“Palavra de Homem” Aldir Blanc
“Palavrade
Homem”
Aldir Blanc
No apartamento onde moro existe um cômodo misterioso: o escritório.
Não escrevo nele, mas lá estão os livros, o computador, a velha máquina de escrever, o fax, os discos.
... De vez em quando, peço licença e entro
lá pra apanhar alguma coisa
O lugar é dominado por minha mulher e
quatro filhas.
Uma noite, fui atrás de um livro policial com Pepe Carvalho, meu detetive favorito, e dei de cara com
as cinco me olhando.
Só o homem que vive com cinco mulheres sabe os
riscos dessa convivência.
É preciso ser o que meu amigo Mello Menezes chama
de "canalha cálido": terno, compreensivo, com apurado
senso de justiça.
Ajeita daqui, manera de lá, tentando não perder um
pedacinho sequer do imenso amor que todas sentem por mim e que eu, modéstia à
parte, mereço.
Na tal noite, que mudou minha vida, as cinco me olhavam, intensas, e pude sentir que o homem não é nada quando
mulheres tomam uma decisão.
Os olhares diziam mais ou menos assim: isso é assunto nosso, morou?
Estamos envolvendo você por consideração,
etc, mas ESSE NÃO É SEU
DEPARTAMENTO, CERTO?
Uma delas me deu uma lata de cerveja geladinha, outra me passou uma cigarrilha holandesa, botaram um disco de
jazz que eu amo na vitrola, e Isabel, a caçula, me jogou um beijinho como quem diz: coragem!
Cumprido esse preâmbulo ritualístico,
a Rainha das Amazonas anunciou:
- Tatiana está grávida.
Elas dizem que é folclore, mas eu senti direitinho a fumaça da cigarrilha saindo pelas orelhas.
Engasguei, fiz gestos estranhos, e a Patrícia suspirou:
- Eu disse que era melhor acender um troço mais forte...
Eu nasci no Estácio, pô! Qualé?
Fui criado em Vila Isabel! Não vou perder a pose mole, não!
Eu e o Bruce Willis somos duro de matar, neguinhas!
Vou mostrar pra vocês meu famoso jogo de cintura.
Quando vocês iam, eu já estava voltando, tá legal?
Parei de espernear, levantei do chão, Isabel enxugou a lourinha entornada em minha camisa, e tomei ali, na
hora, uma decisão de macho: não vou permitir que elas percebam meus verdadeiros sentimentos.
Nunca! Para o próprio bem delas, tenho que
ficar frio.
Vou fazer minha imitação de
Robert Mitchum.
Pronto. Nervos devidamente colocados no lugar, tive um acesso
de choro.
Nada de BUÁÁÁÁÁÁ e SNIFF, coisa de criança.
Sou da Zona Norte.
Foi assim: AAAMMMHHHNNNN!
Vendo que eu havia conseguido o completo domínio de minha
emoção, Mari Lúcia continuou: - São gêmeos.
-AAAIIIIIMHHNNNHHHIIIIGRFSS!
Mais lenha: - A Mariana também está grávida.
Voltei a mim, igualzinho no antigo samba, nos braços de Isabel. "Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos
braços de Isabel eu sou um deus...“
Afagando minha barba em desalinho,
Isabel brincou:
- Vai ser vovô...
Mari Lúcia me abanava, Mariana pingava gotinhas de Efortil dentro de outra latinha, Jung (meu bravo e fiel cão de guarda), lambia minha cara, Patrícia rezava um mantra
aprendido em Búzios e Tatiana repetia, sorridente:
- Assim a gente mata o velho...
Minha garganta emitia sons gorgolejantes.
Todas insistiam: - Fala, tenta falar. Cê vai se sentir melhor.
Consegui articular: - Tô com uma vontade louca de
comer carambola.
É isso, amigas.
Fecundado pela palavra vovô, eu estava irremediavelmente
grávido de meus netos.
Aldir Blanc
ImagensGoogle
MúsicaErnesto Cortazar
FormataçãoChristina Meirelles Neves