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PATRIMÓNIO SUBAQUÁTICO ANA CATARINA GARCIA © Direção Regional da Cultura
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PATRIMÓNIO SUBAQUÁTICO

Mar 07, 2023

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Por inerência de condições geográficas o arquipélago dos Açores, no quadro económico e expansionista europeu da modernidade, serviu de importante ponto de apoio às frotas em circulação no Atlântico.

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Por inerência de condições geográficas o arquipélago dos

Açores, no quadro económico e expansionista europeu da

modernidade, serviu de importante ponto de apoio às frotas

em circulação no Atlântico. Estas ilhas encontravam-se preci-

samente no rumo da Europa, proporcionando abrigo, assis-

tência e defesa necessárias às frotas das grandes potências

europeias que faziam desta escala o ponto de partida para

a última etapa da viagem, rumo à Europa, garantindo assim

muitas vezes o êxito do seu empreendimento.

De entre todos os portos insulares o porto de Angra, entre

os séculos XV-XVII, na ilha Terceira, era o que melhores

condições apresentava para a escala de grandes navios.

Apesar de não ter um ancoradouro totalmente seguro, era

suficientemente bom para garantir o abrigo ao ataque da

pirataria, a reparação, abastecimento e refresco dos navios

necessitados. Esta função foi em muitas ocasiões essencial

e vital para o êxito de diversos empreendimentos militares e

mercantis, quer portugueses, quer estrangeiros. Apesar de o

porto de Angra ser considerado o melhor porto dos Açores

eram frequentes as referências ao perigo do seu ancora-

douro pois, ao encurralar as embarcações, sobretudo as de

grande porte movidas exclusivamente pela força do vento,

estas tinham dificuldade em fazer-se ao largo, a única pos-

sibilidade de escaparem à fúria do mar.

Nos Açores e especialmente em Angra escalaram embarca-

ções provindas das Índias Orientais, de S. Tomé, da Costa da

Malagueta, de Cabo Verde, da Guiné, da Madeira e da Mina.

A partir dos inícios do séc. XVI, também as embarcações espa-

nholas vindas do Novo Mundo, por solicitação da coroa de

Castela a Portugal, passam a escalar regularmente o porto

de Angra para protecção militar das armadas. Mas, além desta

carreira, escalavam também embarcações oriundas da Holanda,

França, Inglaterra, entre outros. Na segunda década do séc. XVI,

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passam também a escalar navios oriundos do Brasil, atingindo-

-se o apogeu em 1653, com a escala em Angra da frota grande do Brasil, num total de 107 embarcações.

As embarcações que demandavam os portos dos Açores

vinham muitas vezes “feridas” das longas viagens com pro-

blemas estruturais, tanto resultantes de ataques bélicos,

como resultantes da acção do “taredo navalis”, aos quais se

juntavam as limitações da navegação à vela, a lentidão e

fragilidade destas naves face à agitação marítima, originando

a sua tragédia.

O património subaquático localizado nos Açores, relaciona-

do com naufrágios, é um importante testemunho de todo o

desenvolvimento expansionista iniciado na centúria de qui-

nhentos. Estes testemunhos caracterizam realidades sociais

e económicas, políticas e tecnológicas de diferentes épocas

e de diferentes origens. São verdadeiras “cápsulas do tem-

po” detentoras de informação única sobre todo o fenómeno

mercantil de mais de 400 anos de história. Integra-se tam-

bém neste património outro tipo de elementos como são

os ancoradouros, locais de deposição de cargas perdidas ou

elementos dispersos como canhões, vestígios da actividade

portuária e seus sistemas defensivos.

O registo de naufrágios históricos nos Açores está contabili-

zado à data em 549 naufrágios2, sendo este arquipélago con-

siderado como um dos locais a nível mundial com uma maior

concentração de naufrágios dos sécs. XVI-XVII. O levanta-

mento nos arquivos históricos dos registos de naufrágios

nos Açores revelou a existência de 174 naufrágios ocorridos

entre 1526 e 1698, 75 dos quais tendo ocorrido na ilha Terceira.

Para os sécs. XVI-XVII verifica-se que cerca de 40% dos

casos de naufrágio se devem a causas desconhecidas, 16%

se devem à má navegação, 12,8% a tempestades3, 10,5% a

Canhão em ferro. Santa Cruz das Flores. 1997.

Amigos do Museu de MAH

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ataques de inimigos, 10% ao mau estado da conservação

dos navios, 6,8% a incêndios e outros acidentes e 5,5% a

carga excessiva4.

Com o intuito de conhecer, classificar, gerir e proteger o

património dos Açores, os organismos relacionados com a

sua gestão, nacionais e regionais,5 têm levado a cabo desde

1996 trabalhos regulares de levantamento e estudo deste

património, que se têm traduzido num documento intitu-

lado Carta Arqueológica dos Açores6 e que contabiliza até à

data 19 sítios de naufrágios localizados7, estando 7 já devida-

mente identificados com nome de navio e data do naufrágio.

De entre os sítios localizados destacam-se os registados na

baía de Angra do Heroísmo, local onde tem incidido a grande

maioria dos estudos, dada a relevância histórica e patrimo-

Vestígios de frutos secos recuperados no naufrágio

Angra D. Baía de Angra do Heroísmo.1999

Conjunto de balas de mosquete recuperadas

na baía de Angra do Heroísmo. 1999.

Transporte de canhão em ferro. Sítio de naufrágio

HMS Pallas – 1783. Calheta. S. Jorge. 1999.

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nial deste porto. A baía de Angra conta com 18 sítios identi-

ficados entre naufrágios e locais de deposição de materiais

não associados. Em 1998, na sequência da minimização de

impacte da obra de construção da marina de Angra foram

escavados integralmente dois importantes contextos de

naufrágio, denominados de Angra C e D8 que revelaram, res-

pectivamente, a presença de dois cascos únicos à escala inter-

nacional, um de um navio de construção de tradição norte-

-europeia, atribuído cronologicamente a meados/finais do

séc. XVII e outro de tradição ibero-atlântica com datação de

finais de séc. XVI/inícios de séc. XVII, este último preservado

em grande parte do seu casco, um exemplar único conhecido

ao nível da arqueologia subaquática. A Direcção Regional

da Cultura dos Açores, entre 2004 e 2008, levou a cabo in-

tervenções sistemáticas de levantamento do seu património

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subaquático9 com especial incidência para a costa sul da ilha

Terceira, Faial e Pico.

Reconhecendo a importância histórica e científica da baía

de Angra, em 200510 o Governo Regional classificou-a como

Parque Arqueológico, criando ao mesmo tempo dois sítios

visitáveis com o intuito de dinamizar e divulgar o património

e o turismo subaquático da Região.

Os trabalhos de pesquisa alargaram-se, apesar de em menor

escala, às restantes ilhas, incidindo sobretudo sobre o Pico

e Faial, onde se veio a verificar também um elevado poten-

cial patrimonial, oscilando maioritariamente entre a elevada

incidência de ocorrências de deposição de artefactos e a

localização de naufrágios isolados ou naufrágios em zonas

portuárias. Outro tipo de ocorrências verificou-se na Horta

e em Ponta Delgada, onde se localizaram naufrágios na se-

quência dos estudos prévios para os novos terminais marí-

timos, revelando testemunhos de períodos um pouco mais

tardios que os de Angra já que, a partir dos sécs. XVIII e XIX,

estes dois portos ganham progressivamente mais importância

em detrimento do porto de Angra11.

Pormenor de escavação de Angra D, zona de cadaste.1998

Pormenor do casco de Angra C um navio de construção nórdica datado de séc. VII.1998

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Notas de rodapé

Este verme atacava os cascos dos navios, alojando-se nas madeiras

desde as paragens tropicais, fragilizando as estruturas em silêncio,

podendo deixar uma embarcação completamente vulnerável, chegando

mesmo a perder-se.

MONTEIRO, P., “A Carta Arqueológica Subaquática dos Açores: meto-

dologia, resultados e a sua aplicação na gestão do património su-

baquático da Região Autónoma dos Açores” in ADECAP, Actas do

3º Congresso de Arqueologia Peninsular, “Terrenos” da Arqueologia

Peninsular, Setembro 1999, Vol. VIII, Porto, 2002: 497-524.

www.entrada.tv/DB/wrecks/Docs/Carta_Arqueologica_Subaquatica_

dos_Acores.pdf

Uma tempestade pode provocar a rotura dos elementos estruturais

de um navio, resultando de um modo geral a sua dispersão e da sua

carga por uma vasta área. O culminar de um naufrágio contra zonas

rochosas pela linha de costa origina um tipo de dispersão muito di-

ferente da de um afundamento numa zona de areia e seguramen-

te uma menor garantia de sobrevivência de elementos orgânicos

como sejam madeiras.

GODINHO, Rui, Naufrágios, http://cvc.instituto-camoes.pt/nave-

gaport/c21.html, Garcia, Catarina, “A arqueologia em contextos de

navios dos sécs. XVI-XVII, Testemunhos Açorianos” in Arquipéla-

go História, 2ª Série, IX-X, Universidade dos Açores, Ponta Delgada

2005-2006: 89-103.

Até Agosto de 2000 as competências da gestão do património arque-

ológico das Regiões Autónomas estavam a cargo do Ministério da

Cultura, situação que se altera com a publicação da Lei19/2000 de 10

de Agosto e que transfere para as Regiões Autónomas da Madeira e

dos Açores as competências para a gestão, salvaguarda e estudo do

seu património arqueológico. http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/

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RPA/v2n1/folder/249.pdf; http://www.cham.fcsh.unl.pt/pias/pages/

enquadramento.htm.

http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/;

http://nautarch.tamu.edu/shiplab/indexacores.htm;

dem.

www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v2n2/folder/199_210.pdf;

www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v2n2/folder/211_232.pdf;

www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v2n2/folder/233_261.pdf;

GARCIA, Catarina, “Preliminary assessment of the daily life on board

of an Iberian ship from the beginning of the 17th century (Terceira,

Azores)” in Close Encounters: Sea- and River-borne Trade, Ports

and Hinterlands, Ship Construction and Navigation in Antiquity, the

Middle Ages and in Modern Time, BAR, 2004.

http://www.rebikoff.org/html/arqueologia.html

http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/pasa/

Refira-se nestes dois contextos a escavação do vapor de carga in-

glês Oakfield, naufragado a 28 de Fevereiro de 1897 na Baía de Ponta

Delgada, identificado pelos vestígios recuperados como tratando-

-se de um importante testemunho da actividade portuária de Pon-

ta Delgada de finais de séc. XIX, http://pg.azores.gov.pt/drac/cca/

caa/ver.aspx?id=41. Igualmente no Porto da Horta os trabalhos de

estudo de impacte revelaram a presença de importantes vestígios

arqueológicos, neste caso de um naufrágio com datação atribuída

ao séc. XVIII de provável origem inglesa, http://pg.azores.gov.pt/

drac/cca/caa/ver.aspx?id=96.

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