A estupidez humana é, para muitos, um fascinante objecto de estudo. Tão fascinante que são raros os livros e teorias sobre ela. Interessa não apenas a grandes pensadores. Interessa a qualquer um, por isso cativa sujeitos tão distintos como Albert Einstein («Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, relativamente ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta.»), Umberto Eco, Anton LaVey («É uma pena que a estupidez não seja dolorosa.»), Albert Camus ou George Carlin («Pensa quão estúpida a pessoa média é e repara que metade das pessoas ainda são mais estúpidas.»). Por que motivo somos tão estúpidos? Deveremos continuar a sê-lo? Como reagir de outro modo? Existem ainda diversas perguntas por responder, embora as teorias abundem. A Filosofia é um pouco assim: pergunta-se muito, responde-se ainda mais e ainda acabamos mais confusos. Outro facto que me surpreende (ou não) é o escasso material dedicado ao estudo de um tema tão importante como este. Existem, nas universidades, departamentos para analisar as complexidades matemáticas, os movimentos das formigas do Amazonas, a História medieval da ilha de Perima, mas nunca soube de uma Fundação ou Conselho Consultivo que dê apoio aos estudos da Estupidologia. Giancarlo Livraghi, 1996 Existe uma teoria, algo conhecida, sobre a estupidez humana: a do bem- humorado Carlo Cipolla, historiador económico que nasceu em Pavia 1 em 1922 e que faleceu em 2000. «As Leis Fundamentais da Estupidez Humana» foi um ensaio humorístico publicado em 1988 no livro Allegro ma non troppo, juntamente com outro texto do mesmo género («O papel das especiarias (e o da pimenta em particular) no desenvolvimento económico da Idade Média»). Pretendo com este artigo traduzir alguns excertos, resumi-la ao seu essencial (apesar de serem apenas algumas páginas de fácil leitura, que não li português, embora exista uma tradução da Celta) e comentá-la, de acordo com o conceito de estupidez de Cipolla, não conforme as minhas definições (que apresentarei de seguida). 1 A cidade italiana do ditado «Roma e Pavia não se fizeram em um dia», não a freguesia alentejana (portuguesa).
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A estupidez humana é, para muitos, um fascinante objecto de estudo. Tão
fascinante que são raros os livros e teorias sobre ela. Interessa não apenas a grandes
pensadores. Interessa a qualquer um, por isso cativa sujeitos tão distintos como
Albert Einstein («Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas,
relativamente ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta.»), Umberto Eco, Anton
LaVey («É uma pena que a estupidez não seja dolorosa.»), Albert Camus ou George
Carlin («Pensa quão estúpida a pessoa média é e repara que metade das pessoas ainda
são mais estúpidas.»).
Por que motivo somos tão estúpidos? Deveremos continuar a sê-lo? Como reagir de
outro modo? Existem ainda diversas perguntas por responder, embora as teorias abundem.
A Filosofia é um pouco assim: pergunta-se muito, responde-se ainda mais e ainda acabamos
mais confusos.
Outro facto que me surpreende (ou não) é o escasso material dedicado ao
estudo de um tema tão importante como este. Existem, nas universidades,
departamentos para analisar as complexidades matemáticas, os movimentos das
formigas do Amazonas, a História medieval da ilha de Perima, mas nunca soube
de uma Fundação ou Conselho Consultivo que dê apoio aos estudos da
Estupidologia.
Giancarlo Livraghi, 1996
Existe uma teoria, algo conhecida, sobre a estupidez humana: a do bem-
humorado Carlo Cipolla, historiador económico que nasceu em Pavia1 em 1922 e que
faleceu em 2000. «As Leis Fundamentais da Estupidez Humana» foi um ensaio
humorístico publicado em 1988 no livro Allegro ma non troppo, juntamente com outro
texto do mesmo género («O papel das especiarias (e o da pimenta em particular) no
desenvolvimento económico da Idade Média»).
Pretendo com este artigo traduzir alguns excertos, resumi-la ao seu essencial (apesar
de serem apenas algumas páginas de fácil leitura, que não li português, embora exista
uma tradução da Celta) e comentá-la, de acordo com o conceito de estupidez de Cipolla, não
conforme as minhas definições (que apresentarei de seguida).
1 A cidade italiana do ditado «Roma e Pavia não se fizeram em um dia», não a freguesia alentejana (portuguesa).
Essencialmente, os estúpidos são perigosos porque as pessoas
razoáveis têm dificuldade em imaginar e entender um comportamento
estúpido. [...] Posto que as acções de uma pessoa estúpida não se ajustam às
regras da racionalidade:
a) geralmente o ataque apanha-nos de surpresa;
b) mesmo quando se tem conhecimento do ataque, não é possível organizar
uma defesa racional, porque o ataque em si mesmo carece de qualquer
estrutura racional.
Carlo Cipolla, 1988
Com o que até agora foi mencionado, compreendemos que as pessoas não-estúpidas
ou razoáveis, ao dar a oportunidade de os estúpidos entrarem em cena, estão a ser
estúpidos (não no geral, mas naquela postura em particular), porque os estúpidos
prejudicarão ambos. Realço, já agora, que um acto pode traduzir-se na ausência
de acção.
Entretanto, não poderia deixar de apresentar o seguinte raciocínio:
A capacidade destrutiva que tem uma pessoa estúpida depende de dois
factores principais. Antes de nada, depende do factor genético. [...] O segundo
factor que determina o potencial de uma pessoa estúpida provém da posição de
poder ou autoridade que esta ocupa na sociedade. [...]
A pergunta que por vezes surge nas pessoas razoáveis é a de que como será
possível que pessoas deste tipo cheguem a alcançar posições de poder ou
autoridade. As classes e castas (laicas ou eclesiásticas) foram as
instituições sociais que permitiram um fluxo constante de pessoas estúpidas a
postos de poder na maioria das sociedades pré-industriais. No mundo
industrial moderno, as classes e castas têm vindo a perder cada vez mais a sua
importância. Todavia, em vez delas temos partidos políticos, burocracia e
democracia. No seio de um sistema democrático, as eleições são um instrumento
eficaz para assegurar a manutenção estável da percentagem € entre os
poderosos. Há que recordar que, segundo a Segunda Lei, a percentagem € de
pessoas que votam são estúpidas e as eleições são uma magnífica ocasião
de prejudicar todos os outros, sem obter benefícios. Estas pessoas
cumprem o seu objectivo, contribuindo para a manutenção do nível € de estúpidos
entre as pessoas que estão no poder.
Carlo Cipolla, 1988
Muito interessante (por enquanto, não pretendo discutir se verdadeiro ou não).
Cipolla infere que a postura dos estúpidos é a que mais perdas introduz na
Humanidade:
Os incautos dotados de rasgos de inteligência superiores à média da sua
categoria, assim como os malvados com rasgos de inteligência e, sobretudo, os
inteligentes, contribuem, ainda que em diversas medidas, para o aumento do bem-
estar na sociedade.
Carlo Cipolla, 1988
Esta ideia explica-se mais facilmente através de um referencial cartesiano, mas passo a
explicar (com dois exemplos meus entre parênteses):
o inteligente gera sempre benefícios para todos, logo, depois da sua acção, o
bem-estar da sociedade aumenta;
o ingénuo, sempre que não perca mais do que aquilo que os outros têm a
ganhar, também contribui para o bem-estar da sociedade (alguém que perde
um avião para as férias de sonho em troca do auxílio a um homem que está
prestes a perder a vida e que será aquele a conceber, anos mais tarde, a cura
para a SIDA);
o egoísta, sempre que não ganhe menos do que aquilo que faz perder,
também contribui para o bem-estar da sociedade (alguém que rouba um livro
de uma biblioteca que o faz ter uma grande ideia, que revolucionará a
tecnologia em todo o mundo);
o estúpido nunca consegue contribuir para o bem-estar da sociedade.
Existe apenas um corolário oficial:
Em geral, as pessoas do tipo egoísta são as mais desacreditadas pela
sociedade, como os ladrões. É uma ideia incutida nas crianças desde cedo, de modo a fazer
a distinção bem/mal, sobretudo pelos pais, mas também pelos desenhos animados, por
exemplo. No entanto, concluímos, com a Quinta Lei Fundamental, que os estúpidos são
piores que os egoístas, porque não só não ganham nada como fazem perder o que é dos
outros. "Como se fizesse a coisa mais natural do mundo, o estúpido aparecerá quando
menos se espera para pôr em causa os teus planos, destruir a tua paz, complicar-te a vida
e o trabalho, fazer-te perder dinheiro, tempo, bom humor, apetite, produtividade. Tudo
isto sem malícia, sem remorosos e sem razão", afirmava Cipolla.
Entretanto, a esse, Livraghi agregou mais um.
Quando li o livro, gostei tanto dele que escrevi uma carta a Carlo Cipolla
(apenas fiz esse tipo de coisas duas vezes na minha vida). Para minha surpresa,
ele respondeu-me, de modo breve, mas amável. [...] A resposta a "O que pensa do
meu corolário?" foi “Bem... Porquê não? Talvez...”, que interpretei como uma
entusiástica aprovação e adesão ao
Giancarlo Livraghi, 1996
É uma possibilidade.
Contudo, mais tarde, encontrou outros dois.
[...] Dei-me conta de que não o poderia chamar de "primeiro", porque
apenas existia um. A minha intuição inicial estava, porém, correta. Descobri,
depois, que existem pelo menos três. Aqui estão eles: [...]
“A quantidade de possíveis inter-relações entre membros de um grupo de
pessoas aumenta proporcionalmente ao quadrado da quantidade de membros” é
uma ideia geralmente aceite. Parece-me muito óbvio que o mesmo critério se
aplica à combinação dos factores individuais de estupidez. Isso pode ajudar a
explicar o facto bem conhecido de que multidões como um todo são mais estúpidas
do que um indivíduo isolado.
Giancarlo Livraghi, 1996
Uma analogia válida exige semelhanças essenciais (não as secundárias) entre os
elementos que se comparam. Acrescento que, se compreendi de modo correcto,
a premissa que respeita à suposta teoria matemática nem sequer me parece
correcta (os gráficos das permutações de x e dos quadrados de x são claramente distintos,
mesmo se comparados a diferentes escalas). Terei que debater o assunto com um
matemático. Portanto, embora me pareça despropositado, nada tenho a dizer, em definitivo,
sobre este corolário.
A estupidez não tem cérebro – não precisa de pensar, organizar-se
ou planear para gerar um efeito combinado. A transferência e
harmonização da inteligência é um processo muito mais complexo.
As pessoas estúpidas podem reunir-se instantaneamente num grupo muito
estúpido, enquanto que as pessoas inteligentes só são efectivas em grupo quando
se conhecem bem e têm experiência em trabalho de equipa. A criação de grupos
bem sintonizados de pessoas que compartilham inteligência pode gerar forças
anti-estupidez razoavelmente poderosas, mas, em oposição à aglutinação de
estupidez, essas pessoas necessitam de um planeamento organizado e de
acompanhamento; podem perder grande parte de sua efectividade com a
infiltração de pessoas estúpidas ou pelo surgimento inesperado de estupidez em
pessoas que agem de forma inteligente em qualquer outra actividade.
Giancarlo Livraghi, 1996
Este já me parece mais provável e, em determinada medida, concordo com ele.
Exemplos ilustrativos abundam no dia-a-dia. Não será a probabilidade de convencer
alguém a saltar do telhado de uma casa num acto de “estupidez” maior do que a de
conseguir que essa mesma pessoa leia um livro (um acto que, por norma, não se considera
“estúpido” – por agora)?
Se a intenção de Cipolla foi obter somente um escrito bem-humorado, está muito
bem conseguido, porque o autor se refere a uma base alegadamente científica, que
não pude comprovar, como já referi.
Alguns dos seus conceitos são válidos, como o de estupidez. Segundo a minha
concepção, chegamos às duas conclusões possíveis, mas se atestarmos um estúpido com
base na consequência dos seus actos – e não pela racionalidade dos seus actos –, obtemos
uma forma interessante de estudar o assunto, que se pode, até, traduzir em experiências
sociológicas ou suposições que resultam da reflexão pessoal de cada um.
Recapitulando, apesar de, neste contexto, concordar que subestimamos o potencial
destrutivo dos e o número de indivíduos estúpidos, que o estúpido é o tipo de pessoa mais
perigoso que existe e que a combinação da inteligência de várias pessoas tem um impacto
menor do que a combinação da estupidez, não considero que a estupidez de uma pessoa seja
independente de qualquer outra característica nem que a estupidez de várias pessoas,
combinada, cresça geometricamente. São, também, posições teóricas que podem mudar a
qualquer momento.
É óbvio que, todavia, prefiro a minha teoria, de que a estupidez não existe,
porque, não sendo irrefutável nem definitiva (nenhuma o é), é a que me parece mais
adequada diante das circunstâncias, supondo, em jeito de explicação psicológica não-
comprovada, o que ocorre na mente humana2.
2 Se não servir a mais ninguém, pelo menos que sirva para que as apostas a favor da estupidez humana deixem de existir (hoje em dia existem apostas sobre tudo). Se quem aposta a favor pode apresentar a teoria de Cipolla, quem aposta contra pode apresentar a minha.