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Pensar os direitos humanosLUC FERRY E ALAIN RENAUT
Traduo porMendo Castro Henriques
In`Penser les droits de l'homme" in Esprit, Mars, 1983, pp.
70-79
de Marx, supostamente "desmistifi-cador", j no impede outras
compreen-ses dos direitos humanos. O paradoxosurge, agora, no
estabelecimento dohomem enquanto tal como um valor; aodefender o
homem enquanto tal contraa negao dos totalitarismos, o apeloactual
aos direitos humanos pressupea ideia de uma natureza ou essncia
hu-mana e converte esta ideia em funda-mento dos valores jurdicos.
Neste sen-tido, a referncia aos direitos humanos
0 retorno recente da ideia de di-reitos um paradoxo histrico.A
anlise marxista, na senda doartigo Sobre a Questo Judaica,descreveu
tradicionalmente os direitoshumanos como os da pessoa
interessada
em si mesma e isolada da colectividade- em resumo, como direitos
de interessesparticulares na sociedade burguesa eno como um modelo
universal. Emboraainda significativo, o marxismo tem
sidorecentemente to minado que o discurso
mia, c anula, por questnos hn;.{ursticas relacionadas com
aCUramatica e a l)r to ratr-.. ingressado era 1784 no Colgiodas
Necessidades, Pinheiro Ferreira concluiu e Curso deHumanidades em
1791. Verificadas ..inumas div e rpnciascom os ;eus Professores,
abandona n Oratrio o a carreiracclesiasl ie a, (;ornai.. a dar
aulas de Filosofia ela Lisboa. Fins1.79:1. e nomeado para leccionar
Filosofia Racional u Alcral noColeurio das. Aries da Universidade
de Coimbra.
hm 1797parteparal~'ranta,refn ieiando-se ap.rseaui.oque sobre si
recaia. ]lc,r suspeie,ti de . ']iicobuiis prid " , Nessemesmo anu
lei atracado 5ecrel rio da Embaixada Portu-que'sa cnl Paris. Em
1802, foi nonlc' ado Oficial d a decretariados Nepoaios l',str
angeuos na Corte de1-Urlna, permanecendona Alemanha ate 1809,
D1irantei este peando contactou coma filosofai aterrai dominante na
poca, mormente com e kt.n-tisnln,convivendocinl Fichlee^tielre
llinq , acujascouh'renciaschegou mesmo a assistir, sem nunca. n.o
erntanto, aderir aospressupostos idealistas.
Ans as Inv as p es F'r metias, Pinheiro Ferreir a parte
rira1.809 para o Rio dc Jardeu. juntando-se F'amlii,a ii 'ra1.
Per-manece no Brasil doze anos. perodo durante o qual
cleseni-pelnhnu variara oinias funtncs, das quais ,silo de
destacar:1)epnttado da Junta do l onar ercie e 1 `11 ; Professor de
I'ilosol ada Cortei] 81if cujas lrtrics foram denominadas
"PrelecesFiloso[ieas', Oficial de Secretaria de Estado dos
NegocioasEstrangeiros. 1,1815 ,); Ministro dos Neuotaos
Estrangeiros eda Guerra (1.821. Neste ano, prnpue ta Farinha Real o
rcgesso da corte a cidade de Lisboa, a fim de proceder a
eltlbo-ratui e' tio luramlento cio uma nova (dinstitllit io. ler
essaaltura, o seu ideal de Estado Constitucional tira o d.e
uma'Monarquia repre'scntativa ti limitada por uni Godigo
undaruentais,que clev rar controruma "de.el ar a uo dos
direitoscio hon1crn e dn cidado
Jt era Portugal, Pinheiro Ferreira ocupou o cargo de Ali.-nistru
rios Estrangeiros ate 1822 Missao difcil, porque. elevista elo
reconhecimento internacional do novo regime
imple-rne.ritadoeniRrtupalapsoregressodoReialusboae ojur'a-niento
da Carta Constitucional de 1530, se deparou cum. ;n'an-des entraves
11i.s nopurlae OeS t1Um1 as petencias E 'ferir eiras.
Em 182(1 partu para Franca, abandonando ti carreirapoltica para
se dedicar a especulattio filosfica, sendo
1gurameinte o seu perorln mais fecundo era publicaes que
versuvv nrn tenras que iam da Filosofia uo I)ireiito, passando
portemia aee's sabre Admini:straeiu Publica. ce Economia Poltica
etraduo do meras de Aristuteles.
Re, russa definitiva anu ate a Portugal eni 18 , 12, altura tini
que quito deputado pla provincial. do Minha, 1)e laia; suaomite
L10(1H, redige e^ publica variadssinle i ,s artigos em revistasei
jornais de caracter liteu'ario, politicu c rchgioso, dos quaisdevem
ser salientados os que constara de O Penttigonu, AAurora,
ARestauraao. i, o Jornal da Sociedade Catlica,
A partir desta breve e resumida. passagem pela vida darfilsofa
e' poltico, ama primeira nota a reter e chie estamos tinipresena de
unia personuil idade pontacutada da vida. por tugue.snoitocentista.
lastimo que tenha ficado aguada a curiosidade por
'afigura crunrnica, cuja actividade se disseminou por arcasuni a
Iree^u^nae iolil^eseiflca, n desempenho de. carfns.publicoo e
polticos. o exerccio diplou]acia. e, sobretudo. cimoespirito
deveras preocapado edil] ti complexidade da rabia()enfiai vida
intelectual r' vida publica.
A perfin('ncia da mensagem ainda mais evidente numquadro de urna
democracia impdeita,cheia du.vcios, Injustias,e nrxnipultae,es.
listamos. a "rir uni, demncracita incompletaSi'rllpre que a
denlrlcracia fel]] su o r'edllzlda aci `outii Ne;se0papelinho
descansamos a nossa cunscincia. Uma via/cumpridoodever
.are,sidnacotoaraconta das vontadese'oindividualismocmoda apodera
sc das. pessoas. 11 que reverter esta situao,
A democracia e, hoje, nm v valor fnndame' ntal da vida dospovos,
nu, segundo llr irrstunChurchill,`eopior dos regimes, masn meras
pior de todos.,. " . Para ser lnclhur, a' preciso dar
apossibilidade a cada cidadoa de Intervir na viria dos
organismospulaiicos,das nssuciaues,edos gruposintcrmtdios. Deve,
porisso, estimular-se em todos a vontade de tomar parte
nosempreendimentos comuns. E de louvar o modo ele agirdas naes em
que amaior parte participa,comverdadeiraliberdade, nos assuntos
pblicos
Ii fundamental, pois. uma converso do papel do cidado, ou,st'
quise'ruws, cima formao pauta a cidadania, nadeest i inipb'ci toii
ep 'ic'eno da rraessrna. E glltllquler fil'mado para a
Cidadaniaanseia' -sl, natnrtiiinente, num sistema educativo
nacional,tiaduzindo-oc' numaFornlatio(finde.Penso que
cstai"areflc.xaoque importa faia- por parte das entidades e de
todos aqueles que.si' onapenhaui nm]]aa estruturl'o social o
poltica dos povos.
VQtirYlne, 1[, (('nn;t11111C ie) "tiuudiu],r et Opr:s
`.1
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boletim 1G E P O L I S
implica claramente o que se deve de-signar "humanismo".'
H duas razes para que o retornosimultneo dos direitos humanos e
dohumanismo seja paradoxal. 0 primeiro que este conceito de homem
cujos di-reitos esto agora a ser repensados, foiconsiderado
envelhecido por muitosdesde h mais de duas dcadas.
Nestascircunstncias, como deveremos com-preender este "retorno"? Em
segundolugar, nas esferas polticas onde agorareina o discurso dos
direitos humanos, omodo de pensamento predominante ainda muito
historicista, mesmo que acomponente marxista seja menos im-portante
do que outrora. Leo Straussdefiniu o historicismo como ume espciede
relativismo, a recusa de admitir umcritrio que no seja uma conveno
pu-ra, validada pela histria. Como pos-svel que uma tal rejeio das
essncias,o desejo de tudo historicizar e "dia-lectizar", se
enquadre num discurso queconverte o homem e os seus direitos co-mo
uma espcie de universal atemporal,um valor suprahistrico que
implica umlimite historicizao sistemtica detodas as noes?
Para resumir o paradoxo, como pode-mos falar de direitos humanos
com umpano de fundo de antihumanismo e his-toricismo? 0 realce
deste paradoxo per-mite-nos iniciar uma investigao filo-sfica sobre
o retorno contemporneoaos direitos. Porque se filosofar consisteem
pensar o nosso prprio pensamento,em clarificar as condies tericas
dapossibilidade das nossas asseres (comoFichte acreditava), a
"filosofia do direito"consistir primordialmente em clarificaras
condies teorticas de possibilidadedo discursos jurdicos
particulares.Neste sentido, o retorno actual de umcerto tipo de
discurso jurdico na poltica("rights talk") ganharia em clarificar
assuas condies transcendentais depossibilidade, sujeitando-se a si
mesmo interrogao filosfica. Isto . parti-cularmente verdade, caso
se tratar dequestes acerca da compatibilidade des-te discurso com
alguns dos mais desta-cados componentes do pensamento
con-temporneo, em particular o anti-humanismo e o historicismo.
Para esboar uma filosofia dos di-reitos humanos, temos primeiro
queidentificar (sem analisar) as ontologiascom que o humanismo
jurdico
claramente incompatvel. Isso exigiriaum esboo dos enquadramentos
tericosdentro dos quais se torna incoerentequalquer das concepes
dos direitoshumanos. Deste ponto de' vista privile-giado, h dois
modelos ontolgicos que necessrio excluir.
O primeiro, que encontra a sua maiscompleta apresentao histrica
emHegel, pode ser designado de teoria da"ironia da razo". Trata-se
de uma bemconhecida tese de Hegel que tudo na his-tria se
manifestou racionalmente,incluindo o que parece ser irracional
ouinsensato (paixo, guerras, mal); na ver-dade, a racionalidade do
processo his-trico mesmo efectivada atravs dessesaspectos. Mas se
concebemos a histriagovernada por leis tais que nada sucedesem
razo, se sujeitamos o histrico aoprincpio de razo, como que este
his-toricismo se torna incompatvel com ohumanismo jurdico dos
direitos huma-nos? Sem aqui analisar rigorosamente omodo como a
incompatibilidade pers-pectivada na doutrina hegeliana do di-reito,
salientaremos o significado neces-sariamente anti-jurdico desta
concep-o da histria. Se uma racionalidadeest a operar no processo
histrico, odecurso da histria claramente ne-cessrio, e assim o que
aconteceu tinhaque acontecer quando aconteceu e comoaconteceu. Por
outras palavras, a "ironiada razo" elimina toda a discrepnciaentre
o ser e dever-ser, eliminando qual-quer distino entre o domnio dos
factose o domnio dos valores. Tal como lemosem Hegel, o Ideal
actualizado paratoda a eternidade atravs do processohistrico; e
este processo tambm oBem a actualizar-se a si prprio.'
Neste sentido, tal como a "ironia darazo" implica uma crtica da
viso moraldo mundo, implica tambm uma crticado que poderia ser
designado por visojurdica do mundo. Ou seja, elimina apossibilidade
de debater os factos emnome do direito, de condenar uma rea-lidade
poltica em nome dos valores jur-dicos pensados como transcendentes
emrelao a essa realidade - em particularrelativos realidade
histrica do Es-tado.' (E aqui o historicismo vai neces-sariamente a
par com o positivismo jur-dico.) Em resumo, ressalta claramenteo
significado que teria a ideia de direitonatural - a ideia do
jusnaturalismo mo-derno - num contexto histrico em que a
ideia de dever ser no tem sentido. Nafrmula clebre que Hegel
adoptou deSchiller, a histria do mundo o tribu-nal do mundo"
(Weltgeschichte istWeltgericht): o sucesso, ou eficcia, nahistria
torna-se o critrio de justia. Oresultado inevitvel que, para
qualquerhistoricismo ou teoria da "ironia darazo", a concepo do
social como localdos direitos tende para ser apenas ummomento de um
processo que culminaalm do direito. Tal como em Hegel, atransio da
esfera do direito para a doEstado - o qual, ao actualizar as
aspi-raes individuais encarna o direito -torna-se o que Michel
Villey designou "odireito supremo contra os indivduos".4Torna-se
uma Aufhebung da ideia tra-dicional de direito; pela qual o
indivduopoderia ser defendido contra o Estado.Este aspecto
igualmente patente emMarx e na tradio marxista, que tratao
comunismo como a ultrapassagem dodireito.'
bem conhecida esta relao entre a"ironia da razo" e a negao do
direito.Mas existe um risco de extrair dela con-cluses apressadas,
com a finalidade dedesenvolver um humanismo jurdicoconsequente. Se
a sujeio historicistado destino ao poderoso princpio de razoimplica
uma negao dos direitos, chega-se facilmente convico - alis
correc-ta - de que um retomo aos direitos, funda-mentado
filosoficamente, implica umacrtica das filosofias racionalistas
dahistria. Mas existe aqui um risco decair num segundo modelo
terico quetambm parece incompatvel com umaconcepo no-positivista do
direito. Aofugir necessidade da "ironia da razo",pode-se ser
conduzido a uma ideia dehistria que abandona completamenteo
princpio de razo, Passa-se da rejeioda tese de que tudo na histria
se ma-nifestou racionalmente ao pronuncia-mento de que o
acontecimento na his-tria, tal como a rosa, " sem porqu".Estaramos,
ento, em companhia deHeidegger. Se criticar a "razo na his-tria"
significa excluir a histria da tira-nia metafsica da razo, a noo
heideg-geriana de "uma histria do Ser" ummodelo antittico ao da
"ironia da razo".'
O modelo da "histria do Ser", con-tudo, tambm no parece mais
compa-tvel como discurso dos direitos humanosdo que o hegeliano.
Uma das razes o
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boletimG E P O L I S
questionamento do humanismo por Hei-degger, que acredita ter o
humanismonascido da metafsica da subjectividadecomo uma valorizao
do homem ouapenas como uma valorizao, porque,como escreveu, "cada
valorizao.., uma subjectivizao".' Uma outra razo que o modelo
heideggeriano pareceapenas representar uma nova forma
dehistoricismo.' No seu Princpio de Razo,por exemplo, Heidegger
sublinha quecada poca da histria tem a "sua prprianecessidade".
Decerto que, se trata deuma necessidade no dialctica e noimplica
qualquer possvel deduo deuma poca com base em pocas pre-cedentes;
antes, uma necessidade his-trica ou de destino em que cada pocapode
ser pensada como um aspecto ou"abertura" do Ser.'
0 indcio mais claro de historicismo,contudo, o facto de que a
desconstruoheideggeriana da metafsica (tal como anietzscheana)
implica uma crtica daciso entre o ideal e o real, entre o "" eo
"deve ser". Podemos ver isto clara-mente na Introduo Metafsica,
naqual, desde a meditao platnica sobrea ideia de bem at moderna
ideia devalores, a distino entre o "" e o "deveser" apresentada
como uma das facesdessa limitao do Ser", atravs do qualo prprio Ser
se encontrou progres-sivamente esvaziado de tudo o que comele
contrastava; ser e devir, ser e apa-recer, ser e pensar, ser e
dever-ser. Estadistino diminui a questo do Ser, e fazparte da
histria do esquecimento doSer; donde provm o "declnio do
pensar".Atravs dele, o Ser distinto do "almser" que "assim atribudo
a si prpriocomo uma referncia" e "j no o Serque confere a medida" .
1
Por consequncia, se a distino entreo real e o ideal est inscrita
na lgica doesquecimento metafsico do ser, claroque o pensamento que
tenta permanecerfiel sua "questo fundamental" temque contornar este
obstculo recolecodo Ser. Mas se este o caso, se no hou-ver meno da
distino entre o real e oideal, encontramo-nos, certamente,dentro do
espao do historicismo. 0 desa-parecimento de qualquer medida "almdo
Ser" para julgar o Ser arrisca-se aesvaziar de todo o sentido a
ideia do di-reito. isto que explica a severidadecom que Strauss, no
seu esforo pararestaurar a dimenso do direito contra
diferentes formas de historicismo, dis-cute o pensamento de
Heidegger (em-
bora em muitos pontos a sua descons-truo do pensamento moderno
seja com-parvel s anlises heideggerianas).
Contudo, se ambos os modelos - hege-liano e heideggeriano -
cujas implicaeshistoricistas acabmos de esboar, soincompatveis com
uma ideia autnticade direito, no basta uma crtica das "fi-losofias
racionalistas da histria" paraconferir ao discurso dos direitos
hu-manos a filosofia que merece. Um taldiscurso tem que estar
filosoficamenteenraizado numa crtica da razo. Masnem toda a crtica
da razo adequadapara fundamentar teoricamente um taldiscurso, uma
vez que tambm a de-nncia heideggeriana da razo como "oinimigo do
pensamento" ameaa roubarsentido a esse discurso. Por conseguinte,o
pensamento filosfico sobre os direitoshumanos exige uma crtica da
razoque no impea a possibilidade de referir"o homem tomado
unicamente enquantotal" ou que condene o estabelecimento,para alm
do ser, de uma medida do ser.Por outras palavras, uma filosofia
dosdireitos humanos tem que ser um hu-manismo que no recaia numa
meta-fsica ingnua da subjectividade. Comoo prprio Heidegger
correctamente mos-trou, uma tal metafsica culmina no mo-delo
hegeliano de um sistema em que o"prprio" toda a realidade, um
sistemaque ao identificar o real com o racionaltambm proibe
qualquer ideia do "deverser" - e por consequncia, qualquer ideiade
direito.
Estas formulaes dos requisitos filo -sficos de um discurso dos
direitos huma-nos, definem, ainda que negativamente,um lugar para o
criticismo filosfico.Um criticismo radical da razo, tal comomostra
uma leitura da Crtica da Fa-culdade de Julgar, permite referir
"valo-res" (estticos e ticos) em torno dosquais pode ser concebvel
o "senso co-mum" ou "intersubjectividade". 11 No uma coincidncia
que, mesmo antes deKant ter publicado a sua prpria Dou-trina do
Direito em 1797 os seus pri-meiros discpulos indicassem a
ferti-lidade do criticismo neste domnio,atravs da proliferao de
escritos jur-dicos. Um dia ser necessrio assinalaras fases desta
extraordinria histriada escola jurdica kantiana, atravs dasobras de
Hufeland, Schmid, Maimon,
Reinhard, Ehrard, Schelling, Feuer-bach, - e claro, Fichte,
cujos Princpiosde Direito Natural (1796) so certamentea maior
expresso da capacidade deuma certa crtica da razo em funda-mentar
uma ideia "no-ingnua" dosvalores jurdicos (sem recair numa in-gnua
metafsica da subjectividade).
A existncia de uma tal escola nopode, por si mesma, assegurar
que o cri-ticismo filosfico cumpra as condiestericas requeridas
para fornecer umafundamentao coerente do discurso dosdireitos
humanos. Para isso, seria neces-srio mostrar como a crtica
criticistada razo preserva a noo de valor apso criticismo da
metafsica.. Aqui apenasdiremos provisoriamente, que, se areferncia
aos valores ainda possvelno quadro de uma tal crtica da razo,
precisamente na medida em que a crticade Kant incompleta. Se, na
verdade, avalorizao do Belo (e portanto do Bom) pensvel mediante a
Crtica da Fa-culdade de Julgar, porque as ideiasmetafsicas, uma vez
descnstruidas edes-objectivadas (no que se refere ssuas pretenses
ontolgicas) preservamuma forma de legitimidade aps talcrtica.
Embora criticadas no que se re-fere ao seu possvel valor de
verdade, sua capacidade ilusria de constituiremo real, o seu
significado mantm-se pre-servado em virtude das exigncias
pura-mente subjectivas que so caracters-ticas de cada sujeito
humano, e por con-sequncia na capacidade das suas ideiasde
regularem a subjectividade efectiva,terica ou prtica.
De modo algum estamos a exigir queestas sugestes necessariamente
alu-sivas e incompletas sejam suficientespara garantir a
possibilidade de esta-belecer o criticismo como a "filosofia
dosdireitos humanos". Para isto, ter-se-iaque mostrar que as
doutrinas do direitode Kant e de Fichte tambm conseguemreferir uma
noo no ingnua de hu-manidade, uma noo do "homem en-quanto tal", de
que, como vimos, o dis-curso dos direitos humanos carece
paraexistir. Um tal exerccio teria que mos-trar, primeiro, que em
Sobre aEducao,Kant pe de parte todas as concepesingnuas de homem,
uma vez que explicaclaramente que no se pe a questo deuma natureza
humana e, portanto, deuma essncia da humanidade, definida
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concptualmente. Em segundo lugar,ter-se-ia que mostrar que,
apesar desta"desconceptualizao" do homem, anoo de humanidade retida
comoideia reguladora, com um valor de sig-nificado, ou como Kant
afirma, como umvalor simblico. E contudo o registo desteestatuto
simblico da ideia de "huma-nidade" no discurso criticista no
poderesolver todos os problemas porque issosignificaria entrar em
detalhes (e di-ficuldades) sobre a teoria geral kantianado
esquematismo [da razo], de que osimbolismo apenas um caso
especial.Sobretudo, seria necessrio. deter-minar o impacte real
desta deslocaode nvel da verdade ou conceito, para ode significado
ou smbolo. Ser estadeslocao suficiente para garantir o"abandono"
terico do discurso meta-fsico sobre o "homem enquanto tal"? E,em
termos prticos, ser que este dis-curso preserva a possibilidade
dereferncia a um "homem" cujos direitospossam ser concretamente
defendi-dos?
Estas so certamente as principaisquestes que mostram a carncia
destetrabalho e que podem conduzir a inves-tigao para alm de um
simples re-gresso letra dos textos kantianos oufichteanos.
Parece-nos, contudo, quequem no fr inspirado pela crtica
cri-ticista da razo, pela sua conservaodo que permanece da
metafsica aps ocriticismo, expe-se a no conseguir fun-damentar as
referncias aos valores e ideia de "homem". Sem isto, o apelo
aosdireitos humanos permanece eterna-
mente infundamentado e, literalmente,sem sentido.
1.Referimo-nos definio de humanismopor Heidegger. Na sua Carta
sobre o Hu-manismo, ele chama-a a concepo do real, por-quanto toma
o homem enquanto tal como im-portante, e, ao tornar o eu humano
fundante,implica a metafsica da subjectividade.
2.Ver, por exemplo, Marcel Gauchet, "Lesdroits de l 'homme ne
sont pas une politique",Le Dbat (Juillet -Aot 1980) e Claude
Lefort,"Droits de l'homme en politique", Libre, 7(1980).
Leo Strauss, Natural Right and History,Chicago, 1953.
4. Aqui, o termo "historicismo" utilizadono sentido de Popper.
(Ver Karl R. Popper, TheOpen Society and Its Enemies, London,
1945).Mas claro que o historicismo criticado porPopper tambm
implica o historicismo no sen-tido atacado por Strauss. Se tudo na
histriase manifestou historicamente, tudo necessriocomo momento do
processo histrico, e assimno pode existir uma norma
transcendentepara julgar o real: por consequncia, todas asnormas so
em si mesmas para ser pensadascpmo histricas e o seu aparecimento
apenasum mero momento do processo. Atingimos,assim, o conceito
straussiano de historicismocomo relativismo.
s. Leo Strauss analisou as vagas sucessivasatravs das quais o
"dever-ser" foi eliminado nopensamento poltico moderno. Ver o seu
"Astrs Vagas de Modernidade", emPolitical Phi-losophy: Six Essays
by Leo Strauss, India-napolis, 1975.
s Estamos, obviamente, cientes de obrasrecentes que procuraram -
muitas vezes comxito - "revalorizar" o hegelianismo (tais
comoJoachimRitter ouEric Weil), e que apresentamHegel a atacar as
injustias de um modelo po-ltico ou jurdico particular, por exemplo,
oDireito Romano ou o Terror. Tambm estamoscientes de passagens na
obra de Hegel quecriticam o positivismo jurdico da Escola
His-trica. bem conhecido que Hegel no se via asi mesmo nem como
jusnaturalista nem comopositivista. Contudo, como Habemas
mostrou
em Theory and Practice, Boston, 1973, aindaverdade que, em
Hegel, a denncia da injustia a substncia da histria, que a prpria
his-tria que desempenha o papel de autoridadecrtica em relao
positividade. Por outraspalavras, a histria que critica a histria,
eno o direito que critica o direito.
Michel Villey, Philosophie du droit, Paris,1975, vo1.I,
p.177.
8 Ver de Philippe Reynaud, "Le sociologuecontre le droit",
Esprit, Mars, 1980, pp.83-93.
9 . Sobre esta anttese entre Hegel eHeidegger no que se refere
ideia de histria,ver O Princpio de Razo de Heidegger.
10,Ver a Carta sobre Humanismo. Ver tam-bm, de Luc Ferry e Alain
Renaut, "La dimen-sion thique dans la pense de Heidegger
(deHeidegger Kant)," in Nachdenken berHeidegger, Hildesheim, 1980,
pp.36-54; "Laquestion de 1'thique aprs Heidegger," in Lesfins de
l'homme, Paris, 1981.
11,Sobre este "historicismo existencialista"ver de Luc Ferry,
"De la critique del 'historicisme la question du droit", in Rejouer
le politique,Paris, 1982,
12. Sobre o significado de Geschichte, Ges-chick e Schicksal,
ver O Princpio de Razo. Aafirmao "cada poca tem a sua prpria
ne-cessidade" vem na obra de Heidegger, Nietzsche,vol.2. Ia
parte.
1a . Martin Heidegger, Introduo Me-tafsica.
14 . Sobre a articulao a desenvolver entreesttica e dialctica,
ver de Luc Ferry e AlainRenaut, "D'un retour Kant, " Ornicar,
1980,reeditado no nosso Systme et critique, Bru-xelles, 1985.
1s Ver o apndice dialctica transcenden-tal. Para um esboo um
pouco menos esque-mtico deste argumento, ver a concluso donosso "La
question de 1 'thique aprs Hei-degger."
1s , Fichte repete este tema nos seus Prin-cpios do Direito
Natural: "cada animal o que, apenas o homem nada originalmente".
So-bre este ponto, vera introduo deAlexis Philo-nenko edio francesa
deSobre a Educao,de Kant,(Rflexions sur l'ducation, Paris,
1970).
GEPOLIS
0 GEPOLIS est integrado no IIAIC (Instituto Integrado de Apoio
Investigao Cientfica)e no Departamento de Filosofia da Faculdade de
Cincias Humanas da UCP. coordenador eresponsvel pela rea da
Filosofia da Poltica o Prof. Doutor Mendo Castro Henriques;
pelaFilosofia da Religio o Prof. Doutor Manuel cia Costa Freitas e
o Dr. Artur Pires Moro; pela
Filosofia da tica o Prof. Doutor Joaquim de Sousa Teixeira;
Secretrio o Dr. Amrico Pereira.O Gabinete integra ainda a colaborao
cientfica dos mestrandos-bolseiros Antnio Campeio
Amaral, Elsio Gala e Manuel Silvestre (Bolseiros JNICT), da
mestranda Rosa Santos e dolicenciado-investigador Carlos Gomes
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