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os carlos maritegui, considerado o pai do marxismo
latino-americano, ainda , em grande medida, um desconhecido em
nosso pas. Restrita, quando muito, ao meio acadmico, sua obra ainda
no conseguiu penetrar de forma
mais incisiva no mercado editorial brasileiro, ainda que alguns
de seus escritos tenham sido lanados em anos recentes. seu livro,
Sete ensaios de interpretao da realidade peruana, publicado em
1928, apontado como o mais influente, original e inovador estudo do
processo histrico de uma nao realizado por um intelectual na amrica
do sul. H quem afirme que a publicao dos Sete ensaios marca, de
fato, a data de nascimento do marxismo na regio. afinal, Maritegui,
ao contrrio de muitos, no copia ou transfere mecanicamente sistemas
te-ricos europeus para sua realidade, mas realiza, na prtica, o
primeiro esforo bem-sucedido para nacionalizar o arcabouo terico de
Marx em nosso con-tinente.
Maritegui nasceu em uma famlia humilde e nunca chegou a conhecer
o pai. sempre teve sade frgil e problemas fsicos. Quando menino,
foi atingido por um forte golpe em uma das pernas, numa brincadeira
escolar. Passou por ci-rurgias que o deixam manco pelo resto da
vida (nos seus ltimos anos, teve uma de suas pernas amputada).
tornou-se um garoto recluso e amante da leitura. Por causa de todas
as complicaes de seu estado de sade e da situao econmica precria de
sua me, abandonaria definitivamente, ainda muito cedo, a escola. no
chegou a concluir o curso primrio. Quando garoto e adolescente,
trabalhou como entregador, linotipista e corretor de provas de um
jornal limenho, para em seguida ingressar na carreira jornalstica.1
esse periodista autodidata aos poucos se aproximou do movimento
operrio, apoiou greves e foi visto como uma pedra no sapato do
governo do ento presidente augusto Legua, que o enviou, num exlio
dissimulado, para viver por alguns anos na europa. a maior parte do
tempo ficou na Itlia, onde leu os mais influentes jornais da poca,
conheceu personalidades polticas e literrias do velho Continente,
observou em primeira mo o incio do fascismo e presenciou a formao
do Partido Comunista daquele pas.2 ao retor-nar ao Peru j estava
formado politicamente e era assumidamente marxista. seu primeiro
livro, La escena contempornea, saiu em 1925, e pouco depois, em
1928, publicou os Sete ensaios de interpretao da realidade
peruana.
em sua obra-prima, seu clssico, Maritegui (fundador e principal
diri-gente do Partido socialista e da Central Geral dos
trabalhadores do Peru) con-
Jos Carlos Mariteguie o BrasilLuiz Bernardo PericS
J
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seguiu mostrar com profundidade e maestria o painel geral do
desenvolvimento histrico de seu pas, desde o perodo pr-colombiano,
passando pela colonizao espanhola, at chegar s primeiras dcadas do
sculo XX, sendo capaz de articular temas fundamentais, como a
evoluo econmica peruana, a questo do regio-nalismo e do
centralismo, a literatura, a questo agrria e o problema indgena.
Criticado por Haya de La torre, pela alianza Popular Revolucionaria
americana (apra) e pelo Comintern, Maritegui foi acusado
(dependendo de seus detrato-res) de europeizante, aprista,
populista, intelectual pequeno-burgus e bolchevique dannunziano.
afinal de contas, suas ideias heterodoxas eram uma ameaa poltica s
outras agrupaes que lutavam pela hegemonia do movi-mento operrio no
pas.
depois do desaparecimento fsico de Maritegui, em 1930, ocorreu
uma tentativa de eliminar os supostos desvios mariateguistas de seu
partido, que comeou, a partir de ento, a seguir fielmente as
diretrizes de Moscou, no acei-tando que se construssem esquemas
tericos que sassem das frmulas propostas pelos dirigentes da
Internacional. Por algum tempo, portanto, Maritegui se tor-nou um
herege, e seu legado acabou sendo desprezado por muitos comunis-tas
ortodoxos
ao longo dos anos, contudo, isso iria mudar. a primeira edio dos
Sete ensaios, com cinco mil exemplares, vendeu-se lentamente.3 a
segunda s sairia em 1944, preparada por seu primognito, sandro, com
uma tiragem maior, dez mil livros. a terceira viria luz somente
oito anos mais tarde.
de l para c, contudo, j foram editadas mais de 70 edies da obra
em todo o mundo (incluindo as peruanas e as estrangeiras). Fato
esse, claro, aju-dado pela publicao das edies de bolso, vendidas a
preos populares em todo o Peru. a primeira dessas, lanada em 1956,
teve uma tiragem de 50 mil livros. os Sete ensaios foram publicados
(a partir dos anos 1950 em diante) em dezessete pases. Com dois
milhes de exemplares vendidos, o livro peruano de no fico de maior
sucesso da histria e com o maior nmero de edies em todo o mundo.
Mas Maritegui, apesar de tudo isso, ainda continua sendo pouco
conhecido e discutido em nosso pas.
nossa inteno neste artigo essencialmente panormico tentar
contribuir, mesmo que modestamente, para um maior conhecimento em
relao recepo de Maritegui no Brasil. H muito pouco material
compilado sobre esse assunto especfico, e acreditamos poder dar
interessantes aportes para os estudos mariate-guianos no que
concerne a esse objeto. afinal, como dissemos, difcil encontrar uma
sistematizao mais ampla acerca desse tema. Para isso, faremos uma
ten-tativa de arqueologia intelectual, realizando, em alguns casos,
aproximaes, e procurando encontrar, na medida do possvel, a relao
entre Maritegui e os intelectuais e artistas brasileiros, a dimenso
e a importncia que ele deu ao Brasil em sua obra e quais autores
foram influenciados de alguma forma pelo jornalista peruano. nem de
longe achamos que o tema est esgotado. Muito pelo contrrio.
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aqui ofereceremos apenas sugestes e alguns caminhos para que
outros pesqui-sadores possam se aventurar e se aprofundar, com
maior detalhamento e novas informaes, na questo.
o fato que a recepo de Maritegui se deu tardia e timidamente no
Bra-sil. as primeiras referncias registradas de uma comunicao
direta de Maritegui com um brasileiro (que foram, de maneira geral,
escassas) datam de 1928, quando o jornalista e terico peruano troca
correspondncia com o intelectual paulista l-varo soares Brando, que
tinha interesse em publicar um de seus textos na revista amauta,
editada por ele.4 outra carta de um brasileiro, dessa vez do
jornalista Baltazar dromundo, da Folha acadmica, foi enviada em
1929 para o colega peruano (Luna vegas, 1985, p.85). aparentemente,
o primeiro a mencionar Ma-ritegui numa revista brasileira, contudo,
teria sido alberto Guerreiro Ramos. de acordo com Ral antelo,
o primeiro ensaio sobre JCM [Jos Carlos Maritegui] reivindicando
seu m-todo uma tardia interveno de Guerreiro Ramos nas pginas de
cultura Poltica, a publicao do dIP dirigida por almir de andrade.
em seus primeiros nmeros, a revista tinha uma seo, Literatura
Latino-americana, redigida por G. Ramos... a ela substituda por
outra, Literatura americana... sob a responsabilidade de Brito
Broca, que, alm de juntar a hispano com a norte-americana, tinha a
particularidade de pr nfase nos indivduos, no gnio indivi-dual,
conforme o esquema liberal de Broca, mais afeito vida literria do
que aos processos culturais... a substituio de Guerreiro Ramos por
Brito Broca coincide com a aproximao de Getlio com relao aos
estados unidos, de modo que Maritegui, citado e reivindicado, junto
com Henrquez urea, nas primeiras colaboraes de G. Ramos, uma das
vtimas da poltica de guerra.5
de fato, desde sua primeira participao na cultura Poltica, em
maio de 1941, Guerreiro Ramos (1941a, p.274-5) cita, rapidamente, a
importncia dos Sete ensaios de Maritegui como exemplo de maturidade
literria da amrica Latina, juntamente com Haya de la torre, Lus
alberto snchez, Mariano Picn salas, Lus Franco, Henrquez urea e
emilio trugoni, colocando JCM como uma importante personalidade do
meio cultural. os artigos de Guerreiro Ramos com menes a Maritegui
sairiam no nmero 3, de maio de 1941; no nmero 7, de setembro do
mesmo ano; e no nmero 9 (na edio extraordinria come-morativa do
quarto aniversrio do regime de 10 de novembro de 1937), de 10 de
novembro de 1941. no nmero 7, por exemplo, Maritegui ser novamente
colocado ao lado de Pedro Henrquez urea, assim como de angel
Rosemblat, Moiss senz, Franz Boas, Jos vasconcelos, Rodrigo Gonzlez
Chvez, Ricardo Rojas, antenor orrego, Luis aguilar, natalcio
Gonzalez e Gilberto Freyre, como um dos publicistas americanos
recentes que teriam percebido a necessidade de recorrer aos mtodos
sociolgicos de pesquisa para conhecer nossa forma-o social e
cultural (Ramos, 1941b, p.299-301). J no nmero 9, ele discutiria
alguns livros de literatura latino-americana, analisando a evoluo
da poltica no continente desde o perodo colonial e a presena do
indgena como formador de
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uma conscincia nacional. Para isso, falar das obras de aida
Cometta Manzonni, el ndio en la poesia de amrica espaola, e de
antonio Garcia, Pasado y presente del ndio, a primeira mostrando
como o ndio o plasmador de uma mentalida-de americana e
influenciador de uma conscincia nacional, enquanto a segunda,
apresentando o ndio sociologicamente. ao longo do texto, Guerreiro
Ramos ir comentar, brevemente, que Manzoni teria se utilizado de
Maritegui para de-finir trs perodos literrios sobre o indgena, o
hispano-americano, o latino-americano e o indo-americano, este
ltimo o qual, de acordo com Maritegui, exprimiria a nova concepo da
amrica, onde se estruturaria uma definitiva or-ganizao poltica,
econmica e social sobre a base nacional das foras de trabalho
representadas pela tradio, pela raa e pela explorao das massas
indgenas, que seriam o fundamento da produo e o cerne da vida
coletiva do continente (Ra-mos, 1941c, p.398-402). o marxismo de
Maritegui, de qualquer forma, nunca foi mencionado em nenhum de
seus artigos. ou seja, ao que tudo indica, os pri-meiros textos que
citavam e divulgavam, de alguma forma, as ideias de Maritegui
teriam sido publicados j na primeira metade da dcada de 1940, ainda
que fossem a partir do vis literrio e no exclusivamente sobre
ele.
depois disso, o nome de Maritegui iria aparecer rapidamente em
1946, num artigo de Waldo Frank, traduzido por anna amlia de
Queiroz Carneiro de Mendona (Rouillon, 1963, p.174). Mas JCM, de
alguma forma, estranhamente, ainda passa despercebido pelos
intelectuais marxistas brasileiros.
no comeo da dcada de 1940, Lencio Basbaum (1964), dirigente do
Partido Comunista do Brasil (PCB), iria publicar seu importante
Sociologia do materialismo (que tinha originalmente o ttulo
Fundamentos do materialismo), sem citar em nenhum momento
Maritegui. Isso apesar de ele muito provavel-mente conhecer de
primeira mo os Sete ensaios, por intermdio dos membros do Partido
socialista do Peru, durante a Primeira Conferncia Comunista
Latino-americana na argentina, em 1929. no prefcio segunda edio de
Sociologia do materialismo, datado de 12 de setembro de 1958, ele
diria que no havia introdu-zido alteraes em seu texto, mas que
teria includo uma bibliografia adicional, assim como notas de rodap
que se refeririam a trabalhos diversos (livros e artigos de
revistas especializadas), de diferentes autores publicados de 1944
em diante, ou que lhe eram desconhecidos poca em que havia
produzido originalmente sua obra, textos como a dialtica da
natureza, de Friedrich engels, ou livros de Lkacs e Plekanov, entre
outros (ibidem, p.7). ao que tudo indica, contu-do, pelo menos at o
final da dcada de 1950, Maritegui passou despercebido por Basbaum,
apesar de sua importncia. nem La escena contempornea, nem os Sete
ensaios, tampouco nenhuma das obras pstumas, como defensa del
marxismo (1934), el alma matinal y otras estaciones del hombre de
hoy (1950) e La novela y la vida (1955), foram citadas por ele.
Para Hersch Basbaum, de fato, Maritegui no tomou parte das leituras
relevantes de seu pai naquela poca.6
Maritegui, porm, certamente teria de ser um nome relativamente
conhe-cido, mesmo que dentro de um grupo bastante limitado do PCB.
Primeiro, ele
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fundara o Partido socialista peruano (que mais tarde mudou de
nome para Par-tido Comunista), ligado Internacional. ele enviara
dois delegados, Julio Porto-carrero e Hugo Pesce, para a Primeira
Conferncia Comunista Latino-americana de Buenos aires, em 1929,
onde suas teses foram tratadas com desdm e at ata-cadas por
vittorio Codovilla e outros participantes do evento. Mesmo
criticado, seu livro, no obstante, circulou entre os convidados do
congresso e suas ideias foram amplamente divulgadas. os quatro
delegados brasileiros presentes no en-contro, Paulo de Lacerda,
Lencio Basbaum, Mrio Grazzini e danton Jobim, certamente tiveram
acesso ao texto (ou pelo menos sabiam de sua existncia e de seu
contedo) e conheciam Maritegui de nome. bom lembrar que aquele era
um evento pequeno, e as 14 delegaes da amrica Latina contavam com
poucos convidados. Com plenos direitos na reunio, estavam a
argentina, com oito dele-gados, o Brasil com quatro, a Colmbia com
trs, Cuba com trs, equador com trs, Guatemala com dois, Mxico com
dois, Paraguai com um e uruguai com trs, assim como convidados
simpatizantes, entre os quais, a Bolvia, com dois representantes,
el salvador com dois, Panam com dois, Peru com dois e vene-zuela
com apenas um enviado. tambm estavam presentes enviados do Partido
Comunista dos estados unidos e da Frana, do Comintern e da IC
juvenil, e dos secretariados sul-americanos da IC e da IC juvenil
regional no evento (del Roio, 1990, p.80, 115; Fernndez daz, 1994,
p.105). no sabemos se algum exemplar dos Sete ensaios chegou a
passar pelas mos de militantes comunistas de base no Brasil naquela
poca. o mais provvel que isso no tenha ocorrido. Mas que havia um
conhecimento mnimo recproco entre as lideranas dos PC da regio,
incontestvel. alguns vo ainda mais longe, ao afirmarem que tanto os
dirigen-tes de alto escalo como os de nvel intermedirio conheciam
os Sete ensaios, e que uma liderana comunista de relevo como Pedro
Pomar, por exemplo, no s possua e lia a obra de Maritegui (a qual
considerava muito original), como fazia referncia a ela em seus
textos.7 Por sua vez, o prprio Maritegui (1991a, p.228-57) iria
citar longamente, na segunda parte de seu relatrio sobre a ques-to
de raas no continente, a interveno de um delegado brasileiro (que
ele no indica o nome), sobre os indgenas e os negros em nosso pas.
alguns atribuem a maior poro dessa segunda parte desse relatrio a
seu colega Hugo Pesce, que esteve efetivamente na reunio. Mas
Maritegui, de qualquer forma, aceitou suas concluses e fez suas as
palavras de Pesce e do delegado brasileiro, aceitando, sem
restries, suas interpretaes. se Maritegui conheceu o discurso e as
anlises do membro do PCB e as usou como referncia, os
representantes do Brasil tambm, certamente, ficaram sabendo quem
era o jornalista peruano. interessante men-cionar aqui, como
curiosidade, que Maritegui, ao discutir a questo dos negros, se
utiliza da declarao de um brasileiro e no cita em nenhum momento,
em nenhum de seus textos, os relatrios sobre o tema elaborados
pelos delegados da comitiva norte-americana ao Iv Congresso da IC
em Moscou, em 1922, os militantes negros otto Huiswood e Claude
McKay, nem tambm um conhecido e importante documento sobre o
assunto do Comintern, teses sobre a questo
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negra, preparado pela Comisso sobre os negros, dirigida pelo
russo George Ivanovich safarov naquela poca (draper, 1957,
p.387).
a partir de setembro de 1929, comeou um forte processo de
interveno da IC no continente, explicitado na famosa Carta aberta
aos partidos comunistas da amrica Latina sobre os perigos da
direita. nela, os comunistas da regio seriam acusados de
provincianismo. a missiva tambm apontava para o perigo de os
partidos socialistas se incorporarem ao estado burgus e alertava
para sua possvel transformao em social-fascistas. a relativa
autonomia dessas agre-miaes, assim, deveria ser suprimida (Cohen,
1990, p.301-79). essa investida de Moscou, que j vinha ocorrendo
desde o vI Congresso da IC (e com suas caractersticas especficas,
internamente na Rssia, com disputas faccionais locais), se
estenderia para as lutas intestinas dos PC de outros pases e iria
afetar todos os partidos do continente. da em diante, a mo de ferro
de stalin nos rumos polti-cos dos PC das amricas seria imposta, e
muitos dirigentes e intelectuais, afastados de seus comits centrais
ou depreciados e censurados por lideranas mais ortodo-xas. um
desses casos foi o de M. n. Roy. o outro, a posteriori, de
Maritegui. J nos estados unidos, os principais lderes do Partido
Comunista, Jay Lovestone e Benjamin Gitlow, acusados de
bukharinistas, so expulsos (Klehr et al., 1998). Lo-vestone iria
levar consigo mais duzentos seguidores (ottanelli, 1991, p.14).
entre 1929 e 1930, de um total de 9.300 membros, permaneceram
7.500, ou seja, em torno de 1.800 militantes comunistas saram do
partido (ibidem, p.15). em rela-o ao Brasil, octavio Brando (1978,
p.379) diria que, em 1930, na Conferncia dos Partidos Comunistas em
Buenos aires, ouvi 16 discursos de ataques, inclusi-ve pessoais.
Procuraram fazer tbua rasa de minha vida, obra e luta. ele
insistia:
a Conferncia de Buenos aires deveria ter-me criticado pelos
erros reais. em vez disso, condenou-me em tudo e por tudo. Fui
condenado porque preconi-zara a aliana do proletariado e do seu PCB
com os revoltosos de Copacabana, so Paulo e da Coluna
Prestes-Miguel Costa. Condenado porque considera-ra esta Coluna um
movimento progressista. Condenado porque achava que a burguesia de
um pas semicolonial como o Brasil no era a mesma cousa que a
burguesia dos pases imperialistas e, portanto, era conveniente
fazer aliana com aquela burguesia, contra o imperialismo. Condenado
por toda uma srie de atitudes semelhantes. (ibidem, p.379-80)
de acordo com Brando (1978, p.380), fui transformado em bode
expia-trio de todas as culpas e ameaado de expulso. Por isso,
tive de aceitar e defender a linha de Revoluo sovitica imediata,
por disciplina, para no ser expulso do PCB como traidor e porque
ela foi preconizada em nome da Internacional Comunista. em vez de
fazer a autocrtica dos erros reais, fui obrigado a fazer autocrtica
de erros imaginrios, por no ter lutado pela fantstica Revoluo
sovitica imediata. tal o absurdo. (ibidem)
J Basbaum, acusado de ser um intelectual, perdeu seu lugar no
Comit Central e astrojildo Pereira foi sumariamente demitido de seu
cargo de secretrio-geral do partido (Hilton, 1986, p.18).
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estudos avanados 24 (68), 2010 341
depois de ser bastante criticado por eudocio Ravines (o homem de
Mos-cou no Peru e sucessor de Maritegui na direo do partido) e de
ser apontado como um intelectual pequeno-burgus e populista pelo
Comintern, logo depois de seu desaparecimento fsico, em 1930,
Maritegui foi sendo lentamente rea-bilitado e resgatado ao longo
dos anos, at se tornar uma figura extremamente importante e
cultuada pelo PCP novamente. Por isso, mesmo que em crculos
fe-chados, restritos, dentro do Partido Comunista do Brasil,
certamente havia vrios dirigentes que conheciam a obra do
jornalista. talvez isso explique por que Luiz Carlos Prestes
enviaria carta ao Comit Central do Partido Comunista peruano em
1960, em homenagem a Maritegui,8 que seria publicada no rgo unidad,
de Lima, enquanto um texto de astrojildo Pereira (1960, p.5), Jos
Carlos Ma-ritegui y su obra, apareceria na mesma edio.
nelson Werneck sodr (1962) era admirador dos Sete ensaios (a
edio utili-zada por ele era a chilena, publicada em 1955) e usou a
obra como referncia para seu curso no Instituto superior de estudos
Brasileiros (Iseb) sobre a formao histrica do Brasil (que comeou a
ministrar em 1956), curso esse que resultaria, mais tarde, em seu
livro Formao histrica do Brasil (Cunha, 2002), de 1962. nesse
livro, ele citar os Sete ensaios extensamente em notas. Para alguns
estudio-sos do pensamento de sodr, seu pioneirismo seria, at mesmo,
ainda maior, j que ele teria fundamentado suas teses centrais em
Maritegui, teses essas incorpo-radas mais tarde no trabalho
supracitado. ele foi possivelmente o primeiro marxista brasileiro a
utilizar obra de Maritegui sistematicamente. interessante salientar
que sodr, ao contrrio de alguns intelectuais que haviam
reivindicado Maritegui anteriormente usando um vis culturalista, ir
utilizar sua obra a partir de uma perspectiva poltica e
historiogrfica.
Por sua vez, o mais importante historiador brasileiro, Caio
Prado Jnior, aparentemente no sofreu influncia direta do terico
peruano. uma avaliao emprica, a partir de consulta realizada pelo
historiador Paulo teixeira Iumatti, mostra que no consta nenhuma
ficha bibliogrfica, das em torno de novecen-tas preparadas por ele
(atualmente guardadas no Instituto de estudos Brasileiros (IeB) da
usP), que discuta qualquer livro de Maritegui.9 uma ausncia,
certa-mente, significativa. de acordo com o historiador Lincoln
secco (2008, p.35), Caio Prado s iria comprar o capital em 1932, em
edio francesa. em julho daquele mesmo ano, ele ainda encomendaria
mais 47 volumes de livros marxistas em francs, como Herr Vogt, a
correspondncia de Marx e engels, e tomos das obras completas de
Lenin, entre vrios outros. alguns anos depois, em 1934, em
depoimento a uma revista, Caio Prado Jnior apontaria alguns autores
como in-dispensveis iniciao a uma cultura socialista, como anton
Merger, Plekanov, Bukharin, Lapidus e ostrovitianov e Lenin. ou
seja, quase todos russos, mas nem todos, como se pode perceber,
clssicos (ibidem, p.36). o marxista paulista deixaria de sugerir
vrios tericos importantes e mais sofisticados do que alguns
daqueles que citou. e no iria mencionar nenhum latino-americano,
como Mari-tegui. de qualquer forma, mesmo se Caio Prado Jnior
tivesse lido a obra maria-
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teguiana, e ainda que os dois intelectuais fossem responsveis
por obras criativas e originais dentro do mbito do marxismo
latino-americano, no se encontram reflexos explcitos do terico
peruano nos livros do brasileiro, nem estilo de escrita, nem na
diversidade de interesses apresentados em seus textos, nem nas
referncias bibliogrficas e nem em suas teses centrais, ainda que
possa, em momentos, haver pontos coincidentes em determinadas
anlises do processo histricos do Peru e Brasil. Carlos nelson
Coutinho iria afirmar, por exemplo, que Prado Jnior jamais citou
Gramsci em suas obras, e no era frequente que mencionasse sequer
Lenin. Para Coutinho (1989, p.116), o estoque de categorias
marxistas de que se vale Caio Prado no muito rico. a mesma lacuna
terica marxista ele aponta em Maritegui, apesar de esse ter, de
acordo com ele, realizado obra semelhante para um pas concreto, ao
analisar a Independncia peruana como uma revoluo abortada e ao
apontar as danosas conseqncias desse aborto nas vrias esferas
sociais do Peru moderno (ibidem, p.126).
a ausncia de Maritegui tambm pode ser sentida no supracitado
oct-vio Brando, importante dirigente comunista brasileiro. no
sabemos se Brando chegou a ter intimidade com a obra de Maritegui,
mas em sua autobiografia, combates e batalhas, ele no faz nenhuma
meno de ter lido ou se influenciado, de alguma maneira, em seus
anos de formao poltica e como membro do PCB, pelas ideias do
jornalista peruano.10
o mesmo ocorre com Heitor Ferreira Lima (1982, p.65-6), outro
comunis-ta histrico. ele afirma em seu livro de memrias caminhos
percorridos que
a literatura terica que nos nutria, eram livros de Lnin,
trotsky, Zinoviev, Bukharin, Lozovsky e outros, dedicados a
assuntos do momento e polmicos, referentes revoluo russa ou aos
problemas da europa. desconhecamos as obras fundamentais de Lnin,
como sua polmica com os populistas, seu es-tudo sobre o
desenvolvimento do capitalismo na Rssia, ou Que fazer?, onde ele
aplica magistralmente o marxismo s condies de seu pas. Bem pouca
coisa conhecamos diretamente de Marx e engels. demais, no
estudvamos coma devida profundidade as questes brasileiras, sob
todos os seus variados e complexos aspectos, especialmente os
econmicos, financeiros e sociais, a fim de observar cuidadosamente
as relaes de classe existentes e suas reaes ante a orientao
poltico-econmica impressa pelo governo. Quando comeamos a estudar o
imperialismo, fizemo-lo de forma esquemtica e mecanicista...
Final-mente, no possuamos uma tradio socialista, como a argentina e
o Chile, por exemplo, capaz de nos guiar no pensamento e na ao.
em seus trs anos estudando em Moscou, ele certamente no leria
Mari-tegui. Mas Ferreira Lima no o cita, sequer quando comenta os
debates da Con-ferncia de Buenos aires ou em seus anos posteriores.
Para ele, nos anos 1930, os membros do PCB tinham um
desconhecimento completo de nossa realidade. dizia que o problema
do negro no Brasil, por exemplo, era equiparado ao dos estados
unidos, evidentemente de modo incorreto. a questo dos ndios era
igualada dos ndios do Peru e Bolvia, muito diferente dos nossos
(ibidem,
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p.106). Como Maritegui no estava em discusso, as comparaes s
podiam ser feitas a partir das interpretaes da realidade
latino-americana da IC, de vittorio Codovilla, e quem sabe at de
eudocio Ravines, que as apoiava e que era o prin-cipal dirigente do
Partido Comunista do Peru na poca.
a falta de obras marxistas no mercado editorial brasileiro era
patente. Para Lincoln secco (2008, p.34),
o partido tambm no tinha nenhuma literatura marxista e muito
menos seus dirigentes podiam ser vistos, a rigor, como marxistas.
edgard Carone, que fez um inventrio da literatura marxista no
Brasil at 1964, notou que havia aqui leitores de Marx, quando
muito. embora seja um problema complexo e que ingressa no campo da
histria do livro e da leitura, podemos depreender pelos escritos,
memrias, resolues e artigos de jornal comunistas que era muito
frgil o nvel de compreenso dos militantes, e mesmo dos dirigentes.
ainda assim, alguns deles, como astrojildo Pereira, desde o incio
se preocuparam em divulgar o marxismo. era o mximo que se podia
fazer: divulgar. Mas suas aes foram impedidas pela censura e,
depois, pelo prprio partido.
ele continua: a assimilao precria dos principais escritos dos
dirigentes da IC (Lnin, trotsky, Bukharin, etc.), se dava atravs da
revista Movimento comunista, rgo de divulgao terica do partido. uma
anlise dessa revista revela os primeiros tericos marxistas lidos no
Brasil de maneira orgnica, mas nenhuma produo nacional importante.
em 1923, octavio Brando traduziu o Manifesto comunis-ta de Marx e
engels. os trotskistas Mrio Pedrosa e Livio Xavier produziram
anlises originais da realidade brasileira, embora sem o mesmo valor
historiogr-fico da obra de Caio Prado Jnior ver o esboo de uma
anlise da situao econmica e social do Brasil. Com todas as
debilidades e o sectarismo prprios da poca, os documentos dos
trotskistas demonstravam um refinamento terico maior que o do PCB.
(ibidem, p.34-5)
assim, para secco (2008, p.35), o livro que alimentaria os
iniciantes no so-cialismo em geral s seria publicado em 1944, pela
editora Calvino. era de autoria de Max Beer. entre os comunistas,
essa funo seria preenchida pela Histria do Partido comunista da
unio Sovitica, que Caio Prado Jnior leu.
ainda que os trotskistas possivelmente tivessem maior preparo
intelectual e produzissem anlises mais sofisticadas e originais, no
h indcios claros de que tenham lido a obra de Maritegui. Para o
pesquisador Cludio nascimento,
muito difcil dizer se Mrio Pedrosa leu Maritegui. visitei a
biblioteca dele na Biblioteca nacional, todo seu arquivo e no
localizei Maritegui. tambm, Mrio teve muitos exlios e perdeu muitas
coisas. Mas, um dado que quando do exlio no Chile de allende, Mrio
visitou darcy Ribeiro no Peru, poca do General alvarado. assim,
possvel que tenha conhecido obras do amauta. Mrio era muito bem
informado, sobretudo, do que ocorria nas vanguardas artsticas do
mundo.11
J outro historiador marxista importante, Jacob Gorender (1978b),
iria uti-lizar os Sete ensaios em sua obra seminal, o escravismo
colonial, publicado em 1978,
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Jos carlos Maritegui (1894-1930).
Cor
tesi
a do
aut
or
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a partir da edio peruana da editora amauta, de 1973. Mas, em seu
combate nas trevas, outro livro relevante de sua bibliografia, no
incluiria Maritegui entre os autores que faziam a cabea da esquerda
brasileira durante os anos de ditadura militar no pas, apesar de
citar textos de vrios intelectuais estrangeiros, como os condenados
da terra, de Frantz Fanon, o capital monopolista, de Paul Baran e
Paul sweezy, e o homem unidimensional, de Marcuse, assim como as
ideias de Louis althusser e Mao ts-tung (j antonio Gramsci, de
acordo com ele, no produziu grande interesse nos militantes da
poca), entre outros (Gorender, 1978a, p.73-8).
Como se pode perceber, mesmo que certos autores reivindicassem
algumas ideias de Maritegui ou utilizassem sua obra na produo de
seus livros, o terico marxista peruano ainda era pouco conhecido,
de maneira geral, influenciando um nmero reduzido de intelectuais e
no sendo colocado como o centro das aten-es ou discusses mais
amplas nem no meio acadmico nem no ambiente pol-tico e partidrio.
sua obra, que permanecia indita no Brasil por mais de quatro
dcadas, era consultada apenas por um grupo restrito de intelectuais
brasileiros.
ainda que sodr tenha trazido algumas das ideias do terico
peruano para o debate intelectual dentro das esquerdas brasileiras
j na metade da dcada da 1950 e incio dos anos 1960, o primeiro
grande impulsionador da obra mariateguiana no Brasil foi, de facto,
o socilogo Florestan Fernandes, que somente em 1975, em plena
ditadura militar, consegue editar, pela primeira vez em nosso
territrio, os Sete ensaios, pela editora alfa omega (Maritegui,
1975). um atraso de 47 anos. Isso quando o livro j havia sado em
vrios outros pases da amrica Latina.
o primeiro pas no mundo inteiro a publicar um livro de Maritegui
fora do Peru foi o Chile, que colocou no mercado, em 1934, o
defensa del marxis-mo, em edio pirata e incompleta, sem o
consentimento da famlia do jornalista (Luna vegas, 1985, p.79).
Mais tarde, sua obra mais importante, os Sete ensaios, seria
publicada no mesmo pas, oficialmente, dessa vez pela Biblioteca
universit-ria, em 1955. em seguida, o livro sairia em Cuba, pela
Casa de las amricas, em 1963. na verdade, nos primeiros anos da
revoluo, uma diversidade de autores importantes, como Maritegui,
Gramsci e althusser, comeou a ser editada, lida e estudada, criando
grande interesse pelo pblico cubano, que procurava diferentes
abordagens tericas e prticas dentro do marxismo. aqueles foram os
anos mais frteis do processo de construo do socialismo na ilha
(acanda Gonzlez, 2000, p.109-28; santana Castillo, 2000, p.171-83).
os Sete ensaios ainda teriam l uma segunda e uma terceira edies, em
1969 e 1973. no uruguai, o livro lanado pela Biblioteca Marcha em
1970, com uma segunda edio em 1973. e no M-xico, seria publicado
pelas ediciones solidariedad em 1969 e, mais tarde, pela editorial
era, em 1979 e 1988.
Por isso, pode-se perceber a demora que o livro teve em chegar
ao pblico brasileiro. em 1971, oliveiros s. Ferreira (1971) publica
seu nossa amrica: in-doamrica, pela Livraria Pioneira editora e
editora da universidade de so Paulo,
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trabalho que havia terminado de escrever em novembro de 1966 e
que, mesmo tendo como foco principal Haya de la torre, iria
discutir (por ser assunto obri-gatrio num caso como esse) Maritegui
e seu pensamento. interessante notar que o primeiro livro acadmico
de peso publicado sobre a questo poltica, teri-ca e histrica da
Indo-amrica naquela dcada tenha focalizado prioritariamente Haya e
no Maritegui, ainda que este tenha recebido alguma ateno na obra.
no mesmo ano, tambm foi publicado um texto de nanci de Carvalho
Brigado, Jos Carlos Maritegui: uma interpretao, no nmero 8 da
revista dados. s que o fato fundamental daquela dcada em relao a
Maritegui foi, de fato, a publicao dos Sete ensaios no pas, por
iniciativa de Florestan.
nessa mesma poca que outros intelectuais e dirigentes polticos
de es-querda importantes iro conhecer ou se aprofundar na obra do
jornalista. o fu-turo membro da direo nacional do Movimento dos
trabalhadores Rurais sem terra (Mst), Joo Pedro stedile, iria tomar
conhecimento dos Sete ensaios entre 1975 e 1976, a partir de uma
verso em espanhol. ainda que ele no dominasse os conceitos
fundamentais de Maritegui, a obra lhe causaria bastante impacto e
lhe chamaria a ateno por se tratar de um estudo sobre o contexto
histrico pe-ruano que mesclaria questes ligadas a etnias e classes
sociais. ele teria gostado do texto especialmente por sua preocupao
em analisar a realidade daquele pas sem esquemas predeterminados e
independente de rtulos.12
Michael Lwy tambm se entusiasmaria com o pensamento de Maritegui
no mesmo perodo, em meados da dcada de 1970, quando comprou a coleo
de suas obras completas numa visita que fazia ao Mxico. ele j havia
realizado uma conferncia em 1960, para um crculo marxista na usP,
sobre o socialismo na amrica Latina, na qual fizera extensa
referncia ao terico peruano. esse fato, por si s, j o coloca, mesmo
que marginalmente, entre os pioneiros do mariate-guismo no Brasil.
Mas sua palestra teria sido preparada a partir de fontes
secund-rias. Quando a edio francesa dos Sete ensaios foi lanada em
1968 pela Maspero, a obra naquele momento, contudo, no lhe chamou a
ateno. s mesmo quando adquiriu a mariateguiana no Mxico que comeou
a estudar sistematicamente o autor de La escena contempornea. Por
isso, ele iria dar destaque a Maritegui em sua antologia do
marxismo na amrica Latina, editada em 1980 pela mesma Maspero. ou
seja, sua recepo foi irregular, mas resultou em obras e artigos
im-portantes, publicados em diversos pases, sobre o terico
peruano.13
vale aqui salientar o prprio foco de Lwy em relao aos trabalhos
de Maritegui. Pode-se ou no concordar com suas interpretaes, mas
importante reconhecer que ele conseguiu ver Maritegui de maneira
totalizante, mais ampla, e que sua abordagem teve uma sofisticao
maior que vrias anteriores em nosso pas, que focalizavam aspectos
isolados do pensamento e da obra do terico peru-ano. Lwy iria
apresentar o lado literrio e cultural de Maritegui (extremamente
importante para compreender suas ideias) e ao mesmo tempo associ-lo
intrinse-camente a seu marxismo e sua militncia poltica. afinal,
Maritegui no era uma
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figura chapada, unidimensional, mas, pelo contrrio, extremamente
complexa e multifacetada, que trabalhou, em grande parte de seus
escritos, com temas lite-rrios, filosficos e culturais. nunca,
porm, se pode deixar de lado seu aspecto poltico, extremamente
criativo e original (tanto no que diz respeito aos artigos
jornalsticos e de opinio como na construo da Central Geral dos
trabalhadores do Peru CGtP e do Partido socialista), seminal para
qualquer entendimento do Peru contemporneo. nesse caso, Lwy
conseguiu (mesmo que se possa discordar de algumas de suas
interpretaes) trabalhar com o pensamento de Maritegui, como
dissemos, de forma mais abrangente, o que , certamente, um mrito.
de qualquer forma, em relao ao histrico das leituras de Maritegui,
nem stedile, nem Lwy, como se pode perceber, se aproximou de
Maritegui a partir da edio brasileira dos Sete ensaios, mas de
edies em espanhol.
em 1980, Jos Paulo netto publicaria o artigo o contexto
histrico-social de Maritegui, na encontros com a civilizao
Brasileira, nmero 21, e apro-ximadamente na mesma poca da antologia
francesa de Lwy, naquela dcada, Florestan Fernandes tambm
coordenaria, no Brasil, uma coleo de obras com-piladas de
cientistas sociais na qual estaria includa uma seleo de textos do
jornalista (Belloto & Correa, 1982) e, mais tarde, tambm
publicaria (em 1994) o importante artigo o significado atual de Jos
Carlos Maritegui, numa revista acadmica.
Florestan colocaria a importncia de Maritegui no s no campo
acad-mico, mas como uma figura fundamental para discutir os
caminhos que poderia tomar o socialismo na dcada de 1990, quando a
unio sovitica e o bloco so-cialista haviam se esfacelado. Para
Fernandes (1994, p.6), portanto, Maritegui seria o intelectual
marxista mais puro e apto para perceber o que sucedeu; e, se
estivesse vivo, para traar os caminhos de superao que ligam
dialeticamente a terceira revoluo capitalista plenitude madura do
marxismo revolucionrio. ou seja, para Florestan, Maritegui o farol
que ilumina, dentro da pobreza e do atraso da amrica Latina, os
limites intransponveis da civilizao capitalista e as exigncias
elementares da civilizao sem barbrie, que as revolues prolet-rias
no lograram concretizar (ibidem, p.7). e ento, conclua, dizendo que
se tivesse vivido at hoje, travaria muitos embates a favor e contra
deslocamentos das revolues proletrias e no fugiria s constries
impostas por esta poca, que alarga e complica as tarefas tericas e
prticas dos que se pretendiam marxistas (ibidem, p.8) .
dos anos 1980 para c foram publicadas no Brasil algumas
coletneas de Maritegui, entre as quais uma reunio de textos
polticos, Por um socialismo indo-americano, traduzido por Luiz
srgio Henriques e organizado e prefaciado por Michael Lwy,
publicado pela editora da uFRJ, Rio de Janeiro, em 2005; duas
pequenas biografias intelectuais, a primeira de Hctor alimonda, Jos
carlos Ma-ritegui, pela Brasiliense, em 1983, e mais tarde, de
Leila escorsim, Maritegui, vida e obra, pela expresso Popular, em
2006; dois livros traduzidos, organizados e prefaciados por Luiz
Bernardo Perics, do sonho s coisas, pela Boitempo, em
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estudos avanados 24 (68), 2010348
2005, e Maritegui sobre educao, pela Xam, em 2007; assim como
Jos carlos Maritegui e o marxismo na amrica Latina, organizado por
enrique amayo e Jos antnio segatto, pela unesp e Cultura acadmica,
em 2002, e uma nova edio dos Sete ensaios, traduzida por Felipe Jos
Lindoso, com prefcio de Rodri-go Montoya, pela Clacso e expresso
Popular, em 2008. organizado e prefaciado por Perics, saiu, em
2010, pela alameda editorial, as origens do fascismo; uma co-letnea
de textos sobre a Rssia, tambm organizada por Perics, est
programada para este ano pela Brasiliense. em relao produo
ensastica desse perodo, o texto de alfredo Bosi (1990, p.50-61), a
vanguarda enraizada: o marxismo vivo de Maritegui, publicado na
revista estudos avanados, do Instituto de estudos avanados da usP,
merece ser destacado. diversas teses acadmicas sobre Ma-ritegui tm
sido preparadas e defendidas em distintas universidades
brasileiras, e o mais importante movimento social do pas, o Mst,
ministra cursos sobre o terico poltico peruano. Mas ainda h um
longo caminho a ser trilhado para que o pensamento desse autor
(comparado em muitos aspectos a antonio Gramsci) seja mais bem
difundido aqui.
a lenta penetrao de Maritegui no Brasil talvez se deva a trs
motivos principais. Primeiro, o Peru era um pas marginal para o
Brasil, em termos cultu-rais. os estados unidos, a europa, e at
mesmo a argentina e o Mxico, apesar da distncia fsica, tinham no s
maior contato com nosso pas, como possuam uma estrutura editorial e
divulgao literria muito mais fortes do que a nao andina, que tambm
apresentava uma conformao tnica e histrica em vrios aspectos
bastante diferentes da nossa.
no interessante artigo o marxismo no Brasil: das origens a 1964,
edgard Carone (2004, p.17-74) mostra como se deu a recepo da
literatura marxista em nosso pas. os livros, de facto, s comeam a
circular com maior abundncia de-pois da revoluo russa. Com a fundao
do PCB, h um impulso na divulgao das obras marxistas. ao longo dos
anos, uma quantidade significativa desses livros foi importada da
Rssia (ou de edies soviticas editadas na sua); da argentina, como a
editorial La Internacional (ligado ao PC argentino) e a editorial
Claridad; da Frana, como as editoras Girard et Brire, Felix alcan,
Marcel Rivire, stock, schleicher Frres, Librairie du travail,
ditions sociales Internacionales, alfred Coste, Presses
universitaries de France, Bernard Grasset, armand Colin, Payot,
seuill, Galimmard, Librairie de LHumanit, Bibliothque Franaise,
ditions sociales, ditions Hier et aujourdhui e Les diteurs Franais
Reunis; da espa-nha, a Biblioteca nueva, a Biblioteca
Internacional, a europa-amrica e a Cenit; do Mxico, a Fondo de
Cultura econmica e a ediciones Frente Cultural; e do Chile, a
Zig-Zag e a ercilla, por exemplo. o pblico brasileiro ter acesso,
em lngua estrangeira, a obras de Jacques sadoul, Lenin, Radek,
Wanine, trotsky, Zinoviev, Clara Zetkin, sylvia Pankhurst, Ren
Marchand, victor serge, varga, Molotov, stalin, Rosa Luxemburg,
alexandra Kollontai, otto Bauer, Jean Jaurs, Marthe Bigot, Rikov,
Riazanov, Plekhanov, Bukharin, thomas Rothstein, Mar-cel Prenant,
Jean Baby, Lucien Henry, Paul nizan, togliatti, Bebel,
adoratski,
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dimitrov, Litvinov, Losovsky, Lang, Manuilski, Iarolavski,
vorochilov, Kirov, Ka-linin, Mehring, tristn Marof e alfredo
Palacios, assim como a de romancistas estrangeiros conhecidos como
Mximo Gorki, Lebedinski, Fedor Gladkov, Fa-deiev, Fourmanov,
alexander serafimovich, deminov, adveenko, John dos Pas-sos,
sinclair Lewis, Kataev, sholokov e Romain Rolland, entre vrios
outros. Mas os livros peruanos, grosso modo, no chegam por aqui,
salvo a ttulo pessoal, tendo algum comprado a obra por l ou
recebido de um correspondente naquele pas. dentro dessa situao, os
livros de Maritegui, por isso, tambm no iriam chegar ao Brasil,
como se pode perceber.
outro motivo para que a obra de Maritegui no fosse de fcil
acesso aos mi-litantes daqui o fato de o Partido Comunista do
Brasil, vinculado ao Comintern (a organizao que teria condies de
divulgar a obra de Maritegui), tambm no ter, necessariamente,
interesse em propagar as ideias mariateguianas, que, de acordo com
vrios membros da IC, eram desvios ideolgicos, populistas e
contrrios ao que Moscou defendia. bom lembrar que, na Primeira
Conferncia Comunista Latino-americana de Buenos aires, vittorio
Codovilla fizera questo de desdenhar publicamente os Sete ensaios
diante de delegados de outros pases do continente. ele teria um
papel importante em desmerecer o livro de Maritegui e fazer que
suas opinies fossem ouvidas e aceitas pelos outros enviados da
regio.14 ou seja, para a Internacional, os Sete ensaios era um
livro de pouca importncia, resultando em uma acolhida muito
reduzida entre a maior parte dos meios co-munistas (Flores Galindo,
1994, p.502). Lencio Basbaum (1964, p.378-9), no apndice da segunda
edio brasileira de seu Sociologia do materialismo, publicado em so
Paulo, em 1959, diria que
no Brasil o dogmatismo foi ainda mais longe, chegando s vezes a
alcanar o ridculo. o Comit Central do Partido Comunista, responsvel
pela divulga-o do marxismo e por fiscalizar os contrabandos
ideolgicos, proibia a seus membros trabalhos tericos originais. sua
revista terica Problemas publicava s tradues de artigos soviticos.
unicamente se permitia, aos escritores mem-bros do Partido,
escrever romances no estilo realismo socialista, e estas obras s
podiam ser publicadas depois de sua aprovao pelo Comit Central.
agora, quando se sabe que esse Comit Central est integrado por
pessoas que, salvo duas ou trs excees, nunca leram um livro de
nenhum tipo depois de sair da escola, fcil avaliar o grotesco dessa
situao.
Finalmente, o prprio Maritegui, que costumava escrever sobre os
acon-tecimentos mundiais e fatos relacionados a vrios pases,
praticamente no men-ciona o Brasil em suas dezenas de artigos. ele
chegou a escrever sobre naes to distantes como a Inglaterra, a
Irlanda, a turquia, a Frana, a ndia e a China, entre muitas outras.
somente sobre a Rssia, escreveu em torno de 50 artigos, que
discutiam desde perfis de escritores e personalidades do governo at
eventos da Revoluo de outubro, crtica literria, poltica externa e
anlises da situa-o interna do processo revolucionrio. Mas, mesmo
estando supostamente to prximo do Brasil, nunca elaborou um texto
sequer exclusivamente sobre nosso
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estudos avanados 24 (68), 2010350
pas. Isso quando ocorriam, no cenrio brasileiro, eventos
importantes, como o movimento modernista, o tenentismo, a Coluna
Prestes e o cangao. o autor de La escena contempornea ir mencionar
o Brasil muito poucas vezes, apenas em pinceladas, para discutir,
rapidamente (mas no unicamente), a questo das raas no continente.
vale recordar que boa parte do que ele comenta em re-lao aos ndios
e negros no Brasil so transcries do relatrio do delegado brasileiro
na Conferncia de Buenos aires, e no texto exclusivamente seu.15 e
que suas concluses em relao ao tema foram bastante influenciadas
pela anlise do militante do PCB na ocasio. Mas se compararmos o que
ele efetivamente escreveu sobre o Brasil com o que falou de outras
naes (e de outros temas), poderemos perceber que nosso pas no
recebeu grande ateno por parte de Maritegui.
em seu artigo Blaise Cendrars, por exemplo, Maritegui citaria um
bre-ve trecho do poema do poeta franco-suo sobre sua chegada a so
Paulo.16 o poema dizia: enfin on entre en Gare/ Saint-Paul /Je
crois tre en gare de nice/ ou dbarquer a charing-cross Londres/ Je
trouve tous mes amis/ Bonjour/ cest moi.17 nesse caso, Maritegui
(1988a, p.109) diria apenas, sem maior interes-se pela cidade, que
no possvel duvidar. Blaise Cendrars que chega a so Paulo.
Cendrars esteve no Brasil, onde viajou extensamente com artistas
e poetas brasileiros. tornou-se muito amigo dos modernistas, como
oswald e Mrio de andrade. sua viagem rendeu um livro completo de
poemas sobre o pas, Feuilles de route sud-amricaines, com ilustraes
de tarsila do amaral e dedicado a Paulo Prado, Mrio de andrade,
srgio Milliet, tcito de almeida, Couto de Barros, Rubens de Moraes,
Lus aranha, oswald de andrade, Yan, Graa aranha, srgio Buarque de
Hollanda, Prudente de Moraes neto, Guilherme de almeida, Ronald de
Carvalho, amrico Fac e Leopoldo de Freitas. Cendrars faria trs
viagens ao Brasil, em 1924, 1926 e entre 1927 e 1928, que seriam
muito importantes tanto para ele como para os artistas modernistas
brasileiros.18 Mesmo assim, Maritegui (que, ao que tudo indica,
havia lido o livro de Cendrars) parece no ter se inte-ressado em
descrever algumas dessas experincias, nem o encontro de um artista
europeu importante com uma cultura latino-americana. todos os
poemas descri-tivos da experincia brasileira de Cendrars foram
deixados de lado, ou seja, nem mesmo mencionados, como se o fato em
si no tivesse interessado o peruano. algo certamente bastante
inusitado nesse caso.
bom lembrar tambm que o jornalista peruano se correspondia
regular-mente (ou pelo menos chegou a trocar algumas cartas) com
importantes intelec-tuais e personalidades polticas de vrios pases,
como Juan Marinello, enrique Jos varona e emilio Roig, de Cuba;
samuel Glusberg, Jos Malanca e Manuel ugarte, na argentina; Waldo
Frank, nos estados unidos; Henri Barbusse e Ro-main Rolland, na
Frana; alfonso Reyes e Jos vasconcelos, no Mxico; Miguel de
unamuno, na espanha; eduardo Barrios, Fernando Binvignat e Gabriela
Mis-
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estudos avanados 24 (68), 2010 351
tral, no Chile; e tristn Marf, na Bolvia, entre muitos outros
(Luna vegas, 1985, p.57-91). J em relao ao Brasil, como vimos
anteriormente, no houve troca de cartas significativa com nenhum
intelectual importante do nosso pas.
em realidade, diferentes estudiosos da obra de Maritegui, como
antonio Melis e Harry vanden, concordam que seu interesse pelo
Brasil no era central. de acordo com Melis, o interesse de
Maritegui em relao ao Brasil aparece in-diretamente numa carta que
o poeta e diplomata enrique Bustamante y Ballivin19 lhe envia do
Rio de Janeiro em junho de 1926. Infelizmente... se perderam quase
todas as cartas de Maritegui a Bustamante.20 Mas o mariateguista
italiano afirma que Maritegui teria estabelecido contatos com a
revista de antropofagia, e que ele, Melis, teria encontrado alguns
exemplares daquela publicao no arquivo do amauta. Mas ressalva que,
de forma geral, contudo, a escassez de contatos com o pas era
evidente. e que o trabalho de aproximao com intelectuais
brasileiros, que estava sendo realizado por Bustamante, no
prosperou, j que ele foi removi-do como diplomata para
Montevidu.
interessante mencionar aqui que Mrio de andrade era grande
admirador de Bustamante, que havia traduzido e publicado uma
importante coletnea de po-etas brasileiros. os poetas escolhidos
para figurar em seu nueve poetas nuevos del Brasil eram Guilherme
de almeida, Mrio de andrade, Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho,
Gilka Machado, Ceclia Meireles, Murilo arajo, Ribeiro Couto e tasso
da silveira. o autor de Macunama diria, num artigo publicado no
dirio nacional, em 14 de dezembro de 1930, que Bustamante y
Ballivin era um ver-dadeiro amigo.21
Bustamante, de fato, era prximo de vrios artistas e intelectuais
brasileiros. uma resenha dos anti-poemas e de odas vulgares,
assinada por andrade Murici, saiu no nmero 2 de Festa, em novembro
de 1927; outra sobre os anti-poemas no nmero 6, de maro de 1928;
trs poemas traduzidos do poeta peruano com crtica do mesmo andrade
Murici, no nmero 9; e ento mais dois poemas de Bustamante y
Ballivin, em julho de 1928, naquela mesma publicao (antelo, 1986,
p.114).
o j citado Ral antelo, por seu lado, chega a afirmar que
Maritegui teria se encontrado, ainda na Itlia, com o pintor
brasileiro Paulo Rossi osir, vinculado a Cndido Portinari, e que
este oficiaria supostamente o contato entre o jornalista peruano e
os modernistas brasileiros.22 no h, contudo, nenhuma indicao
con-creta desse encontro (pelo menos nas fontes peruanas) ou
qualquer troca de cartas registrada na correspondncia completa de
Maritegui, em dois volumes, organi-zada por antonio Melis a pedido
da famlia do terico peruano, ainda que, vale a pena recordar,
muitas epstolas que pertenciam ao jornalista tenham se perdido. o
mais provvel que Maritegui no tenha conhecido pessoalmente Rossi
osir. Mas seguramente sabia quem era. Quem primeiro fala dele a
Maritegui o pintor vanguardista argentino emilio Pettoruti, somente
em 1929, ou seja, vrios anos depois da permanncia do jornalista
peruano na Itlia. em carta escrita no Rio de Janeiro e datada de 13
de maro de 1929, Pettoruti escreve a seu colega peruano
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que logo lhe enviarei um artigo sobre o pintor brasileiro (o
nico e o melhor) que estou segurssimo que lhe interessar... o amigo
pintor se chama: Paulo C. Rossi osir.23 um ano mais tarde, em 13 de
fevereiro de 1930, Pettoruti envia outra carta, sugerindo que
Maritegui procurasse seu amigo osir, que morava na Rua Ipiranga
nmero 19, para indicar uma livraria onde a amauta pudesse ser
vendida em so Paulo.24 Pettoruti, at mesmo, sugere que Maritegui o
nomeie correspondente ou o que ele quisesse (in Melis, 1984,
p.729). Para o argen-tino, osir e Guignard eram os nicos pintores
interessantes do Brasil (ibidem). dizia ele que Guignard tem 37
anos e tem 36 anos de europa; me escreve em francs e falamos em
francs e italiano (ibidem). tambm sugere que Maritegui escreva para
o poeta chileno Gerardo seguel, que vivia na Praa Mau25 nmero 7, no
Rio, j que ele estava a par de todo o movimento brasileiro e lhe
pode-ria indicar uma livraria (ibidem). seguel, de fato, era tambm
bastante amigo de muitos intelectuais no Brasil e colaborador de
revistas literrias de vanguarda do pas naquela poca.
assim, o que podemos perceber que alguns dos principais enlaces
identi-ficveis de Maritegui para sua possvel penetrao no Brasil
teriam sido, em dife-rentes graus de importncia, enrique
Bustamente, emilio Pettoruti, Paulo Rossi osir e Gerardo seguel.
Mas os contatos continuaram escassos e pouco slidos. e, ao que tudo
indica, no tiveram xito. bom recordar, entretanto, que bastante
possvel que outros intelectuais, brasileiros ou estrangeiros,
possam ter ajudado, de alguma maneira, a fazer esses contatos,
ainda que, ao que tudo indica, sem grande sucesso. um dos
intelectuais que estiveram no Peru e no Brasil, amigo tanto de
Maritegui como de artistas e literatos brasileiros, era o
norte-ameri-cano Waldo Frank, que pode ter feito algumas aproximaes
entre Maritegui e os modernistas de nosso pas. de qualquer forma, o
interesse de Maritegui em se aproximar de intelectuais e artistas
brasileiros era relativamente pequeno, mas ainda assim continuou
presente em suas preocupaes at o final da vida. outro detalhe
interessante que Maritegui tenta se relacionar com o Brasil por
meio da arte e cultura, especialmente com pintores e poetas, e no
pela via poltica, pelo Partido Comunista do Brasil, com o qual,
aparentemente, no manteve ligao ou algum relacionamento.
Isso , de qualquer forma, compatvel com a relao de Maritegui com
o Comintern na poca. em 1930, Maritegui, que j planejava se mudar
para Buenos aires com sua famlia havia alguns anos, decidiu
finalmente ir viver na capital portenha (Flores Galindo, 1982a,
p.499-500). aparentemente j havia at alugado um apartamento l. Mas
todas as suas gestes para a mudana de pas estavam sendo apoiadas
por seu amigo samuel Glusberg, poeta e ensasta judeu, editor de La
vida literria e diretor da editora Bebel, e no por seu partido ou
pelos militantes da Internacional. Foi por intermdio de Glusberg
que Maritegui tomou contato com Leopoldo Lugones, relao que se
estendeu at Jorge Luis Borges, a quem a editora Minerva enviou
poemas de eguren. Glusberg tambm mandou a Maritegui os ensaios de
Pedro Henrquez urea. nenhum desses in-
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estudos avanados 24 (68), 2010 353
divduos supracitados era marxista. e, como apontou alberto
Flores Galindo, se-ria difcil encontrar tantos personagens mais
diferentes do que vittorio Codovilla e os membros do Comintern.
aqueles intelectuais eram vistos pela Internacional como pequenos
burgueses. ou seja, Maritegui aparentemente havia feito sua escolha
em termos de com quem se relacionar e a quem pedir apoio. e sua opo
teria sido, naquele momento especfico, aparentemente mais voltada
ao lado cul-tural (ibidem, p.501).
o conhecimento da intelectualidade brasileira em relao a
Maritegui, de forma geral, portanto, ainda era restrito. Mrio de
andrade, por exemplo, aparen-temente no possua nenhuma obra de
Maritegui, mas certamente o conhecia, mesmo que marginalmente, j
que tinha, em sua biblioteca, o ltimo dos 34 n-meros da revista
punenha Boletn Titikaka (fundada em 1925, mas que comeara a ser
publicada efetivamente em 1926 pelo Grupo orkopata, liderado pelos
irmos alejandro e arturo Peralta, mais conhecido como Gamaliel
Churata), edio essa lanada em 1930 e dedicada ao jornalista
(ibidem).26 na verdade, dos peruanos, o autor mais lido por Mrio
foi alberto Guilln, e foi por intermdio dele que teve o maior
contato com os Sete ensaios de Maritegui. em cancionero, de 1934,
que Mrio possua em sua biblioteca particular, reproduzido um
comentrio de Maritegui sobre Guilln retirado dos Sete ensaios.
talvez no seja muito, mas algo de Maritegui era conhecido por Mrio,
ainda que, tambm, especialmente, sobre a arte e cultura (antelo,
1986, p.130-1, 254).
a biblioteca pessoal de Maritegui, que foi doada posteriormente
uni-versidade de san Marcos, era pequena, com aproximadamente 350
livros catalo-gados, sem contar com alguns outros poucos, que foram
vendidos, roubados ou presenteados a terceiros por seus
familiares.27 nela, a presena brasileira era nfima. s constavam
dois livros de autores brasileiros, chimica (curso secundrio), de
lvaro soares Brando, publicado em so Paulo, em 1927, e a passo de
gigante, de Hlio Lobo, editado no Rio de Janeiro pela Imprensa
nacional em 1925. possvel que ele tivesse outros, atualmente
perdidos. de qualquer forma, nenhum dos livros registrados era
importante, nem marcou ou influenciou decisivamente o pensamento de
Maritegui. e nenhum dos quais, ao que tudo indica, foi citado por
Maritegui em sua obra.
Pode-se dizer tambm que no h nenhum reflexo ou influncia direta
entre os modernistas brasileiros e a revista amauta, apesar de
quaisquer possveis tenta-tivas de aproximao entre Maritegui e
aqueles intelectuais. bom lembrar que a amauta nunca publicou um
autor brasileiro sequer em suas pginas, tampouco nenhum artigo
exclusivo sobre nosso pas. Pettoruti, ainda que tivesse a inteno de
preparar e enviar um texto sobre Paulo Rossi osir para a amauta, no
o fez, e aquele que poderia ser possivelmente o nico artigo sobre
um artista brasileiro no foi publicado na revista. o mesmo pode ser
dito da revista de antropofagia, que divulgava quase que
exclusivamente poetas, artistas e escritores nacionais (a colaborao
internacional era nfima) e que em momento algum publicou ou se-quer
mencionou Maritegui em suas pginas.
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estudos avanados 24 (68), 2010354
a amauta era, de longe, mais elaborada e profunda, uma publicao
mais encorpada, com maior nmero de colaboradores e melhor contedo.
enquanto a revista de antropofagia, tanto em sua primeira dentio
(com apenas dez nmeros) como na segunda (as duas entre 1928 e
1929), era extremamente curta, indo de oito pginas em seus nmeros
iniciais at apenas uma (como suplemento do jornal dirio de So
Paulo, posteriormente), a amauta, que durou de setem-bro de 1926 a
setembro de 1932, tinha 40 pginas em seu primeiro nmero, 44 do
nmero 2 ao 16, 104 pginas do nmero 17 ao 30, e 84 nas edies 31 e
32, caracterizando-se por uma publicao de maior flego (tauro,
1987a, p.14-5). a amauta tambm publicava assuntos mais variados,
como poesia, contos, fragmen-tos de romances, teatro, narrativas de
viagem, crtica literria, filologia, lingusti-ca, arte, pintura,
escultura, arquitetura, dana, msica, cinema, filosofia, religio,
educao, antropologia, folclore, sociologia, direito, relaes
internacionais, impe-rialismo, problemas mundiais, histria,
economia, movimento operrio e questo indgena. aquela revista
publicou textos de Pablo neruda, andr Breton, vladimir Maiakovski,
Waldo Frank, Henri Barbusse, Boris Pilniak, Jean Cocteau,
Marinetti, Miguel de unamuno, Csar vallejo, Jorge Luis Borges,
vicente Huidobro, tristn Marf, Magda Portal, Lunatcharsky, Romain
Rolland, Mximo Gorki, Haya de la torre, diego Rivera, Jos ortega y
Gasset, sigmund Freud, nicolai Bukharin, Ge-orge Plekhanov, Piero
Gobetti, Jos Ingenieros, Jos vasconcelos, tina Modoti, Jess silva
Herzog, Georges sorel e Len trotsky, entre muitos outros.
a revista de antropofagia, por sua vez, bastante confusa em
termos ide-olgicos e com pouqussimo estofo terico (ainda que em
momentos publicas-se alguns textos e poemas que se tornariam
importantes na literatura brasileira), chega a afirmar que somos
contra os fascistas de qualquer espcie e contra os bolchevistas
tambm de qualquer espcie (Campos, 1976, p.10). Para esses
mo-dernistas, Marx seria um dos melhores romnticos da antropofagia
(ibidem). algo inimaginvel para a amauta. afinal de contas, na poca
da publicao da amau-ta, Maritegui j se declarava um marxista
convicto e confesso. suas opinies polticas eram maduras, e sua
relao com o movimento operrio, real e cada vez mais estreita.
afinal de contas, Maritegui seria o fundador da Central Geral dos
trabalhadores do Peru e do Partido socialista (depois Comunista),
e, mesmo preocupado com arte e literatura, era tambm um organizador
poltico, sabendo claramente qual era sua afiliao ideolgica;
assumia-se indiscutivelmente como um marxista e tinha vnculos
estreitos com o movimento operrio. Muitos pes-quisadores
brasileiros, que ressaltam excessivamente seu lado de literato,
parecem se esquecer disso. Por isso, no se pode comparar livre ou
impunemente Mari-tegui com os modernistas brasileiros, mesmo que
alguns daqueles tenham tido algumas inclinaes ao marxismo ou ao
socialismo de forma geral. claro que h pontos de contato, algumas
semelhanas e a absoro do clima esttico, poltico e literrio da poca.
Mas sempre temos de ver esses aspectos a distncia e evitar fazer
paralelos que indiquem uma aproximao ideolgica maior entre as duas
revistas e seus colaboradores e editores do que de fato
ocorreu.
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estudos avanados 24 (68), 2010 355
a revista de antropofagia se diria defensora do divrcio, da
maternida-de consciente, da nacionalizao da imprensa, da supresso
das academias (que seriam substitudas por laboratrios de pesquisa)
e do ensino leigo nas escolas (ibidem, p.16). Mas suas opinies eram
epidrmicas, s riscavam a superfcie, no indo ao fundo das questes.
na dcada de 1950, oswald de andrade tentaria dar uma explicao um
pouco mais sofisticada para o momento antropofgico, expli-cao essa
que qui tivesse, de alguma forma, afinidade (ainda que muito
relati-va) com o trabalho de Maritegui produzido vrios anos antes.
Mas essa anlise oswaldiana vem a posteriori, a partir de uma
reflexo mais madura e abrangente.28 anlise um pouco mais
sofisticada, talvez, mas que no estava presente, com cla-reza nem
profundidade, na poca em que se editava a revista. outras publicaes
no continente possivelmente se assemelhavam mais revista fundada
por Marite-gui, em termos de vanguarda esttica combinada com
militncia poltica, como a argentina revista de Filosofa, fundada
por Jos Ingenieros e editada entre 1915 e 1929; a claridad, do
mesmo pas (Fornet-Betancourt, 1995, p.106-11); a cubana revista de
avance; a repertorio americano, da Costa Rica; e as
norte-americanas Seven arts e The Masses, de nova York, esta ltima
em sua fase urea, de 1911 a 1917, entre outras (Fishbein, 1982;
draper, 1957).
Como pudemos perceber, a relao de Maritegui com o Brasil sempre
foi tnue. a intelectualidade brasileira nunca deu a devida ateno
obra de Mari-tegui, que passou, em grande medida, despercebido da
maioria dos escritores e polticos do pas. Poucos leram seus livros
ao longo das dcadas, e pouco foi produzido a partir de suas ideias.
Mesmo os marxistas brasileiros tiveram acesso restrito a seus
livros. sua influncia no meio acadmico e partidrio foi certamente
limitada, por todos os motivos j apresentados neste trabalho.
de qualquer forma, no Peru, as comemoraes dos oitenta anos dos
Sete en-saios, em 2008, que foram organizadas por um comit
encabeado pelo filho mais velho de Maritegui, sandro Maritegui, e
um conselho consultivo que inclua intelectuais locais e
estrangeiros importantes, como anbal Quijano, antonio Me-lis,
Michael Lwy e alberto aggio, entre vrios outros, deram novo impulso
aos estudos mariateguianos. simpsios e publicaes estiveram na pauta
da equipe, assim como a inteno de produzir novas edies de sua obra
e a criao de uma ctedra com o nome de Maritegui na universidade de
san Marcos. s falta ago-ra o pblico brasileiro conhecer mais
profundamente os trabalhos desse grande intelectual. novos livros,
artigos e conferncias certamente ajudaro a divulgar melhor para
nossos leitores sua vida e seu pensamento.
notas
1 Para mais informaes sobre a infncia e juventude de Maritegui,
ver Luna vegas (1989), tauro (1987b, p.7-64), Flores Galindo
(1982b) e Rouillon (1975).
2 Para mais informaes sobre Maritegui na Itlia, ver Paris
(1981), Wiesse (1987), Maritegui (1987a) e nuez (1994).
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estudos avanados 24 (68), 2010356
3 sandro Maritegui, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
Lima, 1 de abril de 2008 (as informaes que seguem referem-se a essa
correspondncia).
4 Carta de lvaro soares Brando a Jos Carlos Maritegui, em Melis
(1984, p.407).
5 Ral antelo, correspondncia com Luiz Bernardo Perics, 25 de
agosto de 2008.
6 Hersch Basbaum, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
outubro de 2008.
7 Wladimir Pomar, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
agosto de 2008. Para mais detalhes sobre a formao poltica e
ideolgica de Pedro Pomar, ver Wladimir Pomar (2003).
8 Carta de Luiz Carlos Prestes escrita no Rio de Janeiro, com
data de 14 de abril de 1960, dirigida ao Comit Central do PCP, e
publicada com o ttulo Luis Carlos Pres-tes a nombre de comunistas y
pueblos Brasileo expresa su homenage a Maritegui, em unidad (Lima,
21 de abril de 1960, p.2)
9 Paulo teixeira Iumatti, correspondncia com Luiz Bernardo
Perics, abril de 2008.
10 ver Brando (1978). Para mais detalhes sobre a formao
intelectual de octvio Bran-do, ver tambm Konder (1991).
11 Cludio nascimento, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
outubro de 2008.
12 Joo Pedro stedile, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
setembro de 2008.
13 Michael Lwy, correspondncia com Luiz Bernardo Perics,
setembro de 2008.
14 Para mais informaes sobre a Primeira Conferncia Comunista
Latino-americana de Buenos aires e a participao de vittorio
Codovilla, ver Flores Galindo (1994).
15 Para mais informaes sobre a questo dos negros na obra de
Maritegui, ver Forgues (1995, p.77-100) e Maritegui (1987d,
p.128-30).
16 ver, de Jos Carlos Maritegui, Blaise Cendrars, publicado
originalmente in Variedades (Lima, 26 de setembro de 1925) e
reproduzido em Maritegui (1988a, p.105-14).
17 na traduo de srgio Wax: enfim eis umas fbricas uma periferia
um bonde peque-no/ bonitinho/ Cabos eltricos/ uma rua cheia de
gente que vai fazer suas compras da noite/ um gasmetro/ enfim
entra-se na estao/ so Paulo/ Parece-me estar na estao de nice/ ou
desembarcar em Charing-Cross em Londres/ encontro todos os meus
amigos/ Bom dia/ sou eu (ver Cendrars, 1991, p.105). H tambm outra
ver-so em portugus desse poema, no livro organizado por eullio
& Calil (2001, p.39): enfim fbricas, um certo subrbio, um
bondinho engraado [...] / um gasmetro/ entramos afinal na estao/ so
Paulo/ at parece que estou na estao de nice/ ou desembarco na
Charing Cross de Londres/ encontro todos os meus amigos/ Bom dia/
sou eu.
18 Para mais detalhes sobre a presena de Blaise Cendrars no
Brasil, ver eullio & Calil (2001).
19 a opinio de Maritegui em relao ao trabalho de enrique
Bustamante e a impor-tncia desse intelectual podem ser vistas nos
breves comentrios sobre seu colega no captulo o processo da
literatura, em Maritegui (1988c). enrique Bustamante tambm
colaborou com a revista amauta, publicando os poemas nubes e
som-bra, no n.8, p.26 (ver tauro, 1987a, p.22).
20 antonio Melis, correspondncia com Luiz Bernardo Perics, 6 de
julho de 2008.
21 ver Mrio de andrade, Bustamante y Ballivin, in dirio
nacional, domingo, 14 de dezembro de 1930, citado em antelo (1986,
p.186-8).
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estudos avanados 24 (68), 2010 357
22 Ral antelo, correspondncia com Luiz Bernardo Perics, 25 de
agosto de 2008.
23 ver carta de emilio Pettoruti a Jos Carlos Maritegui, de 13
de maro de 1929, em Melis (1984, p.526). ver tarcus & Longoni
(2001, p.10-21).
24 ver carta de emilio Pettoruti a Jos Carlos Maritegui, de 13
de fevereiro de 1930, em Melis (1984, p.729).
25 talvez por dificuldades em compreender a caligrafia de
Pettoruti, o endereo citado na carta, transcrito em livro, foi
colocado como Praa Man, uma aparente confu-so com as letras n e u,
quando o mais provvel que, de fato, o endereo fosse Praa Mau, local
muito conhecido naquela cidade.
26 Para mais informaes sobre o Boletn Titikaka e seus editores e
colaboradores, ver Corts (s. d.). ver tambm antelo (1986,
p.273).
27 antonio Melis, correspondncia com Luiz Bernardo Perics, 31 de
julho de 2008; e Harry vanden, depoimento a Luiz Bernardo Perics,
so Paulo, 31 de julho de 2008.
28 de acordo com augusto de Campos (1976, p.16-7): em a marcha
das utopias e a crise da filosofia messinica, na dcada de 50,
oswald procura dar mais consistncia s suas idias em torno da
antropofagia, vista como uma filosofia do primitivo tec-nizado.
Fundindo observaes colhidas em vrios autores, mas principalmente em
Montaigne (de Cannibalis), nietzsche, Marx e Freud, redimensionados
pelas teses de Bachofen sobre o Matriarcado, cria sua prpria utopia
de carter social (no fundo de cada utopia no h somente um sonho, h
tambm um protesto). Continua: Imaginava o poeta que as sociedades
primitivas seriam capazes de oferecer modelos de comportamento
social mais adequado reintegrao do homem no pleno gozo do cio a ser
propiciado pela civilizao tecnolgica. Para oswald, o cio a que todo
homem teria direito fora desapropriado pelos poderosos e se perdera
entre o sacer-dcio (cio sagrado) e o negcio (negao do cio). Para
recuper-lo, propunha a incorporao do homem natural, livre das
represses da sociedade civilizada. ainda: a formulao essencial do
homem como problema e como realidade era capsulada neste esquema
dialtico: 1 termo: tese o homem natural; 2 termo: anttese o homem
civilizado; 3 termo: sntese o homem natural tecnizado. a humanidade
teria estagnado no segundo estgio, que constitui a negao do prprio
ser huma-no, e no qual fora precipitada pela cultura messinica. e
ento: Contra a cultura messinica, repressiva, fundada na autoridade
paterna, na propriedade privada e no estado, advogava a cultura
antropofgica, correspondente sociedade matriarcal e sem classes, ou
sem estado, que deveria surgir, com o progresso tecnolgico, para a
devoluo do homem liberdade original, numa nova Idade do ouro.
Conotao importante derivada do conceito de antropofagia oswaldiano
a idia da devorao cultural das tcnicas e informaes dos pases
superdesenvolvidos, para reelabor-las com autonomia, convertendo-as
em produto de exportao (da mesma forma que o antropfago devorava o
inimigo para adquirir as suas qualidades). atitude crtica, posta em
prtica por oswald, que se alimentou da cultura europia para gerar
suas prprias e desconcertantes criaes, contestadoras dessa mesma
cultura.
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resumo este artigo discute especialmente a recepo da obra do
jornalista e terico marxista peruano Jos Carlos Maritegui no
Brasil, sua influncia no meio acadmico e poltico, e as diferentes
leituras e abordagens de suas ideias no pas, do final dos anos 1920
at a atualidade, assim como tambm mostra as tentativas de aproximao
de JCM com artistas e intelectuais brasileiros.
palavras-chave: Jos Carlos Maritegui, Marxismo na amrica Latina,
Marxismo e cul-tura, PCB, Marxismo no Peru, Marxismo no Brasil.
abstract this article discusses primarily the reception of the
work of the Peruvian journalist and Marxist theoretician Jos Carlos
Maritegui in Brazil, his influence in the academic and political
milieu, and the different readings and approaches to his ideas in
this country, from the late 1920s to the present day; it shows, as
well, JCMs efforts to establish links and relations with Brazilian
artists and intellectuals.
keywords: Jos Carlos Maritegui, Marxism in Latin america,
Marxism and culture, PCB, Partido Comunista do Brasil (Communist
Party of Brazil, later Brazilian Commu-nist Party), Marxism in
Peru, Marxism in Brazil.
Luiz Bernardo Perics formado em Histria pela George Washington
university, doutor em Histria econmica pela usP, ps-doutorado em
Cincia Poltica pela Flacso (Mxico), onde foi professor convidado.
Foi tambm Visiting Scholar na uni-versity of texas at austin. @
[email protected]
texto recebido em 4.5.2009 e aceito em 15.6.2009.