os efeitos que o Estado atribui a ditos relacionamentos e quais seriam os limites da interveno estatal. Discorre ainda sobre as diversas formas de concubinato, concentrando-se no adulterino e discorrendo sobre a divergncia dos entendimentos doutrinrios e jurisprudenciais nesse sentido, delimitando a preponderncia no sentido do reconhecimento da unio estvel putativa.

    Palavras-chave: Entidade familiar. Paralelismo. Putatividade. Unio estvel.

  • 7

    SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................

    1 DA UNIO ESTVEL........................................................................................................

    6

    8

    1.1 Aspectos histricos e leis reguladoras........................................................................ 8

    1.2 Do conceito e requisitos da unio estvel................................................................... 17

    2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS APLICVEIS AO DIREITO DE FAMLIA....

    2.1 Princpio da dignidade da pessoa humana..................................................................

    2.2 Princpio da afetividade..............................................................................................

    2.3 Princpio da monogamia.............................................................................................

    26

    26

    30

    35

    3 A UNIO ESTVEL E O CONCUBINATO................................................................... 41

    3.1 Do concubinato e seus efeitos.................................................................................... 42

    3.2 Dos diversos entendimentos acerca das relaes paralelas.......................................

    3.3 Da possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa................................

    51

    60

    CONCLUSO......................................................................................................................... 64

    REFERNCIAS...................................................................................................................... 67

  • 6

    INTRODUO

    O presente trabalho de concluso de curso trata da possibilidade de se reconhecer a

    unio estvel paralela ao casamento ou a outra unio estvel como entidade familiar, a receber

    proteo do Estado.

    Em um primeiro momento, busca conceituar o instituto da unio estvel, percorrendo

    sua histria e seus avanos, analisando, tambm, as leis que regulam o referido instituto. Em

    considerao com essas leis e com entendimentos doutrinrios variados, passa a discorrer

    acerca dos requisitos necessrios a ensejar uma unio estvel, bem como os impedimentos

    que o circundam.

    Posteriormente, prope um exame sobre alguns dos princpios norteadores do direito

    de famlia, tais como a dignidade da pessoa humana, da afetividade e da monogamia. Discorre

    sobre o impacto que tais regramentos exercem sobre o direito de famlia, analisando a

    importncia do princpio constitucional da dignidade da pessoa humana, dos diversos

    entendimentos a respeito do princpio da afetividade e de como a abrangncia deste ltimo

    tende a aumentar com as novas relaes familiares que vm se formando cada vez mais.

    Ainda, trata da divergncia no que diz respeito ao dever da monogamia. H dvidas quanto

    sua classificao como um princpio jurdico ou se se trataria apenas de uma regra moral

    instituda pela sociedade, bem como do alcance da interveno estatal e o confronto do

    princpio da monogamia com o da dignidade da pessoa humana e da afetividade.

    Por ltimo, passa a analisar o concubinato, estabelecendo a diferena deste com a

    unio estvel e citando os diversos tipos de concubinato existentes. De modo que passa a se

    focar o adulterino, estudando seu conceito, a possibilidade de ser considerado uma entidade

    familiar e seus efeitos. Examina os vrios entendimentos que se tem acerca das unies

    estveis paralelas, enfocando na unio estvel putativa, analisando a possibilidade de esta ser

    reconhecida e gerar efeitos comuns unio estvel, de acordo com os entendimentos

    doutrinrios e jurisprudenciais predominantes.

    Nesse sentido, h entendimento na linha de que a nenhum tipo de relacionamento

    paralelo podem ser reconhecidos direitos aos concubinos. Outra corrente entende possvel o

    reconhecimento da unio estvel putativa, quando a (o) concubina (o) age na mais absoluta

    ignorncia, agindo, assim, de boa-f. Ainda, uma terceira corrente, entende que o no

  • 7

    reconhecimento dessas relaes, alm de gerar um enriquecimento ilcito, estaria ferindo os

    princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, sendo inadmissvel, considerando

    o valor sentimental de ditos relacionamentos.

    Na presente pesquisa, utiliza-se o mtodo bibliogrfico, que baseado em pesquisas e

    posies j formuladas, e analisa-se a possibilidade do reconhecimento da unio estvel

    putativa, tendo como marco terico as formas de entidades familiares, os princpios da

    dignidade da pessoa humana e da afetividade, bem como o regramento da monogamia.

    Tendo este estudo, como objetivo, discutir a possibilidade do reconhecimento das

    unies estveis paralelas como entidade familiar, e, tendo em vista que, por mais que haja um

    repdio social para com esses tipos de relaes, trata-se de uma realidade social muito

    presente no cotidiano, buscando a soluo mais adequada e proporcional ao caso concreto.

  • 8

    1 DA UNIO ESTVEL

    A unio estvel vem se tornando cada vez mais comum, constituindo-se o tipo de

    relacionamento que mais vem sendo adotado pelos parceiros que visam a constituir uma

    famlia, j sendo plenamente reconhecida pelo Estado. Todavia, nem sempre foi assim; pois,

    para se chegar a este pleno reconhecimento, muitas foram as lutas, as contradies, e, em

    razo desses entendimentos divergentes, foram criadas leis em diversos sentidos.

    Destarte, passa-se a estudar o caminho percorrido at se chegar unio estvel como

    hoje reconhecida, bem como os diversos entendimentos acerca deste tipo de relacionamento,

    que, at os dias atuais, enfrenta contradies e dificuldades de conceituao.

    1.1 Aspectos histricos e leis reguladoras

    Apesar da rejeio do legislador, as relaes havidas fora do casamento sempre

    existiram, sendo que, inclusive, primeiro houve a unio entre pessoas do sexo oposto, de

    forma livre, e, somente aps, foi criado o instituto do matrimnio para abrigar tais relaes

    pr-existentes.

    Afinal, a famlia um fato natural1, sendo que, como diz Rolf Madalenofoi surgindo

    com o tempo a evoluo dos modelos de convvio e de interao das sociedades afetivas, at o

    GR PDWULP{QLR DR ODGR GD XQLmR LQIRUPDO 2 $LQGD FRQIRUPH 9LUJtOLR GH 6i 3HUHLUD R

    legislador no cria a famlia, como o jardineiro no cria a primavera; soberano no o

    OHJLVODGRUVREHUDQDpDYLGD3, ou seja, independente do que o legislador entenda por famlia

    ou casamento, as pessoas sempre constituram e sempre constituiro suas famlias de acordo

    com suas crenas, sejam elas reconhecidas ou no.

    1 MADALENO, Rolf. Curso de direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 761. 2 Ibidem. 3 Apud CAHALI, Francisco Jos. Contrato de convivncia na unio estvel. So Paulo: Saraiva, 2002, p. 01.

  • 9

    Na antiguidade, entre alguns povos, era muito comum a unio livre entre as pessoas,

    admitindo-se, inclusive, relaes concomitantes, como, por exemplo, nas antigas Grcia e

    Roma4.

    Em Roma, todavia, o imperador Augusto imps a Lex Julia de Adulteris, a qual trazia

    impedimentos para as unies de fato e, no mesmo sentido, Constantino emitiu decretos para

    retirar os direitos dos filhos originados das ento consideradas unies ilegais, sendo que, no

    final do sculo IX, com os imperadores cristos, aboliram-se tais unies5.

    Com o fortalecimento da Igreja, a luta contra as unies livres, bem como as unies

    paralelas ao casamento, foi crescendo cada vez mais. Como uma medida a esse combate,

    pode-se destacar o Conclio de Trento, o qual foi

    [...] celebrado em 1563, proibindo o casamento presumido e estabelecendo a obrigatoriedade da celebrao do matrimnio perante o proco, em cerimnia pblica e perante testemunhas, sendo criados os registros paroquiais para o assento dos casamentos controlados pelas autoridades eclesisticas6.

    A soberania da Igreja Catlica e o sacramento do matrimnio como um instituto

    sagrado e indissolvel perduraram durante muitos sculos7, e ainda permanece em algumas

    sociedades que mantm a tradio e os rigores da religio.

    As unies de fato, entretanto, continuaram a existir e, amoldando-se s realidades, na

    Idade Contempornea, mais precisamente na Frana, comearam a surgir decises dos

    Tribunais apreciando e considerando as pretenses das concubinas8, sendo que, de acordo

    com Edgard de Moura Bittencourt, SRUYROWDGHD MXULVSUXGrQFLD IUDQFHVDFRPHoRXD

    reconhecer, em favor da mulher, o direito indenizao como maneira de ser compensada

    pela convivncia marital de fato, sob o fundamento, embora DUWLILFLDOGHVHUYLoRVSUHVWDGRV9.

    Ainda na Frana, no ano de 1912, foi criada uma lei que permitia o reconhecimento de filho,

    fruto de unies havidas fora do casamento10.

    4 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 895. 5 Ibidem. 6 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 761. 7 RIZZARDO, op. cit., p. 896. 8 Ibidem, p. 897. 9 Apud ibidem. 10 Ibidem.

  • 10

    No Brasil, houve a influncia da legislao portuguesa, sendo que Portugal adotou o

    Conclio de Trento, j mencionado acima, com o Decreto de 12 de novembro de 1564 e pela

    Lei de 8 de abril de 1569, tendo sido adotado no Brasil pelo Bispado da Bahia, criado em 28

    de janeiro de 155011. Desse modo, pode-se perceber que, desde o princpio, o casamento

    religioso adotado na legislao brasileira.

    No entanto, como ocorreu em tantos outros povos, na prtica, a realidade era outra. As

    unies livres, sem o selo do matrimnio, que antigamente eram denominadas como

    concubinato, eram uma prtica que se alastrou por toda a sociedade colonial brasileira, pois

    WHQGRGHL[DGRVXDVPXOKHUHVSDUDWUiVRVSRUWXJXHVHVDVVXPLDPWDLVUHODFLRQDPHQWRVDVVLP

    que chegavam ao pas, acentuando-VHTXHHVVDURWLQDWUDQVIRUPRXRFDVDPHQWRHPH[FHomRH

    o concubinato ePSUiWLFDFRPXP12.

    Deve-se observar, contudo, que o concubinato era considerado delito perante a Igreja,

    havendo em So Paulo, inclusive, o Tribunal Episcopal, que tinha como uma de suas

    principais funes agir como um centro receptor das delaes acerca das relaes de

    concubinato13.

    Com o intuito de fazer valer-se cada vez mais a obrigao do casamento religioso, ao

    longo dos anos, vrias leis foram sendo criadas. Nesse sentido, com a independncia poltica

    GR %UDVLO IRUDP FRQILUPDGDV SDUD YLJHUHP QR Brasil, as Ordenaes Filipinas, pela Lei

    ,PSHULDOGHGHRXWXEURGH14.

    No ano de 1824, foi criada a Constituio Imperial, a qual institua em seu artigo 5:

    $UHOLJLmRFDWyOLFDDSRVWyOLFDURPDQDFRQWLQXDUiDVHUDUHOLJLmRGR,PSpULR7RGDVDVoutras

    religies sero permitidas com seu culto domstico ou particular, em casas para isso

    GHVWLQDGDV VHP IRUPD DOJXPD H[WHULRU GH WHPSOR 15. Com a leitura do referido artigo

    percebe-se o quanto a Igreja Catlica influenciava no perodo do Imprio Brasileiro.

    Nesse perodo, foram criadas vrias leis nesse sentido, em que eram disciplinadas, por

    exemplo, a situao dos filhos, frutos de casamento religioso, o reconhecimento de filhos

    11 AZEVEDO, lvaro Villaa. Estatuto da famlia de fato. So Paulo: Editora Jurdica Brasileira, 2001, p. 135. 12 JNIOR, Alberto Gosson Jorge. Unio estvel e concubinato. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, n. 1, v. 1, jul. 1999, p. 88. 13 Ibidem, p. 89. 14 AZEVEDO, loc. cit. 15 Ibidem, p. 136.

  • 11

    naturais, a validade do casamento entre pessoas crists, mas professantes de outras religies16,

    entre outras.

    No ano de 1890, com o Decreto n. 181, foi institudo no Brasil o casamento civil,

    passando a ser a nica forma de matrimnio reconhecida por lei17. Mas um marco que

    secularizou o instituto do casamento civil foi o Ato do Governo Provisrio, de 26 de junho de

    TXH SURLELX D TXDOTXHU FHOHEUDQWH GH FDVDPHQWR UHOLJLRVR TXH OHYDVVH DGLDQWH WDO

    SUiWLFDDQWHVGRDWRFLYLOVRESHQDGHVHUSXQLGRFRPSHQDGHVHLVPHVHVGHSULVmRHPXOWD18, e a Constituio Republicana de 1891 adotou o mesmo posicionamento, sendo que, em seu

    artigo 72, pargrafo 4, DVVLPSUHFHLWXDYD$5HS~EOLFDVyUHFRQKHFHRFDVDPHQWRFLYLOFXMD

    FHOHEUDomRVHUiJUDWXLWD19.

    Com o advento do Cdigo Civil de 1916, restou clara a inteno do legislador em no

    regular as relaes extramatrimoniais, bem como punir as que assim fossem institudas20, pois

    vedava as doaes do cnjuge adltero ao seu cmplice, bem como a instituio de seguro de

    vida ou qualquer disposio testamentria do homem casado em favor de sua concubina.

    Belmiro Pedro Welter diz:

    O Cdigo Civil de 1916 regula a famlia patriarcal com base na hegemonia do poder do pai, na hierarquizao das funes, na desigualdade de direitos entre marido e mulher, na discriminao dos filhos, na desconsiderao das entidades familiares e no predomnio dos interesses patrimoniais em detrimento do aspecto afetivo. 21

    Como sempre, entretanto, as vedaes institudas pelo Cdigo Civil de 1916 no

    coibiram a existncia das unies livres e, conforme foram surgindo, perante o judicirio,

    conflitos a serem solucionados neste sentido, a jurisprudncia, aos poucos, foi reconhecendo

    direitos aos concubinos, porm, tais direitos, limitavam-se a efeitos patrimoniais.

    Primeiramente, foi concedido mulher o direito a alimentos, na forma de indenizao

    por servios domsticos, sendo que as argumentaes eram no sentido da inadmissibilidade

    16 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 136. 17 FONTANELLA, Patrcia. Famlias simultneas e unio estvel putativa. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: unio estvel aspectos polmicos e controvertidos. vol. 8, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 329. 18 Ibidem, p. 139. 19 Ibidem, p. 140. 20 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famlias. 3 ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 144. 21 WELTER, Belmiro Pedro. Estatuto da unio estvel. 2 ed. Porto Alegre: Sntese, 2003, p. 71.

  • 12

    do enriquecimento ilcito e de que um homem que se aproveitava da mulher e de sua

    dedicao no poderia simplesmente abandon-la sem indenizao22.

    Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo cita um exemplo de argumentao publicado na

    poca:

    O trabalho da concubina mais se equipara indenizao civil, pois contraprestao de zelo e carinho que a mulher d ao homem, atendendo-o efetivamente em todas as horas de convivncia. A indenizao concubina no se pode confundir com o salrio devido domstica que, materialmente e sem nenhum outro interesse que no o mister que lhe reconhecido, faz jus indenizao pelo tempo que, ao amsio, dedicou e no como a domstica ao trabalho executado23.

    Resta claro que esse tipo de argumentao e, consequentemente, das decises, gerou

    queixas nos mais diversos sentidos. Assim, passou a se reconhecer a sociedade de fato,

    concedendo o direito de partilha do patrimnio formado. Primeiramente, alguns Tribunais

    foram se manifestando nesse sentido, como o do Rio Grande do Sul, o de So Paulo, o de

    Minas Gerais e o do Rio de Janeiro24. Posteriormente, em um julgamento, o Supremo

    Tribunal Federal assim se manifestou:

    A jurisprudncia do STF predomina no sentido de que se for reconhecida no curso da unio livre more uxorio a existncia de uma sociedade de fato, pela conjugao de esforos entre os concubinos na formao do patrimnio, tem direito a mulher partilha dos bens. A medida maior ou menor da colaborao da mulher naqueles esforos secundria e se reconhecida, pelo Tribunal que julgou os fatos, no pode ser reexaminada em recurso extraordinrio25.

    No muito tempo depois, foi consolidado o direito partilha, com a Smula 380 do

    Supremo Tribunal Federal26, sendo criadas, tambm, no que se referem aos direitos dos

    concubinos, a Smula 3527, que dizia respeito ao direito indenizao da concubina por

    22 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 144. 23 RIZZARDO, Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002, p. 898. 24 Ibidem, p. 899. 25 Ibidem. 26 6~PXOD Comprovada a existncia da sociedade de fato entre os concubinos, cabvel a sua dissoluo judicial, com a SDUWLOKDGRSDWULP{QLRDGTXLULGRSHORHVIRUoRFRPXP 27 6~PXOD(PFDVRGHDFLGHQWHGRWUDEDOKRRXGHWUDQVSRUWHDFRQFXELQDWHPGLUHLWRGHVHULQGHQL]DGDSHODPRUWHGRDPiVLRVHHQWUHHOHVQmRKDYLDLPSHGLPHQWRSDUDRPDWULP{QLR

  • 13

    acidente de trabalho ou de transporte, e a Smula 38228, que tratava da caracterizao do

    concubinato.

    As primeiras leis criadas concedendo benefcios aos que viviam em concubinato

    tratavam de direitos fiscais e previdencirios. No mesmo sentido, foi admitido o uso do nome

    do companheiro pela mulher solteira, desquitada ou viva, com o advento da Lei dos

    Registros Pblicos (Lei n. 6.015/73) 29. No ano de 1977, foi criada a Lei do Divrcio (Lei n.

    6.515/77), que permitiu o reconhecimento de filho extraconjugal por meio de testamento

    cerrado30.

    A Constituio Federal de 1988 foi o instituto precursor da formalidade da unio

    estvel no sistema jurdico brasileiro. Pelo disposto no artigo 226, caput e pargrafo 3 da

    Constituio Federal31, a unio estvel passou a ser reconhecida como entidade familiar e

    digna de proteo do Estado.

    6HJXQGR $UQDOGR 5L]]DUGR QDGD PDLV IH] D &DUWD )HGHUDO TXH UHFRQKHFHU XP

    fenmeno social comum e generalizado em todo o Pas, tornando-se necessria sua

    UHJXODPHQWDomR 32. O que significa dizer que as unies livres, agora denominadas unies

    estveis, j existiam e foram tornando-se cada vez mais comuns, sendo que faltava apenas

    uma regulamentao por parte do Estado.

    Ainda, Cludia Grieco Tabosa Pessoa cita a disposio sobre a unio estvel de Carlos

    Silveira Noronha, o qual diz:

    Tendo em vista que a Constituio definiu perfunctria e insuficientemente o novo instituto que criou, ou, diga-se melhor, juridicizou uma situao de fato desde muito sociologicamente existente, pode-se defini-la mais precisamente, entendendo-se por entidade familiar a comunidade formada por homem e mulher, que convivem em unio estvel, em companhia da prole que eventualmente constiturem, fora do casamento, a cujas regras no desejam se sujeitar. 33

    28 6~PXOD$YLGDHPFRPXPVRERPHVPRWHWRPRUHX[RULRQmRpLQGLVSHQViYHOjFDUDFWHUL]DomRGRFRQFXELQDWR 29 /HL$UW>@$PXOKHUVROWHLUDGHVTXLWDGDRXYL~YDTXHYLYDFRPKRPHPVROWHLURGHVTXLWDGRRXYL~YRexcepcionalmente e havendo motivo pondervel, poder requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronmico de seu companheiro, sem prejuzo dos apelidos prprios, de famlia, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estadRFLYLOGHTXDOTXHUGDVSDUWHVRXGHDPEDV 30 $UW>@Ainda na vigncia do casamento qualquer dos cnjuges poder reconhecer o filho havido fora do matrimnio, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho, e, nessa parte, LUUHYRJiYHO 31 $UW$IDPtOLDEDVHGDVRFLHGDGHWHPHVSHFLDOSURWHomRGR(VWDGR>@- Para efeito da proteo do Estado, reconhecida a unio estvel entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua converso em FDVDPHQWR 32 RIZZARDO, Direito de famlia: Lei 10.406, de 10.01.2002, p. 900. 33 PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. So Paulo: Saraiva, 1997, p. 21.

  • 14

    Desse modo, pode-se perceber que o constituinte passa a regulamentar a famlia

    baseando-se nas relaes humanas, de acordo com a afetividade; pois, conforme Maria

    Berenice Dias, RFDSXWGRDUWGD&)pclusula geral de incluso, no sendo admissvel

    excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e

    RVWHQVLELOLGDGHJULIRGRDXWRU34.

    Nesse sentido, Belmiro Pedro Welter entende: DIDPtOLDQmRSRGHVHUPRQHWDUL]DGD

    patrimonializada, coisificada, pois as entidades familiares so edificadas na liberdade, na

    democracia, na solidariedade, no amor, na felicidade, numa comunho plena de vidas e de

    DIHWR35, ou seja, a Constituio reconheceu juridicidade ao afeto e admitiu que a famlia no

    pode se restringir a formalidade de um instituto como o casamento, introduzindo, assim, um

    termo geral como a entidade familiar e englobando os diversos tipos de relacionamentos

    baseados no vnculo afetivo.

    A norma constitucional, todavia, no alcanou grande aplicabilidade, tendo em vista a

    falta de uma legislao infraconstitucional que regulasse a unio estvel, sendo que, para

    preencher essa lacuna, a jurisprudncia aplicou regras de analogia e equidade36 e passou a

    reconhecer unio estvel todos os efeitos jurdicos do casamento, conforme Rolf Madaleno

    colaciona deciso do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:

    Ao concubinato more uxrio podem ser atribudos todos os efeitos do casamento, desde que no firam direitos de terceiros. O regime ser o da comunho parcial, no tendo mais aplicao a Smula n 380 do STF, aps a vigncia da CF de 1988, pois dispensado o esforo financeiro comum na amealhao do patrimnio. Sentena confirmada. (Apelao Cvel n 594083826, da 7 Cmara Cvel do TJRS, Rel. Des. Paulo Heerdt, j. em 21/12/1994) 37.

    Dessa forma, vrios projetos de lei foram surgindo para estabelecer normas que

    regulamentassem essa entidade familiar38, com o intuito de preencher o vazio existente e

    34 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 146. 35 WELTER, Estatuto da unio estvel, p. 72. 36 SCAFF, Fernando Campos. Aspectos gerais da unio estvel. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, v. 1, n. 1, jul. 1999, p. 85. 37 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 765. 38 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 208.

  • 15

    consolidar o novo instituto da unio estvel. E, dentre os vrios projetos apresentados, dois

    foram aprovados, tendo sido transformados em Leis, n. 8.971/94 e 9.278/96.

    A Lei n. 8.971/94 tratava de regular requisitos para o reconhecimento da unio estvel,

    o direito a alimentos e da sucesso e meao do companheiro. Essa lei, todavia, recebeu

    muitas crticas, tendo sido alegado que conservava um certo preconceito, pois deixou fora de

    sua atuao as unies de pessoas separadas de fato e fixou um tempo mnimo de cinco anos

    para o efetivo reconhecimento da unio estvel ou o nascimento de prole39. No mesmo

    sentido, o entendimento de Rolf Madaleno, o qual assevera: FRPR VH D HVWDELOLGDGH GR

    relacionamento fosse contada pelos dias e noites de coabitao e no pela qualidade e pela

    LQWHQVLGDGHGDUHODomRDIHWLYD40.

    No que se refere excluso das pessoas separadas de fato, Belmiro Pedro Welter

    apresenta uma sustentao da necessidade de uma incluso:

    Primeiro, no justo, nem jurdico, que se penalize o companheiro que no tem legitimidade para o ajuizamento da ao de separao judicial ou divrcio de seu companheiro; segundo, no h razo jurdica de o legislador incluir o separado judicialmente, mas excluir o separado de fato, se ambos necessitam, para se casar, promover prvia ao de divrcio; terceiro, se a jurisprudncia concedia aos separados de fato os mesmos direitos outorgados aos vivos, solteiros e separados judicialmente, no h coerncia em nova lei, que deve espelhar a realidade social, exclua essas conquistas, emitindo, com isso, odiosa rajada de retrocesso jurisprudencial e social, o que inconstitucional, medida em que os direitos e garantias fundamentais, conforme parte da doutrina e da jurisprudncia, inadmitem retrocesso social, ou seja, os direitos constitucionalmente assegurados no podem ser violados ou expungidos por deciso judicial, nova lei ou emenda constitucional41.

    Alm disso, a referida lei foi apontada como inconstitucional, tendo sido alegado que

    conferia ao companheiro sobrevivente mais direitos do que eram conferidos ao cnjuge, bem

    como estimulava a unio estvel ao invs de facilitar a sua converso em casamento42. No

    HQWDQWRFRPRGHIHQGHOYDUR9LOODoD$]HYHGRRSUHFHLWRPDLRUIRLRGHSURWHJHUDIDPtOLD

    EDVHGDVRFLHGDGHQmRRFDVDPHQWRFLYLOFRPRQDV&RQVWLWXLo}HVDQWHULRUHV43$LQGDR

    39 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 146. 40 MADALENO, loc. cit. 41 WELTER, Estatuto da unio estvel, p. 83. 42 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 354. 43 Ibidem, p. 355.

  • 16

    legislador de 1994 no desrespeitou o ordenamento constitucional, nem prestigiou o

    FDVDPHQWRFLYLOPDVUHJXODPHQWRXDXQLmRHVWiYHOSDUDOHODPHQWHDHOH44.

    Assim, percebe-se que logo foi afastada essa premissa, tendo sido a Lei considerada,

    sem dvida alguma, perfeitamente legal e constitucional.

    Posteriormente, foi criada a Lei n. 9.278, de 10 de maio de 1996, a qual tinha como

    objetivo a regulamentao do pargrafo 3, do artigo 226 da Constituio Federal. Essa Lei

    originou-se do Projeto de Lei n. 1.888/91, de autoria da Deputada Beth Azize, tendo sido

    inspirada no esboo de anteprojeto de Lei de lvaro Villaa Azevedo.

    Com a publicao da Lei n. 9.278/96, a configurao de unio estvel alcanou maior

    abrangncia, definindo a unio estvel, em seu artigo 1, como D convivncia duradoura,

    pblica e contnua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituio de

    famlia

    Ainda, estabeleceu os direitos e deveres dela decorrentes, tratou do direito a alimentos,

    no caso de resciso da unio estvel, assegurou o direito meao dos bens adquiridos na

    constncia da unio e a ttulo oneroso, salvo estipulao contratual em contrrio, reconheceu o

    direito real de habitao e o da converso da unio estvel em casamento, por requerimento

    ao Oficial do Registro Civil, fixando, ainda, a competncia das varas de famlia para a soluo

    dos conflitos entre os conviventes45.

    Para a consolidao do instituto da unio estvel, veio o Cdigo Civil de 2002, Lei n.

    10.406/02, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, o qual seguiu o que j vinha sendo

    consolidado doutrinria e jurisprudencialmente.

    A unio estvel vem regulamentada no Livro IV, do Direito de Famlia, Ttulo III, da

    Unio Estvel, artigos 1.723 a 1.726 do Cdigo Civil, alm de outros artigos, fora do captulo

    especfico, que tambm tratam do assunto, como o artigo 1.595, que reconhece o vnculo de

    afinidade entre os conviventes, os artigos 1.618, 1.631 e 1.632, que tratam da filiao e dos

    companheiros, bem como o artigo 1.694, no qual deferido o direito a alimentos, o artigo

    1.711, tratando do bem de famlia, o artigo 1.775, admitindo um companheiro ser curador do

    outro, e o artigo 1.790, regulando o direito sucessrio dos companheiros.

    44 AZEVEDO, Estatuto da famlia de fato, p. 355. 45 OLIVEIRA, Euclides de. Distino entre unio estvel, concubinato e sociedade de fato. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Mrcio Martins (Coords.). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 188.

  • 17

    O captulo especfico da unio estvel regulamenta os requisitos para a configurao

    do instituto, seus impedimentos, as causas suspensivas, dos direitos e deveres dos

    companheiros, bem como da meao e da converso da unio estvel em casamento.

    Desse modo, percebe-se que foi lento e gradual o caminho para comear a se

    reconhecer direitos aos que viviam em concubinato, ou seja, relacionamentos havidos fora do

    casamento, porm, com o advento da Constituio Federal de 1988, bem como o Cdigo Civil

    de 2002, foi consolidado o reconhecimento do concubinato, ento passando a se denominar

    unio estvel, como entidade familiar.

    1.2. Do conceito e requisitos da unio estvel

    Desde o advento da Constituio Federal de 1988, que passou a reconhecer a unio

    estvel como entidade familiar a receber proteo do Estado, vem-se procurando um modo de

    definir e conceituar o que unio estvel.

    A unio estvel caracteriza-se pela sua informalidade46, ou seja, ao contrrio do

    casamento, que necessita de inmeros atos formais, para a constituio da unio estvel, basta

    o fato da vida em comum. Isso, porm, no to simples; pois, justamente pela falta de

    formalidade, mais difcil fica sua caracterizao.

    O Cdigo Civil de 2002 versa sobre a matria em seu artigo 1.723, que assim dispe:

    e UHFRQKHFLGD FRPR HQWLGDGH IDPLOLDU D XQLmR HVWiYHO HQWUH R KRPHP H D PXOKHU

    configurada na convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o objetivo de

    FRQVWLWXLomRGHIDPtOLD

    Patrcia Fontanella diz que o legislador tratou da matria sob a tica de uma clusula

    geral, optando por evitar rigorismos conceituais, deixando, desse modo, para o juiz a tarefa de

    analisar cada caso concreto, passando a reconhecer, ou no, a existncia da unio estvel47,

    sendo que o Cdigo Civil trouxe apenas os elementos para a configurao do referido

    instituto. 46 GONALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de Famlia. Vol. VI, 6 ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 555. 47 FONTANELLA, Patrcia. Famlias simultneas e unio estvel putativa. In: LEITE, Eduardo de Oliveira (Coord.). Grandes temas da atualidade: unio estvel aspectos polmicos e controvertidos. vol. 8, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 333.

  • 18

    Afinal, conforme Rodrigo da Cunha Pereira, para se definir unio estvel, deve-se

    primeiramente entender o que famlia48, e esta formada pelo afeto, pela unio entre duas

    pessoas que decidem construir suas vidas em conjunto, permeadas no amor e na vontade

    mtua de constituir famlia, pois sua constituio inicia pelo amor que tratou de unir o casal,

    WXGR FRP YLVWDV D UHSDUWLomR GR VHX DPRU GH VXD IHOLFLGDGH H SHOD IHOLFLGDGH GH VHXV

    HYHQWXDLVILOKRVFRPRVTXDLVVHDJUHJDPDRFDVDOQRYDVHPRo}HV49.

    Percebe-se, assim, que a unio estvel nasce da convivncia entre os companheiros,

    VLPSOHVIDWRMXUtGLFRTXHHYROXLSDUDDFRQVWLWXLomRGHDWRMXUtGLFRHPIDFHGRVGLUHLWRVTXH

    EURWDPGHVVDUHODomR50.

    Desse modo, a unio estvel um fato natural, sendo que sua existncia pr-

    existente, passando o Estado apenas a reconhecer e conceder-lhe efeitos jurdicos; pois,

    conforme Baslio de Oliveira:

    O Estado no pode se descurar da situao personalssima daqueles que se unem conjugalmente sem matrimnio, com juras de amor, comungando vida e interesse, gerando filhos e adquirindo bens do esforo comum, porque dessas unies floresce, tambm, de forma exuberante, a famlia51.

    $LQGDR(VWDGRGHYHUHFRQKHFHUWDPEpPRGLUHLWRLPSRVWHUJiYHOGHFDGDKRPHPGH

    constituir uma famlia e sua liberdade de escolher o modo da sua formao, dando suporte

    PtQLPRjVXDUHDOL]DomRSHVVRDOHPEXVFDGDIHOLFLGDGH52.

    Assim sendo, no quer dizer que aquela unio formada entre duas pessoas, visando a

    constituir uma famlia e fundada no afeto, no se constitua de fato uma famlia, mas, apenas,

    se no presentes os pressupostos a ensejarem a configurao de unio estvel, o Estado no a

    reconhecer como tal.

    Do conceito apresentado pelo Cdigo Civil, no j exposto artigo 1.723, podem-se

    extrair alguns requisitos objetivos e subjetivos propostos pelo legislador, sendo que os

    requisitos objetivos so: a heterossexualidade dos conviventes, o carter pblico da unio, a

    48 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 208. 49 MADALENO, Rolf. Novos horizontes no direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 115. 50 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 147. 51 OLIVEIRA, Baslio de. O concubinato e a constituio atual. 3 ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 29. 52 Ibidem.

  • 19

    sua durao que demonstre a estabilidade e o carter de continuidade do relacionamento, e

    como requisito subetivo: a inteno de constituir famlia53.

    Assim, como primeira caracterstica da unio estvel pode-se citar a diversidade de

    sexos; pois, tanto a Carta Magna, no artigo 226, pargrafo 3, como o Cdigo Civil, em seu

    artigo 1.723, estabelecem como pressuposto de constituio que o relacionamento seja

    composto entre um homem e uma mulher. Deve-se reconhecer, todavia, que h uma tendncia

    mundial ao reconhecimento da unio estvel entre homossexuais.

    Segundo Rolf Madaleno:

    Nenhuma relao afetiva pode ficar margem da proteo estatal, haja visto ser preceito da Carta Federal e convalidado como clusula ptrea, o respeito dignidade da pessoa humana e a homossexualidade um fato da vida e que respeita esfera privada de cada um.54

    Efetivamente, o artigo 1, inciso III, da Constituio Federal, assegura como

    fundamento do Estado Democrtico de Direito, institudo pela Repblica Federativa do Brasil,

    a dignidade da pessoa humana55$LQGDVHJXQGRRDUWLJRGRPHVPRLQVWLWXWRWRGRVVmR

    iguais perantHDOHLVHPGLVWLQomRGHTXDOTXHUQDWXUH]D

    Dessa forma, no deveria haver a discriminao entre as relaes compostas por

    pessoas do mesmo sexo; pois, como j referido, a famlia baseia-se no afeto e no carinho

    mtuo. No entanto, ainda h um certo preconceito a esse modo de constituio de famlia,

    porm a histria revela que j houve um grande avano nesse sentido e a jurisprudncia

    continua avanando cada vez mais, uma vez que se WUDWDGHXPDUHDOLGDGHVRFLDOLQFDSD]GH

    VHULJQRUDGD56, e que vem merHFHQGRFDGDYH]PDLVDDFHLWDomRGDVRFLHGDGH57.

    53 OLIVEIRA, Euclides de. Distino entre unio estvel, concubinato e sociedade de fato. In: DIAS, Maria Berenice; BASTOS, Eliene Ferreira; MORAES, Naime Mrcio Martins (Coords.). Afeto e estruturas familiares. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 188. 54 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 771. 55 Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - DGLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQD 56 MADALENO, op. cit., p. 773. 57 Ibidem.

  • 20

    Atualmente, a grande maioria vem reconhecendo to somente a existncia de

    sociedade de fato, gerando apenas efeitos de carter obrigacional, tudo com respaldo no artigo

    1.363 do Cdigo Civil58.

    Outro requisito para a caracterizao da unio estvel a convivncia pblica, ou

    convivncia more uxorio, que significa aos costumes de casado, ou seja, convivendo como se

    casados fossem.

    $FRQYLYrQFLDS~EOLFDpQRVHQWLGRGHPRUDUHPMXQWRVPDQWHQGRYLGDHPFRPum,

    em comunho plena [...], sob o mesmo teto, semelhana do matrimnio, onde a coabitao

    GHYHUH[SUHVVRGRFDVDPHQWR 59, tal como preceitua o inciso II, do artigo 1.566 do Cdigo

    Civil60.

    A Smula 382 do Supremo Tribunal Federal, todavia, profere que D vida em comum

    sob o mesmo teto more uxorio, no indispensvel caracterizao do concubinatoSRUpP

    vale lembrar que esta smula foi editada no ano de 1964 e, conforme Carlos Roberto

    Gonalves:

    A aludida smula fala em concubinato e no em unio estvel. Foi editada numa poca em que se dava nfase, para o reconhecimento dos direitos da concubina, existncia de uma sociedade de fato, de carter obrigacional, em que pouco importava a convivncia sob o mesmo teto para a sua caracterizao. 61

    Desse modo, percebe-se que a regra da coabitao, porm admitem-se excees,

    como, por exemplo, por razes de trabalho, razes financeiras, ou quando os companheiros

    possuem filhos resultantes de relacionamentos anteriores, ou at por razes de doena62,

    enfim muitos podem ser os motivos para o casal no conviver sob o mesmo teto, devendo ser

    analisado cada caso concreto.

    Nesse sentido, Fabrcio Zamprogna Matielo:

    58 GONALVES, Direito civil brasileiro: Direito de Famlia, p. 560. 59 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 785. 60 Art. 1.566. So deveres de ambos os cnjuges: [...] II - YLGDHPFRPXPQRGRPLFtOLRFRQMXJDO 61 GONALVES, op. cit., p. 557. 62 MADALENO, op. cit., p. 775.

  • 21

    Pode perfeitamente existir casamento profcuo ou unio estvel sem que os partcipes habitem em conjunto uma morada. Logicamente, o fato de o casal dividir o mesmo espao fsico forte indcio no sentido da presena da estabilidade da relao, mas deixou de ser referencial absoluto e instransponvel, sem o qual restava fracassado o casamento, afastando toda e qualquer possibilidade de que uma relao extra matrimonial produzisse efeitos de concubinato puro63.

    Ainda, entende Rolf Madaleno que, para se caracterizar a convivncia more uxorio, ela

    deve ser pblica, ou seja, a relao deve ser conhecida no meio social dos conviventes,

    perante seus vizinhos, amigos, parentes e colegas de trabalho64, devendo o casal se apresentar

    DRVROKRVGDVRFLHGDGHFRPRVHIRVVHPPDULGRHPXOKHU65.

    Destarte, o fato de o casal no coabitar no exclui, de imediato, a possibilidade de

    configurar unio estvel, mas depender das provas a serem produzidas. J, se o casal

    conviver junto sob o mesmo teto, fica mais evidente a convivncia more uxorio, ou seja,

    caber ao judicirio, analisando as peculiaridades de cada caso, verificar se a coabitao

    imprescindvel ou se est diante de uma exceo, sendo possvel o reconhecimento da unio

    estvel sem o preenchimento deste requisito.

    Mais um requisito da unio estvel a ser observado o da continuidade, pois um

    relacionamento, por mais que tenha brigas e desentendimentos, como todos os

    relacionamentos tm, no pode haver interrupes, visto que D VROLGH] GD XQLmR HVWiYHO p

    DWHVWDGD SHOR FDUiWHU FRQWtQXR GR UHODFLRQDPHQWR 66 H D FRQWLQXLGDGH UHIOHWH D VXD

    estabilidade HVHULHGDGH67.

    No entanto, atenta-se para o fato de que pequenas intrigas e breves rompimentos no

    descaracterizam a unio estvel, cabendo, assim, ao juiz verificar se se tratavam realmente de

    pequenas brigas, comuns a todo casal, ou se essas interrupes impediram reconhecer a

    estabilidade do relacionamento.

    O seguinte pressuposto para a unio estvel a durao no tempo, uma vez que a

    relao dos companheiros deve ser duradoura, estendendo-se no tempo. Como saber,

    entretanto, em quanto tempo estar configurada a unio estvel?

    63 MATIELO, Fabrcio Zamprogna. Unio estvel concubinato: repercusses jurdico-patrimoniais. 1 ed. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1997, p. 32. 64 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 785. 65 Idem, Novos horizontes no direito de famlia. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 112. 66 GONALVES, Direito civil brasileiro: Direito de Famlia, p. 564. 67 MADALENO, op. cit., p. 786.

  • 22

    Pois bem, antigamente, com a Lei n. 8.971/94, era exigido o prazo mnimo de cinco

    anos para que fosse reconhecida a unio estvel, porm a referida lei foi revogada, e, hoje, o

    Cdigo Civil no estabelece nenhum prazo. Como bem afirma Fernando Campos Scaff:

    Essa ausncia de determinao prvia de um perodo de convivncia se justifica pela boa compreenso de que um prazo qualquer no constitui indicador seguro da existncia ou no dos elementos necessrios para a configurao do instituto. Assim, em benefcio dos interesses das partes vinculadas unio estvel, de terceiros interessados em especial os filhos comuns do casal e tambm para se evitar a configurao de fraudes ou o surgimento de limitaes estreis, afastou o legislador essa predeterminao temporal peremptria68.

    $LQGD5ROI0DGDOHQRHQWHQGHTXHDXQLmRHVWiYHOQmRSRGHVHUDIHULGDSHORWHPSR

    GH VXD GXUDomR PDV SHOD TXDOLGDGH GHVWD FRQYLYrQFLD 69 SRLV QmR p R WHPSR FRP

    determinao de x ou y meses, ou anos, que dever caracterizar ou descaracterizar uma

    UHODomRFRPRXQLmRHVWiYHO70.

    Desse modo, mais uma vez se percebe que caber ao julgador analisar o caso posto

    sua apreciao, delineando, conforme o seu entendimento, um prazo conivente para

    determinada situao.

    O ltimo requisito talvez o mais importante para se caracterizar uma relao como

    unio estvel, que o objetivo de constituir famlia, ou seja, o nimo, a inteno indubitvel,

    de ambos os conviventes, de formar uma famlia, moldada semelhana do casamento71.

    Importante a verificao desse objetivo para no haver confuso entre unio estvel e

    um simples namoro, pois justamente esse fator que ir diferenci-los. Nesse sentido o

    entendimento do Tribunal de Justia de Minas Gerais:

    Este trao distintivo fundamental, dado ao fato de que as formas modernas de relacionamento afetivo envolvem convivncia pblica, contnua, s vezes duradoura, com os parceiros, muitas vezes, dormindo juntos, mas com projetos paralelos de vida, em que cada uma das partes no abre mo de sua individualidade e liberdade

    68 SCAFF, Fernando Campos. Aspectos gerais da unio estvel. Revista IOB de Direito de Famlia, Porto Alegre: Sntese, v. 1, n. 1, jul. 1999, p. 86. 69 MADALENO, Novos horizontes no direito de famlia, p. 114. 70 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 210. 71 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 787.

  • 23

    pelo outro. O que h um eu e um outro e no um ns. No h nesse tipo de relacionamento qualquer objetivo de constituir famlia, pois para haver famlia, o eu cede espao para o ns. Os projetos pessoais caminham em prol do benefcio da unio. Os vnculos so mais slidos, no se limitando a uma questo afetiva ou sexual ou financeira. O que h um projeto de vida em comum, em que cada um dos parceiros age pensando no proveito da relao. Pode at no dar certo, mas no por falta de vontade. Os namoros, a princpio, no tm isso. Podem at evoluir para uma unio estvel ou casamento civil, mas, muitas vezes, se estagnam, no passando de um mero relacionamento pessoal, fundados em outros interesses, como sexual, afetivo, pessoal e financeiro. Um supre a carncia e o desejo do outro. Na linguagem dos jovens, os parceiros se curtem (grifo do autor) 72.

    Para se ter certeza dessa inteno de formar famlia e, se efetivamente os projetos

    caminham em busca do benefcio daquela unio, deve ser observado o modo como os sujeitos

    da relao se portam perante a sociedade e perante eles mesmos, verificando-se o tratamento

    que eles dispensam aos seus parceiros.

    Segundo Rolf Madaleno:

    O propsito de formar famlia se evidencia por uma srie de comportamentos

    exteriorizando a inteno de formar famlia, a comear pela maneira como o casal se apresenta socialmente, identificando um ao outro perante terceiros como se casados fossem, sendo indcios adicionais e veementes, a mantena de um lar comum, a frequncia conjunta a eventos familiares e sociais, a existncia de filhos comuns, o casamento religioso, e dependncia alimentar, ou indicaes como dependentes em clubes sociais, cartes de crditos, previdncia social ou particular, como beneficirio de seguros ou planos de sade, mantendo tambm contas bancrias conjuntas73.

    Qualquer meio que se possa verificar que o casal se trata e se reconhece buscando a

    formao de famlia e assim se constituindo, ser vlido para se comprovar a existncia de

    unio estvel.

    De acordo com o pargrafo 1 do artigo 1.723 do Cdigo Civil74, h, ainda, mais um

    requisito a ser preenchido, que a inexistncia de qualquer dos impedimentos do artigo 1.521

    do Cdigo Civil, ou seja, no se constituir unio estvel de ascendentes com os

    descendentes, seja por parentesco natural ou civil; dos parentes por afinidade em linha reta; do

    72 MINAS GERAIS. Tribunal de Justia. Apelao Cvel N 1.0145.05.280647-1/001, da Quinta Cmara Cvel. Relatora: Maria Elza, 21 de janeiro de 2009. Disponvel em: . Acesso em: 11 dez. 2010. 73 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 787. 74 $UW>@ 1o A unio estvel no se constituir se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; no se aplicando a incidncia do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar sepDUDGDGHIDWRRXMXGLFLDOPHQWH

  • 24

    adotante com quem foi cnjuge o adotado e do adotado com quem o foi do adotante; os

    irmos, sejam unilaterais ou bilaterais, e demais parentes colaterais, inclusive at o terceiro

    grau; o adotado com o filho do adotante; as pessoas que forem casadas, salvo se separadas de

    fato ou judicialmente; e o cnjuge sobrevivente com a pessoa que foi condenada por

    homicdio ou tentativa de homicdio contra o seu companheiro.

    Aqui, pode-se perceber uma das diferenas entre a unio estvel e o casamento, visto

    que, para o casamento, a pessoa deve estar livre de qualquer dos impedimentos elencados no

    artigo 1.521. Para se constituir uma unio estvel, porm, admite-se que a pessoa esteja

    casada, desde, claro, que separada de fato ou judicialmente.

    Em relao a todos os requisitos estudados, deve-se atentar para o fato de que no h a

    necessidade do preenchimento absoluto de todos eles; pois, conforme Rodrigo da Cunha

    Pereira:

    Se faltar um desses elementos, no significa que esteja descaracterizada a unio estvel. o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a formatar o conceito de famlia. O essencial que se tenha formado com aquela relao afetiva e amorosa uma famlia, repita-se. 75

    $ILQDO DXQLmRHVWiYHOQDGDPDLVpGRTXHPHURDFRUGRGHYRQWDGHVQRVHQWLGRGD

    comunho de vidas, livre das amarras e solenidades prprias do matrimnio, no obstante

    SRVVDYLUDVXUWLUUHVXOWDGRVTXHLQWHUHVVDPDRFDPSRMXUtGLFR76.

    Desse modo, analisados os requisitos a ensejarem a unio estvel, conclui-se que a

    unio estvel baseia-se, basicamente, no vnculo afetivo formado entre duas pessoas, com o

    intuito de constituir uma famlia, mas sem se submeter s formalidades do casamento. Como

    j dito acima, porm, caber ao juiz, analisando os requisitos e apurando possveis

    impedimentos, verificar as peculiaridades de cada caso concreto, para decidir se determinado

    relacionamento se configura, ou no, como uma entidade familiar a ser reconhecida pelo

    Estado, na forma de unio estvel, e receber a devida proteo conferida a essas entidades.

    75 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da unio estvel. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coords.). Direito de famlia e o novo Cdigo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 209. 76 MATIELO, Unio estvel concubinato: repercusses jurdico-patrimoniais, p. 23.

  • 25

    Como uma forma de auxlio ao julgador, caber a este analisar, ainda, os princpios

    constitucionais aplicveis ao direito de famlia, afinal, tais princpios servem como pilares do

    direito, cabendo ao juiz verificar os princpios a serem aplicados no caso que for posto sua

    apreciao.

  • 26

    2 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS APLICVEIS AO DIREITO DE FAMLIA

    O direito brasileiro atual regido principalmente e primeiramente por princpios,

    afinal, nenhuma regra pode contrariar princpios constitucionais. No direito de famlia essa

    importncia e prevalncia dos princpios muito clara, pois depara-se com a vida das pessoas,

    seja o desenvolvimento de uma criana, os direitos de um idoso, as relaes afetivas entre um

    casal, etc.

    Prima-se pelo bem-estar dos envolvidos e, na maioria das vezes, trata-se de casos

    atpicos, nicos, que no podem ser analisados apenas pela formalidade das leis, mas devem

    ser avaliados levando-se em considerao o caso concreto em conformidade com os

    princpios constitucionais a serem respeitados, pois os princpios tm o poder de incorporar

    valores ticos com valores jurdicos e polticos. Conforme Maria Berenice Dias, os princpios

    FRQVDJUDPYDORUHVJHQHUDOL]DQWHVHVHUYHPSDUDEDOL]DUWRGDVDVUHJUDVDVTXDLVQmRSRGHP

    DIURQWDUGLUHWUL]HVFRQWLGDVQRVSULQFtSLRV 77.

    So muitos os princpios que norteiam o direito de famlia, havendo os explcitos e

    outros implcitos, que vm sendo reconhecidos pela doutrina e jurisprudncia, sendo que cada

    autor reconhece um determinado nmero de princpios aplicveis ao ramo, no sendo possvel

    citar todos eles. Desse modo, analisar-se-o os princpios mais condizentes com o assunto que

    est sendo tratado no presente trabalho.

    2.1 Princpio da dignidade da pessoa humana

    O princpio da dignidade da pessoa humana considerado o princpio constitucional

    mais importante, tanto o que vem elencado j no artigo 1 da Constituio Federal, e vem

    sendo preconizado como um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil, em seu

    77 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 48.

  • 27

    inciso III, a dignidade da pessoa humana78WUD]HQGRFRPRXPDGDVILQDOLGDGHV a ser sempre

    EXVFDGDRXSUHVHUYDGDSHOR(VWDGREUDVLOHLUR79.

    Nesse sentido, Maria Berenice Dias entende que a dignidade da pessoa humana

    YDORU QXFOHDU GD RUGHP FRQVWLWXFLRQDO 80 VHQGR XP PDFURSULQFtSLR GR TXDO VH LUUDGLDP

    WRGRVRVGHPDLV81.

    Desse modo, percebe-se que a dignidade da pessoa humana que rege todo o

    ordenamento jurdico, de tal modo que deve ser sempre respeitada, devendo o Estado coibir

    prticas que atentem contra este princpio, bem como promover aes a fim de assegurar essa

    garantia a todas as pessoas.

    s vezes, todavia, surgem dvidas acerca do que seria essa dignidade, sendo que esse

    direito, que parece estar to claro na mente das pessoas, no se mostra de forma to evidente

    no momento em que surge a necessidade de se exteriorizar o seu significado, j que a lei no

    traz uma definio.

    Assim, segundo Ingo Wolfang Sarlet:

    Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrnseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos. 82

    Portanto a dignidade no se adquire, a pessoa nasce com essa qualidade e, a partir do

    seu nascimento, ela merecedora de respeito por parte do Estado e da comunidade, sendo

    dever do Estado e da famlia garantir o seu pleno desenvolvimento. De tal modo

    consolidado o princpio da dignidade da pessoa humana, no que se refere ao direito de famlia, 78 $UW$5HS~EOLFD)HGHUDWLYDGR%UDVLOIRUPDGDSHODXQLmRLQGLVVRO~YHOGRV(VWDGRVH0XQLFtSLRVHGR'LVWULWR)HGHUDOconstitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: [...] III - DGLJQLGDGHGDSHVVRDKXPDQD 79 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 95. 80 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 52. 81 Ibidem. 82 Apud GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 392.

  • 28

    que em seu artigo 226, pargrafo 7, a Carta Magna consigna que o planejamento familiar est

    fundado no referido princpio em conjunto com o princpio da paternidade responsvel83.

    Ainda, Rodrigo da Cunha Pereira afirma: TXDQGRXPDFRLVDWHPXPSreo, podemos

    substitu-la por qualquer outra como equivalente; mas o homem, superior coisa, est acima

    GHWRGRSUHoRSRUWDQWRQmRSHUPLWHHTXLYDOHQWHSRLVHOHWHPGLJQLGDGH84RXVHMDDVFRLVDV

    WHPSUHoRHDVSHVVRDVGLJQLGDGH85.

    Dessa forma, qualquer pessoa insubstituvel e, assim sendo, no pode ser tratada

    como objeto. Nem sempre, todavia, essa dignidade foi respeitada, sendo que na histria so

    inmeros os exemplos de indignidade no direito de famlia, tendo havido pocas em que as

    mulheres eram tratadas como objeto, como um bem do homem e, da mesma forma, os filhos.

    Como exemplos dessa indignidade, pode-se citar a excluso da mulher ao princpio da

    igualdade, a proibio do registro do nome do pai de filhos havidos fora do casamento, bem

    como o no reconhecimento de famlias que no fossem formadas a partir do casamento86,

    entre outros.

    Muita coisa mudou desde ento, a mulher adquiriu direitos, sendo hoje considerada

    pessoa prpria de dignidade e, consequentemente, de respeito. Da mesma forma, para uma

    famlia assim ser reconhecida, no precisa ter sido criada exclusivamente atravs dos ditames

    do casamento, sendo que outras formas de constituio de famlia passaram a ser

    reconhecidas e, de tal modo, outras formas de relaes entre homem e mulher tambm.

    Em recente deciso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu as unies homoafetivas,

    conforme colaciona:

    ARGUIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONEXA. UNIO HOMOAFETIVA. EQUIPARAO UNIO ESTVEL ENTRE HOMEM E MULHER (ART. 226, 3., DA CONSTITUIO DA REPBLICA). ART. 19, INCISOS II E V, E O ART. 33, INCISOS I A X E PARGRAFO NICO, TODOS DO DECRETO-LEI N. 220/75, DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. DECISES JUDICIAIS DE TRIBUNAIS DE JUSTIA, ESPECIALMENTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RECEBIMENTO DA ADPF COMO AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, COM APRECIAO DE PEDIDO SUBSIDIRIO. GOVERNADOR DO ESTADO: PERTINNCIA TEMTICA. TEORIA DOS DEVERES DE PROTEO. DEVER DE PROMOO DOS

    83 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 19. 84 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 97. 85 Ibidem, p. 96. 86 Ibidem, p. 100.

  • 29

    DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADOS. GARANTIA INSTITUCIONAL DA FAMLIA (ART. 226, CAPUT). CARACTERIZAO DA UNIO ESTVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR. IGUALDADE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, NA VERTENTE DA PROTEO DA AUTONOMIA INDIVIDUAL. DIREITOS DE PERSONALIDADE. SEGURANA JURDICA: PREVISIBILIDADE E CERTEZA DOS EFEITOS JURDICOS DAS RELAES ESTABELECIDAS ENTRE INDIVDUOS DO MESMO SEXO. INTERPRETAO CONFORME A CONSTITUIO DO ART. 1.723 DO CDIGO CIVIL. 1. O Estado responsvel pela proteo e promoo dos direitos fundamentais, luz da teoria dos deveres de proteo. 2. O Governador do Estado atende o requisito da pertinncia temtica para deflagrao do controle concentrado de constitucionalidade dos atos do Poder Pblico na defesa dos direitos fundamentais de seus cidados. 3. A garantia institucional da famlia, insculpida no art. 226, caput, da Constituio da Repblica, pressupe a existncia de relaes de afeto, assistncia e suporte recprocos entre os membros, bem como a existncia de um projeto coletivo, permanente e duradouro de vida em comum e a identidade de uns perante os outros e cada um deles perante a sociedade. 4. A unio homoafetiva se enquadra no conceito constitucionalmente adequado de famlia. 5. O art. 226, 3, da Constituio deve ser interpretado em conjunto com os princpios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana em sua vertente da proteo da autonomia individual e da segurana jurdica, de modo a conferir guarida s unies homoafetivas nos mesmos termos que a confere s unies estveis heterossexuais. 6. Interpretao conforme a Constituio do art. 1.723 do Cdigo Civil de 2002, para permitir sua aplicao s unies homoafetivas. 7. Pedidos julgados procedentes87.

    A Constituio Federal de 1988 estipula que deve prevalecer o bem-estar de cada

    LQGLYtGXRGDIDPtOLDVHQGRJDUDQWLGRFRPRGLUHLWRFRQVWLWXFLRQDOGRVHUKXPDQRVHUIHOL]88,

    devendo ser respeitadas suas escolhas e o modo como cada famlia decide formar esse

    vnculo, sendo que o direito de famlia deve ter como nico propsito assegurar a comunho

    plena de vida no s dos cnjuges, mas dos unidos estavelmente e de cada integrante da

    sociedade familiar89, em respeito dignidade de cada um.

    Assim, conforme Rodrigo da Cunha Pereira:

    A dignidade, portanto, o atual paradigma do Estado Democrtico de Direito, a determinar a funcionalizao de todos os institutos jurdicos pessoa humana. Est em seu bojo a ordem imperativa a todos os operadores do Direito de despir-se de preconceitos principalmente no mbito do Direito de Famlia , de modo a se evitar tratar de forma indigna toda e qualquer pessoa humana, principalmente na seara do Direito de Famlia, que tem a intimidade, a afetividade e a felicidade como seus principais valores.90

    87 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ao Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277. Relator: Ministro Luiz Fux, Braslia, DF, 05 de maio de 2011. Disponvel em: www.stf.jus.br. Acesso em 11 mai. 2011. 88 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 53. 89 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 21. 90 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 106.

  • 30

    O que significa dizer que, no direito de famlia, no pode haver preconceitos como

    havia antigamente em relao s mulheres; pois, a partir de 1988, ordem constitucional a

    dignidade de todas as pessoas, devendo haver respeito por parte do Estado, da comunidade e

    da prpria famlia em relao a todos os seus integrantes, devendo primar-se que cada um

    tenha uma vida saudvel e digna.

    2.2 Princpio da afetividade

    At o sculo XIX, a famlia era formada basicamente por interesses econmicos,

    religiosos ou sociais, sendo constituda de fRUPD SDWULDUFDO HP TXH R FKHIH GH IDPtOLD

    mantinha economicamente sua esposa e seus filhos e esses, muitas vezes, eram tratados

    realmente como propriedades suas.

    A partir do sculo XX, mais precisamente com o advento da Constituio da

    Repblica, no ano de 1988, passou-se a reconhecer a famlia formada pelo afeto, pelo

    sentimento mtuo entre as pessoas que a constituem, no mais com base na ideia do homem

    como chefe da famlia, casado com sua esposa, que tem como dever cuidar de seu marido, da

    casa e dos filhos do casal.

    $&DUWD0DJQDQmRWUD]H[SUHVVDPHQWHRSULQFtSLRGDDIHWLYLGDGHPDVDRHVWDEHOHFHU

    D SOXUDOLGDGH GDV HQWLGDGHV IDPLOLDUHV UHFRQKHFH D DIHWLYLGDGH FRPR EDVH GD IDPtOLD 91,

    reconhecendo que a famlia se forma pelo elo afetivo que seus componentes estabelecem entre

    si.

    CRPR FRQFHLWR GR SULQFtSLR GD DIHWLYLGDGH 3DXOR /{ER DVVLP HVWDEHOHFH p R

    princpio que fundamenta o direito de famlia na estabilidade das relaes socioafetivas e na

    comunho de vida, com primazia sobre as consideraes de carter patrimonial ou

    ELROyJLFR92.

    91 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 392. 92 LBO, Paulo. Direito Civil: Famlias. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.

  • 31

    2 DIHWR VHJXQGR 5ROI 0DGDOHQR p D PROD SURSXOVRUD GRV ODoRV IDPLOLDUHV H GDV

    relaes interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido

    HGLJQLGDGHjH[LVWrQFLDKXPDQD93.

    Ainda, Rodrigo da Cunha Pereira faz referncia definio que Srgio Resende de

    Barros traz acerca do afeto familiar, como sendo:

    Um afeto que enlaa e comunica as pessoas, mesmo quando estejam distantes no tempo e no espao, por uma solidariedade ntima e fundamental de suas vidas de vivncia, convivncia e sobrevivncia quanto aos fins e meios de existncia, subsistncia e persistncia de cada um e do todo que formam94.

    As relaes socioafetivas sempre estaro acima das relaes exclusivamente com

    carter patrimonial ou biolgico. Um exemplo muito claro disso a valorizao que, muitas

    vezes, se d aos laos de afetividade, junto com a convivncia familiar, formados pela

    filiao, em detrimento aos vnculos, exclusivamente, consanguneos95.

    Apesar de a Constituio Federal no o trazer expressamente, em alguns trechos,

    pode-se perceber visivelmente o princpio da afetividade implcito em outros fundamentos, os

    quais so referidos por Paulo Lbo, tais como:

    a) todos os filhos so iguais, independente de sua origem (art. 227, 6); b) a adoo, como escolha afetiva, alou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, 5 e 6); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de famlia constitucionalmente protegida (art. 226, 4); d) a convivncia familiar (e no a origem biolgica) prioridade absoluta assegurada criana e ao adolescente (art. 227)96.

    Nesse sentido, Belmiro Welter elencou algumas passagens do Cdigo Civil, em que o

    legislador, tambm no refere, de forma expressa, mas, de forma implcita, traz uma

    valorizao ao princpio da afetividade, so eles:

    93 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 66. 94 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 180. 95 Ibidem, p. 183. 96 LBO, Direito Civil: Famlias, p. 48.

  • 32

    a) ao estabelecer a comunho plena de vida no casamento (CC 1.511); b) quando admite outra origem filiao alm do parentesco natural e civil (CC 1.593); c) na consagrao da igualdade na filiao (CC 1.596); d) ao fixar a irrevogabilidade da perfilhao (CC 1.604); e e) quando trata do casamento e de sua dissoluo, fala antes das questes pessoais do que dos seus aspectos patrimoniais97.

    $OpP GHVVDV KLSyWHVHV 5ROI 0DGDOHQR DLQGD FLWD FRPR SURYD GD LPSRUWkQFLD GR

    DIHWRQDVUHODo}HVKXPDQDV98, a possibilidade da inseminao artificial heterloga99, prevista

    no artigo 1.597, inciso V, do Cdigo Civil100.

    Dessa forma, percebe-se que, embora o legislador no aborde, de forma explcita, o

    princpio da afetividade, ele est presente no ordenamento jurdico brasileiro em vrias

    passagens e, de variadas formas, e isso, tanto no Cdigo Civil como na Constituio Federal,

    a lei maior. a forma de reconhecimento pelo legislador do afeto como valor jurdico.

    Em decorrncia desse sentimento que as pessoas nutrem umas pelas outras, forma-se,

    gradualmente, a famlia, pois os laos afetivos no brotam da relao de sanguinidade, mas

    sim da convivncia101 &RQIRUPH UHIHUH 5ROI0DGDOHQR R DIHWR GHFRUUH GD OLEHUGDGH TXH

    todo indivduo deve ter de afeioar-se um a outro, decorre das relaes de convivncia do

    FDVDOHQWUHVLHGHVWHVSDUDFRPVHXVILOKRVHQWUHRVSDUHQWHV102.

    A famlia, assim vai se transformando, com o tempo, na medida em que se valorizam

    suas funes afetivas103, na medida em que se busca a felicidade mtua e, tambm, em que o

    afeto no seu nico elemento, havendo, ainda, o respeito entre seus componentes, o respeito

    dignidade de cada um.

    6HJXQGR 5RGULJR GD &XQKD 3HUHLUD QmR p TXDOTXHU DIHWR TXH FRPS}H XP Q~FOHR

    IDPLOLDU 104 7DPEpP HOH FLWD 3DXOR /XL]1HWWR/RER R TXDO LGHQWLILFD FRPR HOHPHQWRV

    definidores de um ncleo familiar, alm da afetividade, a RVWHQWDELOLGDGHHDHVWDELOLGDGH105,

    definindo esses requisitos da seguinte forma:

    97 Apud DIAS, Manual de direito das famlias, p. 60. 98 MADALENO, Curso de direito de famlia, p. 67. 99 Ibidem. 100 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constncia do casamento os filhos: [...] V - havidos por inseminao artificial heterloga, desde que tenha prvia autorizao dRPDULGR 101 DIAS, loc.cit. 102 MADALENO, op. cit., p. 66. 103 DIAS, op. cit., p. 61. 104 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 181. 105 Ibidem.

  • 33

    A afetividade o fundamento e finalidade da famlia, com desconsiderao do PyYHO HFRQ{PLFR D HVWDELOLGDGH LPSOLFD HP FRPXQKmR GH YLGD Hsimultaneamente, exclui relacionamentos casuais, sem compromisso; j a ostentabilidade pressupe uma entidade familiar reconhecida pela sociedade enquanto tal, que assim se apresente publicamente106.

    Assim sendo, percebe-se que, para a formao da entidade familiar, o afeto

    considerado o elemento mais importante, justamente por ser o seu componente formador e o

    que garante o seu crescimento e, consequentemente, a sua sobrevivncia. Outros elementos,

    porm, devem coexistir com o afeto, a fim de se certificar que efetivamente se est diante de

    uma famlia e no apenas de uma relao de carinho e de amizade.

    Esse reconhecimento do elemento afetivo como formador da famlia contempornea e

    como valor jurdico veio com a Constituio Federal de 1988, porm essas relaes formadas

    pelo afeto no passaram a existir somente quando a Constituio assim o reconheceu. Os

    relacionamentos baseados no afeto passaram a existir com o passar do tempo, sendo que a

    prpria sociedade foi criando este, at ento, novo tipo de relacionamento.

    Vale ressaltar que o Estado no cria uma famlia, mas a sociedade quem vai criando

    novas formas de famlias, cabendo ao Estado apenas proteg-las107 7RGDYLD DWXDOPHQWH

    existem novas necessidades que no esto previstas, tampouco protegidas pelo ordenamento

    jurdico, mas que no podem passar despercebidas, sob pena de se promover a indignidade da

    SHVVRDKXPDQD108. Afinal, no h a possibilidade de o Estado vir a prever todos os tipos de

    relaes que a sociedade pode vir a criar; mas, conforme elas vo se formando, o Estado deve

    proteg-las.

    De tal modo que, de acordo com o artigo 226 da Constituio Federal so

    reconhecidas como entidades familiares o casamento, a unio estvel e a famlia

    PRQRSDUHQWDO3RUpPFRQIRUPHHQWHQGH&ULVWLDQR&KDYHVGH)DULDVpSUHFLVRUHVVDltar que o

    rol da previso constitucional no taxativo, estando protegida toda e qualquer entidade

    IDPLOLDUIXQGDGDQRDIHWRHVWHMDRXQmRFRQWHPSODGDH[SUHVVDPHQWHQDGLFomROHJDO109.

    Resta evidenciado, portanto, que toda e qualquer forma de entidade familiar deve vir a

    ser protegida pelo Estado, desde que fundadas nos requisitos j expostos acima, tais como o 106 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 181. 107 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 393. 108 Ibidem. 109 Ibidem.

  • 34

    afeto, a ostentabilidade e a estabilidade, pois , dessa forma, que a famlia atual vem se

    consolidando, sempre em busca do amor e da felicidade.

    Rodrigo da Cunha Pereira transcreve um trecho de Giselda Hironaka, em que sintetiza

    muito bem esse modelo das famlias que vm se formando:

    Vale dizer, a verdade jurdica cedeu vez imperiosa passagem e instalao da verdade da vida. E a verdade da vida est a desnudar aos olhos de todos, homens ou mulheres, jovens ou velhos, conservadores ou arrojados, a mais esplndida de todas as verdades: neste tempo em que at o milnio muda, muda a famlia, muda o seu cerne fundamental, muda a razo de sua constituio, existncia e sobrevida, mudam as pessoas que a compem, pessoas estas que passam a ter a coragem de admitir que se casam principalmente por amor, pelo amor e enquanto houver amor. Porque s a famlia assim constituda independente da diversidade de sua gnese pode ser mesmo aquele remanso de paz, ternura e respeito, lugar em que haver, mais que em qualquer outro, para todos e para cada um de seus componentes, a enorme chance da realizao de seus projetos de felicidade110.

    A famlia atual mudou seus interesses em comparao quela do sculo passado, a

    famlia patriarcal. Os casais no formam uma famlia visando a interesses econmicos, ou

    porque a religio, seus pais ou a sociedade em que vivem assim a determinam, ou com o

    intuito exclusivo apenas de procriar. Igualmente, no formam uma famlia to s em torno do

    casamento. Do mesmo modo, uma famlia no mais aquela apenas constituda por um pai,

    uma me e seus filhos.

    As pessoas constituem suas famlias porque querem dividir uma vida em comum,

    porque tm projetos e sentimentos recprocos, como o afeto, o respeito, o amor, o

    companheirismo, dentre vrios outros, e, principalmente, constituem suas famlias buscando a

    to desejada felicidade.

    110 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 191.

  • 35

    2.3. Princpio da monogamia

    A monogamia a proibio de um homem se relacionar com mais de uma mulher e,

    do mesmo modo, de a mulher se relacionar com mais de um homem. Assim, questiona-se se

    se trata de um princpio jurdico ou apenas uma regra moral instituda pela sociedade?

    A monogamia foi reconhecida como princpio no direito romano, uma vez que o

    casamento romano era estritamente monogmico111. No direito brasileiro, a monogamia

    encontra respaldo no Cdigo Civil de 2002, nos seguintes artigos: artigo 1.521, inciso VI, o

    qual probe o casamento de pessoas casadas; artigo 1.548, inciso II, que considera nulo o

    casamento em que houver algum impedimento; artigo 550, que possibilita a anulao de

    doao feita por cnjuge adltero; artigo 1.573, inciso I, o qual considera como uma

    caracterstica da impossibilidade da comunho de vida, citada no artigo 1.572, o adultrio; e,

    o artigo 1.727, que considera como concubinato as relaes no eventuais entre o homem e a

    mulher impedidos de casar.

    Para Antunes Varela, o princpio da monogamia o princpio da unidade matrimonial,

    sendo essencial aos cnjuges na comunho plena de vida, uma vez que no possvel

    HQWUHJDU-se plenamente DPDLVGRTXHXPDSHVVRD112 (grifo do autor). No entendimento de

    5RGULJRGD&XQKD3HUHLUDRSULQFtSLRGDPRQRJDPLDpXPSULQFtSLo bsico e organizador

    GDVUHODo}HVMXUtGLFDVGDIDPtOLDGRPXQGRRFLGHQWDO113.

    J para Maria Berenice Dias:

    A monogamia [...] no foi instituda em favor do amor, mas como mera conveno decorrente do triunfo da propriedade privada sobre o estado condominial primitivo. Mas a uniconjugalidade no passa de um sistema de regras morais, de interesses antropolgicos, psicolgicos e jurdicos, embora disponha de valor jurdico114.

    111 MOTTA, Carlos Dias. Princpios fundamentais de direito matrimonial. In: COLTRO, Antnio Carlos Mathias (Coord.). Estudos jurdicos em homenagem ao centenrio de Edgard de Moura Bittencourt: a reviso do direito de famlia. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, p. 135. 112 Ibidem, p. 136. 113 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 107. 114 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 51.

  • 36

    Como se v, os entendimentos so os mais variados, sendo que h os que defendem

    que a monogamia um princpio constitucional e um dos princpios ordenadores do direito de

    famlia, porm h os que entendem que se trata apenas de uma regra moral instituda ao longo

    da histria, cabendo a cada um ou a cada casal, estabelecer at onde o seu relacionamento e

    seus valores vo de consonncia a esta regra.

    Rodrigo da Cunha Pereira cita um texto do ano de 1917, de autoria de Sigmund Freud,

    o qual entendia que a monogamia originou-se pela obrigatoriedade da virgindade da mulher e

    ideia de posse e propriedade115, sendo que em sua obra disse:

    Poucas particularidades da vida sexual dos povos primitivos so to estranhas a nossos prprios sentimentos quanto a valorizao da virgindade, o estado de intocabilidade da mulher [...]. A exigncia de que a moa leve para o casamento com determinado homem qualquer lembrana de relaes sexuais como outro nada mais , realmente que a continuao lgica do direito de posse exclusiva da mulher, que constitui a essncia da monogamia, a extenso desse monoplio para incluir o passado (grifo do autor) 116.

    A verdade que atualmente no mais se exige que a mulher case virgem, bem como

    no se tem mais a imagem da mulher como uma propriedade do homem; visto que, com o

    advento da Constituio Federal de 1988, ficou consolidado um direito que j vinha sendo

    construdo, o direito da mulher ser respeitada e ser pessoa prpria de dignidade.

    De acordo com Rodrigo da Cunha Pereira, sempre houve proibies e interdies ao

    desejo em todas as civilizaes e sempre haver117$LQGDDILUPDHOHTXHDPRQRJDPLDpXP

    interdito viabilizador da organizao da famlia, e sua essncia no apenas de um

    regramento moral ou moralizante, mas de um interdito proibitrio, sem o qual no possvel

    RUJDQL]DomR VRFLDO H MXUtGLFD 118. Afinal, h a necessidade de se evitar o excesso, de fazer

    UHQ~QFLDV SDUD DVVLP KDYHU FLYLOL]DomR SRLV QmR p DSHQDV XPD TXHVWmR PRUDO PDV GH

    necessidade de alguma interdio, pois se no houver proibies no ser possvel a

    constituio do sujeito e, consHTXHQWHPHQWHGHUHODo}HVVRFLDLV119.

    115 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 107. 116 Ibidem. 117 Ibidem, p. 109. 118 Ibidem, p. 110. 119 Ibidem.

  • 37

    Sabe-se, todavia, que, embora o Estado tenha institudo a monogamia como um

    interdito, que as pessoas no desrespeitam essa regra imposta, pois se a fidelidade se tornou

    um dever do casamento, porque o desejo da infidelidade existe120MiTXHDWRGRGHVHMRKi

    XPDOHLTXHVHOKHFRQWUDS}H121.

    O que significa que o legislador no cria o desejo, mas ele sempre ir impor regras aos

    desejos dos homens que vierem a ameaar, de alguma forma, a ordem social ou os

    regulamentos gerais daquele Estado.

    No entanto, deve-se questionar at onde o Estado pode intervir nas relaes pessoais;

    pois, a princpio, o dever da monogamia entre um casal, deveria dizer respeito apenas a eles.

    Rodrigo da Cunha Pereira assim entende:

    Se a relao extraconjugal for apenas eventual, uma simples aventura, provavelmente isto ficaria na ordem do privado, e entre o prprio casal deveria ser UHVROYLGRVHDTXHOHDUUDQMRpYLiYHOHVXSRUWiYHORXVHOHYDULDDRURPSLPHQWRGDrelao. Situao diferente se daquela relao extraconjugal originasse uma outra famlia conjugal. A estaria ferindo o princpio jurdico da monogamia, ainda que tivesse a permisso do cnjuge ou companheiro. Em contrapartida, aquela outra famlia, paralela ao casamento ou unio estvel, foi constituda de fato. Tornou-se uma realidade jurdica122.

    Por mais que este princpio no seja respeitado pelo indivduo, no seria possvel

    nenhuma sano lhe ser imposta. J foram citados os artigos que dizem respeito ao referido

    princpio no ordenamento jurdico brasileiro, mas no h uma sano a ser imposta a quem

    no queira ser monogmico.

    Nesse sentido, Maria Berenice Dias afirma:

    Mesmo sendo indicada na lei como requisito obrigacional a mantena da fidelidade, trata-se de direito cujo adimplemento no pode ser exigido em juzo. Ou seja, desatendendo um par o dever de fidelidade, no se tem notcia de ter sido proposta, na constncia do casamento, demanda que busque o cumprimento de tal dever. Tratar-se-ia de execuo de obrigao de no fazer? E, em caso de procedncia, de que forma poderia ser executada a sentena que impusesse a abstinncia sexual extramatrimonial ao demandado? Ademais, se eventualmente no cumprem um ou

    120 PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 112. 121 Ibidem, p. 111. 122 Ibidem, p. 114.

  • 38

    ambos os cnjuges dito dever, tal em nada afeta a existncia, a validade ou a eficcia do vnculo matrimonial. Mas no s. Cabe figurar a hiptese de no ser consagrado dito dever em norma legal, seria de admitir-se que deixou de existir e de se poder exigir a fidelidade, quem sabe o mais sagrado compromisso entre os cnjuges? Deixaria de haver a possibilidade de se buscar a separao se no estabelecido em lei esse direito dever ou dever-direito dos consortes?123

    Antigamente, uma pessoa, ao ajuizar ao de separao, devia alegar os motivos para

    o rompimento do matrimnio; porm, nos dias atuais, no mais se discute a culpa pelo fim da

    conjugalidade, ou seja, se o companheiro ou cnjuge for infiel, o outro poder dar fim ao

    relacionamento, acarretando, dessa forma, numa consequncia afetiva, mas no lhe ser

    imposta nenhuma sano pelo Estado pela prtica da infidelidade.

    De qualquer modo, se o sujeito constituiu uma famlia, ela, de fato, existe

    independentemente de o Estado lhe atribuir efeitos jurdicos ou no. Mas como lhe negar tais

    efeitos, se, no campo ftico, ela no deixar de existir, tornando-se, queira o Estado ou no,

    uma realidade jurdica?

    No conceder direitos aos concubinos, seria uma forma de fazer injustia, sendo que

    isso acabaria por beneficiar os sujeitos daquela relao protegida oficialmente, fosse o prprio

    casamento ou a unio estvel, retrocedendo-se no tempo, e voltando teoria onde tudo

    comeou, ou seja, a teoria do enriquecimento ilcito124.

    Nessa linha, Rodrigo da Cunha Pereira afirma:

    No h dvida de que o concubinato (adulterino) fere o princpio da monogamia, bem como a lgica do ordenamento jurdico ocidental e em particular o brasileiro. O mais simples e elementar raciocnio nos faz concluir isto. [...] Mas, se o fato de ferir este princpio significar fazer injustia, devemos recorrer a um valor maior que o da prevalncia da tica sobre a moral para que possamos aproximar do ideal de justia. [...] o Direito deve proteger a essncia e no a forma, ainda que isto custe DUUDQKDU R SULQFtSLR MXUtGLFR GDPRQRJDPLD 6H R ILP GRV SULncpios jurdicos ajudar a atingir um bem maior, ou seja, a justia, este paradoxo do concubinato adulterino deve ser resolvido, ento, em cada julgamento, e cada julgador aplicando outros princpios e a subjetividade que cada caso pode conter quem dever aplicar a justia, dentro do seu poder de discricionariedade125.

    123 Apud PEREIRA, Princpios fundamentais norteadores para o direito de famlia, p. 115. 124 Ibidem, p. 123. 125 Ibidem.

  • 39

    Isso significa dizer que o objetivo final do legislador deve ser sempre a tica e a

    justia, porm, o direito de famlia, como j visto anteriormente, um ramo que tem como

    princpios fundamentais e ordenadores a dignidade da pessoa humana e a afetividade, os quais

    acabam confrontando com o princpio da monogamia. Neste sentido:

    As atuais famlias so estabelecidas de acordo com os princpios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, buscando a realizao de cada membro. Esses princpios e o da monogamia acabam sendo incompatveis, no tendo condies de coexistirem no atual Direito de Famlia. Assim, h que se optar entre a efetiva realizao do ser humano, buscando sua dignidade e a valorizao do afeto, ou o cumprimento das regras morais impostas pela sociedade, atendendo satisfao do Estado126.

    Afinal, unnime o entendimento de que o princpio constitucional da dignidade da

    pessoa humana o macro princpio do direito atual. Todavia, o princpio da monogamia nem

    pode ser considerado constitucional, j que a Constituio no o contempla e, ainda, chega a

    tolerar a traio ao no permitir qualquer discriminao aos filhos havidos de relaes

    adulterinas ou incestuosas127.

    Resta claro, dessa forma, que o que dever sempre vigorar a dignidade do indivduo,

    o qual vem buscando, cada vez mais, a realizao afetiva em consonncia com a felicidade.

    3DUD&DUORV(GXDUGR3LDYQRVNLQmRVHSRGHDILUPDUSRLVTXHDPRQRJDPLDVHMDXP

    princpio do direito estatal de famlia, mas, sim, uma regra restrita proibio de mltiplas

    relaes matrimonializadas HSRUWDQWRFRQVWLWXtGDVVREDFKDQFHODSUpYLDGR(VWDGR128.

    Portanto, sendo o direito de famlia um ramo em que cada caso nico, fica sempre a

    cargo do julgador analisar suas peculiaridades, bem como seus aspectos subjetivos e, ento,

    sem qualquer preconceito, aplicar os princpios que entenda sejam cabveis quele caso,

    buscando o bem maior.

    126 GOECKS, Renata Miranda; OLTRAMARI, Vitor Hugo. A possibilidade do reconhecimento da unio estvel putativa e paralela como entidade familiar frente aos princpios constitucionais aplicveis. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Maringela Guerreiro (Coords.). Atualidades do direito de famlia e sucesses. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008, p. 394. 127 DIAS, Manual de direito das famlias, p. 51. 128 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famlias simultneas e monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Famlia e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 198.

  • 40

    No entanto, no podem ser analisados apenas os aspectos subjetivos, mas tambm os

    objetivos e, para tanto, passa-se a analisar o que seria concubinato, os tipos de concubinatos

    existentes, os entendimentos acerca desse tipo de relacionamento, bem como os efeitos e

    consequncias que podem advir dele no campo jurdico.

  • 41

    3 A UNIO ESTVEL E O CONCUBINATO

    Antigamente concubinato era conhecido como toda unio no matrimonializada, no

    sendo reconhecido por parte do Estado nem recebendo proteo jurdica. Dividia-se em

    concubinato puro e concubinato impuro, sendo que o impuro era conhecido como aquelas

    relaes entre os impedidos de casar e o puro era para as relaes que no guardavam

    qualquer impedimento para o casamento.

    Com o advento da Constituio Federal de 1988, o concubinato puro passou a se

    denominar unio estvel, passando a ser reconhecido como entidade familiar a receber

    proteo do Estado. Perduraram, porm, questionamentos quanto ao que poderia ser

    considerado concubinato e/ou unio estvel.

    O Cdigo Civil de 2002 trouxe essa diferenciao, sendo que, de acordo com o artigo

    1.723 do aludido instituto, unio estvel a unio entre o homem e a mulher, configurada na

    convivncia pblica, contnua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituio de

    IDPtOLD. J, conforme o artigo 1.727 FRQVWLWXHP FRQFXELQDWR as relaes no eventuais

    entre o homem e a mulher, impedidos de casar.

    Desse modo, percebe-se que h uma visvel diferena entre a unio estvel, tema j

    tratado e conceituado no primeiro captulo do presente trabalho e o concubinato, como sendo

    aqueles relacionamentos entre um homem e uma mulher que apresentem algum tipo de

    impedimento para o matrimnio, os quais esto elencados no artigo 1.521 do Cdigo Civil129.

    Vale ressaltar, conforme j explicitado, que no se incluem como concubinato as

    relaes entre um homem e uma mulher em que um dos conviventes resguarda o

    impedimento constante no inciso VI do artigo acima referido, uma vez que a segunda parte do

    pargrafo 1 do artigo 1.723130, tambm do Cdigo Civil, afasta tal impedimento. De tal modo

    que se pode configurar como unio estvel, se presentes os demais requisitos, como o

    relacionamento entre duas pessoas, em que uma delas se encontre casada, desde que esteja

    separada de fato ou judicialmente, no se configurando, assim, concubinato.

    129 Art. 1.521. No podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cnjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, at o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cnjuge sobrevivente com o condenado por homicdio ou tentativa de homicdio contra o seu FRQVRUWH 130 $UW>@$XQLmRHVWiYHOQmRVHFRQVWLWXLUiVHRFRUUHUHPRVLPSHGLPHQWRVGRDUWQmRVHDSOLFDQGRDincidncia do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de IDWRRXMXGLFLDOPHQWH

  • 42

    Ainda, de acordo com alguns doutrinadores, como Nehemias Domingos de Melo e

    Jorge Shiguemitsu Fujita, o concubinato pode ser classificado de trs formas diferentes. Pode

    haver o concubinato adulterino, que representado pela unio de um homem e uma mulher,

    em que um ou ambos sejam casados e mantm o relacionamento paralelamente ao

    matrimnio. Tambm h o incestuoso, que se caracteriza pela unio entre parentes prximos

    ou, por ltimo, o desleal, que se representa pelo concubino que forma, com outra pessoa, um

    lar convivencial em concubinato131.

    No presente trabalho, todavia, tratar-se- apenas do concubinato adulterino, ou seja, os

    relacionamentos entre homem e mulher em que um ou ambos mantm um casamento ou uma

    unio estvel concomitantemente a outro relacionamento.

    3.1 Do concubinato e seus efeitos

    Conforme j ocorreu no passado com a unio estvel, controv