Av. Rio Branco, n° 120, Grupo 707, Centro, Rio de Janeiro - 20.040-001 - RJ Tels.: (21) 2509-4423, 2509-2662, 2221-1524, 2222-0721 Fax: (21) 2221-1656 E-mail: [email protected]Home Page: www.funcex.com.br PERSPECTIVAS PARA O COMÉRCIO EXTERIOR Anos 90 As transformações na indústria e as exportações brasileiras Pedro da Motta Veiga Consultor da Funcex A economia brasileira viveu, durante os anos 90, um período de transformações intensas e aceleradas, em função da convergência entre a estabilização macroeconômica e as reformas regulatórias, que ampliaram o grau de exposição dos produtores domésticos à competição internacional e reduziram o papel do Estado como produtor de bens e serviços. Com a década quase concluída, já é possível esboçar uma análise do que ocorreu com a indústria e com as exportações brasileiras neste período de mudanças. Apoiando-se sobre os resultados de uma série de estudos efetuados na segunda metade desta década, este trabalho busca trazer alguns elementos analíticos que possam contribuir não somente para entender a trajetória recente da economia real, mas também para discutir os desafios de política que se colocam para os próximos anos. A indústria nos anos 90: fontes de transformação estrutural A avaliação do desempenho da indústria e da evolução da estrutura industrial na década de 90 tem atribuído à liberalização comercial um papel central entre os fatores que condicionarão o perfil da indústria brasileira na virada do século. De um lado, os defensores da abertura comercial atribuem a ela os ganhos de produtividade e o aumento da competitividade obtidos pela indústria ao longo da década. De outro, os críticos da liberalização vêem na abertura “precipitada” a origem não só das dificuldades por que passou a indústria nesta década, mas até mesmo de um processo de desindustrialização cujo paradigma seria o setor de bens de capital. É indiscutível o papel da liberalização comercial como fator condicionante da evolução da indústria brasileira nos anos 90. Genericamente, ela contribuiu de forma direta para moldar um ambiente de negócios caracteriza- do por um grau de contestabilidade dos mercados muito superior àquele vigente nas décadas anteriores, tor- nando a busca de aumentos de produtividade e de competitividade um objetivo central das estratégias empre- sariais. Além disso, constituiu uma precondição essencial para a drástica redução dos níveis de inflação. Diversos estudos ressaltaram o papel da abertura comercial como fator indutor do crescimento da produtivi- dade da indústria, do aumento acentuado dos coeficientes de importação dos distintos setores e das reduções de margens e de custos das empresas industriais (cf. a Tabela 1, abaixo. Veja-se, ainda, Moreira
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Av. Rio Branco, n° 120, Grupo 707, Centro, Rio de Janeiro - 20.040-001 - RJ
A comparação com os resultados dos estudos realizados em outros países revela que, apesar do conceito
mais restritivo aqui aplicado às empresas “contínuas”, o traço diferenciador do desempenho brasileiro é a
magnitude da contribuição deste grupo, mesmo em relação àqueles países onde a dinâmica de crescimento
das exportações foi puxada pelos “contínuos” (ou incumbents): México (85%, entre 1986 e 1990) e
Argentina (84%, entre 1992 e 1996). No caso da Colômbia e Marrocos, a contribuição dos novos
exportadores ao crescimento equivale a percentuais superiores a 50%, sendo que, em nenhum dos casos
observados, o efeito substituição é negativo, como no caso do Brasil. É importante ressaltar que, nos
demais casos, estava-se diante de fenômenos de booms exportadores, caracterizados por taxas elevadas
de crescimento das exportações. Nos países onde se verificaram as maiores taxas de crescimento das ex-
portações (Argentina e México), a participação dos exportadores contínuos foi relativamente mais im-
portante. O caso do Brasil combina, no entanto, fortíssima contribuição dos incumbents e modestas taxas
de crescimento das exportações na década.
Portanto, ao longo dos anos 90, aceleraram-se e aprofundaram-se as principais tendências negativas que,
já na segunda metade da década anterior, vinham marcando o desempenho exportador do Brasil e, em
especial, de sua indústria. O processo de deterioração da competitividade da indústria brasileira que teve
início na segunda metade dos anos 80, afeta “horizontalmente” os diferentes setores da economia – embora
com modulações setoriais – e as mudanças regulatórias e estruturais por que passou a economia brasileira
na década de 90 não foram capazes de revertê-lo.
Conclusões e desafios de política
O contraste entre um processo de transformação industrial relativamente bem-sucedido, – ao menos
quando confrontado às hipóteses “catastrofistas” formuladas por alguns analistas no início da década – e
um desempenho exportador marcado pelo baixo dinamismo fornece a “pista” essencial para a identificação
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do principal desafio de política hoje colocado na área de indústria e comércio: trata-se de aumentar a
competitividade do parque industrial brasileiro e de ampliar o coeficiente de exportação da indústria.
De que depende a melhoria da competitividade da indústria brasileira e o crescimento de sua propensão ex-
portadora? Em grande parte, da continuidade da reestruturação industrial e empresarial em curso, mas tam-
bém da redução do viés anti-exportador da economia e do aperfeiçoamento dos instrumentos de política de
exportações. Os dois processos estão obviamente relacionados, na medida em que o futuro da reestruturação
industrial está condicionado, entre outras coisas, pela redução do viés antiexportador da economia.
A dinâmica industrial nos anos 90 foi marcada por três lógicas de diferenciação (ou de seleção) entre as em-
presas: as lógicas setorial, de porte das empresas/grupos e de origem do capital das firmas (essencial-
mente, a polarização entre transnacionais e grandes grupos de capital nacional). É a partir de esquemas
analíticos que privilegiam uma ou duas destas clivagens que se definem as posições em relação ao tema da
política industrial, nos últimos anos (ver Erber e Cassiolato, 1997; Mendonça de Barros e Goldenstein, 1997;
Hay, 1997; IEDI, 1998, entre outros).
De forma bastante esquemática, pode-se identificar algumas posições típicas na discussão de política industrial:
A que privilegia temas setoriais ou, preocupada i) com a qualidade “estrutural” da produção industrial
brasileira e de suas exportações, excessivamente concentradas em setores produtores de commodities
intensivas em recursos naturais, e ii) com os fenômenos de perda de densidade de algumas cadeias
produtivas, em função da abertura comercial;
A que identifica na crescente polarização entre, de um lado, grandes empresas e grupos econômicos
(nacionais e transnacionais), e de outro, as PMEs a principal heterogeneidade produzida pela evolução
da indústria nos anos 90. Nesta visão, trata-se de utilizar instrumentos horizontais de política
especificamente desenhados para atingir as PMEs a fim de preencher este gap, complementando tais
medidas com políticas horizontais voltadas para a criação de um ambiente favorável ao crescimento dos
investimentos e da produtividade. Esta visão, em geral, é compatível com a defesa de uma política ativa
de apoio às exportações e de ampliação da base de empresas exportadoras;
A que valoriza a oposição entre empresas transnacionais e grandes grupos nacionais (IEDI, 1998),
preocupada com a “desnacionalização” do controle das empresas brasileiras. Esta posição desemboca
em propostas i) de utilização discriminatória de incentivos e dos instrumentos de financiamento público
em benefício das empresas de capital nacional e ii) de indução à formação de grandes conglomerados
nacionais privados, dotados de escala empresarial adequada para enfrentar a competição das firmas
estrangeiras nos mercados globalizados de commodities.
As questões de política sugeridas por estas visões são respectivamente, as seguintes:
É prioritário, para o upgrade produtivo e tecnológico da estrutura industrial e das exportações de manufa-
turados, o deslocamento do vetor de produção industrial na direção de setores mais intensivos em
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tecnologia e mais dinâmicos no comércio internacional? Ou, alternativamente, trata-se de incrementar a
competitividade de todos os setores industriais, já que a perda de dinamismo das exportações industriais e
a vulnerabilidade da produção doméstica frente às importações refletem antes um problema horizontal (ou
seja, não específico de setores) de competitividade do que um problema de composição?
Mais além dos objetivos de promover a geração de emprego e renda, é relevante para o objetivo de
incrementar a competitividade da indústria brasileira, o upgrade produtivo das PMEs e sua articulação
com as grandes empresas?
A questão do fortalecimento do setor privado nacional e, em especial, dos grandes grupos nacionais deve
receber prioridade, ou é possível imaginar que os riscos associados à “desnacionalização” de empresas
exportadoras de commodities possam ser (parcialmente) compensados, na hipótese de aquisição destas
firmas por transnacionais, pela expansão da oferta exportável brasileira e a integração plena da produção
doméstica destes produtos às redes internacionais de financiamento, investimento e comércio?
A experiência do processo de reestruturação da indústria nos anos 90, bem como as características mais
marcantes do desempenho exportador neste período sugerem que o incentivo horizontal às exportações e a
implementação de políticas seletivas de integração de PMEs ao esforço de upgrade produtivo da indústria
deveriam constituir a prioridade central da política industrial.
De fato, o aproveitamento de novas oportunidades de crescimento das firmas e a capacidade de superação
das restrições típicas do período foram condicionadas principalmente pelo porte empresarial e, somente de
forma secundária, pela origem do capital das empresas e pelos condicionantes setoriais. Essencialmente do
porte empresarial dependeu i) o acesso a recursos baratos de financiamento – fundamentais até mesmo em
estratégias defensivas, no contexto dos 90 –; ii) a capacidade de interferir nas negociações comerciais e de
se beneficiar dos programas de privatização; iii) a capacidade para despertar o interesse dos governos
estaduais para a atração dos seus investimentos; e iv) a viabilidade de implementar estratégias de impor-
tação de insumos e matérias-primas mais baratas.
Estas prioridades devem estar combinadas com a intensificação dos esforços para reduzir o Custo Brasil, isto
é, os custos extraordinários associados ao investimento, à produção doméstica e ao processo de exportação.
Na área específica de comércio exterior, os desafios principais envolvem i) a redução do viés antiexportador
implícito na estrutura de proteção à produção doméstica (proteção que foi substancialmente ampliada com a
desvalorização do real), através da racionalização da Tarifa Externa Comum, fortemente marcada pela
escalada tarifária, ii) a superação das falhas de implementação que têm caracterizado os instrumentos de
política desenhados pelo governo federal nesta área, nos últimos anos, e iii) a adoção, nas negociações co-
merciais internacionais, de uma postura pautada pelos interesses dos setores exportadores e pela ne-
cessidade de manter a produção doméstica sob a disciplina competitiva dos bens importados.
No que se refere ao primeiro ponto, é importante avaliar todos os mecanismos de fomento e de proteção
setorial à luz do objetivo de reduzir o viés antiexportador da economia. Como se observou, na seção 2,
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permanecem vigentes vários mecanismos de promoção setorial e uma estrutura discriminatória de proteção
que não contribuem para a consolidação de um regime comercial favorável às exportações.
Por outro lado, as falhas de implementação na área de política de exportações têm-se revelado parti-
cularmente prejudiciais às empresas de menor porte. É o caso, por exemplo, da ampliação das linhas de
financiamento do BNDES e dos mecanismos de garantia de crédito introduzidos nos últimos anos, que
esbarraram sistematicamente nos obstáculos para atingir as PMEs.
No que concerne à agenda brasileira de negociações, ela é, à exceção dos temas agrícolas, es-
sencialmente defensiva, já que alimentada pelas preocupações com a fragilidade competitiva da indústria
brasileira (extensiva ao setor de serviços) e com a redução da margem de liberdade em áreas onde a
intervenção das políticas públicas é considerada fundamental para reduzir esta vulnerabilidade. Em
princípio, há duas maneiras de interpretar esta postura. De um lado, pode-se considerar que a estratégia
negociadora do Brasil e – de forma mais ampla – a política comercial do país confere absoluta prioridade à
percepção de que os setores produtivos locais ainda se caracterizam por fortes debilidades competitivas,
não superadas pelas mudanças introduzidas nos anos 90. Nesta leitura, a estratégia brasileira reflete a exis-
tência de limites estruturais da economia.
De outro lado, pode-se ver na estratégia de negociações – e na política comercial como um todo – uma
postura que se limita a sancionar e reproduzir uma situação onde as reformas visando à redução do Custo
Brasil estão longe de haver sido concluídas e em que se mantém um importante viés antiexportador na
economia brasileira. Nesta visão, retira-se da estratégia negociadora e da própria política comercial
qualquer função no sentido de pressionar os produtores domésticos para ampliar sua competitividade.
Nesta segunda leitura, a estratégia brasileira refletiria antes limites políticos do que estruturais.
Embora a constatação que orienta a primeira leitura seja essencialmente correta, ou seja, as mudanças
ocorridas na indústria brasileira não foram capazes de eliminar deficiências competitivas das empresas e do
ambiente de negócios no Brasil –, dela não decorre automaticamente uma estratégia que tome os limites
estruturais como um dado e exclua qualquer contribuição das negociações comerciais ao aumento da
competitividade dos produtores domésticos. Esta contribuição deve vir não somente da melhoria das
condições de acesso que podem beneficiar as exportações brasileiras, mas também do aumento da
exposição da economia do país à competição externa.
Notas
1 É importante lembrar que o programa de privatização se fez no Brasil sem maiores preocupações em relação aos impactos doprocesso sobre as condições de concorrência em cada setor (à exceção do que ocorreu no caso de serviços de telecomunicações) ecom forte presença dos fundos de pensão das empresas estatais, em geral associados a grandes grupos privados nacionais eestrangeiros.
2 O efeito-composição pode, no entanto, se revelar o principal fator explicativo do desempenho exportador, no caso de um estadocomo o do Rio Grande do Sul. De fato, outro trabalho da Funcex (Motta Veiga e Carvalho Jr., 1999) referendam esta conclusão nocaso das exportações gaúchas na década de 90.
3 No caso do Brasil, ao contrário dos demais países citados, o grupo dos incumbents foi definido não pela participação das empresasem dois pontos do tempo, mas por sua presença em pelo menos seis dos sete anos do período analisado. Neste sentido, o conceitousado neste estudo é mais restritivo.
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