1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PAMELLA DA SILVA SAMPAIO IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS: POSSIBILIDADES E DESAFIOS RIO DE JANEIRO 2014
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PAMELLA DA SILVA SAMPAIO - IESC - Instituto de ... DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA PAMELLA DA SILVA SAMPAIO IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
PAMELLA DA SILVA SAMPAIO
IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO
PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
RIO DE JANEIRO
2014
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IMPLEMENTAÇÃO DA NOVA REGULAMENTAÇÃO
PARA PRESCRIÇÃO E DISPENSAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS:
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Saúde coletiva.
Orientadoras: Leyla Gomes Sancho (IESC/UFRJ), em orientação conjunta com
Como consequência do crescimento da resistência bacteriana, os gastos com
tratamentos de saúde e com internações elevam-se exponencialmente, trazendo outras
questões importantes, como o aumento da mortalidade causada por infecções
bacterianas hospitalares resistentes, que na Europa ultrapassa de 25.000 mortes por ano
(OMS, 2012).
Outras questões, relevantes são a perda de produtividade, o aumento da
morbidade/mortalidade adicional para o paciente, a necessidade de utilização de
medicamentos novos com espectro terapêutico cada vez mais estreito. Ademais, há uma
dificuldade no desenvolvimento de novas substancias ativas que se mostrem realmente
efetivas no tratamento de infecções resistentes.
Por essas e outras razões a resistência bacteriana atualmente é considerada pela
OMS um problema de saúde pública mundial, sendo necessário buscar formas para se
prevenir o surgimento e disseminação desses microrganismos, por meio de programas e
recomendações de atuação para os governos mundiais, com consequente formulação de
políticas públicas que minimizem os danos causados por essas infecções.
Entre as principais recomendações estão a vigilância da resistência aos
antimicrobianos; a promoção uso racional dos antimicrobianos, incluindo a educação
dos profissionais de saúde e do público com respeito ao uso apropriado desses
medicamentos; a criação ou aplicação de normas destinadas a coibir a venda de
antimicrobianos sem prescrição; o cumprimento estrito das medidas de prevenção e
controle das infecções, tais como lavar as mãos, sobretudo nos serviços de saúde.
(ANVISA,2012)
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4.3 – USO ADEQUADO DE MEDICAMENTOS
A busca pelo uso adequado de medicamentos é essencial para garantir um
desfecho de tratamento seguro para o paciente sob tratamento farmacológico. Para
tanto, é necessário colocar em prática o conceito de uso racional de medicamentos,
assim como as recomendações sobre o tema emitidas pela Organização Mundial da
Saúde e por órgãos reguladores nacionais e internacionais.
4.3.1 – O QUE É USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS
No ano de 1985, a Organização Mundial da Saúde realizou em Nairóbi a
Conferência Mundial sobre o Uso Racional de Medicamentos. Nesta conferência foi
estabelecido o conceito de uso racional de medicamentos e adotadas diversas diretrizes
para que as nações signatárias pudessem alcançar o objetivo de promover o uso racional
de medicamentos (OMS, 1986).
A realização da conferência foi motivada por alguns fatos observados ao longo
dos últimos 30 anos, quando ocorreu a expansão da indústria farmacêutica. Constatou-
se que muitos dos medicamentos lançados no mercado não apresentavam vantagem
terapêutica significativa, em relação aos que já eram comercializados, além do
aprofundamento da mercantilização da saúde, priorizando um sistema de saúde curativo
e não preventivo (PINTO DOS SANTOS, 2013)
Outro alvo de atenção era o crescente fenômeno de “medicalização da vida”, em
que por necessidade de ampliação do mercado consumidor, as indústrias passaram a
“ofertar” bem-estar e felicidade por meio do uso de medicamentos. Como consequência,
novos medicamentos foram lançados no mercado para doenças e síndromes que até o
momento não possuíam diagnóstico preciso e indicação real de tratamento, como o
déficit de atenção e a disfunção sexual. Com a possibilidade de oferta destes novos
tratamentos as empresas produtoras obtiveram sucesso financeiro. (SOBRAVIME,
2001).
Diversas metas sobre o uso racional do medicamento foram estabelecidas na
conferência, inclusive o conceito de uso racional de medicamentos que afirma que
“existe uso racional quando os pacientes recebem os medicamentos apropriados à sua
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condição clínica, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período
de tempo adequado e ao menor custo possível para eles e sua comunidade” (OMS,
1986).
Alguns dos pontos básicos abordados na conferência apontavam a necessidade
dos países centrarem as ações nos seguintes aspectos: legislação, programas nacionais
de medicamentos essenciais, formação teórica e prática para o profissional de saúde.
Além disso, foram estabelecidas as responsabilidades dos governos pertinentes ao uso
racional, como: (i) a formulação de políticas farmacêuticas nacionais, (ii)a implantação
e manutenção dos programas de medicamento essenciais, (iii)a garantia da objetividade
das informações farmacêuticas nos países, (iv)o fortalecimento das autoridades
responsáveis pela regulamentação farmacêutica, objetivando um registro adequado dos
medicamentos, (v) a adoção de medidas para reduzir o preço dos medicamentos, sem
comprometimento da sua qualidade, (vi) a utilização de medicamentos genéricos, (vii) o
estabelecimento de responsabilidades profissionais relativas a prescrição e dispensação
de medicamentos com subsídios para melhorar as práticas de prescrição e (viii) o acesso
a distribuição de medicamentos, entre outros (OMS,1986).
Além dos governos, foram atribuídas responsabilidades a outros segmentos que
possuem estreita relação com a utilização de medicamentos. A indústria farmacêutica
deveria divulgar informações fidedignas para todos os envolvidos com a utilização de
medicamentos, garantir boas práticas de fabricação, atender às necessidades dos países
em desenvolvimento de acesso a fármacos com custos acessíveis e para doenças
negligenciadas.
No relatório da conferência também é possível observar a identificação de
responsabilidades de médicos, usuários de medicamentos, universidades e órgãos de
fomento, meios de comunicação e da própria OMS (1986). Todas essas
responsabilidades objetivam o uso racional de medicamentos, que é uma das grandes
estratégias dos governos mundiais quando se trata especificamente de antibióticos, com
o intuito de conter o desenvolvimento da resistência bacteriana.
4.3.2 – CAUSAS DO USO INADEQUADO DE MEDICAMENTOS
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O uso inadequado de medicamentos pode ocorrer de diversas formas. Pela
automedicação, pelo uso abusivo de medicamentos, com ou sem prescrições médicas,
pela prescrição inadequada de um medicamento por um profissional de saúde e ainda
pela utilização fora das recomendações de utilização dadas pelos fabricantes. Nestes
dois últimos casos, principalmente, a utilização inadequada pode ocorrer tanto com
pacientes ambulatoriais, como internados, o que expande o grau de comprometimento
da saúde da população exposta.
Segundo Aquino (2008), entre as possíveis causas da automedicação pela
população brasileira está o difícil acesso a consultas médicas, que ocorre devido a pouca
disponibilidade dos serviços de saúde, baixo poder aquisitivo da população, facilidade
de obtenção de medicamentos sem o pagamento de consultas e sem a necessidade de
apresentação de uma receita médica. O alto consumo de medicamentos e o consumo
inadequado não se restringe apenas às camadas menos privilegiadas da população por
ser “uma herança cultural, de forma instintiva sem qualquer base racional, pela
facilidade de acesso, dentre outros” (AQUINO,2008).
4.3.3 – USO INADEQUADO DE ANTIMICROBIANOS
Existem diversos fatores que contribuem para o uso inadequado de
medicamentos antimicrobianos seja em meio hospitalar ou no tratamento de pacientes
em regime ambulatorial.
Os laboratórios e indústrias farmacêuticos tentam ampliar a prescrição médica e
o uso dos medicamentos comercializados, independente de sua classe terapêutica. Para
tanto, utilizam diversas estratégias para captar médicos que prescrevam seus
medicamentos. Entre essas estratégias podemos destacar o marketing farmacêutico, uma
vez que a maior parte das informações obtidas pelos médicos são disponibilizadas por
profissionais representantes destas indústrias.
De acordo com Mota et al (2010) outro aspecto importante que se relaciona
diretamente com o marketing farmacêutico diz respeito a distribuição de amostras de
antimicrobianos e com a ampla disponibilidade de compra desses medicamentos em
farmácias antes da publicação da RDC nº20/2011, que facilitava a utilização
indiscriminada e automedicação pela população.
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É importante destacar que o uso inadequado de antimicrobianos não ocorre
apenas quando não há prescrição médica. Os antimicrobianos são uma das classes de
medicamentos mais utilizadas no mundo e segundo a OMS mesmo quando há
prescrição, em 50% dos casos ocorre o emprego desnecessário desses medicamentos
(OMS, 2010).
Alguns dos fatores que contribuem para o uso inadequado de antimicrobianos
quando há o acesso a consultas médicas são (MOTA et al, 2010) a dúvida diagnóstica
entre infecções bacterianas e virais, a ideia de que o tratamento com um antimicrobiano
de amplo espectro apresenta mais eficácia que outros antimicrobianos com espectro
reduzido, favorecendo o desenvolvimento de resistência microbiana e falha terapêutica.
Além disso existe a possibilidade do uso empírico dos antimicrobianos, que pode
ocorrer com frequência devido à ausência da disponibilidade de exames diagnósticos,
ou interpretação inadequada dos resultados de culturas e antibiogramas e ainda por
desconhecimento da epidemiologia do agente mais comum em determinado local de
infecção.
Outro problema enfrentado diz respeito ao desconhecimento da prescrição dos
antimicrobianos em relação a doses e intervalos de administração dos medicamentos,
que facilita o aparecimento de reações adversas nos pacientes.
Independente da causa da utilização inadequada do antimicrobianos medidas
devem ser implementadas para auxiliar em sua redução. A publicação da RDC
nº20/2011 é um exemplo de ação que busca reduzir a utilização indiscriminada destes
medicamentos pela população e aumentar a segurança da utilização dos
antimicrobianos, contudo conforme foi relatado, é necessário a implementação de ações
que melhorem a qualidade das prescrições médicas para garantir a efetividade dos
tratamentos.
4.3.4 – O CONTROLE DA UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS
A OMS acredita, segundo sua publicação sobre resistência microbiana (OMS,
2012), que existem muitas ações possíveis para diminuir o uso desnecessário de
antimicrobianos, porém a principal dificuldade está justamente em colocar tais ações em
pratica, visto que são necessários alguns fatores fundamentais, como liderança política
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para se alcançar tais objetivos. Entretanto, um maior compromisso dessas lideranças
políticas, no que se refere à formulação de políticas de controle, tem sido um obstáculo
para esta questão.
Diversos países têm criado novas políticas de controle para a utilização desta
classe de medicamentos e alterado seus protocolos clínicos para se adaptarem às
recomendações da OMS, contudo ainda existe um grande caminho a ser percorrido.
Na América do Sul, historicamente há pouco controle da utilização de
medicamentos e em diversos países há alguns exemplos importantes para reverter a
situação.
O Chile, desde 1999, adota medidas que tornaram obrigatória a apresentação de
receita médica para a dispensação de antimicrobianos nas farmácias privadas. Além
disso, foi realizada uma campanha por parte do governo para conscientizar a população
e foram ampliadas as ações de fiscalização dos estabelecimentos, o que se mostrou
eficiente após seu período de implantação (BAVESTRELLO, CABELLO, 2011).
A Colômbia investiu em medidas de controle de antimicrobianos apenas em sua
capital Bogotá, sendo necessária também a apresentação de receita para a aquisição de
antimicrobianos. Além disso, a reutilização e a validade da prescrição médica são
limitadas. Fica a cargo da Secretaria de Saúde a fiscalização dessas medidas e a
promoção da participação da comunidade. Outra questão relevante é que todas as
farmácias funcionam sob a supervisão de um farmacêutico e um técnico em farmácia e
possuem auxiliares com competências estabelecidas pela regulamentação local vigente.
(VACCA, REVEIZ, 2011)
O México impôs novas formas de controle de antimicrobianos a partir de 2010,
após a epidemia da gripe H1N1, objetivando prevenir danos causados pela
automedicação inadequada com esses medicamentos, que podem mascarar outros
sintomas e atrasar diagnósticos, causando mais danos para a população. A nova
regulamentação impôs a necessidade de retenção de receita e a realização de um registro
dessas prescrições, além de multas para aqueles estabelecimentos que não cumprissem
as novas normas. (SANTA-ANA-TELLEZ et al, 2013).
No Brasil existem algumas dificuldades em relação à utilização de
medicamentos, um dos fatores que contribui para esta situação é o fato de que no
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mercado brasileiro, estão disponíveis mais de 32 mil medicamentos, segundo dados da
Organização Mundial de Saúde e do Ministério da Saúde, o que ultrapassa a
recomendação da OMS referente à disponibilidade de medicamentos essenciais.
Entre estes medicamentos, uma grande parcela precisa ter sua dispensação e
utilização associada a uma prescrição médica prévia, porém, não é rara a
comercialização de medicamentos sem a necessidade da comprovação de prescrição
médica pelo usuário. Sousa et al (2008, p. 68) ressaltam que esta situação deve-se
principalmente ao fato de que, no Brasil a farmácia não era reconhecida como uma
unidade de saúde, sendo apenas um ponto de comércio de medicamentos e outros
produtos para a saúde, sendo que apenas em dezesseis de Julho de dois mil e quatorze
foi aprovado pelo Senado o Projeto de Lei 41/1993 que reconhece a farmácia como um
estabelecimento de saúde, faltando apenas a sanção da presidência da república. “Estes
medicamentos, vendidos sem receita médica, possibilitam a automedicação, onde o
indivíduo, motivado por fatores socioeconômicos - culturais, por si só, reconhece os
sintomas da sua doença e os trata”. (SOUSA et al, 2008, p.67)
Entretanto, o governo brasileiro não está inerte em relação à questão do
medicamento. Diversas regulamentações e legislações têm sido criadas e emitidas ao
longo dos anos para tentar diminuir a utilização inadequada de medicamentos.
No que se refere aos antimicrobianos observa-se uma grande tendência no
aumento do controle da utilização desses medicamentos, que possuem características
especiais de utilização. Primeiramente, existe a necessidade de protocolos específicos
para a utilização intra-hospitalar com o objetivo primordial de reduzir as taxas de
infecção hospitalar e melhoria da farmacoterapia do paciente hospitalizado. Existem
diversas normas para controle da prática hospitalar na questão de utilização de
antimicrobianos, como a necessidade da existência de Programas de Controle de
Infecção Hospitalar, instituídos pela portaria nº 232/1988 e a criação da Divisão
Nacional de Controle de Infecção Hospitalar através da Portaria nº 666/1990.
Na utilização dos antimicrobianos pela comunidade a principal regulamentação
até o momento é a RDC nº 20/2011, que é o objeto deste estudo e na qual está
estabelecida a necessidade de retenção de receita para a dispensação desses
medicamentos em farmácias e drogarias privadas e naquelas integrantes do programa
Farmácia Popular do Brasil.
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O objetivo desse trabalho é discutir questões relacionadas com a formulação da
RDC nº20/2011 e verificar aspectos referentes à sua implantação inicial de acordo com
os profissionais farmacêuticos envolvidos com sua implantação.
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5 – LEGISLAÇÕES PERTINENTES AO CONTROLE DE
MEDICAMENTOS
A utilização de medicamentos de forma correta e racional perpassa por diversos
fatores e atores que são fundamentais para sua concretização. Para que se possa discutir
a legislação de controle de antimicrobianos vigente é necessário conhecer as principais
políticas públicas relacionadas a medicamentos que antecederam à promulgação da
legislação atual. A seguir é apresentada uma breve abordagem das legislações
relacionadas com medicamentos pré e pós a promulgação da Política Nacional de
Medicamentos.
5.1 - POLÍTICAS DE MEDICAMENTOS – ANTECEDENTES
O Brasil passou por um processo de industrialização tardio, sendo a indústria
farmacêutica instalada apenas no final do século XIX e início do século XX. Devido a
uma série de fatores, como a incorporação de inovações tecnológicas ao arsenal
terapêutico durante a Segunda Guerra Mundial e à expansão do complexo industrial
farmacêutico internacional, houve uma fragilização da indústria nacional, que acarretou
na hegemonia das empresas estrangeiras e num quadro de dependência que se arrasta
até os dias de hoje. (FRANÇA, 2004, p.28)
Com vistas a reverter essa situação, o governo brasileiro começou a buscar
medidas que auxiliassem o desenvolvimento e fortalecimento da indústria farmacêutica
nacional. Um exemplo dessas medidas é a publicação do Decreto nº 53.612 de 26 de
fevereiro de 1964, onde é publicada a primeira Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais (RENAME).
Uma característica importante dessa publicação é a determinação de que os
órgãos da administração pública adquirissem os medicamentos presentes nessa relação
preferencialmente através de laboratórios que possuíssem capital nacional.
Mesmo com a implantação de medidas para fortalecer a produção nacional, os
interesses econômicos dos empresários estrangeiros foram favorecidos durante as
décadas de 1960 e 1970. Apesar disto, ainda nos anos 70 surgem as primeiras tentativas
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para aliar a produção nacional de medicamentos ao acesso da população a esses
medicamentos.
A criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971, órgão ligado
diretamente à presidência da República, que tinha como objetivo a coordenação das
políticas nacionais referentes a medicamentos, representou uma tentativa de
fortalecimento das indústrias farmacêuticas nacionais. (MÉDICI apud FERNANDES,
CASTRO, LUIZA 2003, p.18)
A CEME iniciou a organização e a ampliação da Assistência Farmacêutica no
Brasil, garantindo o abastecimento de medicamentos essenciais à população,
(COSENDEY et al,2000, p.173) e tentou caracterizar o acesso aos medicamentos como
uma questão social, uma vez que previa a distribuição destes produtos àqueles que não
tivessem condições financeiras de adquiri-los por meios próprios. Contudo, por estar
vinculada diretamente à presidência, sofria a influência das mudanças do contexto
político, o que prejudicou seriamente seus objetivos iniciais. (COSENDEY et al, 2000,
p.173)
A partir de 1974, a CEME passou a ser vinculada diretamente ao Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS), passando a ser responsável apenas pela
distribuição de medicamentos, e em 1985 foi vinculada diretamente ao Ministério da
Saúde (MS). Durante o período que se sucedeu até a promulgação da Constituição de
1988, a CEME tentou de diversas formas fortalecer a Assistência Farmacêutica para
melhorar o acesso da população aos medicamentos. Contudo, apesar destes esforços,
observou-se uma diminuição cada vez maior da cobertura em relação à demanda de
medicamentos. (COSENDEY et al.,2000, p.173)
A partir de 1988 com a nova Constituição Federal e a instituição do Sistema
Único de Saúde através das Leis nº 8.080 e 8.142 de 1990 verifica-se uma mudança na
visão de saúde, que passa a ser um direito social do cidadão e novas regulamentações
que buscam garantir o acesso da população aos serviços de saúde começam a serem
criadas.
A formulação em 1993 do Decreto nº 793, conhecido como decreto dos
genéricos, demonstrou ser um avanço nas políticas de medicamentos do país e trouxe
algumas evoluções em questões fundamentais, como a preferência pela utilização do
nome genérico ao invés do nome de marca do medicamento, reiterou a necessidade do
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farmacêutico durante todo o período de funcionamento da farmácia ou drogaria e a
possibilidade de fracionamento de especialidades farmacêuticas pelos estabelecimentos.
Contudo, este decreto sofreu diversas ações impetradas por indústrias farmacêuticas,
que, aliada a falta de vontade política, dificultou sua implantação. (SILVA, 2002)
Durante o governo Collor, ocorreu a maior crise da CEME. A indefinição de
seus objetivos levou à sua desativação em 1997 através do Decreto nº 2.283, sendo suas
atribuições distribuídas entre Ministério da Saúde, estados e municípios (PORTELA et
al, 2010, p.10).
Um amplo processo de discussão sobre o acesso aos medicamentos entre
diversos segmentos se intensificou a partir da desativação da CEME. Durante esse
processo foram identificados e analisados os principais problemas do setor farmacêutico
nacional e algumas regulamentações relacionadas com a utilização e o acesso a
medicamentos foram articuladas, culminando com a publicação da Portaria nº 3.916, de
30 de outubro de 1998, que aprova a Política Nacional de Medicamentos (PNM),
integrada à Política Nacional de Saúde (OPAS, 2005, p.56)
Paralelamente, medidas de reformulação dos sistemas de vigilância nacional
convergiram para a criação da ANVISA, em 1999 - autarquia que modificou o
componente federal e a configuração da vigilância sanitária no país. Contudo, as bases
da vigilância sanitária no Brasil remontam à Portaria n° 1.565, de agosto de 1964, que
definiu o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, sua abrangência, distribuição das
competências nas esferas de governo, entre outras questões fundamentais. A Secretaria
Nacional de Vigilância Sanitária só foi criada em 1976 e, em 1992, passava por um
momento de reformulação importante e de integração com o SUS, apesar de enfrentar
grandes dificuldades orçamentárias e políticas. Estas determinaram a mudança de nome
para Secretaria de Vigilância Sanitária, porém, as alterações efetuadas não conseguiram
ampliar os processos de vigilância sanitária naquele momento. A conformação da
vigilância sanitária gerou discussões que perduraram por décadas e chegaram ao ápice
com a criação da ANVISA. (LUCCHESE, 2001, p.88).
O quadro III lista as principais medidas que regulam os medicamentos antes da
publicação da PNM
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QUADRO III - Principais regulamentações relacionadas a medicamentos antes da PNM
1964 Decreto nº 53.612 – Institui a primeira Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais
1971 Decreto nº 68.806 – Criação da CEME
1971 Lei nº 5.772 (revogada pela lei 9279/96) - Institui o código industrial
(fala sobre propriedade intelectual e patentes)
1973 Lei nº 5.991 – Dispõe sobre o controle sanitário do comércio de
drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos, correlatos e dá outras
providências
Decreto nº 72.552 – Institui o primeiro plano diretor de medicamentos
1975 Lei nº 6.259 –Institui o sistema nacional de vigilância epidemiológica
1976 Portaria nº 514 /mpas/gm – Publicação da relação nacional de
medicamentos básicos
1976 Lei nº 6360 – Dispõe sobre a vigilância sanitária de medicamentos
1977 Portaria nº 817/mpas/gm – Atualiza a relação nacional de
medicamentos básicos
1986 Portaria nº 27 - DIMED - Baixa instruções sobre a produção,
comercialização, importação, exportação, prescrição e uso de drogas e
especialidades capazes de produzir modificações nas funções nervosas
superiores ou por exigirem efetiva orientação médica continuada
devido a possibilidade de induzirem efeitos colaterais indesejáveis.
1986 Portaria nº 28 – DIMED - Baixa instruções com vistas a normatizar
os procedimentos referentes ao controle das atividades correlacionadas
a substâncias entorpecentes e psicotrópicas e/ou produto.
1990 Lei nº 8.080 – Lei orgânica da saúde – Inclui no campo de atuação do
Sistema Único de Saúde a execução de ações de assistência terapêutica
integral, inclusive farmacêutica e a formulação da política de
medicamentos
1993 Decreto nº 793 - Altera os Decretos n° 74.170, de l0 de junho de 1974
e 79.094, de 5 de janeiro de 1977, que regulamentam, respectivamente,
as Leis n° 5.991, de 17 de janeiro de 1973, e 6.360, de 23 de setembro
de 1976, e dá outras providências.
1996 Lei nº 9.313 - Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos
aos portadoresde HIV e doentes de Aids.
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5.2 - POLÍTICA NACIONAL DE MEDICAMENTOS E LEGISLAÇÕES
POSTERIORES
Segundo Portela et al (2010, p.11), “a PNM é considerada o primeiro
posicionamento formal e abrangente do governo brasileiro sobre a questão dos
medicamentos no contexto da reforma sanitária” e visa definir o papel das três
instâncias de governo na reorientação do modelo de Assistência Farmacêutica
(BRASIL, 1998), através de sua publicação. Esta define Assistência Farmacêutica
como:
“Grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinadas a apoiar as
ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento
de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a
conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia Terapêutica dos
medicamentos, o acompanhamento e a avaliação da utilização, a obtenção e a
difusão de informação sobre medicamentos e a educação permanente dos
profissionais de saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso
racional de medicamentos”.
(BRASIL, 1998a, p. 19)
A PNM, também prevê a reorientação da Assistência Farmacêutica como uma
de suas diretrizes o que, por sua vez, relaciona-se diretamente com algumas de suas
prioridades, buscando como objetivo final que este modelo “não se restrinja à aquisição
e à distribuição de medicamentos. As ações incluídas nesse campo da assistência terão
por objetivo implementar, no âmbito das três esferas do SUS, todas as atividades
relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos essenciais.”
(BRASIL, 1998a, p.14).
As diretrizes da PNM são:
Adoção da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)
Regulamentação sanitária de medicamentos
Reorientação da assistência farmacêutica
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Promoção do uso racional de medicamentos
Desenvolvimento científico e tecnológico
Promoção da produção de medicamentos
Garantia da segurança, eficácia e qualidade de medicamentos
Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos
Além deste modelo, diversas outras ações foram incorporadas a partir da década de
noventa como iniciativas de fortalecimento das Políticas de Saúde, como a criação da
ANVISA em 1999, através da Lei nº 9.782; a publicação da Política Nacional de
Assistência Farmacêutica, pela Resolução nº 338 de 2004, reafirmando algumas das
diretrizes da PNM; a revisão da RENAME após um período de doze anos através da
Portaria nº 507 de 1999 e principalmente a Política de implantação dos medicamentos
genéricos, pela Lei nº 9787/99.
A Lei nº 9787/1999, também conhecida como “lei dos genéricos”, tem como intuito
“assegurar a oferta de medicamentos de qualidade e baixo custo no mercado e fomentar
o acesso da população a estes medicamentos” (QUENTAL et al, 2008, p.620). Como
ressaltam de Paula et al (2009, p.1115), “desta forma ficou estabelecido o arcabouço
legal para a introdução de medicamentos genéricos no país, assegurando a oferta de
medicamentos de qualidade e baixo custo no mercado e fomentando o acesso da
população a estes medicamentos”.
A implantação de uma legislação efetiva que trata dos medicamentos genéricos,
tanto no que tange à sua conceituação quanto à regulamentação técnica, vem ao
encontro das diretrizes definidas na PNM, principalmente quando relacionada à
promoção do uso de tais medicamentos, a aceitação do uso da denominação comum
brasileira (DCB), além de ações que estimulem a prescrição e uso dos medicamentos
genéricos. (FRANÇA, 2004, p33)
A adoção de medicamentos genéricos, compreendendo sua produção,
comercialização, prescrição e uso, é parte substancial da diretriz estabelecida de
promoção do uso racional de medicamentos. (BERMUDEZ, 1995 apud MS, 1998).
E apesar de já existir o Decreto nº 793/93 que aborda a questão do medicamento
genérico, neste momento havia movimentação e vontade política para a implantação da
política de genéricos no Brasil, o que possibilitou sua real instituição, diferentemente do
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momento de formulação e implantação do decreto, que sofreu diversas críticas e
oposições da indústria farmacêutica.
O quadro IV lista as principais regulamentações relacionadas a medicamentos a
partir da publicação da PNM.
QUADRO IV - Principais regulamentações relacionadas a medicamentos após a PNM
1998 Portaria nº 3.916 - Aprova a Política Nacional de Medicamentos.
1998 Portaria nº 344 - Dispõe sobre medidas de fiscalização de substâncias
e medicamentos sujeitos a controle especial.
1998 Portaria nº 802 – Institui o sistema de controle e fiscalização em toda
cadeia dos produtos farmacêuticos
1999 Lei nº 9.782 - Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria
a ANVISA
1999 Lei nº 9.787 - Altera a Lei nº 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância
sanitária e estabelece o medicamento genérico
2000 Portaria nº 956 - Estabelece garantia de implementação do Piso da
Assistência Farmacêutica Básica
2000 Portaria SPS nº 16 - Estabelece o elenco mínimo e obrigatório de
Medicamentos.
2001 Resolução CNS- 311 - I Conferência Nacional de Assistência
Farmacêutica
2004 Resolução nº 338 - Aprova a Política Nacional de Assistência
Farmacêutica
2005 Portaria nº 843 - Cria a Rede Brasileira de Produção Pública de
Medicamentos
2006 Decreto nº 5.813 - Institui a Política Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos.
2007 RDC nº 27 - Dispõem sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Produtos Controlados
2010
RDC nº 44 - Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de
substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição,
isoladas ou em associação.
2011 RDC nº 20 - Dispõe sobre o controle de medicamentos à base de
substâncias classificadas como antimicrobianos, de uso sob prescrição,
isoladas ou em associação.
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Todas essas regulamentações e legislações ajudam a traçar o caminho histórico
da utilização de medicamentos no Brasil. Visualiza-se que a garantia do acesso da
população aos medicamentos é uma questão antiga e que ainda precisa passar por
ajustes que possibilitem sua real operacionalização de forma que a utilização de
medicamentos possa ser segura e racional, da mesma forma que o acesso aos
medicamentos por aqueles que realmente precisam deles seja alcançado em sua
totalidade.
A RDC nº 20/2011 faz parte das políticas de medicamentos do governo, sendo
uma das tentativas da ANVISA para tentar aumentar a segurança da população na
utilização de medicamentos relacionando-se diretamente com a questão do acesso aos
mesmos.
51
6 - ASPECTOS METODOLÓGICOS
Este estudo contou com pesquisa documental, dados oficiais do CRF-RJ e
entrevistas semi-estruturadas com farmacêuticos envolvidos diretamente e
indiretamente com a dispensação de antimicrobianos, sendo uma pesquisa embasada na
metodologia qualitativa.
6.1 – METODOLOGIA
Para Minayo (1998, p.10): “as metodologias de pesquisa qualitativa são
entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do Significado e da
Intencionalidade como inerentes aos atos às relações, e às estruturas sociais, sendo estas
últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções
humanas significativas”. No referencial das pesquisas qualitativas “o homem é diferente
dos objetos, por isso o seu estudo necessita de uma metodologia que considere essas
diferenças”. (OLIVEIRA, 2008).
Minayo, sobre a questão da abordagem metodológica, afirma que a abordagem
qualitativa “não se presta à realização de censos, a estudos epidemiológicos de grandes
grupos, a pesquisas que queiram medir quantidade (...) sendo fundamental para
aprofundar o entendimento a respeito de “grupos, segmentos e de micro realidades”,
possibilitando o entendimento da” lógica interna e específica”... “da visão de
determinados problemas, que se expressam em opiniões, crenças, valores, relações,
atitudes e práticas” (MINAYO 2003 p. 137). Desta forma, uma vez que a técnica de
entrevistas serve para reconstruir acontecimentos sociais e investigar representações a
partir da perspectiva do informante, é fundamental para complementar a visão geral do
campo.
Este trabalho contou com duas fases distintas de realização, a primeira parte
envolveu a verificação da relação da teoria de múltiplos fluxos de Kingdon com as
etapas que levaram o tema controle de antimicrobianos a agenda política do governo e
com a posterior formulação de uma regulamentação para tal controle. Esta correlação
foi realizada através de uma revisão das regulamentações públicas vigentes, notícias
relacionadas com a formulação da RDC e outras referentes ao período prévio a esta
52
formulação, todas usando como embasamento teórico a teoria de múltiplos fluxos já
explicada previamente.
A segunda parte envolveu a realização de entrevistas semiestruturadas com
farmacêuticos. Conforme ressalta Gil (1987, p.109), a entrevista é uma forma de
interação social e de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a
outra aparece como fonte de informação. Neste caso em particular, as entrevistas foram
encaradas como um roteiro para facilitar a comunicação entre entrevistador e
entrevistado, uma vez que, de acordo com Minayo (1998, p. 122) a não utilização de
formulações pré-fixadas auxiliam na integração de questões sociais contraditórias e “na
construção do conhecimento sobre o social, incluindo-se aqui a questão da saúde”.
A importância das entrevistas com roteiro semi-estruturado é ressaltada por
Oliveira (2008) “provavelmente, a entrevista semi-estruturada dê uma maior
possibilidade de entendimento das questões estudadas nesse ambiente, uma vez que
permite não somente a realização de perguntas que são necessárias à pesquisa e não
podem ser deixadas de lado, mas também a relativização dessas perguntas, dando
liberdade ao entrevistado e a possibilidade de surgir novos questionamentos não
previstos pelo pesquisador, o que poderá ocasionar uma melhor compreensão do objeto
em questão”.
Seguindo este raciocínio vale citar o questionamento de Cohn a respeito das
políticas de saúde: “Que dimensões da vida social estão envolvidas quando se trata da
questão das políticas de saúde, e/ou de qualquer política da área social?” (COHN, 2012
p.221). Neste questionamento a autora ressalta que os estudos de natureza política
abrangem duas dimensões relacionadas com o processo de formulação e implantação
das políticas de saúde. Uma dimensão relacionada com o exercício do poder e outra
relacionada com a racionalidade, em que estão envolvidas “propostas de organização,
reorganização e de escolhas de prioridade” no que tange a determinação de qual a
melhor opção entre as diversas possibilidades para a área de saúde “frente às
necessidades de saúde da população” (COHN, 2012 p.221).
Desta forma, a análise das dificuldades de cumprimento das normatizações
sanitárias pelos profissionais de saúde em sua rotina diária de trabalho se relaciona
diretamente com questões importantes no que tange o acesso correto e seguro da
53
população aos medicamentos e o estudo da implantação de novas políticas de saúde
governamentais.
Os farmacêuticos entrevistados foram divididos em dois grupos: os que
trabalham com a dispensação de medicamentos e os que não trabalham diretamente com
a dispensação de medicamentos, mas que possuem atividades ligadas a questão
medicamentos, totalizando oito entrevistas, sendo quatro para cada grupo.
A escolha dos farmacêuticos que não atuam diretamente com a dispensação de
medicamentos se deu mediante contatos realizados pela pesquisadora e disponibilidade
daqueles profissionais que concordaram em participar da pesquisa. Entre aqueles que
concordaram em participar da pesquisa tivemos um professor universitário, um membro
do CRF-RJ, um membro da ANVISA e um membro da Federação Nacional de
Farmacêuticos.
Para os farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos em
farmácias e drogarias a escolha obedeceu a algumas questões relevantes.
Primeiramente, como o trabalho foi realizado em farmácias e drogarias
comunitárias, utilizou-se a conceituação desses estabelecimentos contida no glossário da
Lei nº 5.991/1973 em que afirma-se:
Farmácia - estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de
comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos,
compreendendo o estabelecimento de dispensação e o de atendimento privativo de
unidade hospitalar ou de qualquer outra equivalente de assistência médica.
Drogaria - estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos,
insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens originais.
Para esta pesquisa não foram incluídas farmácias que realizam manipulação de
fórmulas alopáticas ou magistrais de medicamentos e farmácias homeopáticas. Também
foram excluídas farmácias pertencentes a unidades públicas de saúde e de unidades
hospitalares, uma vez que a RDC nº20/2011 não inclui estes últimos estabelecimentos
em seu texto.
54
Para determinação e escolha dos estabelecimentos incluídos na pesquisa, foram
utilizados dados cedidos pelo setor de fiscalização do Conselho de Farmácia do Estado
do Rio de Janeiro.
O Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ) foi
criado pela Lei nº 3820/60, com a finalidade de fiscalizar o exercício profissional,
segundo princípios éticos, e de promover a Assistência Farmacêutica, como parte
integrante e fundamental das ações de saúde pública. “Desta forma, o CRF-RJ deve ser
entendido como uma instituição da sociedade que, por delegação de poder público, zela pela
garantia de que a atividade farmacêutica, no âmbito de sua jurisdição, seja exercida por
profissionais legalmente habilitados e conscientes da importância do seu papel social” (CRF –
RJ, 2013).
O CRF-RJ divide o município do Rio de Janeiro em sete (07) áreas onde são
realizadas a fiscalização e contabilizam o total de farmácias e drogarias de cada região.
As informações do quadro V não incluem farmácias públicas, homeopáticas ou de
manipulação magistral.
QUADRO V – Regiões de fiscalização do CRF-RJ e quantitativo de estabelecimentos
ÁREA REGIÃO
TOTAL DE
FARMÁCIAS E
DROGARIAS
A ZONA SUL 190
B ZONA OESTE 103
C BARRA DA
TIJUCA 295
D MÉIER 137
E ZONA DA
LEOPOLDINA 200
F CENTRO 149
G TIJUCA 101
TOTAL 1175
Fonte: CRF-RJ, 2013
55
Desta forma, foram escolhidos farmacêuticos que trabalhassem em farmácias e
drogarias de regiões especificas para tentar visualizar as possíveis diferenças regionais
nos aspectos referentes à dispensação de antimicrobianos. A conformação final foi a
seguinte: dois farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos em
farmácias e drogarias de grandes redes, um na região F (centro), segundo a divisão do
CRF-RJ e outro da região A (zona sul) e dois farmacêuticos de farmácias de pequeno
porte, um da região E (zona da Leopoldina) e outro da região D (Méier).
Apesar de ser importante tentar verificar todos os ângulos relacionados com a
nova regulamentação de antimicrobianos, não foi possível incluir farmacêuticos que
trabalhassem nas farmácias do Programa Farmácia Popular ou da Vigilância Sanitária
do Município do Rio de Janeiro uma vez que aqueles contatados pela autora não
concordaram em participar da pesquisa.
O roteiro das entrevistas foi desenvolvido de acordo com as metodologias de
pesquisa qualitativa abordadas por Minayo, que enfatiza a importância desta fase da
pesquisa. Inicialmente, é preciso entender que o roteiro de pesquisa precisa contar com
poucas questões, visto que seu objetivo é “apreender o ponto de vista dos atores sociais
previstos nos objetivos da pesquisa” (MINAYO, 1998, p.99). E irá servir como um
instrumento norteador para a entrevista, que deverá, segundo Minayo (1998, p.99),
responder questões especificas, como por exemplo, se as questões estão caminhando
para dar forma e conteúdo ao delineamento do objeto; se o roteiro consegue ampliar a
discussão; se possibilita verificar, segundo o ponto de vista dos interlocutores, a visão,
os juízos e as relevâncias dos fatos que fazem parte do objeto.
O roteiro (ANEXO III e IV) elaborado para este trabalho tentou resgatar a
percepção destes profissionais a respeito de seu entendimento da nova regulamentação,
suas dificuldades no cumprimento das normas previstas, sua relação direta com a
população que busca o estabelecimento para a dispensação de antimicrobianos (com ou
sem a prescrição médica) e as possíveis contribuições que estes profissionais podem
relatar (na sua própria concepção) para a melhor implantação desta política de saúde.
Foi elaborado um roteiro que pudesse alcançar as diferenças especificas dos dois grupos
entrevistados e para tanto este roteiro foi montado com núcleos de perguntas comuns
aos dois grupos e perguntas diferenciadas para o grupo de profissionais que não atua
diretamente com a dispensação de medicamentos.
56
Para a análise dos resultados, optou-se pela utilização da análise de conteúdo,
em que segundo Bardin (1977, p.42) tem-se “um conjunto de técnicas de análise das
comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição
do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens”.
Para Bardin o importante da análise está mais ligado à interpretação da
mensagem do que a descrição especifica de seu conteúdo, O objetivo do pesquisador
está em buscar o real significado do que é dito nas mensagens partindo das hipóteses,
através da determinação de técnicas para a realização da análise (MOREIRA, 2012,
p.7). Bardin (1977) divide a análise de conteúdo em três fases diferentes: pré-análise,
exploração e tratamento dos dados e interpretação.
A pré-análise é a fase organizacional, em que o plano de análise é desenvolvido
para que o objetivo possa ser sistematizado e operacionalizado. É nessa fase que os
documentos a serem analisados serão definidos, assim como as hipóteses e os
indicadores.
A autora (BARDIN, 1997, p.96) afirma que estes fatores não necessariamente
seguem uma ordem cronológica, porém se mantem ligados uns aos outros
constantemente.
A segunda fase da análise é longa e cansativa, sendo a exploração propriamente
dita dos materiais em que são desenvolvidos os códigos, quantificações e qualificações
para a análise dos dados. Para Oliveira (2008) é o processo propriamente dito de
transformação dos dados brutos em unidades que agregadas de forma sistemática
possibilitam uma compreensão do conteúdo descrito no texto.
Por último temos o tratamento dos dados e a interpretação, em que busca-se
tratar os resultados de forma que eles se tornem significativos e válidos (BARDIN,
1977, p.101) o que permitirá ao analista inferir e interpretar os resultados obtidos.
57
Quadro VI - Roteiro de Análise de Conteúdo.
ETAPAS INTENÇÕES AÇÕES
PRÉ-ANÁLISE
*Retomada do objeto e
objetivos da pesquisa;
Escolha inicial dos documentos;
*Construção inicial de
indicadores para a análise:
definição de unidades de
registro - palavras-chave ou
frases; e de unidade de contexto
- delimitação do contexto (se
necessário)
*Leitura flutuante: primeiro
contato com os textos, captando
o conteúdo genericamente, sem
maiores preocupações técnicas
*Constituição do corpus: seguir
normas de validade:
1- Exaustividade - dar conta do
roteiro;
2- Representatividade - dar
conta do universo pretendido;
3- Homogeneidade - coerência
interna de temas, técnicas e
interlocutores;
4- Pertinência - adequação ao
objeto e objetivos do estudo.
EXPLORAÇÃO DO
MATERIAL
*Referenciação dos índices e a
elaboração de indicadores -
recortes do texto e
categorização;
Preparação e exploração do
material - alinhamento;
*Desmembramento do texto em
unidades/categorias - inventário
(isolamento dos elementos);
Reagrupamento por categorias
para análise posterior -
classificação (organização das
mensagens a partir dos
elementos repartidos)
TRATAMENTO DOS
DADOS E
INTERPRETAÇÃO
*Interpretações dos dados
brutos (falantes);
*Estabelecimento de quadros de
resultados, pondo em relevo as
informações fornecidas pelas
análises
*Inferências com uma
abordagem variante/qualitativa,
trabalhando com significações
em lugar de inferências
estatísticas.
Fonte: Adaptado de Júnior, Melo e Santiago, 2010
58
Desta forma, é necessário construir uma matriz a partir da qual será possível
compreender as mensagens transmitidas nas entrevistas. Essa matriz será dividida em
temas relacionados com o tema central da entrevista e em categorias e subcategorias que
especificam e diluem os temas. Esta organização facilita a análise, permitindo que o
leitor conheça o que foi dito na entrevista, através da determinação dos indicadores e
das unidades de registro.
6.2 – PROCEDIMENTOS:
Os roteiros de entrevistas foram elaborados após pesquisa bibliografia de artigos
e periódicos sobre o assunto, utilizando os descritores em saúde: Resistência
Microbiana a Medicamentos, Antibacterianos, Política de Saúde, Medicamentos sob
Prescrição, Prescrição Inadequada e Uso Indevido de Medicamentos sob Prescrição e
foi utilizada para busca em base de dados a biblioteca virtual em saúde. Da mesma
forma foi realizada pesquisa de reportagens sobre a publicação e repercussão da
promulgação da RDC nº20, para que fosse possível traçar um panorama da situação e
verificar, aliado aos objetivos do trabalho, os principais questionamentos levantados
pelos profissionais de saúde.
As entrevistas foram feitas de acordo com a disponibilidade dos entrevistados
em seus locais de trabalho, após assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido e gravadas em micro gravador Sony®, nos casos em que houve autorização.
O projeto foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Estudos em
Saúde Coletiva através da Plataforma Brasil e o parecer de aprovação está registrado
sob o número 524612 (Anexo I).
Todas as entrevistas foram transcritas e analisadas segundo a metodologia de
Bardin. Após a transcrição as entrevistas foram trabalhadas à exaustão e agrupadas em
três grandes temas relacionados com a RDC nº 20. Desses temas conseguiu-se
relacionar as respostas em categorias e subcategorias que permitiram a análise das
respostas através da transformação dos dados brutos em unidades de registro.
Para ordenação dos dados optou-se por codificar cada entrevistado com uma
letra (A-H) e realizar a enumeração das informações prestadas de forma sequencial
numérica. A matriz de análise pode ser vista no Anexo VI.
59
60
7 – DETERMINAÇÃO DA AGENDA POLÍTICA – PORQUE
CONTROLAR A UTILIZAÇÃO DE ANTIMICROBIANOS AGORA? –
RELAÇÕES DO MODELO DE MÚLTIPLOS FLUXOS E A
FORMULAÇÃO DA RDC Nº20/2011
O presente trabalho busca estudar a elaboração e o desenvolvimento de uma
nova política pública para controle da prescrição e venda de antimicrobianos. Esta nova
regulamentação visa alcançar o uso racional dos antimicrobianos pela população
brasileira fora da área hospitalar, em que o controle da indicação e utilização de
medicamentos é precário e carece de subsídios para chegar a todos os indivíduos de
forma clara.
Um aspecto importante é a dificuldade no controle da utilização de
medicamentos pela população em praticamente sua totalidade, uma vez que farmácias e
drogarias não são reconhecidas por esta população como estabelecimentos de saúde, e
os medicamentos ofertado podem ser adquiridos como qualquer outro produto de bem
de consumo encontrado no mercado brasileiro, apesar de existirem Leis e
regulamentações que caracterizam a necessidade da dispensação de medicamentos
estarem atreladas a uma prescrição médica ou odontológica.
Dentre essas regulamentações destaca-se a Lei nº 5.991 de 1973, que é a
responsável pelo controle sanitário de medicamentos e estabelece a necessidade de
prescrição médica para a dispensação de medicamentos, além de estabelecer as normas
para uma prescrição adequada, contudo esta lei não explicita em seu texto quais são
estes medicamentos.
Os medicamentos que não precisam de prescrição médica e suas exceções foram
estabelecidos em uma lista apenas em 2003, com a publicação da RDC nº 138 (Anexo
V4), que abrange justamente as classes de medicamentos isentos de prescrição.
4A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) permite a venda livre, sem
necessidade de prescrição médica, de alguns grupos de medicamentos para indicações terapêuticas especificas, salvo em situações em que a restrição é discriminada.
61
Valendo-se desses textos pouco abrangentes e acentuados pelas características
culturais, sociais e principalmente econômicas da população brasileira, a aquisição de
medicamentos sempre foi realizada de forma livre na maioria dos estabelecimentos.
Contudo, apenas em 2010 há uma ação da vigilância sanitária referente
ao controle da prescrição e dispensação dos antimicrobianos, apesar de a ideia da
restrição da venda deste grupo terapêutico não ser recente e estar sendo discutida por
grupos de estudos sobre medicamentos há anos.
A introdução deste assunto na agenda política e os motivos que levaram à
formulação da RDC nº 20/2011 podem ser estudados à luz do modelo de múltiplos
fluxos de Kingdon, possibilitando responder a questões fundamentais para a avaliação
futura das políticas de saúde de medicamentos. A principal questão refere-se ao motivo
pelo qual os antimicrobianos se tornaram alvo deste novo controle apenas agora.
Restam outras questões. Qual é sua repercussão dentro da etapa de implantação e
avaliação da política no ciclo das políticas de saúde? Será está uma legislação que irá
auxiliar na garantia da segurança do paciente?
Para tentar responder a essas questões verifica-se que, apesar do Brasil possuir
uma Constituição e uma série de leis que garantam a saúde como direito dos cidadãos
de diversas formas é visível que tal direito não é assegurado e muitos brasileiros não
conseguem ter acesso a pontos básicos, como consultas médicas e medicamentos.
Outros problemas importantes, como a automedicação, derivam de questões como a
falta de acesso a essas consultas e da facilidade de compra de medicamentos sem
prescrição.
7.1 – INTRODUÇÃO DO CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS –
ANÁLISE DOS TRÊS FLUXOS DE KINGDON
Dentro da teoria do modelo de múltiplos fluxos é possível analisar cada fluxo de
acordo com as ações e acontecimentos que marcaram a formação da janela de
oportunidade para a criação de uma regulamentação de controle de antimicrobianos.
No Fluxo dos Problemas, estuda-se a forma como questões são reconhecidas
como problemas e de que forma esses problemas começam a integrar a agenda política.
62
Alguns estudos (MONTEIRO, 2006; GOTTEMS, 2010) ressaltam que para Kingdon
estes problemas tornam-se alvo da atenção do governo devido a algumas aspectos
específicos.
O primeiro aspecto é a existência de indicadores, sendo os principais, no caso do
controle dos antimicrobianos, os estudos de utilização de medicamentos desenvolvidos
ao redor do mundo que apontam as altas taxas de infecção hospitalar e resistência
bacteriana. Ademais os relatórios da OMS, que apontam que a utilização incorreta de
antimicrobianos está relacionada com o surgimento de todas as complicações já citadas
e com os consequentes aumento dos gastos com tratamentos e hospitalizações.
O segundo aspecto está relacionado com a ocorrência de eventos e crises, como
o caso do surgimento de um novo mecanismo de resistência a antibióticos, detectado em
2009, através da produção de uma enzima denominada Klebsiella
pneumoniae carbapenemase (KPC) em bactérias gram-negativas (enterobactérias), que
confere resistência ao grupo de antibióticos carbapenêmicos. Este mecanismo de
resistência já era conhecido desde 1996, porém só alcançou o status de crise em 2009 e
reduziu as opções de tratamento de algumas infecções, levando a óbito pacientes em
diversos países, o que acarretou em alertas e monitoramento destas bactérias.
No início de 2010 foram notificados os primeiros casos no Brasil e, a partir deste
momento, as deliberações sobre uma nova regulamentação para utilização de
antimicrobianos foram amplificadas.
O terceiro aspecto diz respeito ao feedback relacionado com orçamentos, gastos
e outros problemas, como por exemplo, a grande utilização de antimicrobianos sem a
devida prescrição médica. Problema que acarreta em desenvolvimento de resistência
bacteriana, aumento de reações adversas a estes medicamentos e aumento dos gastos
com hospitalizações e tratamentos de saúde.
No fluxo das alternativas do modelo de múltiplos fluxos, tem-se o grupo de
ideias e temas que irão competir para serem escolhidos dentro das opções políticas. A
escolha da ANVISA em publicar uma regulamentação a respeito do controle de
antimicrobianos passou por esta fase. Os temas relacionados à saúde são diversos e
63
Figura IV – Linha do tempo KPC
1996 Primeiro caso relatado na Carolina do Norte – Estados Unidos
2006 Primeiros casos relatados na América do Sul
2009 – 2010 Seis estados Brasileiros apresentam relatos de KPC
Fonte: Elaborado pela autora
variados, e existem muitos problemas que merecem atenção do governo além do
controle de medicamentos, porém, graças a ações de burocratas, e outros atores, como
pesquisadores e especialistas da área, este tema em particular ficou em evidência e foi
escolhido como um aspecto digno de entrar para a agenda política.
Para o fluxo político tem-se, da mesma forma que no fluxo dos problemas, a
relação de três aspectos: o clima nacional, as forças políticas organizadas e as mudanças
do governo. E segundo Gottems (2010, p.37) são esses fatores que possibilitam que um
problema ganhe destaque e outros percam sua força.
No caso dos antimicrobianos, o clima nacional pode ser retratado como a
preocupação com a propagação de uma superbactéria e com os mecanismos que levam
ao desenvolvimento de resistência bacteriana, uma vez que, este aspecto está
relacionado com as preocupações compartilhadas por um grupo de pessoas e suas
percepções.
As forças políticas podem ser caracterizadas como “pressões exercidas por
grupos de apoio ou oposição” que sinalizam aos formuladores a força que uma ideia tem
para ingressar na agenda política (GOTTEMS, 2010 p.38). No caso estudado pode-se
considerar grupos como conselhos profissionais de saúde (medicina, farmácia, etc.) a
favor de medidas que dificultem o acesso a medicamentos de forma indiscriminada e
64
representantes das indústrias farmacêuticas, como as forças contra uma nova
regulamentação que aumente o controle dos antimicrobianos.
O terceiro e último aspecto do fluxo política é o próprio governo, que através de
mudanças próprias pode gerar mudanças nas agendas políticas. Aparentemente no
desenvolvimento da regulamentação de controle de antimicrobianos as questões
políticas se movimentaram em favor desta modificação da legislação.
Porém, segundo Kingdon, é necessário que os três fluxos sofram uma
convergência de forma que uma janela de oportunidade se abra e desta forma o
problema analisado torne-se parte da agenda política para que possa no futuro ser criada
uma política pública ou ainda ser descartada pela movimentação transitória dos aspectos
convergentes.
Este momento da abertura da janela de oportunidade é rápido e transitório e
precisa ser aproveitado pelos empreendedores de políticas para que os problemas em
evidência possam chegar a agenda. No caso dos antimicrobianos, as evidências indicam
que a convergência dos fluxos se deu principalmente pelas notícias de óbitos causadas
pela infecção por bactérias produtoras de KPC no Brasil. Momento que é possível
ressaltar o papel da mídia como um dos grandes atores envolvidos no desenvolvimento
de uma agenda pública.
A grande notoriedade dada aos casos da bactéria super-resistente pôde ser
utilizada pelos empreendedores de políticas como um problema relevante que precisava
de uma resposta adequada. Resposta que veio através do desenvolvimento de uma RDC
que aumentou o controle da prescrição e venda de antimicrobianos, com o objetivo de
controlar o acesso da população a estes medicamentos e, como consequência indireta,
diminuir um dos motivos conhecidos para o desenvolvimento de resistência bacteriana:
o uso inadequado de antimicrobianos.
Apesar de todas essas mudanças no controle de antimicrobianos estarem em seu
período inicial de implantação, diversas críticas a operacionalização e real efetividade
destas ações tem sido lançadas por profissionais de saúde, pacientes, membros de
conselhos de classe e a própria indústria farmacêutica. Essas críticas são fundamentadas
em questões relacionadas com a falta de cumprimento das normas pelos
estabelecimentos farmacêuticos e um dos grandes receios que os especialistas da área
apresentam é que esta regulamentação não apresente força para ser bem sucedida em
65
sua implementação e se torne mais um exemplo de regulamentação brasileira que não é
cumprida.
Esta problemática pode ser explicada como mais que um receio pela teoria de
Pierson (2000) que apresenta a dependência de trajetória de uma política pública.
Conforme abordado anteriormente Pierson afirma que, ao ser escolhida, uma trajetória é
necessário um grande esforço ou forças externas para que as instituições ou políticas
públicas sofram alterações, uma vez que com o passar do tempo o custo para que
mudanças sejam geradas aumentam e desta forma um ciclo de auto-reforço é criado.
Este ciclo de auto-reforço pode ser virtuoso ou vicioso e no caso da implantação
da RDC nº 20/2011 apresenta-se como um ciclo vicioso uma vez que, apesar de grandes
mudanças estarem sendo implementadas e que essas mudanças contribuiriam para a
melhoria da segurança dos pacientes na utilização de antimicrobianos existem diversas
críticas e dúvidas a respeito da efetiva operacionalização desta norma, ou seja, a
possibilidade que esta regulamentação não seja cumprida é um exemplo de que sem
forças externas como ações governamentais, programas de educação sanitária para
profissionais e para a população e aumento nas ações de fiscalização da vigilância
sanitária o ciclo vicioso de desrespeito as normas sanitárias brasileiras poderá persistir e
todos os objetivos de uma regulamentação de controle de dispensação de
antimicrobianos podem não ser alcançados.
Tendo sido estabelecida a correlação com as etapas de formulação de políticas, é
necessário que o histórico de ações e regulamentações que culminaram com a
publicação da RDC nº 20 de 2011 seja traçado para entender porque o controle da
utilização de antimicrobianos foi alterado da forma como foi instituído até o presente
momento e para entender as opiniões dos profissionais envolvidos com a dispensação e
utilização de medicamentos de forma que as ações implementadas possam ser
efetivadas com sucesso.
66
8 – A LEGISLAÇÃO DE CONTROLE DE ANTIMICROBIANOS NO
BRASIL – COMO É FEITA?
Conforme abordado anteriormente, o surto da bactéria super-resistente produtora
de KPC foi um dos grandes responsáveis por abrir a janela de oportunidade para que
este problema ingressasse nos tópicos da agenda política do governo. Porém é
necessário destacar todas as etapas da construção da política pública e os principais
aspectos referentes aos controles instituídos, que são responsáveis pela repercussão
desta regulamentação e que ampliaram o debate sobre uso racional de medicamentos e
acesso da população aos medicamentos.
8.1 – A CONSTRUÇÃO DA RDC Nº 20 /2011
A formulação da RDC nº 20/2011 foi o resultado de muitas discussões e
observações dos responsáveis pela formulação das políticas públicas, com o objetivo
final de minimizar os riscos da utilização de medicamentos antimicrobianos pela
população e regular o uso racional destes. Para identificar os principais problemas
encontrados na implantação desta regulamentação é fundamental conhecer seu
conteúdo.
8.1.1 – REGULAMENTAÇÃO E ASPECTOS IMPORTANTES
Ao longo deste trabalho foram abordadas diversas legislações e regulamentações
referentes à questão dos medicamentos. Para que seja possível entender o processo
desenvolvido pela ANVISA na construção da RDC nº20 de 2011, é importante ressaltar
alguns aspectos pertinentes à regulamentação vigente.
Primeiramente, conforme já abordado anteriormente, a Lei nº 5.991 de 1973
regulamenta o controle sanitário de medicamentos e estabelece os requisitos da
prescrição médica, entretanto não estabelece quais medicamentos devem estar
associados a uma prescrição. Para auxiliar o controle sanitário, o Decreto nº 79.094 de
1977 estabelece em seu artigo nº 94 que “o rótulo da embalagem dos medicamentos,
67
produtos dietéticos e correlatos, que só podem ser vendidos sob prescrição médica,
deverão ter uma faixa vermelha em toda a sua extensão, do terço médio do rótulo e com
largura não inferior a um terço da largura total, contendo os dizeres: "venda sob
prescrição médica"” (BRASIL, 1977).
O decreto supracitado regulamenta a Lei nº 6.360 de 1976, que dispõe sobre a
vigilância sanitária de medicamentos e outros produtos e foi utilizado como uma
referência pela ANVISA na elaboração de políticas de controle de antibióticos, apesar
do mesmo ter sido revogado em 2013 pelo Decreto nº 8.077 com a justificativa de
harmonização das ações da vigilância sanitária, uma vez que as legislações anteriores
não contemplavam a existência da ANVISA que foi instituída apenas em 1999.
A preocupação com a utilização de antimicrobianos é antiga, em 1989 foi
publicado um relatório da oficina de trabalho instituído pelo Ministério da Saúde para a
formulação de política na área de antimicrobianos, e em 1993 foi instituído o Grupo
Técnico de Estudos sobre Medicamentos Antibióticos (GEMA) com o intuito de
auxiliar na formulação destas políticas. Em 1996 ocorreu a publicação da Portaria nº 54
que abrange o parecer do referido grupo sobre diversos tópicos importantes sobre
antibióticos.
Previamente à publicação da RDC nº 44 de 2010, a ANVISA, em março de
2010, realizou reuniões com os grupos envolvidos com a questão de utilização de
antimicrobianos no país como, por exemplo, entidades representantes dos prescritores
de medicamentos. Essas ações foram seguidas por uma audiência pública, realizada
também em março de 2010, e uma consulta pública em julho do mesmo ano.
Em outubro de 2010 foram feitos os primeiros relatos de casos de KPC no Brasil
e, finalmente, em vinte e seis de outubro de 2010 houve a publicação da RDC nº 44,
primeira regulamentação brasileira a estabelecer o controle de antimicrobianos. Esta
regulamentação foi substituída em cinco de maio de 2011 pela RDC nº 20, após
diversas discussões entre a agência reguladora e representantes dos conselhos federais
de farmácia e medicina, usuários, representantes da indústria farmacêutica, etc.
68
8.1.2 – PORTARIA Nº 344 DE 1998 E SISTEMA NACIONAL DE
GERENCIAMENTO DE PRODUTOS CONTROLADOS (SNGPC)
No contexto do uso racional de medicamentos, há necessidade de lidar com
algumas figuras centrais, que interagem de forma dinâmica: o prescritor, o paciente e
também o dispensador.
Conforme relatam De Sousa et al (2010, p.440): “A relação destes atores está
permeada por uma série de questões que envolvem a capacidade de definição e
implementação de uma política de medicamentos, as relações do mercado farmacêutico,
particularmente no que se refere à propaganda médica, à organização da rede de
serviços, em nível de educação da sociedade, a fatores culturais de um modo geral e ao
arcabouço legal”.
Ao contrário do que se espera para a promoção do URM, a realidade brasileira
parece caminhar na direção oposta, conforme ressalta Aquino (2007), uma vez que
apresenta um número muito superior às recomendações da Organização Mundial de
Saúde no que se refere ao número de estabelecimentos farmacêuticos, além de existir a
cultura corrente da automedicação, estimulada pela facilidade de aquisição de
medicamentos sem receitas médicas, e a dificuldade no acesso aos serviços de saúde.
Para minimizar o quadro do uso inadequado de medicamentos são necessárias
diversas ações, entre as quais podem ser incluídas, segundo Aquino (2007), promoção
de campanhas para garantir a educação e informação da população quanto ao assunto
medicamentos, melhorar o acesso aos serviços de saúde, aumentar o controle sobre a
venda destes produtos, entre outras.
Em relação ao aumento do controle da venda de medicamentos, pode-se citar
como exemplo o controle específico dos medicamentos ditos entorpecentes e
psicotrópicos, aqueles com ação principal no sistema nervoso central, e que possuem
um longo histórico de uso inadequado associado à dependência e outras consequências
danosas para os usuários. Esta legislação foi utilizada como base para a formulação da
regulamentação de controle de antimicrobianos.
A Portaria nº344 de 1998 estabeleceu um controle mais efetivo da
comercialização de diversos medicamentos divididos em listas de controle, com o
objetivo de coibir tanto o tráfico, a falsificação, como o uso inadequado destes
69
medicamentos, através da necessidade de retenção de notificação de receita ou de
receitas de controle especial em duas vias. E para aumentar, ainda mais, o controle
destas substâncias, em 2007 – portanto, já na vigência da ANVISA - foi emitida a RDC
nº27, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados
(SNGPC).
Tal Sistema objetiva o monitoramento efetivo da dispensação das substâncias
listadas na Portaria nº 344, além de otimizar o processo de escrituração, permitir o
monitoramento de hábitos de prescrição e consumo de substâncias controladas em
determinada região para propor políticas de controle, captar dados que permitam a
geração de informação atualizada e fidedigna para o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária para a tomada de decisão e dinamizar as ações da vigilância sanitária.
O SNGPC se propõem a alcançar esses objetivos através do envio de
informações de dispensação dos medicamentos das listas da Portaria nº 344 e agora dos
antimicrobianos constantes na RDC nº 20 para os bancos de dados da ANVISA. As
farmácias e drogarias informam quais medicamentos possuem em estoque através de
inventários online e conforme os medicamentos são dispensados e as prescrições são
retidas, os farmacêuticos realizam a escrituração online no programa do estabelecimento
e posteriormente enviam os arquivos para o banco de dados, tornando possível para a
ANVISA ter acesso aos padrões de prescrição e dispensação destes medicamento
diretamente junto aos estabelecimentos farmacêuticos, o que antes não era possível,
uma vez que a escrituração dos medicamentos controlados era feita de forma manual em
livros de registro.
Atualmente apenas farmácias e drogarias da rede privada têm a obrigatoriedade
de utilização deste Sistema mas, segundo a ANVISA, futuramente a utilização do
mesmo deverá se estender a farmácias da rede pública, farmácias hospitalares,
indústrias e distribuidoras.
A RDC nº 44/2010 aumentou o controle sobre a dispensação de medicamentos
antimicrobianos e estabeleceu a necessidade de receita de controle especial em duas vias
para que a dispensação destes medicamentos possa ocorrer. A ANVISA também
estabeleceu a necessidade de escrituração destes medicamentos no SNGPC, o que se
manteve com a revogação da RDC nº44 e publicação da RDC nº 20.
70
A necessidade da publicação de uma nova RDC ocorreu depois de muitas
críticas dos diversos órgãos e conselhos de classe, e estabeleceu de forma mais
detalhada os procedimentos referentes à prescrição e dispensação destes medicamentos.
Entretanto, mesmo com essas mudanças, muitas questões ainda estão sendo levantadas e
os diversos atores envolvidos nessa dinâmica ainda apresentam dúvidas sobre como o
controle deve ser realizado.
Por parte da população, emerge a estranheza frente à imposição de uma barreira
para o acesso a uma classe de medicamentos que até há pouco tempo julgava-se de
“livre acesso”. Junto aos profissionais de saúde surgem dúvidas sobre como devem ser
as prescrições destes medicamentos (dados mínimos que devem estar presentes na
prescrição para que possa ser feita a dispensação, por exemplo), e como atender da
melhor forma uma população fragilizada que enxerga o medicamento como o símbolo
de restituição das condições de saúde e bem-estar. O farmacêutico é o responsável
direto pela chegada do medicamento ao paciente. Quais as dificuldades enfrentadas por
este profissional na implantação de ações que possibilitem este acesso à população sem
negligenciar as exigências da política de saúde, que objetiva justamente proteger essa
população do uso inadequado de medicamentos? Quais são os obstáculos vistos pela
ótica dos conselhos e dos profissionais farmacêuticos que não atuam diretamente com a
dispensação de medicamentos?
A preocupação com o controle do acesso da população aos medicamentos
antimicrobianos está respaldada no histórico de uso abusivo e inadequado de
medicamentos pela população brasileira com o agravante de que tais medicamentos, por
suas características físico-químicas e farmacológicas possuem um risco associado de
que os microrganismos desenvolvam resistência pelo consumo inadequado e percam a
ação terapêutica esperada. Ademais, encarecem custos de tratamento e sobrecarregam o
sistema de saúde, devido ao aumento das taxas de internações referentes a infecções
bacterianas graves e/ou multirresistentes (LYRA JUNIOR et al, 2004, p. 87).
Como mencionado anteriormente, em sua relação com a atenção à saúde e bem-
estar, os medicamentos assumiram uma posição de símbolo de saúde e materialização
do “estado de bem-estar”, deixando sua posição técnica de instrumento de intervenção e
galgando o posto de objeto social, sendo consumido como mercadoria, o que tem
71
acarretado em preocupações com o acesso, tratamentos pouco efetivos e usos
inadequados. (LEITE, VASCONCELLOS, 2010, P.19)
8.1.3 – RDC Nº 20 DE 2011 – ASPECTOS PRESENTES NA
REGULAMENTAÇÃO E MEDIDAS DE CONTROLE
Para fins de entendimento das questões enfrentadas pelos profissionais de saúde
e pelos usuários de medicamentos durante esse período inicial de implementação da
RDC nº 20 /2011, é necessário abordar as exigências e as modificações na prescrição e
dispensação de antimicrobianos.
Primeiramente, a RDC limita sua abrangência para farmácias e drogarias da rede
privada e farmácias públicas do programa farmácia popular, visto que estas farmácias
dispensam antimicrobianos através de ressarcimento financeiro. Uma outra questão
importante relacionada com a abrangência desta regulamentação é que normalmente
farmácias públicas, sejam de postos de saúde, unidades de pronto atendimento ou
farmácias ambulatoriais de hospitais já exigem a apresentação de uma prescrição
médica para a dispensação de medicamentos, devendo apenas manter tal procedimento e
suas formas de controle.
Esta RDC passou a exigir que os antimicrobianos contidos na listagem
determinada em seu anexo fossem prescritos apenas por médicos, dentistas ou médicos
veterinários, ficando suspensa a autorização para prescrição de antibióticos por
enfermeiros, que era prevista pela Resolução nº 358 de 2009 do Conselho Federal de
Enfermagem. Contudo, após algumas discussões a própria ANVISA decidiu aceitar que
os antibióticos possam ser prescritos por profissionais enfermeiros nos serviços públicos
de saúde, baseados no que diz a Lei nº 7.498 de 1986, que afirma que é uma atribuição
do enfermeiro como membro da equipe de saúde a “prescrição de medicamentos
estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de
saúde” (BRASIL, 1986). Portanto, para os serviços de saúde públicos a prescrição do
enfermeiro é permitida, sendo vedado a prescrição dos mesmos no setor privado.
Em relação a prescrição, ficou definido que não há a necessidade de que seja
feita em talonário especial, podendo ser utilizado um receituário comum, contanto que
72
as informações básicas exigidas estejam presentes e que seja feita em duas vias, com a
retenção de uma cópia na farmácia ou drogaria e com validade para dez dias.
Os dados obrigatórios são:
Dados do prescritor: Nome, número do conselho e assinatura;
Dados do paciente: Nome, idade e sexo;
Dados do medicamento: Nome, concentração/dose, em casos de tratamento prolongado
esta expressão deve estar escrita na receita e será válida por noventa dias, sendo que a
indicação e a quantidade para cada trinta dias de tratamento devem estar presentes.
Ao contrário do que determina a Portaria nº 344 de 1998, a RDC nº 20/2011
permite que outros medicamentos além de antimicrobianos sejam prescritos na mesma
receita (exceto os contidos na Portaria nº 344/1998) e não limita a compra destes
medicamentos a um único estabelecimento. Tanto nos casos em que o paciente escolha
adquirir os medicamentos em estabelecimentos diferentes, como naqueles em que o
medicamento será utilizado por um período prolongado é dever do farmacêutico
escrever as informações da dispensação, como quantidade dispensada, na frente das
duas vias da receita.
Ficou estabelecido também que a devolução de antimicrobianos passa a ser
proibida, exceto em casos de suspeita de reações adversas ou desvios de qualidade dos
medicamentos, assim como também passou a ser necessária a escrituração destes
medicamentos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados, da
mesma forma que os medicamentos da Portaria nº 344 de 1998.
Desta forma estabeleceu-se todos os requisitos necessários para a implantação
desta nova regulamentação referente ao controle de medicamentos antimicrobianos,
medida que conforme relatada, integra as políticas de saúde de governo, mas
especificamente as políticas de controle de medicamentos. Porem uma regulamentação
precisa de subsídios para garantir que sua implementação seja bem sucedida e alcance
seus objetivos.
Dentro deste período inicial de implantação quais os aspectos fundamentais
observados pelos profissionais de saúde que podem auxiliar na melhor efetivação das
novas normas de controle?
73
9 - A IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE CONTROLE DE
ANTIMICROBIANOS - SUA REPERCUSSÃO
Conforme relatado anteriormente esta regulamentação abrange farmácias e
drogarias particulares e farmácias do programa Farmácia Popular, sendo notável a
diferença entre estes estabelecimentos, uma vez que os primeiros citados acabam sendo
confundidos pelos empresários e pela população em geral como mais um
estabelecimento de comercio, enquanto aqueles estabelecimentos do programa do
governo guardam em seu atendimento ao público os preceitos doutrinários do SUS que
buscam a garantia da segurança do paciente.
Desta forma é muito provável que os profissionais que trabalham nesses
estabelecimentos possuam visões diferentes da implantação da regulamentação
estudada, assim como das questões relacionadas com dificuldades e desafios. Contudo
essas diferenças não puderam ser relatadas neste estudo, uma vez que não foi possível
entrevistar aqueles profissionais que trabalham em estabelecimentos do programa
farmácia popular, assim como, membros da vigilância sanitária do município
(responsáveis pela fiscalização dos estabelecimentos farmacêuticos no município do Rio
de Janeiro), pelo fato de que os profissionais destes estabelecimentos contatados pela
autora, não aceitaram responder a pesquisa.
Para que fosse possível identificar as questões relevantes aos profissionais de
saúde relacionadas com a implantação inicial da RDC nº 20/2011, foram entrevistados
oito profissionais farmacêuticos divididos dois grupos. Quatro farmacêuticos que não
atuam diretamente realizando a dispensação de medicamentos e quatro farmacêuticos
que trabalham diretamente com atividade de dispensação de medicamentos em
farmácias e drogarias.
As respostas dos profissionais entrevistados, foram agrupadas de acordo com as
técnicas da análise de conteúdo e posteriormente foi construída uma matriz de análise,
em que três grandes temas sobre a RDC nº 20 foram estabelecidos (Anexo V):
Formulação da RDC nº 20, implantação da RDC nº 20 e dificuldades em relação a RDC
nº 20.
74
Com base nos temas foram criadas as categorias e subcategorias de acordo com
o proposto por Bardin, tendo sido identificadas unidades de registro e unidades de
contexto das entrevistas realizadas.
Os entrevistados declararam achar a nova regulamentação necessária, porém
existem vários ângulos observados por cada um em relação ao aspecto mais importante
de sua implantação. Um dos farmacêuticos que não trabalha diretamente com a
dispensação de antibióticos frisou a existência de outras regulamentações que se fossem
cumpridas tornariam a implantação da RDC nº 20 desnecessária, como a própria Lei
nº5.991/ 1973.
Outros entrevistados frisaram a importância desta RDC no que se relaciona com
o uso racional de medicamentos, para que seja possível diminuir o uso indiscriminado
dos antimicrobianos pela população e melhorar o combate a resistência microbiana. É
possível visualizar no discurso dos farmacêuticos que trabalham diretamente com a
dispensação de medicamentos uma preocupação com o acesso da população ao sistema
de saúde, uma vez que de acordo com esses entrevistados, a maioria das pessoas que
tentam comprar medicamentos antimicrobianos sem prescrição médica alega que não
consegue ter acesso a consultas médicas para ser diagnosticado.
Um dos entrevistados afirmou que apesar de achar a implantação da RDC
necessária acredita que outras medidas devem ser implantadas em paralelo para auxiliar
na redução do uso indiscriminado de medicamentos e apenas um farmacêutico declarou
que não achava a RDC necessária, porém também ressaltou que sua opinião se
embasava na questão de existir regulamentações que já limitavam o uso inadequado de
medicamentos tarjados.
As respostas a esta pergunta mostraram que os entrevistados tinham o
conhecimento a respeito da existência da RDC nº 20/2011, seja por realizar atividades
que se relacionam diretamente com a implantação desta regulamentação ou por
conhecimento especifico de sua área de trabalho. Há uma preocupação por parte dos
dois grupos em questões focadas com o acesso da população aos medicamentos de
forma racional e medidas paralelas que podem ser realizadas pelo governo como uma
complementação da implantação inicial.
Quando perguntados sobre o impacto da RDC na utilização de antimicrobianos
os dois grupos parecem concordar que em um primeiro momento há uma diminuição do
75
uso inadequado destes medicamentos. O grupo de farmacêuticos que não trabalha
diretamente com a dispensação de antimicrobianos se dividiu nas opiniões relacionadas
com o conhecimento da população sobre a regulamentação.
A professora universitária e a fiscal do CRF acreditam que o governo deve
investir mais em campanhas que auxiliem na divulgação da regulamentação e em
estratégias que promovam a educação sanitária desta população para que ocorra um
aumento no uso adequado de antimicrobianos. Conforme ressalta um dos entrevistados:
“...nenhuma campanha publicitária a nível nacional foi vinculada na imprensa de forma
continua e sistemática de modo a contribuir diretamente com os farmacêuticos que
atuam em farmácias e drogarias”.
A falta de campanhas que informem tanto a população usuária, como os
profissionais responsáveis pela prescrição e dispensação de medicamentos, irá afetar o
nível de aceitação da população a essa norma, conforme será discutido mais à frente.
Em contrapartida os dois outros farmacêuticos que não trabalham com a
dispensação de medicamentos relatam acreditar que as campanhas para divulgação das
mudanças na regulamentação foram apropriadas e contribuíram para o debate sobre o
tema utilização de antimicrobianos. É importante salientar que estes dois entrevistados
não trabalham diretamente no município do Rio de Janeiro, ficando o questionamento se
a visão destes se dá de forma mais regionalizada, ou ainda, será que faltou a este
município uma maior divulgação em relação a outros locais do país, o que corroborou
para a visão dos demais entrevistados que não houve campanhas expressivas do
governo para divulgar a importância do uso adequado de antimicrobianos.
O farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamentos
apresentaram em suas respostas dúvidas sobre o real cumprimento desta nova norma,
porém todos acreditam que a longo prazo esta é uma medida que pode reduzir o uso
inadequado de antimicrobianos e melhorar as taxas de resistência a esses medicamentos.
Um dos farmacêuticos deste grupo é um pouco mais pessimista em sua visão
sobre o impacto da RDC quando afirma que esta regulamentação é importante “apenas
em coibir o acesso para pessoas que não precisam especificamente de antimicrobianos,
mas isso não significa que as pessoas que precisam irão passar por uma consulta médica
e ter acesso a uma prescrição”, ou seja, este profissional não consegue visualizar ações
efetivas do governo que corroborem e auxiliem na implantação desta regulamentação.
76
Em relação aos principais pontos abordados pela RDC e se a sua implantação é
realmente possível houve respostas distintas nos dois grupos. De forma indiscriminada
apenas um farmacêutico (do grupo dos que não trabalham com dispensação de
medicamentos) não considera a publicação desta RDC um avanço, uma vez que existem
outras regulamentações que se cumpridas garantiriam o uso adequado de medicamentos
e que maiores resultados poderiam ser verificados se houvessem campanhas de
educação sanitária para a população.
Dentre os aspectos importantes citados pelos entrevistados, tem-se a questão da
necessidade de retenção de receita que obriga o paciente a passar por uma consulta
médica, a menor validade da receita médica o que restringe a compra do medicamento
quando ele não é mais necessário, a necessidade de escrituração dos antimicrobianos
através do SNGPC, o que aumenta a amplitude de ação da vigilância sanitária. Contudo
esses mesmos pontos salientados apresentam problemas que precisam ser resolvidos
para garantir a efetiva implementação desta regulamentação.
Dentro dos dois grupos foi observado que os maiores problemas para a
operacionalização desta RDC encontram-se na falta de fiscalização de diversos
estabelecimentos, seja no cumprimento da necessidade do farmacêutico por todo o
período de funcionamento da farmácia ou drogaria, ou no próprio cumprimento da
RDC. Também há problemas em relação ao SNGP, uma vez que por ser o farmacêutico
responsável pelo encaminhamento das informações há um afastamento de suas
atividades clinicas e da sua interação com o paciente que busca informações no
estabelecimento farmacêutico, e abre espaço para que a dispensação de medicamentos
seja feita pelo balconista.
Segue um dos relatos: “O SNGPC é um exemplo de avanço, só que no meu
ponto de vista, não deveria ser o farmacêutico o digitador deste processo”.
Novamente a preocupação com a garantia ao acesso as consultas medicas foi
uma preocupação dos grupos, porém um dos farmacêuticos que não trabalha com a
dispensação de medicamentos acredita que a utilização inadequada de antimicrobianos é
um problema tão grande que a instituição desta regulamentação foi acertada e é
necessária.
Em relação as possíveis dificuldades existentes para a implantação desta RDC,
os dois grupos concordam que apesar do SNGPC ser uma estratégia para otimizar a
77
disponibilidade de informações sobre os hábitos de prescrição e dispensação dos
antimicrobianos, o fato desta escrituração eletrônica precisar ser realizada pelo
farmacêutico soma-se a tantas outras atividades burocráticas de controle sanitário já
realizadas por este profissional dificultando, conforme falado anteriormente suas
atividades de orientação junto ao paciente.
Um dos farmacêuticos que trabalha diretamente com a dispensação de
medicamentos ressalta outro problema decorrente das múltiplas atividades burocráticas
do farmacêutico, a dispensação realizada pelos balconistas que não se preocupam com
as normas de controle sanitário. “Além disso, os balconistas ganham comissão para
vender medicamentos e isso incentiva a venda sem prescrição médica dos
antimicrobianos, dificultando o trabalho do farmacêutico”.
Outra dificuldade abordada pelos dois grupos diz respeito a problemática da
fiscalização, uma vez que muitas farmácias não cumprem as normas vigentes por não
serem fiscalizadas.
A questão da conscientização da população sobre os perigos da utilização
inadequada de medicamentos e de que farmácias são estabelecimentos de saúde foi
abordada por um dos farmacêuticos que não trabalha diretamente com a dispensação de
medicamentos. Novamente as preocupações sobre a operacionalização desta
regulamentação alcançam a necessidade de aumentar o conhecimento da população
sobre medicamentos e tornar esta população aliada dos profissionais de saúde com o
intuito de diminuir os problemas decorrentes da utilização inadequada de
medicamentos.
Essa questão também se relaciona com a aceitação inicial da população sobre as
mudanças ocorridas com a dispensação dos antimicrobianos. É interessante verificar
que os dois grupos entrevistados apresentam visões diferentes desta reação inicial,
ambos afirmam ter sido observado um descontentamento da população durante os
meses iniciais de implantação, contudo o grupo de farmacêuticos que trabalha
diretamente com a dispensação de medicamentos afirma categoricamente que esta
recepção foi péssima e cheia de problemas, já que os pacientes estavam acostumados
em receber “consultas” no próprio balcão da farmácia ou drogaria, o que não foi mais
possível com as mudanças.
78
Já o grupo que não trabalha diretamente com a dispensação de medicamentos
tem uma visão mais suave em relação a recepção da população, no que afirmam
que apesar do estranhamento inicial, após os esclarecimentos sobre as mudanças os
pacientes pareciam entender e buscar a consulta médica para obter a prescrição
adequada.
O que este grupo não aborda diretamente em suas respostas são os problemas
decorrentes da falta de fiscalização, como as farmácias que não cumprem as novas
regras e possibilitam que esses pacientes continuem obtendo antimicrobianos sem
prescrição médica.
Foram investigadas também opiniões referentes à preparação técnica do
farmacêutico para prestar informações referentes as mudanças realizadas na dispensação
de antimicrobianos e novamente os grupos tiveram algumas diferenças em seus pontos
de vistas.
O grupo que não trabalha com a dispensação de antimicrobianos acredita que
estes profissionais se capacitam para auxiliar os pacientes prestando informações sobre
a dispensação e utilização correta destes medicamentos de forma que estas informações
atinjam seu objetivo, o que está alinhado com a opinião dos que trabalham com a
dispensação, contudo estes profissionais frisaram as dificuldades em realizar este
trabalho informativo em consequência das diversas atividades burocráticas já abordadas
anteriormente, que precisam ser realizadas.
Aparentemente, o único participante que não trabalha com a dispensação de
medicamentos que tem uma opinião semelhante aos membros do outro grupo é a fiscal
do CRF que afirma acreditar que o farmacêutico tem um preparo para falar ao paciente
do produto antimicrobiano muito maior do que sua correlação clínica e isso se deve,
justamente, a esta questão das múltiplas atividades burocráticas que o farmacêutico
precisa desempenhar.
Ainda nos pontos relacionados com as dificuldades perante a implantação da
RDC nº 20, foram abordados aspectos referentes a fiscalização. Todos os entrevistados
concordaram que a fiscalização, seja pelos conselhos profissionais ou pelas vigilâncias
sanitárias, possui falhas e carece de reforço.
79
Existem duas abordagens diferenciadas em relação à fiscalização. Os conselhos
de farmácia fiscalizam majoritariamente a ausência do farmacêutico nos
estabelecimentos, não averiguando se as atribuições referentes à prática clínica e
burocrática do farmacêutico estão sendo cumpridas, apesar de ser estabelecido pelo
Conselho Federal de Farmácia a ficha de verificação do exercício ético-profissional, que
deveria ser utilizada como instrumento norteador das atividades básicas a serem
cumpridas pelo farmacêutico nas farmácias e drogarias, contudo, conforme relato de
entrevistado muitas vezes esta ficha não é utilizada: “ o CRF fiscaliza a ética
profissional, então observamos se o farmacêutico está cumprindo bem ou não o seu
papel profissional. Atualmente só observamos se ele está presente”.
Desta forma temos uma problemática séria, uma vez que como as atividades
profissionais do farmacêutico não são efetivamente fiscalizadas “não se observa o que
está sendo realizado pelo profissional. Ele muitas vezes está em atividades
administrativas e nunca realiza atividades clínicas”.
A outra abordagem está relacionada com a fiscalização das vigilâncias sanitárias,
que, segundo os entrevistados, não consegue abranger todos os estabelecimentos
farmacêuticos que precisam de fiscalização. Outro ponto importante que parece ser de
consenso entre os entrevistados é que novamente há a dificuldade em avaliar se as
normas sanitárias estão sendo cumpridas.
A fiscalização das vigilâncias sanitárias parece não se importar com a qualidade
e a segurança do atendimento, conforme um dos entrevistados ressalta: “me parece que
as instituições fiscalizadoras se preocupam por demais em ações punitivas às drogarias
do que em ações educativas aos prescritores. A legislação acaba por ser cumprida mais
pelo receio do farmacêutico em ser punido”.
Segundo um dos entrevistados do grupo de profissionais que não trabalha com a
dispensação de medicamentos, o SNGPC consegue auxiliar nesse controle da
fiscalização sanitária uma vez que “os profissionais de vigilância sanitária têm acesso ao
sistema e conseguem acompanhar quais estabelecimentos não estão cumprindo com a
legislação”. Contudo, de acordo com os demais entrevistados, é praticamente unânime a
percepção de que as vigilâncias não estão conseguindo fiscalizar estabelecimentos que
não possuem o farmacêutico durante seu horário de funcionamento. Será possível para
80
eles fazer um acompanhamento das informações implantadas no sistema eletrônico,
atividade bem mais complexa?
De acordo com os entrevistados a resposta é não, conforme é possível verificar
nos trechos a seguir.
“Normalmente a fiscalização só se preocupa com documentos e a área física da
farmácia”.
“A fiscalização realizada pelas vigilâncias sanitárias locais quanto aos
procedimentos de exigência e retenção de receita nos estabelecimentos farmacêuticos é
pouco feita e decorre desse fato que muitas farmácias continuam vendendo sem nenhum
controle”.
Quando perguntados sobre as potencialidades dos mecanismos de fiscalização e
sobre o que poderia ser feito para além da fiscalização os grupos divergem um pouco
em suas respostas.
Aqueles que trabalham com a dispensação de medicamentos sentem uma
carência grande nas ações de fiscalização sanitária e demonstram acreditar que se
houvesse mudanças nas abordagens de fiscalização realizadas nas farmácias, com
menos preocupação em ações punitivas aos profissionais e mais ações de educação
voltadas a esses profissionais e pacientes poderia haver uma melhora na
operacionalização das novas normas. Da mesma forma ressaltam a necessidade de
ampliar as ações de fiscalização para que todos os estabelecimentos possam ser
contemplados.
Já aqueles que não trabalham diretamente com a dispensação de medicamentos
afirmam achar que os problemas referentes a fiscalização são as punições brandas ou até
mesmo inexistentes devido a pressões do mercado e fiscalizações que não contemplam
as atividades éticas e assistenciais destes profissionais, apesar de um dos membros deste
grupo ter afirmado acreditar que os mecanismos de fiscalização atuais são suficientes,
sendo necessário o aumento do número de fiscais para garantir o cumprimento das
normas.
Em relação às participações nas consultas e audiências públicas que resultaram
na publicação de mudanças na dispensação de antimicrobianos, apenas um entrevistado
afirmou ter tido participação devido à sua vinculação à entidade envolvida com a
81
questão de utilização de medicamentos. Todos os outros participantes, inclusive os que
não atuam diretamente na dispensação, apenas acompanharam a discussão de forma
afastada e sem participação ativa.
Essa questão pode levantar discussões sobre os mecanismos utilizados pela
ANVISA para a divulgação de suas discussões sobre vigilância sanitária e utilização de
medicamentos. Inclusive, durante a realização deste trabalho, buscou-se conseguir
cópias dos resultados da consulta pública e da ata da audiência pública realizadas à
época da publicação das mudanças da regulamentação, sem sucesso, embora todas essas
informações sejam de livre acesso público.
É possível verificar algumas questões importantes após a análise do relato dos
farmacêuticos entrevistados. Primeiramente, apesar de existirem diferenças de opiniões
e pontos de vistas entre os grupos entrevistados, ambos apresentaram similaridades e
foram complementares praticamente em todos os pontos abordados, sendo as diferenças
esperadas, justamente pelas diferentes atividades exercidas por esses profissionais, que
acabam levando a diferenças nas respostas.
Pareceu haver por parte do farmacêutico integrante da ANVISA, uma maior
credibilidade nas ações de controle e fiscalização da vigilância sanitária do que nos
demais participantes, independente dos grupos analisados. Isso é verificado na sua
resposta a questões dos mecanismos de controle da vigilância, conforme já abordado.
O grupo de farmacêuticos que trabalham com a dispensação de medicamento foi
escolhido levando em consideração a divisão do município do Rio de Janeiro feita pelo
CRF-RJ, tendo sido dois farmacêuticos de farmácias e drogarias de grandes redes, um
na região F (centro), e outro da região A (zona sul) e dois farmacêuticos de farmácias e
drogarias de pequeno porte, um da região E (zona da Leopoldina) e outro da região D
(Méier).
Apesar desta divisão, não foi possível observar diferenças significativas nas
respostas destes participantes que demonstrem relação com a região de trabalho destes
profissionais. Aparentemente os profissionais que trabalham nas áreas E e D apresentam
maiores preocupações no que se relaciona com a fiscalização dos estabelecimentos,
contudo não foi possível determinar se essa questão está relacionada com a região em
que estes estabelecimentos se encontram ou com o fato destes serem farmácias e
drogarias de pequeno porte.
82
Por último é importante relacionar a entrada do tema controle de
antimicrobianos na agenda política do governo com as questões da implantação inicial
de uma regulamentação deste assunto.
Conforme foi observado durante o desenvolvimento deste trabalho, o controle da
utilização adequada de medicamentos é uma questão antiga e de difícil
operacionalização no Brasil devido à questões socioeconômicas e culturais, sendo que
apesar de já existirem legislações e regulamentações que forneçam os mecanismos para
a realização deste controle, o mesmo tem se mostrado falho e com consequências
preocupantes.
Todos os entrevistados concordaram com a necessidade de garantir mecanismos
que possibilitem a melhora no controle sanitário de medicamentos e reconheceram a
importância desta nova regulamentação como uma dessas tentativas. Da mesma forma
os estudos de Kingdon sobre a formação da agenda política explicam como é necessário
uma convergência de fatores para a abertura da janela de oportunidades que permita a
inserção de um tema que poderá se tornar uma nova política pública.
A RDC nº 20/2011 é o exemplo de como situações de emergência e questões
relevantes para o controle sanitário convergem e passam a integrar as políticas de saúde
do governo brasileiro, sendo reconhecida pelos profissionais entrevistados como uma
medida de vigilância sanitária fundamental para a melhora da qualidade de assistência à
população, contudo os mesmos profissionais reconhecem que outras medidas se fazem
necessárias para que um ciclo virtuoso seja formado e então as mudanças esperadas
possam ser realmente efetivadas.
83
10 – PERSPECTIVAS FUTURAS: O QUE PODEMOS ESPERAR
O presente trabalho teve como principal objetivo verificar as questões suscitadas
pelos profissionais de saúde que possuem atividades relacionadas com a dispensação de
antimicrobianos, modificada pela implantação inicial da RDC nº 20/2011. Estes
profissionais, na figura de farmacêuticos dispensadores de medicamentos, fiscais,
professores universitários e membros de órgãos da classe farmacêutica, puderam, por
meio de entrevistas semiestruturadas, auxiliar na visualização das principais críticas e
questões referentes à supracitada regulamentação.
Paralelamente, pela análise documental, verificou-se os motivos que levaram o
tema controle de antimicrobianos à agenda política do governo. Baseando-se na teoria
do ciclo das políticas públicas e no modelo de múltiplos fluxos de Kingdon, enumerou-
se os fatores que levaram os legisladores à formulação de uma nova regulamentação que
alterou a forma pela qual os medicamentos antimicrobianos podem ser prescritos e
dispensados.
Não há dúvidas de que a utilização de medicamentos pela população é um tema
que merece destaque e faz parte das prioridades da OMS e dos governos mundiais. Nas
políticas de saúde do Brasil existem diversas regulamentações, conforme foi
apresentado, que buscam a utilização racional dos medicamentos e estipulam normas
para que esse objetivo possa ser alcançado. Contudo é visível que por diversas falhas,
tanto na fiscalização quanto na operacionalização destas normas, o uso racional de
medicamentos está longe de ser alcançado no país.
Conforme foi evidenciado, a própria RDC nº 20/2011 busca corrigir uma falha
no seguimento de normas já vigentes, uma vez que a lei nº 5.991/73 já prevê que a
dispensação de antimicrobianos só pode ser realizada mediante a apresentação de uma
prescrição, visto serem esses medicamentos tarjados. Se esta simples norma fosse
seguida por todos os estabelecimentos farmacêuticos, não haveria a necessidade de uma
nova regulamentação ser implementada, trazendo medidas punitivas para os
profissionais de saúde.
Da mesma forma, o governo não está investindo em ações educativas para a
população cujo impacto esteja sendo visualizado. A falta de campanhas que informem a
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população a respeito dos perigos da utilização inadequada de medicamentos aumenta as
críticas às regulamentações que criam restrições de acesso aos medicamentos.
Quanto à garantia de acesso dos indivíduos que realmente precisam de
tratamentos com antimicrobianos, o governo vem desenvolvendo ações que, por
exemplo, aumentam o acesso aos serviços de saúde. Entretanto, estas ações certamente
necessitam alcançar ainda maior amplitude.
Dentre os principais indicadores que podem ser utilizados para avaliar questões
referentes ao acesso da população aos serviços de saúde destacam-se a utilização de um
serviço regular de saúde, o número de pessoas que passam por consultas médicas e
odontológicas, o número de exames auxiliares a diagnóstico, como o Papanicolau e
mamografias e a cobertura realizada pelo Programa Saúde da Família, que tem se
ampliado ao longo dos últimos anos de forma expressiva. De acordo com dados do
Ministério da Saúde, o governo ampliou o atendimento do programa em 31,89% nos
últimos dois anos, sendo que até 2010 a cobertura populacional do programa no
município do Rio de Janeiro era de 12,71% (MS/DAB).
Outras ações importantes do governo no sentido de buscar a ampliação do
acesso aos serviços de saúde é verificada na criação do Programa de valorização do
profissional da atenção básica (PROVAB), que busca capacitar médicos e outros
profissionais de saúde na atenção básica e levar estes profissionais para regiões que
tenham carência desses serviços, além do programa Mais médicos que trouxe
profissionais de outros países para atuar em diversas áreas do Brasil, tentando suprir a
necessidade destes profissionais.
Apesar destas ações existe ainda uma grande demanda por estes profissionais
que ainda não conseguiu ser suprida. De acordo com o portal saúde do Ministério da
Saúde, foram solicitados pelos municípios treze mil médicos para atuação em 2868
municípios, contudo em 55% não houve a inscrição de nenhum médico (MS/DAB).
Da mesma forma ainda deve-se avaliar com cautela os números apresentados
pelo programa mais médicos, que de acordo com o Ministério da Saúde, apresentou um
aumento de 35% no número geral de consultas na atenção básica após sua implantação
(5.972.908 em janeiro de 2014 contra 4.428.112 em janeiro de 2013) (MS/DAB). O
reflexo destas ações na questão de dispensação de medicamentos antimicrobianos talvez
possa ser visualizado nos números de atendimentos nas farmácias públicas ou da rede
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de farmácias populares, que não foram incluídas neste estudo, uma vez que para os
profissionais das farmácias e drogarias privadas o acesso à consultas médicas para
obtenção de uma prescrição ainda é uma das principais questões levantadas como uma
das grandes problemáticas em torno da operacionalização da RDC nº20.
Outras duas questões importantes levantadas durante a realização deste trabalho
foram o afastamento do farmacêutico de sua função de dispensador, que compromete
toda a dinâmica para alcançar o uso racional de medicamentos pela população, e a falha
dos órgãos fiscalizadores em sua função, principalmente no que se refere ao
cumprimento das normas explicitadas pelas políticas públicas.
É evidente que a utilização de medicamentos pela população precisa de
orientação e de medidas sanitárias de controle para que a própria população possa ser
protegida. Contudo, durante o desenvolvimento deste trabalho foi possível evidenciar
que as medidas instituídas, além de não estarem sendo cumpridas efetivamente, servem
apenas para preencher falhas prévias da fiscalização da comercialização e da utilização
dos antimicrobianos.
Espera-se que a partir desta pesquisa inicial, novos trabalhos possam vir a
aprofundar o estudo da questão da utilização correta de medicamentos antimicrobianos
e que um debate sobre as formas de fiscalização de medicamentos e ações de vigilância
sanitária possa ser iniciado.
Uma população esclarecida acerca dos riscos de utilização de antimicrobianos,
juntamente com profissionais capacitados para prestar assistência farmacêutica de forma
correta para esta população são requisitos necessários para aumentar o uso racional de
medicamentos e a segurança dos pacientes.
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