Design e ilustração: Vladimir Barros/Editoria de Artes JC TRÉGUA Há cem anos, no Natal de 1914, o futebol ajudou a parar a Primeira Guerra Mundial, dando um pouco de alegria aos soldados HISTÓRICOJornal The Daily Mirror publicou foto de alemães e britânicos em clima de paz na capa da edição de 8 de janeiro de 2015. Na Alemanha, a imprensa não divulgou fotos e criticou o ato. Na França, a censura à imprensa impediu que o momento fosse noticiado Elias Roma Neto [email protected] “A bola apareceu de algum lugar, não sei de onde, mas veio do lado deles – não do nosso lado. Eles (alemães) fizeram alguns gols, um rapaz foi para o gol e em seguida virou uma ‘pelada’ generalizada. Eu acho que havia uns duzentos (soldados) participando. Não havia juiz e placar, sem registro nenhum. Foi apenas uma ‘pelada’”. Essa frase foi dita pelo soldado britânico Er- nie Williams, em 1938, em uma rede de televisão local, e des- creve um dos eventos mais significativos da Primeira Guer- ra Mundial, travada em território europeu entre 1914 e 1918. Durante o Natal de 1914, o conflito viveu dias de cordialida- de entre inimigos em várias frentes de batalha. Uma paz sim- bolizada pelo espírito natalino e pelo futebol. A chamada Trégua de Natal comemora agora cem anos, marcada para sempre na história mundial como um dos momentos em que a humanidade falou mais alto. O relato de Williams foi um de vários registrados sobre partidas de futebol entre soldados adversários. De um lado da Primeira Guerra estava a Tríplice Entente (França, Rússia e Grã-Bretanha, além de outros aliados) e do outro as Potências Centrais (Alema- nha, Áustria-Hungria, Império Otomano e Bulgária). Em dezem- bro de 1914, os conflitos tinham pouco mais de quatro meses e a chegada do Natal amoleceu os corações. Segundo o National Foot- ball Museum(Museu Nacional do Futebol, da Inglaterra), dois ter- ços da linha britânica se envolveu em alguma forma de trégua ou confraternização com alemães. Os atos foram divulgados na im- prensa, como mostra a foto do tabloide Daily Mirror ao lado. O local mais famoso foi Ypres, na fronteira da Bélgi- ca com a França. Entre trocas de suvenires, comida, bebida e cânticos natalinos, al- gumas peladas foram disputadas em vários pontos diferentes do front. Algumas com improvisadas bolas de meias. Outras com lati- nhas de ração. Os campos eram os espaços entre as trincheiras, cha- mados de “Terras de Ninguém”. “Em todos os lugares, mãos foram apertadas. Os soldados do outro lado eram escoceses. Nós então tro- camos tudo o que tínhamos – tabaco, chocolate, bebidas, insígnias e muitas outras coisas. Então um escocês ‘produziu’ uma bola e uma partida aconteceu, com os chapéus colocados para marcar os gols”, relatou o tenente alemão Johannes Niemann, do 133º regimento de Infantaria. Segundo ele, seus compatriotas teriam vencido por 3x2. Durante anos, depoimentos diversos – como o do próprio Nie- mann – sugerem que pode ter acontecido uma “partida oficial” entre inimigos. Os historiadores, porém, são cautelosos. Em seu livro Christmas Truce (Trégua de Natal), Malcolm Brown e Shirley Seaton defendem que as únicas referências ao futebol na época foram de ki- ckabouts – traduzido livremente como peladas – com bolas improvi- sadas. Já Pehr Thermaenius, em seu livroThe Christmas Match: Foo- tball in No Man’s Land 1914 (O Jogo de Natal: Futebol na Terra de Ninguém em 1914), diz que soldados no front tinham bolas – muitas enviadas pelo leitores do Daily Mirror, incentivados por uma campa- nha do jornal para elevar o moral das tropas. Segundo ele, há pelo menos 15 referências a partidas em diferentes lugares, com a possibi- lidade de pelo menos um jogo organizado com traves e bola. Ocessar-fogo durou até os primeiros dias de 1915. Com a notícia chegandoàs autoridades maiores, as tréguas foram proibidas. Alguns meses depois, com o endurecimento da guerra, a rivalidade se acir- rou e as balas falaram mais alto que as canções de Natal e os gritos de gol, restando a memória dos dias de paz na Terra de Ninguém. q Mais na web esportes www.jconline.com.br Veja galeria de fotos a respeito da histórica trégua de Natal no www.jconline.com.br/esportes